Explorar, Investigar e Discutir na Aula de Matemática1
Hélia Margarida Oliveira
Maria Irene Segurado
João Pedro da Ponte
As mudanças que têm vindo a ocorrer no ensino da Matemática exigem do
professor uma adaptação quer a novos conteúdos quer a novas metodologias e materiais
didácticos. As novas propostas de trabalho para a sala de aula que vão surgindo
correspondem, também, a uma nova visão das rotinas diárias do professor e do seu
papel.
Ao se propor aos alunos uma situação problemática, uma exploração ou uma
investigação, o professor tem de pensar, como introduzir esse assunto, como promover
o trabalho dos alunos, que feedback dar aos alunos durante o trabalho e como concluir a
actividade.
Partindo de casos concretos em que os alunos exploram conceitos e
propriedades, investigam relações, conjecturam, experimentam e estabelecem
conclusões, iremos analisar como alguns professores promovem actividade matemática
significativa nas suas aulas.
Investigações matemáticas
Uma vez que existe uma profusão de formulações sobre o que se entende por
‘investigações matemáticas’, começaremos por explicitar o sentido que lhe atribuímos.
Quanto à sua natureza, as investigações matemáticas são parte do que podemos designar
por ‘actividade matemática’, o que corresponde a identificar a aprendizagem da
Matemática com o fazer Matemática. A Matemática é encarada como uma forma de
gerar conhecimento e não como um corpo de conhecimentos. Love (1988) define
implicitamente este tipo de actividade, ao afirmar que os alunos devem ter oportunidade
de:
• identificar e iniciar os seus próprios problemas;
• expressar as suas próprias ideias e desenvolvê-las ao resolver
problemas;
• testar as suas ideias e hipóteses de acordo com experiências
relevantes;
• defender racionalmente as suas di eias e conclusões e submeter as
ideias dos outros à crítica ponderada. (p. 260)
A demarcação das actividades investigativas da resolução de problemas é,
frequentemente, pouco evidente, quer pelo uso indistinto dos dois termos, quer pela
caracterização que é feita destas últimas. ‘Actividades investigativas’ ou ‘investigações
matemáticas’ designam um tipo de actividade em que é dada ênfase a processos
matemáticos tais como procurar regularidades, formular, testar, justificar e provar
conjecturas, reflectir e generalizar. Essas actividades podem ter como ponto de partida
uma questão ou uma situação proposta quer pelo professor, quer pelos alunos. Por outro
lado, o processo investigativo tem um carácter mais divergente do que, em geral, a
resolução de problemas.
Para que uma situação possa constituir uma investigação é essencial que seja
motivadora e desafiadora, não sendo imediatamente acessíveis, ao aluno, o processo de
resolução e a solução ou soluções da questão. As actividades investigativas contrastamse com as tarefas de tipo fechado e estruturado, que são habitualmente usadas no
processo de ensino-aprendizagem, uma vez que são tendencialmente abertas,
permitindo que o aluno estabeleça o caminho a seguir e coloque as suas próprias
questões.
As investigações matemáticas caracterizam-se, igualmente, pelo estímulo que
fornecem ao aluno no sentido de este justificar e provar as suas afirmações, e de
explicitar matematicamente as suas argumentações perante os colegas e o professor. As
capacidades de argumentação e prova são dois aspectos destacados do ‘comunicar
matematicamente’ (NCTM, 1991). Ao confrontarem as suas diferentes conjecturas e
justificações, os elementos da turma constituem-se como pequena comunidade
matemática, na qual o conhecimento matemático se desenvolve em conjunto.
Momentos de uma aula de investigação
O professor tem um papel fundamental na planificação de actividades de
investigação na sala de aula. A maior ou menor ligação das actividades de investigação
com os conteúdos pode ser um dos factores que restringe ou amplia o tempo disponível
para a sua realização. O professor é confrontado com decisões difíceis quanto à gestão
do tempo devido ao elevado número de aspectos que necessita de relativizar e conjugar.
Para além de definir qual o peso relativo que estas tarefas devem ocupar no cômputo
das actividades de uma turma, tem também de ponderar sobre a frequência com que
devem surgir: será mais vantajoso para os alunos aparecerem várias tarefas em
sequência, ou pelo menos com grande proximidade, ou mais espaçadas?
Ao seleccionar ou criar uma tarefa, o professor deve definir bem os objectivos a
atingir e ter em atenção o nível etário e o desenvolvimento matemático dos alunos. A
familiaridade, ou não, dos alunos com este tipo de actividade é um factor muito
importante.
Após a selecção da situação a propor na aula, segue-se a fase do planeamento da
aula. As questões ligadas com a organização e gestão da aula são tanto mais relevantes
quanto menor é a experiência do professor nesta área. Decisões sobre se os alunos irão
trabalhar individualmente ou em grupo, como se irão constituir os grupos, e se haverá
momentos de trabalho em grande grupo, dependem não só da natureza da tarefa
apresentada mas, também, dos objectivos estabelecidos. O modo de trabalho escolhido
será um dos factores que determinam o tempo de duração da actividade.
Frequentemente, a estrutura escolhida pelo professor para uma aula de
investigação consiste: (a) na introdução da tarefa pelo professor (quer seja apenas um
ponto de partida ou questão bem definida), em que os alunos interpretam a situação e
definem o caminho a seguir; (b) na realização durante a qual o professor interage com
os alunos individualmente ou em pequeno grupo; e (c) na apresentação de resultados e
sua discussão (Cunha, Oliveira e Ponte, 1995).
Introdução da Investigação
O papel do professor na fase de arranque de uma actividade investigativa é
extremamente importante. Mason (1991) afirma que uma questão é apenas um grupo de
palavras com um ponto de interrogação (p. 16), ou seja, a questão só por si pode não
gerar investigação. É necessário que o professor manifeste consistentemente uma
atitude investigativa para, desse modo, influenciar positivamente a curiosidade dos
alunos.
Os professores optam, com frequência, pela apresentação das tarefas na forma
escrita, sendo bastante comum que forneçam algum tipo de esclarecimento e incentivo.
Este foi o caso numa investigação que uma professora do 2º ciclo levou para a aula. A
primeira parte consistia em:
As cadeias de números são criadas através da repetição de uma
instrução.
Por exemplo: Escolhe um número
- se o número for par, divide-o por 2;
- se o número for ímpar, multiplica-o por 3 e adiciona-lhe 1.
15
46
...
23
70
35
Termina esta cadeia. O que acontece? Será que todas as cadeias deste
tipo terminam desta forma? Investiga.
Não sendo um tipo de tarefa familiar para os alunos, e tendo em conta a sua
faixa etária, a professora pensou ser apropriado interpretá-la em conjunto com a turma
para que os alunos pudessem rapidamente começar a explorar a situação. Era sua
intenção garantir que todos os alunos ficassem a perceber como era construída esta
cadeia.
Profª: Neste caso foi escolhido o número 15.
Sofia: É ímpar.
João: 15 vezes 3, 45.
Alunos: 15 vezes 3 é 45, mais 1 dá 46.
Profª: Então, a seguir na cadeia vem o 46. Agora o número é?
Alunos: Par.
Susana: Dividido por 2 dá 23.
...
Após lhes ter indicado que se pretendia que terminassem essa cadeia e
construíssem outras do mesmo tipo, leram a segunda questão que envolvia uma outra
instrução, e chegaram ao terceiro ponto onde era pedido que criassem eles próprios as
instruções de modo a formarem cadeias, e investigassem as suas características.
Profª: Depois de termos feito a investigação sobre estas duas cadeias
vamos nós inventar uma instrução e construirmos a nossa cadeia.
Ricardo: Uma cadeia cada um?
Profª: Cada grupo vai fazer uma cadeia. Inventa uma instrução, mas a
instrução é sempre a mesma para toda a cadeia.
(todos ao mesmo tempo)
Hugo: Já sei!
Guida: É fácil!
...
Segundo a professora, a investigação não perdeu o seu interesse apesar de a sua
introdução ter sido um tanto directiva. Os alunos estiveram muito empenhados,
principalmente, quando inventaram as suas instruções e, naturalmente, no fim houve
uma grande variedade de resultados.
A motivação dos alunos para este tipo de actividade decorre, com frequência, de
todo um trabalho que vai sendo desenvolvido, daí que, por vezes, o professor se sinta
confiante quanto à adesão dos alunos mesmo quando entrega a tarefa por escrito e não
tece comentário algum. A interpretação da questão pelo aluno, que é algo a valorizar,
pode ser estimulada pelo trabalho no grupo.
Em geral, a introdução da tarefa tem uma curta duração; após criado o ambiente
apropriado, há que pôr os alunos a trabalhar, aproveitando bem o tempo limitado de
uma aula de 50 minutos.
Realização da investigação
Na fase seguinte, tendo os alunos iniciado a actividade, o professor dá atenção
ao desenvolvimento do trabalho de cada um. O apoio a conceder, no sentido de ajudar o
aluno a ultrapassar certos bloqueios ou a tornar mais rica a sua investigação, é uma das
facetas mais complexas da intervenção do professor. Tem muita importância numa
investigação a reflexão do aluno sobre o seu trabalho. Esta pode ser estimulada directa
ou indirectamente pelo professor. É necessária experiência e sensibilidade para lidar
com estes problemas de uma forma bem sucedida.
Existem algumas questões que podem ajudar os alunos no desenvolvimento do
seu trabalho, muitos professores têm-nas usado com sucesso: ‘O que tentaste?’; ‘Bem,
o que achas?’; ‘O que estás a tentar fazer?’; ‘Por que estás a fazer isso?’; ‘O que
faremos quando tivermos este resultado?’; ‘O que é que descobriste até ao momento?’;
‘Viste alguma coisa parecida de algum modo com esta?’; ‘Como podemos organizar
isto?’; ‘Vamos construir uma tabela de resultados.’; ‘Consegues ver algum padrão?’;
‘Já tentaste alguns casos mais simples?’; ‘Que exemplos deveríamos escolher?’;
‘Como podemos começar?’; ‘Verificaste se funciona?’ (Shell Center, 1993, p. 191).
Com ou sem a intervenção sistemática do professor existem sempre alunos que
vão mais longe do que se tinha previsto: surgem processos e resultados inesperados. Tal
como diz uma professora, ao reportar-se à preparação das suas aulas de investigação:
por muito que explore a tarefa e pense em ‘n’ abordagens, os alunos conseguem
sempre surpreender-me e apresentam ‘n’ mais uma. O professor precisa, pois, de estar
atento e disponível para perceber e dar continuidade aos caminhos inusitados dos
alunos.
Essa situação observou-se numa aula do 8º ano em que foi proposto aos alunos
que investigassem a existência de regularidades nos números da forma n3-n. Perante os
resultados, 6, 24, 60, 120... alguns alunos identificaram o que era esperado: são
múltiplos de 2 e de 3 e, consequentemente, de 6. Mas outros alunos enveredaram por
outras investigações, por exemplo, analisaram o que se passava com as diferenças entre
estes números. Ao obterem 18, 36, 60, 90... chamaram a professora porque lhes pareceu
haver ali algo prometedor. Esta incentivou-os: Muito bem! Então vejam lá as
diferenças, talvez vão encontrar alguma coisa de interessante. Algum tempo depois os
alunos exclamaram:
Célia: Isto não dá, porque 36 é o dobro de 18, 120 é múltiplo de 18 e
210 também, mas o 60 não é!
Profª: Pois é.
Tiago: O 60 falha.
Profª: Pois falha. Será que vai sempre haver um número que não é
múltiplo de 18? Também pode acontecer, não é? Agora seria
interessante saber de quantos em quantos.
Célia: Pois pode haver sempre um que não é.
Continuaram a investigação e, passado algum tempo, tinham uma forte
conjectura: salta dois, e um não é.
Neste curto episódio observa-se que a professora, perante uma exploração
inesperada, apoiou e desafiou os alunos a avançarem ainda mais na direcção que tinham
tomado, muito embora ela própria não a tivesse explorado previamente.
Outro dos objectivos das actividades investigativas é a condução dos alunos a
graus progressivos de generalização e de abstracção, consequentemente, a justificação
das conjecturas apresentadas é uma componente importante do seu trabalho. O grau de
formalização dessa justificação depende do nível de desenvolvimento matemático do
aluno. No entanto, é tarefa do professor fazer notar ao aluno a necessidade de este se
‘convencer’ a si próprio, e os outros, dos seus argumentos de forma que, a pouco e
pouco, o faça espontaneamente (Mason, 1991).
Discussão da investigação
Sem a discussão final sobre a actividade dos alunos pode-se perder o sentido da
investigação. É usualmente nesta fase, que serão postas em confronto as estratégias, as
hipóteses e as justificações que os diferentes alunos ou grupos de alunos construíram, e
que o professor assume as funções de moderador. Ele procurará trazer à atenção da
turma os aspectos mais destacados do trabalho desenvolvido e estimulará os alunos a
questionarem as asserções dos seus pares. Assim, o desenvolvimento da capacidade dos
alunos para comunicar matematicamente e do poder de argumentação são dois dos
objectivos destacados desta fase da actividade investigativa.
Estas características encontram-se bem patentes no decorrer de uma actividade
de investigação, numa turma do 8º ano, em que surgiram pela primeira vez potências de
expoente nulo. Ao rever com a turma o trabalho realizado na aula anterior, a professora
põe à prova a convicção dos alunos de que a0 é igual a 1: Ninguém teve dúvidas em
generalizar isto. Toda a gente concorda? Uma das alunas, a Sara, expressa a sua
perplexidade: Eu não percebo. Como é que um número qualquer elevado a zero dá 1?.
A professora não lhe responde e remete a questão para a turma: Quem é que quer
convencer a Sara?
Muitos alunos querem participar e explicar como chegaram a essa conclusão
utilizando as duas regras da divisão de potências. Enquanto isso a Joana estende o braço
à espera de dizer que, do seu ponto de vista, nada de novo se tinha acrescentado, e
chegada a sua vez: Stôra eu acho que... Pronto, já provámos que quando o expoente é
zero é igual a 1, mas eu também não estou propriamente convencida. É, entretanto,
interrompida pelo Diogo que começa a falar tendo o braço no ar, mas a professora
intervém para que a Joana termine o seu raciocíno. A aluna retoma no ponto em que
estava: Não se trata de estar convencida, trata-se que não tem sentido nenhum porque
45 vezes zero... Aí os seus colegas não se podiam conter, ‘então a Joana não sabe que
450não é 45 vezes zero?’ Ela explica:
Joana: 452 é igual a 45 vezes 45, certo? Mas se não temos nenhum
número (no expoente), se fizermos zero, dá zero.
Mariana: Eu também acho.
Diogo: Então achas que 450 é o mesmo que 451?
Joana: Não! (e assume o ar de quem está farta de ouvir o que já sabe
muito bem)
A professora vem em seu auxílio e afirma concordar com ela quando diz que
parece um pouco artificial concluir da aplicação das duas regras que um número
elevado a zero seja 1: É um bocado forçado porque eu tenho uma parcela que nunca se
repete. Nesse momento o Pedro consegue-se fazer ouvir: Tem que haver zero porque é
a passagem para os negativos. Vai-se dividir... Recorda, assim, outra questão da ficha
em que estiveram a trabalhar, e a discussão continua por mais alguns largos minutos.
O confronto das realizações dos alunos é um momento em que as interacções
professor-aluno e aluno-aluno podem assumir variadíssimas formas. O professor
deverá, para cada situação, reflectir sobre quais são os objectivos principais da
discussão, qual o papel a dar aos alunos, que tipo de perguntas colocar, como exercer o
seu papel de moderador e como promover uma participação generalizada dos alunos.
Conclusão
As actividades de investigação matemática têm um grande valor no processo de
ensino-aprendizagem desta disciplina, permitindo a exploração de diferentes conceitos
matemáticos, promovendo o desenvolvimento de capacidades importantes nos alunos,
possibilitando-lhes diferentes níveis de consecução e estimulando o professor a rever
aspectos fundamentais da sua prática (Cunha, Oliveira e Ponte, 1995).
O professor tem, naturalmente, um papel determinante na selecção das
propostas de investigação e na condução das aulas em que os alunos se empenham
nestas actividades. A realização deste tipo de tarefas na sala de aula requer o
desenvolvimento de competências profissionais relacionadas com um domínio mais
profundo dos conteúdos matemáticos, os modos de questionamento e acompanhamento
dos alunos e a condução de discussões colectivas.
Para que os alunos sintam autenticidade nas propostas de trabalho do professor
é necessário que ele próprio demonstre um forte espírito investigativo, aceitando
caminhos de exploração imprevistos, colocando-se a si mesmo novas perguntas, e
admitindo ideias alternativas. Os alunos só poderão compreender plenamente o que
significa fazer Matemática se tiverem oportunidade de observar um matemático em
acção, e esta terá de ser uma das facetas essenciais do trabalho docente no quadro duma
prática renovada de ensino desta disciplina.
Referências
Cunha, M. H., Oliveira, H., e Ponte, J . P.(1995). Investigações matemáticas na sala de
aula. Actas do PROFMAT 95 (p. 161-167). Lisboa: APM
Love, E. (1988). Evaluating Mathematical Activity. Em D. Pimm (Ed.), Mathematics,
Teachers and Children: A Reader (p. 249-262). London: Hodder & Stoughton.
Mason, J. (1991). Mathematical problem solving: Open, closed and exploratory in the
UK. ZDM 91/1, 14-19.
NCTM (1991). Normas para o Currículo e a Avaliação em Matemática Escolar
(tradução do original em inglês). Lisboa: APM e IIE.
Shell Center for Mathematical Education (1993). Problemas con pautas y números
(edição espanhola). Vizcaya: Servicio Editorial de la Universidad del Pais Vasco.
Notas
1
Este artigo foi publicado nas Actas do ProfMat96, Lisboa: APM, 1996 (p. 207-213).
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(1999). Explorar, Investigar e Discutir na Aula de Matemática