História das Relações Internacionais Gilberto Maringoni UFABC – 1º. Semestre 2014 10 de março a 30 de maio 1. Apresentação do curso, do programa e da metodologia • Ementa • Examinar a historia das Relações Internacionais (RI) a partir do desenvolvimento das relações políticas e econômicas entre os diferentes povos e continentes. Análise da formação do sistema mundial, dos impérios coloniais mercantilistas e dos sucessivos ciclos de hegemonia vinculados à expansão européia. Formação e desenvolvimento da diplomacia. • A construção das Relações Internacionais na Idade Moderna confunde-se com a história da formação dos Estados nacionais europeus e da difusão do modo de produção capitalista em escala global. A partir das expedições ultramarinas, lideradas inicialmente por Portugal e Espanha, a Europa tornou-se universal. • O sociólogo mexicano Enrique Dussel[1] assinala, no ensaio Europa, modernidade e eurocentrismo que, empiricamente, “nunca houve uma historia mundial até 1492 – data de início da operação do ‘Sistema-mundo’. Antes dessa data, os impérios ou sistemas culturais coexistiam entre si. Apenas com a expansão portuguesa (...) todo o planeta se torna o ‘lugar’ de uma só ‘História mundial’”. • [1] DUSSEL, Enrique.”Europa, modernidade e eurocentrismo”, in A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, Argentina, 2005. pgs.55-70 • O foco principal do curso é tratar o desenvolvimento das RI como caudatário da dinâmica de formação dos Estados nacionais e do desenvolvimento do capitalismo. Assim, as esferas da política, da economia – finanças, investimento, comércio e circulação de capitais -, da sociedade e da cultura serão examinadas a partir de sua articulação com aqueles processos. Sobre a escolha do Estado como tema central do curso, vai aqui uma observação de Perry Anderson, em Linhagens do Estado absolutista: • “Hoje, quando a “Historia a partir de baixo” tornou-se reconhecida tanto em círculos marxistas como não-marxistas e produziu já importantes benefícios para nossa compreensão do passado, é apesar de tudo necessário relembrar um dos axiomas básicos do materialismo histórico: que a luta secular entre as classes resolve-se em última instância no nível político da sociedade – e não no plano econômico ou cultural. Em outras palavras, é a construção ou destruição dos Estados que sela as modificações básicas nas relações de produção, enquanto subsistirem as classes”. Carl Polanyi, A grande transformação: • “A ação deliberada do Estado nos séculos XV e XVI impingiu o sistema mercantil às cidades e municipalidades ferrenhamente protecionistas. O mercantilismo destruiu o particularismo desgastado do comércio local e intermunicipal, eliminando as barreiras que separavam esses dois tipos de comércio não-competitivo e, assim, abrindo caminho para o mercado nacional que passou a ignorar, cada vez mais, a distinção entre cidade e campo, assim como as que existiam entre as várias cidades e províncias”. Luiz Augusto Estrella Faria (UFRGS) Capitalismo, espaço e tempo: • A relação mercantil na história humana apresentou sempre uma dimensão espacial. • De seus primórdios, o ato da troca resultou do encontro de homens que vinham de lugares diferentes e proporcionou-lhes a possibilidade de ter acesso a valores de uso produzidos além de seu espaço econômico próprio. • Nesse sentido, a troca foi sempre uma ampliação do espaço econômico, cuja dimensão possível esteve sempre condicionada pelo desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação. • Antes do advento do capitalismo, entretanto, o espaço da troca era dado pelos processos de deslocamento e pela expansão territorial das sociedades. • A ampliação do espaço estava, então, sujeita a uma lógica de acumulação de poder proporcionada pela conquista de mais território, como mostra Giovanni Arrighi. • A própria noção de geografia econômica não fazia sentido mais que descritivo do espaço das atividades produtivas, pois os limites geográficos eram as fronteiras do poder político, e a expansão econômica — a acumulação de riquezas — surgia como resultante da expansão territorial. • O capitalismo modifica essa situação; sob sua égide, a ampliação do espaço vai ser resultado do desenvolvimento do mercado, de seu crescimento. • No volume de sua obra intitulado O Tempo do Mundo, Fernand Braudel traça um percurso da relação entre o desenvolvimento das relações mercantis e a diferenciação dos espaços econômicos. • No livro, ele mostra como o espaço vai-se ampliando na medida em que os mercados locais vão desaparecendo, fundindo-se na formação do mercado capitalista. • Fernand Braudel também mostra o papel da evolução dos meios de transporte e comunicação nesse processo. • Desse passo, nasce o mercado capitalista, e uma nova dimensão de espaço econômico é constituída. • O desdobramento dessa ampliação do espaço resulta de uma dialética de unidade e contradição entre o Estado, de um lado, o lugar do poder, e a zona urbana, de outro, o lugar da riqueza. • Num primeiro momento, surgem em lugares diferentes, pois, nos séculos XV e XVI, quando nascem os primeiros Estados modernos (Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Escandinávia), as zonas urbanas, onde se concentra a acumulação da riqueza, estão no eixo Itália-Alemanha, que só vai presenciar a formação de Estados nacionais muito tardiamente. • "Será necessário o novo impulso econômico do século XVIII para que o ferrolho se solte e a economia se ponha sob o controle dos Estados e dos mercados nacionais", aponta Fernand Braudel. • O encontro desses dois lugares forma uma díade em que as cidades são submetidas ao poder central do Estado. • Ao longo dos séculos seguintes, o advento das democracias representativas e dos padrões de política de governo liberais faz a balança de poder voltar a pender para o lado dos donos da riqueza. • Ou seja, é através da criação de um espaço público de disputas políticas – o Estado – que o sistema interestatal, próprio das Relações Internacionais, pode surgir. É esta a pedra angular de nosso curso, sem deixar de lado outras esferas dessa dinâmica. Programa 1. Apresentação do curso, do programa e da metodologia; 2. Primeiros Estados nacionais europeus. A onda dos descobrimentos; 3. 1648-1789: Paz de Westfalia e conceito de soberania; 4. A Revolução Francesa e a Época Napoleônica; 5. 1815-1848 - Restauração e revolução; 6. O século britânico: indústria, armada e comércio; 7. Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios. A “questão oriental”; 8. I Guerra Mundial, Revolução Russa e crise sistêmica; 9. Saídas da crise e a II Guerra. Hegemonia dos EUA; 10. A descolonização e a emergência do 3º. Mundo. ONU, organismos multilaterais, bipolarização e Guerra Fria; Programa por aula • 10 de março: Apresentação do curso, do programa e da metodologia; • 14 de março: Primeiros Estados nacionais europeus. A onda dos descobrimentos; FIORI, José Luís, No princípio era Portugal (http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/No-principio-era-Portugal/26869 ) SILVA FILHO, Constituição, estrutura e atuação dos poderes locais na comarca de Vila Rica, págs. 29 a 48 (file:///C:/Documents%20and%20Settings/Gilberto.GILBERTOD05DB0/Meus%20documentos/Downloads/GERALDO_SILVA_FILHO.pdf ) • • 17 de março: 1648-1789: A Paz de Westfalia e o conceito de soberania; ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996, pags. 27 a 46 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 39 a 82 BREMER, Juan José, Tiempos de guerra y paz, Editorial Taurus, Cidade do México, 2012, págs. 23 a 33 http://www.editorialtaurus.com/uploads/ficheros/libro/primeraspaginas/201201/primeras-paginas-tiempos-guerra-paz.pdf RODRIGUES, Alessandra, CARVALHO, David, DINIZ, Luciano, Uma abordagem sobre a compreensão da soberania no decurso da história http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/alessandra_mahe_cos ta_rodrigues.pdf • • 24 de março : A Revolução Francesa e a Época Napoleônica; HOBSBAWM, Eric J., A era das revoluções, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1977, pags. 23 a 116 (Caps. 1 a 4) KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 119 a 140 ANDERSON, Perry, Internacionalismo, um breviário, Anos 90, Porto Alegre, 2005, p.13-42 • 28 de março : 1815-1848 - Restauração e revolução; KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 143 a 189 HOBSBAWM, Eric J., A era das revoluções, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1977, pags. 321 a 332 HOBSBAWM, Eric J., A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982, pags. 21 a 46 • 31 de março e 4 de abril: O século britânico: indústria, armada e comércio; POLANYI, Karl, A grande transformação, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000, pags. 15 a 35 HOBSBAWM, Eric J., A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982, pags. 49 a 86 • • 7 de abril: Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios. A “questão oriental”; HOBSBAWM, Eric J., A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982, pags. 101 a 134 (Caps. 5 e 6) HOBSBAWM, Eric J., A era dos impérios, 1875-1914, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2003, págs. 87 a 124 e 203 a 232 ANDERSON, Perry, Internationalism, a breviary, New Left Review, Londres, março/abril de 2002 (http://newleftreview.org/II/14/perry-andersoninternationalism-a-breviary) • 11 de abril - PROVA • 14 de abril: Os nacionalismos europeus e a Era dos Impérios. A “questão oriental” (Parte II); • • 25 de abril: I Guerra Mundial e Revolução Russa POLANYI, Karl, A grande transformação, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000, pags. 36 a 47 HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 29 a 89 • 28 de abril – Devolução das provas/ Crise sistêmica PARKER, Selwyn, O crash de 1929, Editora Globo, São Paulo, 2009, pags. 21 a 52 5 e 9 de maio: Saídas da crise e a II Guerra Mundial. Hegemonia dos EUA; HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 223 a 252 e 253 a 281 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 331 a 356 • • 12 e 16 de maio: A descolonização e a emergência do 3º. Mundo. ONU, organismos multilaterais,; ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996, pags. 247 a 334 KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989, pags. 356 a 415 • 19 de maio: A Guerra Fria e o mundo bipolar; ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996, pags. 337 a 371 HOBSBAWM, Eric J., A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996, pags. 537 a 562 HOBSBAWM, Eric, “Porque a hegemonia dos EUA difere da do Império britânico”, in Globalização, democracia e terrorismo, Companhia das Letras, São Paulo, 2008, págs. 54 a 86 • • 23 de maio: PROVA • 30 de maio: Devolução e debate sobre as provas/ Avaliação da disciplina 26 de maio: Exibição do filme ‘Dr. Fantástico’ (Stanley Kubrick) • Metodologia • Aulas expositivas, discussão de textos e pesquisas bibliográficas. • Avaliação • Duas provas dissertativas/ Lista de presença • Horário das aulas • BH1335 - História das Relações Internacionais A- Matutino (São Bernardo) – Segunda-feira das 10:00 às 12:00, sala A2-S111-SB, semanal - Sexta-feira das 08:00 às 10:00, sala A2-S111-SB, semanal • BH1335 - História das Relações Internacionais A- Noturno (São Bernardo) - Segunda-feira das 21:00 às 23:00, sala A1-S103-SB, semanal - Sexta-feira das 19:00 às 21:00, sala A1-S103-SB, semanal • 42 horas/aula Bibliografia básica: • KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1989 • LESSA, Antonio Carlos, História das relações internacionais – a Pax Britannica e o mundo do século XIX, Editora Vozes, Petrópolis, 2005 • WATSON, Adam, A evolução da sociedade internacional: Uma análise histórica comparativa, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 2004 Bibliografia complementar • • • • • • • • • • • • • • • • • • ANDERSON , Perry, Linhagens do Estado absolutista, Editora Brasiliense, São Paulo, 2004 ARRIGHI, Giovanni, O Longo século XX, Contraponto/ Editora UNESP, Rio de janeiro/ São Paulo, 1996 BOBBIO, Norberto et alli, Dicionário de política, LGE Editora/ Editora UNB, Brasília, 2004 (http://bibliotecasolidaria.blogspot.com.br/2009/11/diccionario-de-politica-de-norberto.html) FIORI, José Luís, O poder global, Boitempo Editorial, São Paulo, 2007 HOBSBAWM, Eric J., A era das revoluções, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1977 __________________, A era do capital, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1982 __________________, A era dos impérios, 1875-1914, Editora Paz e Terra, São Paulo, 2003 __________________, A era dos extremos, Companhia das Letras, São Paulo, 1996 __________________, Nações e nacionalismo desde 1780, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1990 KRIPPENDORF, Ekkehart, História das relações internacionais, Antídoto, Lisboa, 1979 LYRIO, Maurício Carvalho, Ascensão da China como potência: Fundamentos políticos internos, Fundação Alexandre Gusmão, Brasília, 2010 (http://www.funag.gov.br/biblioteca/index.php?option=com_docman&task=search_result&Itemid=41) NOVAIS, Fernando, Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial, Editora Brasiliense, 1993 PARKER, Selwyn, O crash de 1929, Editora Globo, São Paulo, 2009 PECEQUILO, Cristina, A política externa dos Estados Unidos, EdUFRGS, Porto Alegre, 2003 POLANYI, Karl, A grande transformação, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2000 SARAIVA, José Flávio Sombra (org.), História das Relações Internacionais Contemporâneas – da sociedade internacional do século XIX à era da globalização, Editora Saraiva. São Paulo, 2007 (http://books.google.com.br/books?id=DKewvkeGn_gC&printsec=frontcover&source=gbs_ge_summary_r&cad=0# v=onepage&q&f=false) SIGRILLO, Ângelo, O fim da URSS e a nova Rússia - De Gorbachev ao pós-Yeltsin, Editora Vozes, Petrópolis, 2000 SOUSA, Fernando, Dicionário de relações internacionais, Edições Afrontamento, Porto, 2005 (http://www.aeflup.com/ficheiros/Dicionario%20de%20Relacoes%20Internacionais.pdf) Artigos • ANDERSON, Perry, Nation-States and National Identity (http://www.lrb.co.uk/v13/n09/perry-anderson/nationstates-and-national-identity) • ________________, Internationalism, a breviary (http://newleftreview.org/II/14/perry-andersoninternationalism-a-breviary) • FIORI, José Luís, No princípio era Portugal (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar. cfm?coluna_id=5787) • Faria, Luiz Augusto Estrella, Capitalismo, espaço e tempo (http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view File/1946/2322) 2. Primeiros Estados nacionais europeus. A onda dos descobrimentos • No princípio era Portugal • José Luís Fiori • O sistema mundial em que vivemos – interestatal e capitalista - surgiu na Europa, e só na Europa, entre 1150 e 1450, de um longo conflito sistêmico entre “feudos” e “centros imperiais” de poder, que conseguiram transformar suas “economias naturais” em economias capitalistas mais poderosas do que a dos seus rivais. • Neste período, a Península Ibérica cumpriu um papel decisivo, na formação do próprio sistema e no início da sua expansão para fora da Europa. • Os reinos de Castela, Leon e Aragão, que se transformaram no núcleo político do Império Habsburgo, que dominou a Europa, durante o século XVI, sob a batuta de Carlos V e Felipe II. • Mas antes dos espanhóis, foi o reino de Portugal que se estruturou primeiro, como estado nacional, e foi ele também que liderou o primeiro século da expansão mundial da Europa, depois da sua conquista de Ceuta, em 1415. • Ceuta, hoje um enclave espanhol no Marrocos, na entrada do estreito de Gibraltar, era ponto estratégico na passagem do Atlântico para o mar Mediterrâneo. • Portugal nasceu de um pequeno “feudo” - situado entre os rios Minho e Douro que se rebelou contra Leon e Castela, em 1143, e depois travou uma guerra expansiva de mais de dois séculos, em duas frentes: contra os muçulmanos, ao sul, e contra os espanhóis, ao leste. • • Foi neste período de guerra quase contínua com os “mouros” e os “castelhanos” que se formou o estado português, depois da “reconquista” de Lisboa, em 1147, e da expulsão definitiva dos árabes, do Algarve, em 1249; e depois da assinatura do Tratado de Paz, de 1432, referendando a separação e o reconhecimento mútuo entre Portugal e Castela, algumas décadas após a Revolução de Avis, de 1385. • Mas foi só no século seguinte à expulsão mulçumana de 1249, que Portugal criou as estruturas legais, tributárias e administrativas do seu estado moderno. • V. pags. 41/43 • O mesmo Estado que seguiu se expandindo, durante mais um século e meio, depois da paz com os castelhanos, até construir o primeiro grande império marítimo da história moderna. • O impulso inicial desta expansão “para fora” não parece ter tido um objetivo nem um sucesso mercantil imediato, e só promoveu a ocupação e a colonização dos territórios conquistados, depois de 1450, na Ilha da Madeira. • Além disto, o empreendimento português contou com ajuda externa, mas se financiou sobretudo através da capacidade tributária do novo estado, e da riqueza de suas Ordens Militares religiosas – em particular, os Templários, sucedidos pela Ordem de Cristo, depois do seu fechamento em 1312 – que forjaram em conjunto uma verdadeira máquina de guerra, conquista e tributação. • Na altura de 1147, a economia portuguesa era local, e o seu comércio era feito em espécie. • Mas depois de 1249, houve um aumento constante da circulação nacional de mercadorias, a partir da reforma monetária e do tabelamento de preços, promovido por D. Afonso III, na década de 1250. • Em 1293, D. Diniz criou a primeira Bolsa de Mercadorias do país, com um sistema de seguros para os navios e cargas portuguesas, e durante toda a segunda metade do século XIII, foram criadas mais de 40 feiras comerciais, responsáveis pela ativação de um incipiente mercado nacional. • Até o século XVI, o Estado português foi o maior proprietário de terras do país, e atuou como uma espécie de “banco de financiamento” das atividades econômicas públicas e privadas. • Foi só em 1500, que o governo português conseguiu criar o seu sistema de títulos da divida pública consolidada, e só foi depois de 1540 que esta espécie primitiva de “capitalismo de Estado” foi cedendo lugar ao desenvolvimento de um capitalismo privado de grandes companhias mercantis. • Entretanto, este processo foi interrompido em 1580, pela incorporação de Portugal pelo império espanhol de Felipe II, e depois, pela submissão diplomática, financeira e comercial definitiva de Portugal, à Holanda e à Inglaterra, a partir de 1640. Esta história pioneira de Portugal deixou algumas lições sobre a formação do sistema inter-estatal e do próprio capitalismo: • i. O primeiro estado nacional europeu já nasceu dentro de um sistema de poderes competitivos; ii. Suas fronteiras territoriais, sua unidade política, e sua identidade nacional foram construídas por duas guerras que duraram mais de 200 anos; iii. Estas guerras “nacionais” se prolongaram imediatamente, num movimento de expansão “para fora”, na direção da África, Ásia e América, que durou mais um século e meio; • iv. Estas guerras e conquistas não tiveram inicialmente um objetivo prioritariamente mercantil, mas assim mesmo, no longo prazo, tiveram um papel decisivo na criação e expansão de uma economia de mercado e de um capitalismo nacional incipiente; • v. Neste período, esta economia nacional de forte cunho estatal, não alcançou a se “privatizar”, nem chegou a criar um sistema nacional de bancos e crédito capaz de mobilizar o capital financeiro português, o segredo do sucesso posterior da Holanda e da Inglaterra; vi. Por fim, se pode dizer que Portugal teve um papel decisivo no “big-bang” do “sistema interestatal capitalista”, que está vivendo uma nova explosão expansiva neste início do século XXI. Rompendo vínculos • O processo de formação da monarquia – e do Estado unificado português - iniciou-se por volta de 1139. Nesse ano, Afonso Henriques, fundador da dinastia dos Borgonha, rompeu os vínculos de subordinação política com o reino de Castela, declarando-se rei em uma extensão de terras situadas entre as regiões dos rios Minho e Douro. • A partir daí, o reino expandiu-se para os territórios situados na porção meridional da península, conquistando territórios mouros, até incorporarem, no século XIII, o reino muçulmano do Algarve. Portugal define suas fronteiras históricas. • De forma pioneira na Europa, tem seguimento um processo de unificação e construção do Estado português, com fisionomia e aparência de instituição pública e organismo político com administração impessoal, reconhecida pela nobreza e pelas oligarquias comerciais. • Consolida-se um corpo legislativo e montase um aparelho judiciário baseado no direito romano. A administração pública passou a se basear na economia das cidades e não mais dos feudos. • O advento da dinastia de Avis consolida e aprofunda essa tendência, especialmente a partir de 1383, nas guerras contra Castela. • O Estado passa a ter instrumentos fiscais centralizados e um corpo bélico unificado de defesa e do monopólio do comércio. Geraldo Silva Filho Constituição, estrutura e atuação dos poderes locais na comarca de Vila Rica (1711-1750) • Portugal do final da Idade Média firmou-se como um Estado de guerra, o que exigia finanças sólidas e capacidade de mobilização de vastos contingentes de soldados e militares, impossível de ser obtido no âmbito da organização feudal. Com polítiocas fiscais rígidas e a possibilidade de ter soberania sobre a moeda e um corpo parlamentar representativo das diversas oligarquias locais, o Estado moderno toma foco. • Entre 1385 e 1490 – as cortes portuguesas reuniramse 55 vezes. Isso quer dizer que a Coroa realizava com certa regularidade um processo de consulta com seus segmentos sociais dominantes – nobreza, clero e comerciantes – para participar de decisões importantes do Estado. O surgimento dos primeiros Estados nacionais no final da Idade Média e do feudalismo resultaram da combinação de duas condições históricas determinantes: • 1. O alargamento de suas bases territoriais e demográficas; • 2. Com o desaparecimento do escravismo e de uma crescente e gradual complexidade da vida urbana abre espaço para a consolidação de uma classe burguesa. Protagonismo português Fatores principais • Inúmeros foram os fatores que colaboraram com o protagonismo português no processo das grandes navegações, entre eles, destaca-se a centralização política de Portugal. Isso porque, já no século XIV o Estado português passou por um processo de unificação política, por meio da Dinastia de Avis (1385-1582), que facilitou a organização de sistema de arrecadação de impostos e estrutura administrativa centralizada. • Em segundo lugar, está uma burguesia mercantil, que, na ausência de investimentos efetivos do Estado, que não vislumbrava inicialmente resultados positivos nessas ações, abriu espaço para que a iniciativa privada o fizesse. • Salienta-se, também, como fator favorável, a posição geográfica portuguesa, banhada pelo mar Mediterrâneo e pelo oceano Atlântico, verdadeiramente debruçado sobre a África, o que a colocava numa situação de contato direto com as possibilidades de navegação pelas vias marítimas. Formação do Estado português • O surgimento da monarquia nacional portuguesa, assim como a espanhola, está estreitamente associada às guerras de expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica que ficaram conhecidas como Guerras de Reconquista. • Desde a expansão islâmica, ocorrida no século VIII, povos árabes dominavam boa parte da Península Ibérica. Os reinos cristãos de Leão, Castela, Navarra e Aragão limitavam-se a uma pequena porção ao norte da península. • A partir do século XI, no contexto das Cruzadas e da expansão do cristianismo, esses reinos cristãos iniciam uma guerra contra os muçulmanos. Na luta contra os árabes, esses reinos contaram com o apoio do nobre francês Henrique de Borgonha. • A formação do Estado português está associada justamente à doação, feita pelo soberano de Leão, Afonso VI. Além de receber o condado Portucalense, Henrique casou-se com a filha ilegítima do rei, Dona Teresa. • A independência do condado em relação ao reino de Leão foi conseguida pelo filho de Henrique e Teresa, D. Afonso Henriques, após muita luta e a expulsão de Dona Teresa em 1139 para garantir a independência, porque ela defendia a sujeição do condado ao reino dos pais. • D. Afonso Henriques, então, inicia a dinastia de Borgonha, e dá prosseguimento à guerra contra os muçulmanos, expandindo as fronteiras do novo reino para o sul da península. • O novo monarca doava terras à nobreza guerreira, porém, sem o direito a hereditariedade, o que impediu a formação de uma nobreza proprietária autônoma, mantendo a hegemonia da autoridade real. • Além de se expandir, o novo reino enriquecia graças à posição privilegiada de entreposto comercial entre as rotas do mar mediterrâneo e do norte da Europa. • O setor mercantil lusitano tornou-se mais forte a partir do século XIV graças ao advento da peste negra e das guerras no continente, que tornavam as rotas por terra mais inseguras. • Em 1383, o último rei da Dinastia de Borgonha morre sem deixar herdeiros diretos, desencadeando uma acirrada disputa sucessória, sendo que parte da nobreza apoiava a entrega da coroa de Portugal ao rei de Castela, genro de Fernando I, último soberano da casa de Borgonha. • Porém os comerciantes aliados a setores populares conseguem impor no trono D.João, Mestre de Avis, derrotando os exércitos castelhanos e setores da nobreza na batalha de Aljubarrota. • Esse episódio da história de Portugal ficou conhecido como Revolução de Avis. A consequência desse episódio foi o início da dinastia de Avis, que se aproximou da burguesia mercantil, e que fez Portugal largar na frente nas Grandes Navegações e nos “Descobrimentos”. • A Guerra dos 80 anos ou Revolta Holandesa de 1568 a 1648, foi o conflito de secessão na qual o território englobando aquilo que é hoje os Países Baixos se tornou um país independente frente à Espanha. • Durante esta guerra, a República Holandesa tornou-se uma potência mundial por um curto período, com grande poder naval, e beneficiou de um crescimento econômico, científico e cultural sem precedentes. • Entre 1580 e 1640, Portugal foi anexado à Holanda. Herdou a guerra contra Espanha. • Depois, até 1689, o reino guerreou contra os dois. Portugal converteu suas colônias em centros militares e geradores de receita para a coroa. • Ao contrário dos holandeses, ingleses e venezianos, os portugueses não concederam aos mercadores autorização para organizarem um governo colonial. Embora o sistema gerasse um cipoal de corrupção e negócios clandestinos, pode alimentar a coroa por um bom tempo. • Os espanhóis só investiram depois na conquista ultramarina, a partir de 1492, conquistando qase toda a América Central e a do Sul. • Por essa época, entraram em cena as Companhias da Índias Ocidentais e Orientais, dirigidas por holandeses e ingleses. No século XVII a supremacia dos mares seria ds holandeses. • A supremacia lusitana estendeu-se até fins do século XVIII. Final do século XVI • Estados unitários: Espanha, França, Ingaterra tendem a formar unidades econômicas num mundo medieval em que essas unidades são as grandes cidades. • Diplomacia: invenção veneziena, pela necessidade de contatos permanentes entre aliados (1495) • Portugueses e espanhóis fundam impérios ultramarinos e dividem o Novo Mundo pelo tratado de Tordesilhas (1494) e de Saragoça, no pacífico. Paul Kennedy Ascensão e queda das grandes potências O advento da modernidade • Ao redor do ano de 1500 situa-se a divisão de mundo entre a época pré-moderna e a moderna. A queda de Constantnopla (1453), pelas mãos dos turcos otomanos acontecera meio século antes. • Os tempos marcam também a supremacia econômica das cidades-estado italianas, centradas em Veneza, Genova, Florença e Milão, verdadeiros enclaves capitalistas num mundo feudal. • Elas anteciparam em pelos menos dois séculos várias das características do sistema interoestatal moderno. Essas características se deram especialmente na gestão do Estado e da guerra. • O período assistiu a hegemonia econômico-financeira de dois Estados, primeiramente Veneza e depois Amsterdam. Estado e guerra • Nas relações inter estatais, a principal característica dos Estados capitalistas é a busca do equilíbrio de poderes, que reduz custos de defesa, Assim, pode se desenvolver um sistema de diplomacia que serviria de modelo para estados 200 anos depois. • O conhecimento do mundo que os europeus tinham era escasso e fragmentado. Pouco ou nada sabiam das civilizações orientais e menos ainda do que existia nas Américas. • O período coincide, na Europa, com a formação do Estado-nação, em meio ao mundo feudal. Novas classes sociais afloram no cenário político e social, como a burguesia. Melhores meios de comunicação também ao o tom. • Mas era a guerra e suas conseqüências que criavam uma pressão contínua no sentido da formação da nação. Isso não apenas por apelos patrióticos, mas especialmente pela organização e custeio dos exércitos engendrar novas políticas tributárias, delimitadas geograficamente, visando financiar o aparato bélico. • Uma conseqüência dessas foi a extensão do envolvimento dos estados em atividades não militares. Crescimento para fora • Em meados do século XV, as potências européias começaram a criar impérios fora do continente. A partir de 1415, com a captura de Ceuta, na costa marroquina, os portugueses dão início a uma expansão de ultramar que duraria dois séculos. • Em 1460, os portugueses haviam se apossado da costa ocidental da África e de madeira e Açores, no meio do Atlântico. Em aliança com empresários genoveses, começaram a viabilizar comercialmente as novas colônias. • No fim do século, Vasco da Gama havia estendido a influência portuguesa ao Índico e ao pacífico. • Tentaram quebrar o monopólio muçulmano-veneziamno do acesso às especiarias e mercadorias de luxo na África. Quase conseguiram. Giovanni Arrighi O longo século XX • O aspecto crucial do surgimento do moderno sistema interestatal foi a oposição constante entre as lógicas capitalista e territorialista do poder, bem como a recorrente resolução de suas contradições através da reorganização do espaço político-econômico mundial pelo principal Estado capitalista de cada época. • Essa dialética entre capitalismo e territorialismo é anterior ao estabelecimento, no século XVII, de um sistema interestatal pan-europeu. • Inicialmente, o subsistema regional de cidades-Estados capitalistas que emergiu na Itália setentrional não foi mais do que um dos “enclaves anômalos”que se multiplicaram no espaço político do sistema de poder medieval. • Italia • Mas à medida que se acelerou a decadência do sistema de governo medieval, o enclave capitalista da Itália setentrional organizou-se num subsistema de jurisdições políticas separadas e independentes, unidas pelo princípio do equilíbrio do poder e por densas e vastas redes de diplomacia com sedes permanentes. • De variadas formas, esse subsistema de cidades-Estado – centrado em Veneza, Genova, Florença e Milão – antecipou em pelo menos dois séculos muitas das principais características do moderno sistema interestatal. Esse subsistema, um enclave capitalista em pleno mundo medieval, tinha pelo menos quatro características essenciais ao desenvolvimento do posterior sistema interestatal: 1. Era um sistema predominantemente capitalista 2. Era baseado num “equilíbrio de poder”, que conseguiu preservar suas principais características políticas e econômicas, impedindo que a lógica territorialista suplantasse a dinâmica capitalista; 3. Por força da dinâmica capitalista, tinham sua relação social fundamental baseada no trabalho assalariado, o que lhes garantia a formação de um mercado interno que impulsionava o próprio desenvolvimento; 4. O poder político assumiu a direção de novas e inéditas redes de diplomacia. Isso possibilitava a administração dos monopólios de comércio na rede por parte do poder estatal. As redes diplomáticas eram construídas através da longas rotas comerciais. • Tais características – em especial o equilíbrio de poder, peça essencial do sistema interestatal posterior – deu previsibilidade ao funcionamento do sistema, otimizou gastos bélicos e promoveu inédita concentração de riqueza e poder nas mãos da oligarquia. • http://portugalglorioso.blogspot.com.br/201 4/03/mapa-da-europa-1000-dc-atehoje.html