Curso de Medicina Veterinária
Disciplina de Nutrição Animal
Apontamentos de aula - 2011
Estude pelos livros-textos, onde esse assunto está muito
melhor apresentado! Contribua para a construção desta
apostila apontando incorreções e enviando sugestões.
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ESTUDO DOS NUTRIENTES
LIPÍDIOS (gorduras, graxas, extrato etéreo)
"What is most fascinating about lipids is the diversity of functions that they can have. Whether we may like
it or not, lipids are a vital component of all living organisms. Lipids constitute an essential source of energy
via metabolic pathways that are object of intense studies, due to the high incidence of metabolic
dysfunctions in modern times. Lipids also have unique structural and biophysical properties, which make
them fundamental components of biological membranes. More recently, lipids have been shown to be
important signalling molecules, with functions ranging from apoptotic to hormonal signals. Depending on
the cell type, lipids can have an even wider range of physiological or pathological functions". FEBS Letter,
acessado em 24/02/11: http://mail.elsevier-alerts.com/go.asp?/bESJ001/mABLCZ2F/uHVD16/xTU63Z2F
Os lipídios são constituídos de C + H + O, como nos carboidratos. Nas moléculas de lipídios, porém, a
proporção de oxigênio é bem menor (em % do peso molecular). Por exemplo:
% carbono
% hidrogênio
% oxigênio
gordura em geral
77
12
11
CHO (amido)
44
6
50
• ácidos graxos (AGs )→ São considerados as unidades fundamentais dos lipídios, pois estão presentes em
cerca de 98% deles. São ácidos monocarboxílicos (um grupo -COOH) cuja cadeia carbônica geralmente tem
número par de carbonos e contém de quatro a 24 átomos de C (os AGs mais comuns têm 16 e 18 C). Tal
cadeia é flexível, e é reta quando saturada, ou dobrada quando insaturada na isomeria cis. Os AGs
desempenham um importante papel como fonte de energia no metabolismo, já que têm o dobro da energia de
carboidratos e proteínas. Nos AGs , as cadeias carbônicas variam muito quanto ao tamanho (número de
átomos de C), bem como pela presença, número e posição de insaturações (duplas ligações entre átomos de
carbono) possibilitando a existência de muitos lipídios quimicamente diferentes. Uma das propriedades
comuns a todas as gorduras (e de uso importante na análise bromatológica) é que elas são insolúveis em água
e solúveis em solventes não-polares (éter, clorofórmio, benzeno etc), advindo daí a denominação "extrato
etéreo" (EE).
Notação dos AGs – cada AG é formado por uma cadeia carbônica que começa com um radical ácido (uma
carboxila, -COOH) e termina com um radical metil (-CH3). Sua notação (nomenclatura) consiste de um
sistema de dois números, separados por dois pontos (:). O primeiro número indica a quantidade de átomos de
carbono da molécula. O segundo se refere às duplas ligações (insaturações), existentes na cadeia. Por ex.:
ácido esteárico = 18:0 → 18 átomos de C e nenhuma dupla ligação. A posição da(s) insaturação(ões) é
indicada pela letra n ou pelo símbolo ∆, seguida pela ordem do átomo de carbono na cadeia. Nesse caso, o
carbono n° 1 é aquele da carboxila, e o último é o carbono metílico. Por exemplo, o ácido araquidônico é o
C20:4, ∆5, 8, 11, 14. Ao contrário, a contagem dos carbonos pode ser feita a partir da extremidade metílica
(CH3), cujo carbono é denominado ômega, e indicado pela última letra do alfabeto grego, ω (ômega). Nesse
caso, ω-1 é o carbono da extremidade metílica, e o último carbono é o da extremidade carboxílica. Por
exemplo, ω-3 indica uma dupla ligação entre os carbonos ω3 e ω4, e ω-6 uma insaturação entre os carbonos
ω6 e ω7. Os lipídios também podem ser descritos pela “denominação sistemática” dos AGs , que já indica o
número de carbonos e de insaturações existentes. Por exemplo, o EPA - ácido eicosapentaenóico é o 20:5 ω-3
(20 C e 5 insaturações, sendo a primeira entre os átomos de carbono ω3 e ω4) e o DHA – ácido
docosahexaenóico é o 22:6 ω-3 (22 C e 6 insaturações, a primeira delas entre ω3 e ω4).
Gordura cis e trans 1 -quando ocorre uma insaturação, os átomos de hidrogênio ligados àqueles carbonos
podem situar-se do mesmo lado do plano (isômeros cis) ou em lados opostos (isômeros trans). Na natureza, a
1
http://www.anvisa.gov.br/alimentos/gordura_trans.pdf
2
maioria dos AGs insaturados é cis. As insaturações cis provocam uma dobra rígida da cadeia carbônica,
tornando o AG menos denso e mais fluido. O ácido araquidônico, que é ω6 polinsaturado (possui quatro
insaturações múltiplas, do tipo cis), é portanto relativamente rígido e torcido, leve e bastante fluido.
Na natureza, a gordura trans ocorre raramente. Ela pode ser sintetizada por microrganismos nos préestômagos de ruminantes, então alimentos provenientes desses animais (carne e leite) possuem pequenas
quantidades dessa gordura. Em geral, a gordura trans é produzida na indústria, a partir de óleos vegetais
líquidos, os quais transformam-se em gordura sólida (pastosa) à temperatura ambiente. A maior presença de
gordura trans se verifica em alimentos destinados ao consumo humano, nos quais é utilizada para melhorar a
consistência e a crocância, bem como para aumentar a vida de prateleira desses alimentos. A indústria
também produz a gordura parcialmente hidrogenada, na qual átomos de hidrogênio são adicionados às
insaturações presentes nos óleos vegetais, resultando em gorduras mais consistentes à temperatura ambiente.
Figura 1 – isomeria cis (dobrada) e trans (reta)
Figura 2 - esquema de cadeia alifática saturada (reta)
e insaturada tipo cis (dobrada) de um ácido graxo
Atualmente, sabe-se que o consumo excessivo de alimentos ricos em gorduras trans é indesejável por estar
associado ao aumento do colesterol total e da LDL (“colesterol ruim”), bem como pela redução da HDL
(“colesterol bom”). Portanto, gorduras trans devem ser evitadas nos alimentos processados. Alimentos crús
ou pouco processados são considerados melhores fontes de AGs polinsaturados (PUFAs).
• glicerol (glicerina, álcool tri-hídrico, propanol) → C3H8O3. É o álcool mais comum presente nos lipídios.
Ocorre em gorduras tanto de origem vegetal como animal. Na indústria, a glicerina é
H2
H
H2
recuperada a partir de resíduos gordurosos, e empregada na produção de sabões e
C
C
C
outros produtos químicos, bem como para a fabricação de biodiesel. Na alimentação
OH OH OH animal, a glicerina pode ser utilizada como aditivo (estabilizante, espessante,
emulsificante) e mesmo como ingrediente de alto valor energético nas rações.
Outros álcoois encontrados nos lipídios: álcool cetílico
álcool carnaúbico
colesterol
álcool miricílico
→
→
→
→
C16H33(OH)n
C24H49(OH)n
C27H55(OH)n
C31H63(OH)n
Quanto maior for o peso molecular do álcool presente nos lipídios, mais densa será a gordura.
• triglicerídios (triacilgliceróis, triglicérides, óleos, gorduras, "gorduras neutras") → são moléculas formadas
por 3 AGs , esterificados ao álcool glicerol (Figura 3):
ligação éster
(álcool + ácido)
H2
C
H
C
H2
C
O
O
O
glicerol
C=O C=O C=O
R1
R2 R3
Figura 3 - Um triglicerídio. Os radicais R1, R2 e R3 são formados pelas cadeias carbônicas dos ácidos graxos.
Os triglicerídios são a forma mais abundante dos lipídios na natureza, sendo o principal constituinte dos
depósitos de gordura nos animais e vegetais. Porém, ocorrem em proporção muito pequena nas membranas
celulares. Os triglicerídios não têm cabeças polares, portanto são insolúveis. São classificados como simples
quando seus três ácidos graxos são iguais. Quando pelo menos um AG for diferente, tem-se os triglicerídios
3
mistos. A maioria das gorduras alimentares são misturas complexas de triglicerídios simples e mistos. Níveis
elevados de triglicerídios (e de colesterol) na corrente sangüínea estão correlacionados à aterosclerose e, por
conseqüência, ao risco de doenças cardíacas e de AVCs (acidentes vasculares cerebrais), bem como a
pancreatites. A concentração de triglicerídios na corrente sangüínea aumenta quando a dieta contém altos
teores de carboidratos solúveis (amido e açúcares). No trato digestório, os AGs fornecidos pela dieta
precisam ser hidrolisados (desesterificados, separados do álcool) no intestino, mediante a ação de lipases e da
bile. Após a absorção, são transportados na corrente sangüínea ligados às lipoproteínas.
• Classificação dos lipídios:
lipídios saponificáveis
simples
• óleos e
gorduras
(triglicerídios)
• ceras
lipídios não-saponificáveis
compostos
• fosfolipídios (H2PO3 + N)
lecitinas
esfingomielinas
cefalinas
• glicolipídios
• lipoproteínas
• esteróides
• carotenóides
• Propriedades dos lipídios:
dispersão e emulsificação → embora insolúveis em água, alguns AGs (os saponificáveis) podem ser
dispersos em micelas e emulsificados.
saponificação → sabão é todo sal de ácido graxo, ou seja, o produto da hidrólise do ácido graxo
com uma base, tal como NaOH ou KOH. Exemplo:
H2  C  O  CO  R1
sabão de K
H2  C  OH
H  C  O  CO  R1
+ 3 KOH
H  C  OH
+ 3 R  COOK
H2  C  O  CO  R1
triglicerídio
H2  C  OH
glicerol
+
+
Sabões de Na ou K formam uma capa hidrofílica ao redor das micelas que permite a emulsão da
gordura em água. Já sabões de Ca++ e Mg++ são insolúveis, não emulsionam substâncias gordurosas e
precipitam-se como sedimentos, em um processo empregado para produzir "gordura protegida" para
ruminantes.
hidrólise → po der feita mediante enzimas que promovem a desesterificação dos triglicerídios:
gordura → glicerol + ácidos graxos livres.
lipase
hidrogenação → transformação de graxas insaturadas em saturadas. P. ex.: hidrogenação do ácido
oléico (insaturado) em ácido esteárico (saturado), como ocorre no processo industrial de fabricação
de margarina.
Nos ruminantes, a flora microbiana do rúmen-retículo tem grande capacidade de hidrogenação dos
AGs insaturados contidos na dieta. Apenas gorduras protegidas conseguem atravessar os préestômagos sem sofrerem saturação. A inclusão, na dieta de fêmeas leiteiras, de CLA – ácido
linolênico conjugado (uma gordura insaturada protegida), permite aumentar o teor daquele AGE no
leite sintetizado pela glândula mamária.
oxidação (rancificação)
Em condição ambiente, o estado físico (líquido ou sólido) do lipídio depende:
• do tamanho da cadeia carbônica → os AGs de maior peso molecular geralmente são sólidos e mais densos.
• da presença, número e posição(ões) de duplas ligações nos seus AGs → em geral, os AGs saturados são
sólidos e os insaturados fluídos. O número de insaturações é inversamente proporcional à temperatura de
fusão do AG, ou seja, os AGs polinsaturados são fluidos mesmo sob baixas temperaturas. Na indústria,
óleos vegetais (insaturados, fluídos) são submetidos à hidrogenação para produzir gorduras parcialmente
saturadas, de maior consistência.
• do número de átomos de carbono do álcool → quanto maior o tamanho do álcool, menos fluído será o
lipídio.
Todo lipídio de baixo ponto de fusão, que se apresenta em estado líquido à temperatura ambiente, é
denominado óleo. É o mais comum em vegetais, cujos lipídios são ricos em AGs monoinsaturados e
polinsaturados (múltiplas insaturações - PUFAs), geralmente reunidos em triglicerídios mistos.
4
Já nas gorduras animais e nas ceras são encontrados principalmente AGs saturados que, em geral, são sólidos
à temperatura ambiente, têm ponto de fusão mais elevado e atividade química menor (são mais estáveis, têm
menor taxa de oxidação/rancificação) que os lipídios insaturados. Os lipídios de origem vegetal e de peixes
marinhos normalmente têm um grau de insaturação superior ao dos lipídios sintetizados pelos mamíferos. Por
isso, as gorduras vegetais e daqueles peixes são normalmente mais fluídas, ao passo que as banhas e sebos de
mamíferos são mais consistentes. Exceção é a gordura do leite dos ruminantes: embora rica em AGs
saturados (acetato, butirato), é mais fluída que o tecido adiposo do animal, pois tem baixo peso molecular (as
cadeias carbônicas são pequenas).
Principais AGs naturais:
nome comum
cadeia carbônica
ponto de fusão (oC)
saturados
láurico
mirístico
palmítico
esteárico
araquídico
linocérico
monoinsaturados
insaturados
polinsaturados
(PUFAs)
palmitoléico
oléico
linoléico
α-linolênico
araquidônico
EPA
DHA
AGs
essenciais
12:0
14:0
16:0
18:0
20:0
24:0
44,2
53,9
63,1
69,6
76,5
86,0
16:1
18:1
-0,5
13,4
18:2 (ω-6)
18:3 (ω-3)
20:4 (ω-6)
-5,0
-11,0
-49,5
20:5 (ω-3)
22:6 (ω-3)
ácidos graxos voláteis (AGVs) → importante resíduo da fermentação da fibra em ruminantes.
• todos têm cadeia carbônica curta e são saturados (a flora microbiana tem alta capacidade de hidrogenação).
• todos são líquidos em temperatura ambiente (geralmente os saturados não o são)
- ác. acético ...............(C2:0) .. → sua proporção aumenta quando a dieta é rica em volumosos (fibra).
- ác. propiônico .........(C3:0) .. → sua proporção aumenta quando a dieta é rica em concentrados.
- ác. butírico ..............(C4:0) .. → ponto de fusão = -7,1oC.
• ácidos graxos essenciais (AGEs) → antigamente, eram denominados "vitamina F". São o ác. linoléico
(C18:2, ∆9, 12, ω-6) e o ác. α-linolênico (C18:3, ∆9, 12, 15, ω-3). Os animais vertebrados, em geral,
conseguem sintetizar ácidos graxos saturados, com cadeias longas (18 C ou mais), porém apenas um ácido
graxo monoinsaturado, o oléico (C18:1, ω-9), não sendo capazes de introduzir insaturações adicionais entre
o carbono 9 e a extremidade metil-terminal do ácido graxo. Portanto, não conseguem sintetizar AGs ω-6 e
ω-3. Também não conseguem transformar AGs ω-6 em ω-3, ou vice-versa. Assim, a dieta
obrigatoriamente tem que fornecer tais AGs polinsaturados considerados indispensáveis ou essenciais, ou
seja, necessários (precursores) para a síntese de outros ácidos graxos. Por exemplo, desde que encontrado
na dieta, o ácido linoléico permite a síntese endógena do ácido γ-linolênico (C18:3, ∆6, 9, 12, ω-6) 2 e este é
precursor do ácido araquidônico (C20:4, ∆5, 8, 11, 14, ω-6) que, por sua vez é crucial para a síntese da maioria
das prostaglandinas e tromboxanas, eicosanóides hormonais com diversas funções celulares. Uma
deficiência de ácido araquidônico pode afetar a contração de vasos sangüíneos (efeito sobre a pressão
arterial), os processos de coagulação, as respostas imunológica e inflamatória e a transmissão do impulso
nervoso (ver Anexo 1 – AGEs x inflamação).
Vale ressaltar que os vertebrados podem modificar os ácidos graxos provenientes da dieta alongando ou
diminuindo o tamanho de sua cadeia carbônica, mas têm deficiências enzimáticas que impedem a
introdução de insaturações em pontos específicos. Além disso, e sobretudo para animais convalescentes ou
em crescimento acelerado, pode ser necessária a suplementação do ác. araquidônico pré-formado na
dieta, para suprir um eventual déficit da síntese endógena a partir do ác. linoléico.
Nos alimentos, geralmente há maior teor de AGs ω-6 e menor teor de ω-3. No caso da deficiência de ω-6
(ácido linoléico e seus derivados, como o ác. araquidônico), os sintomas estão relacionados com processos
cutâneos (seborréia, hiperqueratose, descoloração pilosa, edema e hemorragia cutâneos etc). Por outro
lado, quando uma dieta rica em ω-6 é fornecida por tempo prolongado, podem surgir efeitos colaterais: a
gordura corporal torna-se mais suscetível à peroxidação (o que pode ser compensado com suplementação
de vit E, antioxidante) e a resposta imune diminui.
2
não confundir esse ácido γ-linolênico (ω-6) com o AG essencial α-linolênico, que é da série ω-3.
5
Já a série de AGs ω-3 (ácido α-linolênico, EPA e DHA) tem sido recomendada no controle de doenças
inflamatórias como asma, psoríase, pruridos alérgicos ou atópicos, doenças articulares crônicas, doenças
renais etc. Em humanos, a deficiência de ω-3 tem sido correlacionada a problemas neurológicos, visuais e,
talvez, a alterações comportamentais e cognitivas. Para humanos, para cada 1.000 kcal de consumo
energético, recomenda-se o consumo de 3,30 g de ω-6 e de 0,55 g de ω-3. Para cães e a maioria das demais
espécies domésticas, recomenda-se apenas o fornecimento de ác. linoléico (ω-6), ao nível de 1% da IMS,
ou 2% da energia contida na dieta. Para gatos, também é considerado essencial o ácido araquidônico (ω-6),
visto que os requisitos desse AG são notadamente elevados para aquela espécie.
Devido haver competição enzimática entre os AGs ω-6 araquidônico e os ω-3 EPA e DHA, há a
recomendação de uma proporção ideal de 4 a 10 partes de ω-6 para 1 parte de ω-3. O excesso de ω-3
parece reduzir a síntese de prostaglandinas e tromboxanas derivadas do ω-6, o que aumenta a vasodilatação
e diminui a agregação plaquetária. A maior concentração de ω-3 na dieta também modifica a síntese de
leucotrienos, substâncias com efeito inflamatório, derivadas do ácido araquidônico. Portanto, dietas ricas
em ω-3 podem reduzir os processos inflamatórios e coagulantes, envolvidos na aterosclerose, doenças
coronarianas etc.
Em estudos com animais e com culturas de células cancerosas, a redução da razão ω-6:ω-3 para apenas
0,4:1 foi considerada protetora contra a formação de metástases de células cancerosas pulmonares. Parece
que os AGs ω-6 estimulam a carcinogênese, o crescimento tumoral e a formação de metástases, ao passo
que os AGs ω-3 inibem esses processos (Carcinogenesis 2005;26:779-784).
Os carbonos da
extremidade metílica são
denominados ômega
Figura 4 - cadeias alifáticas de alguns ácidos graxos insaturados
Na natureza, os AGs essenciais são primariamente sintetizados por vegetais e plâncton, e através da cadeia
alimentar podem ser encontrados em tecidos de origem animal. Assim, é rara a ocorrência de sintomas
carenciais de AGs essenciais em animais herbívoros criados em boas pastagens e em animais marinhos.
Para animais monogástricos, óleos vegetais são boas fontes de ácidos linoléico e α-linolênico. As
principais fontes dietéticas de ácido araquidônico são as carnes e demais alimentos de origem animal. As
principais fontes de ω-3 são os óleos de canola e soja, bem como a carne de peixes (sobretudo os
provenientes de águas frias), em cuja cadeia alimentar há o plâncton e outros microrganismos marinhos,
importantes sintetizadores de PUFAs.
• ceras → são formadas pela esterificação de AGs de cadeias mais longas (de 14 a 36 átomos de C),
geralmente saturadas, com álcool também de cadeia longa (16 a 22 átomos de C), resultando em lipídios
muito densos, de digestão quase nula pelos vertebrados terrestres. Na análise bromatológica, a eventual
presença de cera nos alimentos desses animais aumenta o teor de extrato etéreo, induzindo a erro na sua
avaliação nutritiva, já que a cera é contabilizada como gordura, mas não fornecerá energia para o animal,
com exceção de alguns vertebrados marinhos que têm capacidade de digerir ceras, sintetizadas em grande
quantidade por microrganismos situados na base da cadeia alimentar, como o plâncton.
Além da cera de abelhas, as principais ceras de origem animal são lanolina (lã de ovinos) e cera das penas.
São secretadas por glândulas cutâneas com a função de proteger a pele, mantê-la lubrificada e flexível e
impermeabilizar pêlos e penas contra o encharcamento por água.
• lipídios de membrana → diferem dos triglicerídios (que são apolares) pela presença de uma "cabeça"
altamente polar.
fosfatidiletanolamina
fosfatidilcolina
fosfoglicerídios (2 álcoois +
fosfolipídios
fosfatidilserina
2 AGs + H3PO4)
fosfatidilinositol
cardiolipina (membrana interna da mitocôndria)
6
esfingolipídios
(ao invés do
glicerol, contêm
o aminoálcool
esfingosina)
esfingomielinas (contêm
fósforo)
cerebrosídeos ou
glicoesfingolipídios (contêm
açúcar e H3PO4)
gangliosídeos (contêm grandes
cabeças polares, formadas por
várias unidades de açúcar)
estão presentes na maioria das membranas celulares
animais, como na bainha de mielina das células nervosas
galactocerebrosídeo (nas membranas celulares cerebrais)
glicocerebrosídeos (nas membranas celulares nãoneurais)
± 6% dos lipídios de membrana no cérebro. Compõem os
sítios receptores na superfície das membranas.
• esteróides → Os esteróides são encontrados tanto em tecidos animais como vegetais e, em geral,
encontram-se em estado livre (não-conjugados com ácidos graxos). Nesse caso, são insaponificáveis (não
conseguem formar sabões, por falta da carboxila). O colesterol, porém, pode formar éster com um ácido
graxo, tornando-se saponificável. Os esteróides mais comuns são os esteróis, álcoois não-saturados de alto
peso molecular, cujas moléculas caracterizam-se por apresentar quatro anéis fundidos (Figura 5):
Figura 5 - (a) colesterol. Devido os quatro anéis típicos dos esteróides serem rígidos, uma maior presença de
colesterol diminui a flexibilidade das membranas celulares. A hidroxila (no carbono 3) atua
como cabeça polar e o restante da molécula é hidrofóbico.
(b) modelo espacial do colesterol (a hidroxila está ressaltada embaixo).
(c) uma molécula de colesterol esterificada a um ácido graxo.
Exemplos de esteróides:
• 7-dihidrocolesterol → precursor da vitamina D3
• ergosterol → presente em tecidos vegetais, precursor da vitamina D2
• ácidos biliares
• hormônio sexuais → andrógenos, estrógenos e progesterona
• colesterol → exclusivo de tecidos animais, é o mais abundante esteróide nesses tecidos. Nos vegetais
ocorre o estigmaesterol, que difere do colesterol por apresentar uma dupla ligação entre os carbonos 22 e
23. O nome deriva do grego chole (bile) e stereos (sólido), devido ter sido inicialmente identificado no
estado sólido em cálculos biliares. É encontrado em todos os animais, nas membranas celulares de todos
os tecidos, bem como circulando no plasma sangüíneo ligado a lipoproteínas (VLDL, LDL e HDL). As
moléculas de colesterol transportadas pelas lipoproteínas são idênticas, ou seja, a diferença entre LDL e
HDL consiste somente na proteína transportadora que compõe tais moléculas. A maioria do colesterol não
provém da dieta (exógeno), e sim é sintetizado pelo organismo (endógeno), o que ocorre notadamente no
fígado, intestino, adrenais e órgãos reprodutivos. Nos tecidos, a concentração de colesterol é maior no
fígado e no sistema nervoso (afora os ateromas). Por um lado, o colesterol desempenha um papel
importante em muitos processos bioquímicos. Por outro lado, é um fator de risco para a ocorrência de
doenças cardiovasculares.
Funções do colesterol → é importante componente das membranas celulares, estabilizando sua fluidez
diante de variações de temperatura. Também é o principal precursor da síntese de ácidos biliares, da
vitamina D, de vários hormônios esteróides produzidos pelas glândulas adrenais (cortisol, cortisona e
aldosterona) e dos hormônios sexuais progesterona, estrógeno e testosterona. Tem um papel importante
7
também nas sinapses cerebrais bem como no sistema imunológico, inclusive, talvez, atuando na proteção
contra processos cancerosos.
Regulação do colesterol → a biossíntese de colesterol é regulada principalmente pela interação dos
níveis de colesterol dietético, colesterol endógeno e triglicerídios. Assim, uma dieta rica em colesterol
diminui a síntese endógena de colesterol, ao passo que dietas ricas em triglicerídios tendem a aumentar a
colesterolemia. Por outro lado, níveis séricos elevados de colesterol estimulam a maior excreção fecal do
colesterol. Em geral, o teor sérico médio de colesterol aumenta com a idade do indivíduo.
Excreção do colesterol → o colesterol somente pode ser degradado e excretado pelo fígado. Na maior
parte, é excretado através da bile (ácido cólico e ácido quênico) e reabsorvido nos intestinos (circulação
entero-hepática). Outra parte é perdida através das fezes. No fígado, o colesterol pode ainda cristalizar e
formar cálculos biliares.
Funções gerais dos lipídios:
No organismo, a principal função de gorduras e óleos é fornecer energia, mas também desempenham funções
estruturais (constituintes de membrana), hormonais e fisiológicas.
• fonte de energia → devido a grande energia livre liberada pela sua oxidação, a gordura é considerada a
principal fonte energética contida na dieta:
lipídios ............................. = 9,4 Mcal EB/kg
proteínas ........................... = 5,5 Mcal EB/kg
carboidratos ..................... = 4,1 Mcal EB/kg
Os lipídios são mais eficientes como fonte de energia porque têm menor AED - ação específicodinâmica (que indica o aumento da produção de calor decorrente da ingestão de alimento).
ingestão de ...
aumento do metabolismo basal
100 kcal na forma de proteínas ................................................
100 kcal na forma de carboidratos ...........................................
100 kcal na forma de lipídios ..................................................
30 kcal →......... 30%
6 kcal →........... 6%
4 kcal →........... 4%
Por quê as proteínas têm maior AED (menor eficiência como fonte de energia)?
- maior dispêndio de E para a hidrólise dos aminoácidos e desaminação (eliminação de NH3).
- maior custo metabólico para o armazenamento da energia excedente.
- maior suscetibilidade ao desbalanceamento de aminoácidos da dieta (compromete a síntese
endógena).
• forma de armazenamento (reserva) de energia para o organismo:
A gordura proveniente da dieta, a partir de AGs com cadeia superior a 12 C, é facilmente estocada no
organismo como reserva de energia, desde que a ingestão exceda a necessidade calórica diária do animal
(situação de balanço energético positivo). O tecido adiposo é o principal armazenador de gordura do
organismo e apresenta uma atividade dinâmica: pode armazenar ou mobilizar (liberar) gordura, conforme o
status energético do animal. Diabetes e outras patologias podem interferir nesse equilíbrio, provocando
acúmulo de tecido adiposo, associado a hiperlipidemia (hiperlipemia) e suas variantes
(hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia etc).
• constituintes de membranas celulares. Nas células animais, todas as membranas contêm lipídios polares
e cada tipo de membrana (plasmática, Golgi, retículo endoplasmático, mitocondrial interna, nuclear etc)
possui uma composição lipídica constante e característica, que perfaz de 20 a 80% do peso da membrana (o
restante é quase que só proteína). As membranas animais contêm principalmente fosfoglicerídios e
menores quantidades de esfingolipídios. Os triglicerídios podem estar presentes, mas em quantidades
mínimas. Nas células animais, a membrana plasmática externa é especialmente rica em colesterol e ésteres
de colesterol. Já as células vegetais não contêm colesterol.
• função transportadora → envolvida na absorção das vitaminas A,D, E e K (lipossolúveis).
• isolante térmico → revestimento subcutâneo (importante nos animais de ambientes frios); tecido marrom
nos neonatos.
• tecidos de sustentação, preenchimento e proteção → gordura intra e intermuscular, gordura visceral
(perirrenal, ingüinal, peritoneal, do mesentério...) etc.
• palatabilizante (para dietas de carnívoros e omnívoros).→ os lipídios podem ser empregados com o
objetivo de estimular o consumo do alimento, bem como para aumentar o intervalo entre refeições
(conferem saciedade e aumentam o tempo de esvaziamento gástrico).
8
• fonte de água metabólica → importante para animais de ecossistemas desérticos e aves migratórias.
Requisitos nutricionais de gordura → Não há um requisito específico de gordura pelos animais porque,
com exceção dos AGs essenciais, que devem ser ingeridos pré-formados, o organismo sintetiza gordura a
partir de carboidratos e proteínas (estas, quando ingeridas em excesso). Entretanto, uma quantidade mínima
de gordura na dieta é importante para outras funções não-relacionadas com reserva de energia, tais como
veículo das vitaminas lipossolúveis e substrato precursor da síntese de esteróis. Na dieta humana, foram
estabelecidas “ingestões diárias recomendadas” de gordura devido ao consenso de que os lipídios devem
prover 20 a 35% da energia total da dieta. Dietas muito pobres em gorduras geralmente são muito ricas em
carboidratos solúveis, o que aumenta a síntese de triglicerídios e, indiretamente, o risco de cardiopatias e
doenças degenerativas.
Digestão e absorção de lipídios:
A gordura dietética é desesterificada em ácidos graxos, atravessa a mucosa duodenal e é transportada pela
linfa do trato intestinal e pelo plasma até o fígado. Ali, ela pode ficar depositada ou ser transferida para o
tecido adiposo. Nesse transporte atuam os fatores lipotropos como a colina, colamina, serina (constituintes
dos fosfatídios) e, indiretamente, a metionina e a betaína (doadores de grupos metil necessários para a síntese
de colina). Uma deficiência desses fatores diminui a síntese de fosfatídios no fígado e provoca o acúmulo de
gordura no organismo. No fígado, a gordura dietética está sujeita a diferentes transformações como
hidrogenação, desidrogenação, elongamento ou encurtamento da cadeia carbônica dos ácidos graxos. O
fígado também sintetiza gordura a partir de carboidratos e proteínas de origem dietética, e ainda sintetiza
fosfatídios, colesterol e ésteres de colesterol, para uso em outros órgãos. O tecido adiposo também exerce
importante papel no metabolismo das gorduras, promovendo a contínua síntese e degradação de AGs.
Os ácidos graxos têm natureza hidrofóbica, portanto, ao serem ingeridos e colocados em meio aquoso,
assumem espontaneamente a forma de micelas, pequenos glóbulos formados por milhares de moléculas de
gordura cujas cadeias carbônicas ("caudas" hidrofóbicas) ficam dispostas para o interior enquanto as cabeças
polares, hidrofílicas e eletricamente carregadas, ficam expostas na superfície, voltadas para o meio aquoso. Já
os triglicerídios da dieta, isoladamente, não conseguem formar micelas, pois não têm cabeças polares.
Todavia, podem misturar-se com fosfoglicerídios, formando os quilomicrons (a principal lipoproteína
transportadora de triglicerídios). Estas estruturas são emulsificadas no estômago, sofrem a ação detergente
dos sais biliares no duodeno e são absorvidas pelos enterócitos. Passam para os vasos linfáticos, ducto
torácico e circulação sistêmica, transportando os triglicerídios até os adipócitos e depósitos intracelulares de
gordura. Outros lipídios se unem com apoproteínas, formando diversas lipoproteínas plasmáticas. Quanto
maior o conteúdo protéico da lipoproteína, maior será sua densidade. A classificação das lipoproteínas em
função de sua densidade, indica, indiretamente, sua composição lipídica e protéica:
tipo de lipoproteína
densidade proteínas triglicerídios fosfolipídios colesterol
(g/mL)
%*
%*
%*
%*
0,92 – 0,96
1,7
96
0,8
1,7
0,95 – 1,00
10
60
18
15
1,00 – 1,06
25
10
22
45
1,06 – 1,21
50
3
30
18
quilomicrons
VLDL - lipoproteína de muito baixa densidade
LDL - lipoproteína de baixa densidade
HDL - lipoproteína de alta densidade
* - valores médios e aproximados, cuja soma não totaliza necessariamente 100%.
Graças a sua capa externa que é hidrofílica, essas lipoproteínas plasmáticas são capazes de transportar, no
ambiente aquoso da corrente sangüínea, lipídios (insolúveis em água) tais como os triglicerídios, colesterol e
seus ésteres, de origem exógena ou endógena, além dos lipídios polares.
9
Figura 6 - Esquema de lipoproteína plasmática. Na superfície estão os segmentos polares (da proteína e dos
fosfolipídios). No interior, protegido da água, estão os triglicerídios e colesterol.
Quilomicrons → são as numerosas lipoproteínas responsáveis pelo transporte, até o fígado e tecidos
periféricos, dos triglicerídios absorvidas pela mucosa intestinal. Sua fração protéica é muito pequena. No
fígado, os quilomicrons liberam os triglicerídios e algum colesterol (este, principalmente de origem
endógena, excretado pelo fígado através da bile) e se transformam em LDL – lipoproteína de baixo peso
molecular, que transporta triglicerídios e colesterol para outras células do organismo.
VLDL → transportam principalmente os triglicerídios sintetizados endogenamente, resultantes da ingestão
de dietas ricas em carboidratos solúveis.
LDL → transportam principalmente, do fígado para os tecidos periféricos, o colesterol sintetizado
endogenamente. Nos indivíduos saudáveis, as moléculas de LDL são relativamente grandes e pouco
numerosas. Se as partículas de LDL tornam-se pequenas e numerosas, aumenta o risco de formação de
ateromas nas artérias. Altos níveis plasmáticos de LDL representam fator de risco para aterosclerose precoce.
HDL → são as lipoproteínas de menor tamanho (75 a 100 Å de diâmetro) e mais densas. Precisam de
bastante proteína para transportar fosfolipídios (principalmente lecitina). Também são importantes para o
transporte reverso do colesterol (dos tecidos periféricos para o fígado): o colesterol excedente nos tecidos
periféricos é incorporado à superfície da HDL e, no fígado, é transformado e excretado em sais biliares. Alta
concentração de HDL, portanto, é entendida como fator negativo de risco para doenças cardiovasculares.
Há evidências de que a combinação de níveis muito altos de VLDL e níveis baixos de HDL é um fator
predisponente da aterosclerose (formação de ateromas, depósitos espessos de colesterol e seus ésteres na
parede interna dos vasos sangüíneos). Restringindo o fluxo sangüíneo, a aterosclerose pode provocar
isquemias, disfunções neurológicas, cardiopatias e AVCs (acidentes vasculares cerebrais).
Metabolismo dos lipídios
Todas as células do organismo são enzimaticamente capazes de sintetizar e degradar AGs, embora tais vias
metabólicas sejam mais ativas no fígado e no tecido adiposo. O sentido dessas vias de síntese (anabolismo)
ou degradação (catabolismo) é determinado pela necessidade energética do organismo. Quando aumenta a
demanda calórica para realizar trabalho intenso, acima da energia fornecida pela dieta, os AGs armazenados
no organismo são desidrogenados, liberando grande quantidade de hidrogênio (doador de elétron) para a
cadeia respiratória.
Ao contrário, quando o animal dispõe de um excedente de energia proveniente da dieta, ocorre a síntese de
gordura corporal a partir de açúcares, aminoácidos e dos próprios lipídios dietéticos. Nesse processo, há um
grande consumo de hidrogênio para sintetizar lipídios, os quais acumulam energia na forma de enlaces de H+.
Após a ingestão de gordura, ela é hidrolisada pelas lipases. Os AGs resultantes são saponificados e
absorvidos com a ajuda da bile. Alguns triglicerídios que são emulsificados no intestino em partículas muito
pequenas (< 0,5 µ) conseguem ser absorvidos como tal, sem saponificação prévia. No fígado, tecido adiposo
e sistema retículo-endotelial, os triglicerídios são liberados dos quilomicrons e demais lipoproteínas, podendo
ser hidrolisados e oxidados.
a) oxidação dos ácidos graxos – Hidrolisada a ligação éster entre o ácido graxo e o álcool, o glicerol
liberado segue o metabolismo dos carboidratos. Já os ácidos graxos sofrem beta-oxidação, desdobrando-se
em unidades de dois carbonos (grupos acil), 3 carbonos (propionil) e energia redutora (NAD e FAD).
Ainda, podem formar-se unidades de 4 carbonos, que vão originar os corpos cetônicos (acetoacetato, β-
10
hidroxibutirato e acetona). O acetoacetato e o β-hidroxibutirato representam uma forma de transferência de
energia do fígado, para ser consumida nos tecidos periféricos. Em casos de jejum ou de diabetes, ou
quando a dieta é rica em gordura, a produção de corpos cetônicos pode exceder a capacidade de sua
utilização, o que pode ser detectado pela análise de sangue. Também na cetose ocorre acúmulo de corpos
cetônicos (v. "anormalidades no metabolismo de lipídios", adiante).
b) lipogênese – o organismo animal consegue sintetizar gordura a partir de uma dieta rica em carboidratos ou
mesmo de proteínas, dessa forma armazenando a energia excedente obtida na dieta. A biossíntese de
triglicerídeos é um processo metabólico muito ativo, devido a capacidade quase ilimitada de estocagem de
gordura no organismo. Comparativamente, enquanto o outro tecido animal de reserva de energia, o
glicogênio (carboidrato), pode ser estocado o suficiente para um consumo de apenas poucas horas, o
estoque normal de triglicerídeos no mesmo organismo pode sustentá-lo por 8 semanas. Para os animais que
hibernam, o jejum pode durar muito mais (7 meses no caso dos ursos pardos), graças às reservas de
gordura.
O armazenamento de triglicerídeos é feito no tecido adiposo localizado em diferentes partes do animal,
mas especialmente na gordura subcutânea e da cavidade abdominal e ainda no epiplon, mesentério, tecido
conectivo intermuscular e ao redor de órgãos como coração e rins. Não são armazenados os lipídios polares
das membranas (fosfolipídios e esfingolipídios), portanto, à medida que as membranas celulares são
recicladas, o organismo precisa sintetizar essas moléculas lipídicas continuamente.
A síntese de gordura inicia-se nas mitocôndrias e completa-se no citoplasma. Há a participação de grupos
fosfatados, formando fosfolipídios (cefalinas, com etanolamina; lecitinas, com colina; fosfatidilserina, com
serina; inositídios, com inositol etc). Os ácidos graxos estocados nos tecidos adiposos são sempre de cadeia
carbônica longa (> 10C). Os esfingolipídios (cerebrosídios, gangliosídios, sulfatídios etc.) são gorduras
com atuação importante no metabolismo do sistema nervoso. Além do seu papel específico, fornecem o
álcool esfingosina que vai atuar na síntese da esfingomielina, importante componente do tecido nervoso.
Os grupos acil também são empregados na síntese de esteróides (ver Figura 7). As prostaglandinas,
produzidas pelas glândulas sexuais, derivam do ácido prostanóico (C20). Têm atividade sobre o sistema
nervoso (catatonismo em gatos, calmante em eqüinos) e sobre o metabolismo lipídico (inibem a lipólise).
No organismo animal, principalmente em ruminantes, ocorre uma importante síntese microbiana de AGVs
- ácidos graxos voláteis. Também ocorre biossíntese de AGs e triglicerídios no fígado, no tecido adiposo e
na glândula mamária. Quando há excesso de proteína na dieta, esta é hidrolisada, os aminoácidos são
desaminados e a cadeia carbônica respectiva pode contribuir para a síntese de AGs.
Distribuição dos lipídios no organismo:
• no tecido adiposo → prevalecem os triglicerídios.
• no tecido nervoso → prevalecem fosfolipídios e esfingolipídios.
• no tecido hepático → prevalece o colesterol.
11
Figura 7 - formação de eicosanóides a partir de AGEs, e seu papel metabólico.
Anormalidades no metabolismo dos lipídios:
obesidade de origem nutricional → é especialmente importante em animais de companhia, já que
pode reduzir a longevidade e a qualidade de vida do animal. Pode estar associada ao zelo indevido do
proprietário, que permite ao animal o consumo energético excessivo, ou que impõe uma condição
sedentária ao animal. Além de estar fortemente associada a problemas clínicos como artrite, diabete
mellitus, cardiopatias etc, a obesidade afeta a eficiência reprodutiva, tanto do macho (reduz testosterona
e a qualidade do sêmen) como da fêmea (dificuldades de ovulação e concepção; maior incidência de
partos distócicos).
fígado gordo (esteatose ou lipidose hepática – ver Anexo 3) → normalmente a gordura representa ± 5%
do peso do fígado fresco. Em condições patológicas, esse valor pode chegar a mais de 30%. O fígado
gordo pode ser resultado de: dieta rica em gordura ou colesterol; aumento da lipogênese hepática
devido a uma ingestão excessiva de carboidratos ou de certas vitaminas do complexo B (biotina,
riboflavina, tiamina); aumento na mobilização de lipídios do tecido adiposo devido a diabetes melllitus,
fome, hipoglicemia ou disfunção hormonal; diminuição do trânsito de lipídios do fígado para outros
tecidos, devido a deficiência de proteínas transportadoras ou de certos aminoácidos (metionina, treonina)
ou vitaminas (colina, ácido pantotênico e inositol); lesões das células hepáticas (cirrose, necrose) devido
a infecções, deficiências de vit E – Se e intoxicações hepáticas.
cetose (ver Anexo 2) – em animais diabéticos, ocorre diante da falta de glicose nas mitocôndrias. É
comum também em fêmeas leiteiras, em função da enorme drenagem de glicose sangüínea para a
glândula mamária, para a síntese de lactose. Nesse caso, geralmente o transtorno se instala nas primeiras
semanas de lactação, quando o animal não consegue adaptar-se a sua nova função fisiológica. Ovelhas
em gestação gemelar são igualmente suscetíveis à cetose (a dieta dos ruminantes normalmente não
contém açúcares e há insuficiente síntese de glicose pela via neoglicogênica).
aterosclerose (lesões degenerativas progressivas nos vasos sangüíneos e coração). A nutrição é
considerada fator predisponente. Existe uma correlação entre a concentração de colesterol no soro
sangüíneo e a incidência de aterosclerose, mas a doença se instala também em indivíduos com teores de
12
colesterol considerados normais. Isto indica a importância de avaliar a quantidade total de lipoproteínas
transportadoras de colesterol, bem como os teores dos seus diversos tipos em circulação. Outros fatores
predisponentes da aterosclerose são diabetes mellitus, obesidade, hipertensão, sedentarismo, estresse,
ansiedade, idade, sexo (masculino) e predisposição genética para hiperlipidemia e hipercolesterolemia.
Papel do colesterol na formação de ateromas –Diante de concentração elevada de LDL (especialmente
de pequenas partículas de LDL), o colesterol propicia a formação de placas de ateroma que podem se
depositar na parede de artérias, caracterizando a aterosclerose, considerada a principal causa de
coronariopatias e outras doenças cardiovasculares. Por outro lado, as partículas de HDL são o único
mecanismo identificado pelo qual o colesterol pode ser removido do ateroma. A HDL transporta
colesterol de volta para o fígado possibilitando sua excreção, mas varia bastante na sua capacidade para
tal. A HDL é a lipoproteína de menor diâmetro, mas torna-se mais funcional quando a partícula “cresce”
(sofre um processo de maturação), portanto, para a prevenção de doenças degenerativas, é desejável haver
um número elevado de partículas grandes de HDL. Partículas escassas e de pequeno tamanho de HDL
aumentam o risco de progressão de doenças arteriais ateromatosas. Concentrações altas de partículas
grandes de HDL, e não o total de partículas de HDL, correlacionam-se com taxas inferiores de progressão
dos ateromas, ou mesmo determinam sua regressão. Cabe destacar que a deposição de ateromas nos vasos
sangüíneos depende de condições predisponentes, tais como a inflamação da parede vascular, provocada
por fatores diversos (níveis séricos de homocisteína, por exemplo), ou seja, o colesterol tem um papel
importante mas não é o único fator de risco da doença.
Apesar da tendência de se considerar que níveis baixos de colesterol total correlacionam-se com menor
incidência de aterosclerose, a associação entre aterosclerose e colesterol deve-se especificamente ao
padrão de transporte, e não com o colesterol total per se. Nesse sentido, o colesterol total pode ser baixo,
mas se for constituído principalmente de partículas pequenas de LDL e de HDL, propiciará o crescimento
de ateromas. Da mesma forma, se o número de partículas de LDL for baixo (e na maioria constituído de
partículas grandes) e a porcentagem de partículas de HDL for grande (mais eficaz transporte de retorno do
colesterol), então a taxa de crescimento do ateroma é geralmente baixa, e até mesmo negativa, para uma
dada concentração de colesterol total.
Para humanos adultos, a American Heart Association considera os seguintes parâmetros para o teor
sangüíneo de colesterol total em jejum e o correspondente risco de doença cardíaca:
Níveis séricos
interpretação
mg/dL
mmol/L
<200
<5,2
nível desejável (baixo risco de doença cardíaca)
200-239
5,2-6,2
limite inferior da área de risco
>240
>6,2
alto risco
Tais parâmetros podem ser considerados menos importantes que os proporcionados pelos métodos atuais
de análise, que permitem determinar os teores de LDL ("mal") e HDL ("bom") separadamente. O ponto
chave é o transporte de colesterol, o qual é determinado tanto pelo teor protéico contido na partícula de
lipoproteína como pelas proteínas presentes na superfície celular com as quais o colesterol interage. Em
humanos, geralmente o nível de LDL desejável é aquele abaixo de 100 mg/dL (1,9 mmol/L) e até mesmo
abaixo de 70 mg/dL, em indivíduos classificados como de alto risco. Também se leva em conta a razão
colesterol total : HDL, considerada saudável quando menor que 5:1 (no mínimo 20% de HDL).
Práticas alimentares envolvendo fornecimento de gordura:
As recomendações seguintes se aplicam principalmente para animais de estimação e outros (reprodutores
excepcionais, animais de zoológicos etc), para os quais se busca estender a duração da vida, retardando o
surgimento de doenças crônico-degenerativas e o envelhecimento.
Premissas:
• gordura total → não deve exceder 1/3 (33%) do conteúdo calórico total da dieta;
• gordura saturada → não deve exceder 10% da energia total da dieta (ou seja, deve representar cerca de
1/3 do conteúdo total de gordura da dieta);
• buscar uma relação entre AGs monoinsaturados e polinsaturados de 1:1;
• assegurar o mínimo de 4:1 entre AGs polinsaturados da série ω-6 e ω-3.
Exemplo → animal alimentado com 3.500 kcal / dia =
• 3.500 x 1/3 = 1.167 Kcal/dia (nível máximo a ser fornecido através de gordura total);
• teor geral de energia nas gorduras = 9 Kcal EM/g
1.167 ÷ 9 = 130 g de gordura total / dia
13
• quantidade máxima de gordura saturada → 10% de 3.500 Kcal ÷ 9 = 39 g gordura satur./dia
ou 1/3 da gordura total → 130 / 3 = 43 g gordura satur./dia
• quantidade de gordura insaturada →
130 g gordura total –
39 g gordura saturada =
91 g gord. insaturada /dia
43 g gordura saturada =
87 g gord. insaturada /dia
• composição da gordura insaturada →
moinsaturada = 1/2 →
91 g ÷ 2 = 46 g moinsat./ dia
85 g ÷ 2 = 42 g moinsat./ dia
polinsaturada = 1/2 →
91 g ÷ 2 = 46 g polinsat./ dia
85 g ÷ 2 = 42 g polinsat./ dia
Outras recomendações:
- número reduzido de refeições (jejum) = principalmente nos monogástricos, predispõe o animal à obesidade,
ao aumento dos níveis séricos de lipídios (inclusive colesterol) e a maior suscetibilidade à aterosclerose e
ao diabetes mellitus;
- consumo elevado de açúcares → aumenta o teor de triglicerídios e colesterol → contribui para a
suscetibilidade à aterosclerose.
-
alimentos de origem animal tais como sebo, toucinho, gema de ovo e manteiga são ricos
em gorduras saturadas, que tendem a aumentar o colesterol sérico, contribuindo para que o
organismo armazene colesterol, além daquele que é sintetizado pelo fígado.
ANEXO 1 - Ácido araquidônico X Inflamação
A inflamação é um complexo de alterações seqüenciais nos tecidos que sofrem uma lesão. A inflamação
pode apresentar três fases: a inflamação aguda, a resposta imune e a inflamação crônica. A inflamação aguda
refere-se à resposta inicial à lesão e, em geral, precede o desenvolvimento da resposta imune. É mediada pela
liberação de substâncias como histamina (essa em especial), serotonina, bradicinina, prostaglandinas e
leucotrienos, as quais aumentam o fluxo sangüíneo local e também a permeabilidade dos capilares venosos, o
que permite que grandes quantidades de líquido e de proteína sejam transportadas da circulação para os
tecidos, resultando em edema localizado. A inflamação crônica envolve a liberação de diversos mediadores,
entre eles o interferon e interleucinas, os quais não são proeminentes na resposta imune.A resposta imune
aparece quando as células imunologicamente competentes são ativadas em resposta a organismos estranhos
ou substâncias antigênicas, liberadas durante a resposta inflamatória aguda ou crônica.
O ácido araquidônico é um constituinte dos fosfolipídios das membranas celulares e, na inflamação, a síntese
de seus derivados (os eicosanóides) depende inicialmente da liberação desse ácido graxo, através de
hidrólise, catalisada por fosfolipases específicas. Todas as células são capazes de liberar ácido araquidônico,
em resposta a um estímulo hormonal ou outro. Uma fosfolipase específica (a fosfolipase A2, a fosfolipase C,
e, possivelmente, a diacilglicerolipase), presente na maioria dos tipos celulares de mamíferos, hidrolisa os
fosfolipídios de membrana, liberando o ácido araquidônico. As fosfolipases são de relevância particular para
a formação de eicosanóides, porque os ácidos graxos precisam estar na forma livre para, posteriormente,
serem utilizados como substratos das enzimas ciclooxigenase (COX) e lipoxigenase.
14
A ação da ciclooxigenase e lipoxigenase produz os chamados eicosanóides (prostaglandinas, tromboxanos e
leucotrienos). Prostaglandinas (PGs) e leucotrienos são potentes mediadores da resposta inflamatória e estão
envolvidos na manutenção da integridade dos sistemas respiratório, cardiovascular e renal. O desequilíbrio na
homeostase de leucotrienos pode resultar em respostas inflamatórias do sistema respiratório (asma e rinite
alérgica), artrite e desordens inflamatórias no intestino. Da mesma forma, um desequilíbrio na síntese de
prostaglandinas pode levar a doenças cardiovasculares e renais, resultando em aterosclerose e derrames.
No retículo endoplasmático liso, um grupo de enzimas converte o ácido araquidônico em prostaglandinas, em
um processo que se inicia com a formação de um endoperóxido, o PGH2, precursor imediato de muitas
outras prostaglandinas e tromboxanos. A enzima da sintase de tromboxano, presente nas plaquetas
sangüíneas, converte PGH2 em tromboxano A2 e dela outros tromboxanos são derivados.
Os tromboxanos induzem à constrição dos vasos sangüíneos e à agregação das plaquetas, os primeiros passos
na coagulação do sangue. A prostaciclina (PGI2), produto predominante do ácido araquidônico através da
ação da ciclooxigenase, é formada pelo endotélio vascular e também pelo subendotélio. A PGI2 inibe a
aderência das plaquetas e dos neutrófilos a superfícies estranhas e ao endotélio lesado, e dilata tanto a
musculatura lisa, brônquica quanto a vascular.
O ácido araquidônico também está amplamente sujeito a reações de lipoxigenação, o que leva à formação de
compostos denominados leucotrienos. O primeiro passo na formação dos leucotrienos é a clivagem do ácido
araquidônico dos fosfolipídios de membrana. A síntese dos leucotrienos começa com a ação de várias
lipoxigenases, que catalisam a incorporação de oxigênio molecular no ácido araquidônico. Essas enzimas são
encontradas nos leucócitos, coração, cérebro, pulmão e baço.
O primeiro leucotrieno a ser formado é o A4 que, por sua vez, é metabolizado ou a leucotrieno B4 (LT B4)
ou leucotrieno C4 (LTC4). O LTC4 produz grande bronconstrição pulmonar, um efeito parcialmente
bloqueado por inibidores da ciclooxigenase. Isso significa a possibilidade de o LCT mediar esse efeito por
meio da liberação de uma prostaglandina broncoconstritora, como TxA2. (tromboxano A2). O LTB
(leucotrieno B4) estimula a adesão, a migração, a liberação enzimática e a produção de superóxido pelos
leucócitos polimorfonucleares. Essas propriedades biológicas sugerem fortemente um papel para os produtos
da hipoxigenase tanto na inflamação quanto na broncoconstrição induzida por antígeno.
O desequilíbrio na síntese de leucotrienos e de prostaglandinas pode resultar em respostas inflamatórias com
distúrbios respiratórios, doenças cardiovasculares e renais.
ANEXO 2 - CETOSE (acetonemia) em vacas leiteiras
É uma doença metabólica que ocorre principalmente no início da lactação (primeiros 60 dias da parição),
devido à insuficiente ingestão de energia (balanço energético negativo). O principal sintoma é a
hipoglicemia, que determina a mobilização compensatória dos estoques de gordura corporal. Na vaca, cerca
de metade da glicose sangüínea provém do ácido propiônico da dieta (um AGV). A diminuição dos teores de
ác. propiônico no rúmen pode resultar na hipoglicemia e, em conseqüência, na mobilização de ácidos graxos
e glicerol a partir dos estoques de gordura. Isso leva à síntese de corpos cetônicos, que se acumulam na urina
e leite e podem causar sintomas nervosos. A cetose tem baixa taxa de mortalidade e na maioria dos casos a
recuperação ocorre espontaneamente, mas pode causar significativas perdas econômicas.
15
Tipos de cetose → Cetose primária é causada pela súbita deficiência de energia no período puerperal,
provocada pelo crescimento do feto, redução da capacidade ruminal e início da lactação. A cetose secundária
se deve a doenças tais como acidose, infecções, problemas de casco etc, que reduzem a ingestão de alimentos
e, conseqüentemente, acarretam também na deficiência de energia.
• cetose primária, por consumo insuficiente ou jejum → qualidade inadequada do alimento.
• cetose secundária por consumo insuficiente → IMS inadequada devido outra doença ou condição.
• cetose alimentar → decorrente do uso de alimentos ricos em material cetogênico.
• cetose devido a uma deficiência nutricional específica → deficiência de Co e P.
• cetose espontânea, de causa indeterminada.
Prevenção → A restrição aguda de energia pode ser prevenida pelo fornecimento de precursores da glicose,
como o propilenoglicol, ao final do período seco e início da lactação. O propilenoglicol é rapidamente
transformado em glicose no fígado e mantém a glicemia elevada, reduzindo a necessidade de mobilização de
ácidos graxos e a formação de corpos cetônicos. A vaca não reduzirá tanto sua IMS. Também é importante
assegurar que qualquer problema de saúde (dificuldades no parto, deslocamento do abomaso, febre do leite)
seja identificado e tratado o mais cedo possível. Devem ser adotadas estratégias para manter um bom apetite
e fornecer adequado alimento durante o final do período seco e imediatamente após a parição. Essas
estratégias incluem:
• antes da parição, fornecer rações de transição que reduzam o risco de febre do leite, retenção de
membranas e distocia.
• após a parição, fornecer ampla quantidade de volumosos e concentrados de alta qualidade.
• evitar que as vacas estejam excessivamente gordas (sobrecondicionadas) na parição.
1. Redução na IMS → ao final do período seco (interrupção da lactação ante-parto), a IMS é reduzida em
25-30%. Se isso coincidir com o final de gestação, a vaca pode ficar submetida a uma restrição aguda de
energia.
2. Mobilização da gordura corporal → a vaca tenta compensar a baixa IMS mobilizando suas reservas
corporais (alta metabolização de gorduras).
3. Síndrome do fígado gordo → a produção de enzimas é insuficiente e o fígado não consegue metabolizar a
grande quantidade de ácidos graxos em circulação, propiciando o armazenamento de gordura no fígado e a
síntese de corpos cetônicos. A produção de glicose é reduzida, induzindo mais mobilização de gordura
(espiral para baixo). Os corpos cetônicos reduzem ainda mais a IMS.
4. A produção leiteira é reduzida → no leite, aumenta o teor de gordura e diminui o teor de proteína.
5. Fertilidade reduzida → caem a concentração sérica de insulina, a produção do hormônio LH, a taxa de
crescimento folicular, as ovulações e a taxa de prenhez. Aumentam a morte embrionária, o n° de
inseminações por prenhez e o intervalo inter-partos.
6. Baixa resistência → aumenta o risco de mastite, metrite e inflamações podais (infecções secundárias).
Fatores predisponentes →
• Idade: ocorre em vacas de qualquer idade mas é mais comum no pico da lactação, em animais na 4ª
lactação
• Condição corporal na parição: maior incidência de cetose ocorre em vacas obesas ou com sobrepeso
ao parto.
• Outras doenças: cetose secundária resulta geralmente quando o animal teve história prévia de
mastite, retenção de placenta e febre do leite.
Sintomas → Nas formas debilitantes mais comuns, o apetite está diminuído e a produção leiteira cai. Há
uma associada perda de peso, fezes firmes e a vaca torna-se deprimida. Na forma nervosa, os animais
16
afetados lambem e salivam excessivamente, andam a esmo e parecem cegos. Na cetose sub-clínica, não há
sinais aparentes mas o leite e a urina apresentam cetonas.
Diagnóstico →Além do exame clínico, recomenda-se um teste que indique a presença de cetonas na urina.
Objetivo do tratamento →
• corrigir a deficiência de energia da dieta.
• reduzir a produção de cetonas.
• prolongar o tratamento para evitar recidivas.
Alternativas de tratamento →
• suplementar requisitos nutricionais adequados.
• glicose intravenosa (se usada como único tratamento, haverá recidiva). Tratar também com glicerina
(glicerol) ou propilenoglicol.
• corticosteróides.
• estimulantes gástricos para aumentar o apetite.
• terapia de suporte.
ANEXO 3 - Síndrome do Fígado Gordo em Ruminantes
3
É uma doença metabólica, multifatorial e multifacetada. Ocorre principalmente em fêmeas leiteiras de alta
produção durante o puerpério, e está associada a uma excessiva mobilização do tecido adiposo para atender
aos requerimentos de mantença e lactação, nas primeiras semanas após o parto, quando há um consumo
insuficiente de dieta para atender as exigências da fêmea neste período (balanço energético negativo). As
alterações hormonais e a maior incidência de doenças infecciosas durante o periparto contribuem para maior
mobilização de AGs a partir do tecido adiposo. Outro fator predisponente é o envolvimento de endotoxinas
liberadas a partir de bactérias Gram (-) no rúmen.
No ruminante, o fígado não sintetiza ácidos graxos, sendo estes provenientes da síntese "de novo" no tecido
adiposo. A absorção de AGs pelo fígado é proporcional à sua concentração no sangue, e essa aumenta
gradativamente à medida que o animal se aproxima da época do parto. Uma vez no fígado, os AGs podem
seguir os seguintes caminhos:
ser completamente oxidados a CO2 para prover energia para o próprio fígado;
ser parcialmente oxidados gerando energia e corpos cetônicos, ou
ser esterificados, compondo lipoproteínas, que serão então exportadas para os tecidos periféricos.
O fígado gordo se desenvolve quando o aporte hepático de lipídios excede a oxidação e secreção de lipídios
pelo fígado, causando um acúmulo de triglicerídios (TAG) no fígado, que está associado com a diminuição
da função metabólica do fígado.
Os fatores de risco podem ser agrupados em três categorias: nutricional, de manejo e genético. O fator
nutricional está relacionado ao aumento da lipólise no tecido adiposo ou com nutrientes específicos,
hormônios, ou toxinas que alteram o metabolismo no fígado. No pré-parto, a obesidade (avaliada pela
condição corporal - CC), a alimentação com excesso de energia e o intervalo de parto longo constituem os
principais fatores predisponentes, enquanto no pós-parto o jejum, doenças e infecções, restrição alimentar,
dietas cetogênicas e mudanças bruscas de alimentação são fatores de risco para a doença.
Em sistemas intensivos de criação, a principal fonte de energia para vacas de leite são os concentrados.
Todavia, o sistema digestivo do ruminante não é bem adaptado para digerir altas quantidades de grãos
(amido), resultando em uma forte correlação entre a quantidade de concentrado ingerida e a ocorrência de
acidose, fígado gordo, cetose, deslocamento de abomaso e laminite em vacas de leite. A alimentação rica em
amido induz o desvio da população de bactérias celulolíticas para bactérias amilolíticas, sendo a maioria
dessas bactérias Gram (-). A prevalência de bactérias Gram (-) no rúmen aumenta a quantidade de
endotoxinas, que passam para o sangue e têm seu “clearance” realizado pelos macrófagos no fígado.
Outra linha de defesa do animal é a formação do complexo de lipoproteína amiloide A do soro e endotoxinas,
e a posterior eliminação desse complexo pelas células hepáticas. Outras lipoproteínas tais como
quilomicrons, VLDL e LDL também ligam e neutralizam endotoxinas e são removidos da circulação pelo
fígado. A rápida remoção de lipoproteínas, as quais são ricas em lipídios, aumenta a quantidade de gordura
absorvida pelo fígado contribuindo para o desenvolvimento de fígado gordo.
3
Autores: CARVALHO, A.U. (EV-UFMG); GESTEIRA,
http://www.rehagro.com.br/siterehagro/publicacao.do?cdnoticia=1367
S.
(EV-UFMG)
e
SERRANO,
A.
L.
17
Tabela 4. Categorias do fígado gordo em vacas de leite
Categoria de
TAG
corpos cetônicos Status de saúde e defígado gordo no fígado 1
na urina 2
sempenho reprodutivo 2
normal
< 1%
0
0
leve
1 – 5%
+
moderado
5 – 10%
++
-severo
> 10%
+++
---
característica do fígado
normal
infiltração centro-lobular de TAG
infiltração difusa de TAG
necrótico e volume aumentado
fonte: Bobe et al (2004)
1 - TAG: triglicerídios
2 - os símbolos + e – significam respectivamente associação positiva e negativa, e o número de símbolos representa a
intensidade da alteração: leve, moderada ou severa; "0" significa ausência de associação.
A forma clínica severa de fígado gordo (> 10% de TAG, na matéria úmida) está associada a uma elevada
concentração de corpos cetônicos na urina, perda de peso e consumo de alimento abaixo dos requisitos. Nos
casos extremos, o animal pode desenvolver depressão, perda de consciência, ataxia, coma e morte.
Vacas apresentando fígado gordo de intensidade leve (1 a 5% de TAG no fígado, na matéria úmida) e
moderada (5 a 10% de TAG no fígado) também apresentam concentrações de corpos cetônicos elevadas na
urina, mas de pouca extensão. No primeiro mês após o parto, 5 a 10% das vacas de alta produção
apresentaram síndrome do fígado gordo severa e 30 a 40% a forma moderada da doença.
Vacas com a síndrome do fígado gordo apresentam alterações hormonais e patológicas afetando as
concentrações de metabólitos e minerais no plasma sanguíneo, refletindo na condição de saúde e produção
dos animais. A Tabela 5 relaciona várias desordens metabólicas no início da lactação que têm sido associadas
a síndrome do fígado gordo, e a tabela 6 apresenta as concentrações de metabólitos e minerais tipicamente
encontradas na doença.
Tabela 5. Associação de fígado gordo com o estatus de saúde em vacas de leite
desordem
associação
desordem
associação
deslocamento de abomaso
+++
mastite
++
queda da imunidade
++
metrite
++
cetose
+++
febre do leite
+
laminite
+
retenção de placenta
+
Adaptado de Bobe et al. (2004).
1 o número de + representa leve, moderada ou associação intensa com o fígado gorduroso. A intensidade da
associação aumenta com o aumento da concentração de TAG.
Tabela 6. Associação de fígado gordo e concentração de metabólitos e minerais no plasma de vacas de leite
em lactação
constituinte
acetoacetato
albumina
alfa-amino N
amônia
β-OH-butirato
aminoácidos de cadeia ramificada
associação
constituinte
associação
+++
+
+++
-
cobre
glicose
ferro
magnésio
ácidos graxos não-esterificados
proteína
N uréia
+
±
+++
-
1 - os símbolos + e – significam respectivamente aumento e diminuição, e o número de símbolos representa nível leve,
moderado e alto. A intensidade da associação está associada com a concentração de TAG no fígado.
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ANEXO 4 - Soja com alto teor de ômega 3 é considerada segura para consumo
4
Segundo a revista britânica "New Scientist", a segunda geração de transgênicos parece estar pronta para ir
dos laboratórios para a mesa. Nos EUA, a FDA - Administração de Remédios e Alimentos, considerou
segura para consumo humano uma soja geneticamente modificada para conter alta concentração de ômega 3.
Os transgênicos da primeira geração, como os grãos resistentes a insetos e herbicidas, estão no mercado há
mais de dez anos e acenam somente com vantagens econômicas para os agricultores. .Já os da segunda
geração são aqueles que prometem benefícios para a saúde do consumidor.
Uma pesquisa da Universidade de Harvard concluiu que, nos EUA, a ausência de ômega 3 na dieta é a sexta
principal causa de mortes que poderiam ser evitadas. O ômega 3 é um ácido graxo "do bem", associado à
4
Anfalpet Newsletter - Edição Nº 0310 de 02 de novembro de 2009
18
redução do risco de infarto e derrame. Geralmente, ele é encontrado em peixes de água fria, como o salmão e
a sardinha. A nova soja, que poderia ser usada em margarinas, poderia também aliviar a pressão nos estoques
desses peixes, que sofrem com a sobrepesca graças à procura de óleo com ômega 3.
Algumas plantas, como a linhaça, produzem um tipo de ômega 3 chamado ácido alfa-linolênico (ALA).
Entretanto, apenas uma pequena quantidade de ALA é convertida em ácidos graxos que possam ser
efetivamente utilizados pelo organismo. Já os óleos de peixe são ricos em dois outros tipos de ômega 3:
DHA, importante para o sistema nervoso e o cérebro, e EPA, importante para o sistema cardiovascular.
Na pesquisa para produzir soja com EPA, cientistas inseriram dois genes no genoma da soja - um extraído de
uma planta semelhante à prímula e outro tirado de um fungo. A soja modificada produz, então, ácido
estearidônico (SDA), o qual, no organismo humano, é convertido em EPA em proporções muito maiores que
através do ALA: para obter um grama de EPA, um humano precisaria ingerir entre 3 ou 4 gramas de SDA e
cerca de 20 gramas de ALA. A nova soja, porém, não tem concentração maior do DHA.
Menos da metade de um hectare seria o suficiente para produzir a mesma quantidade de EPA presente em 10
mil porções de salmão. – "Não há peixes suficientes para oferecer a quantidade de EPA e DHA que
precisamos. Por isso, esse é um avanço positivo" - disse Jack Winkler, chefe da Unidade de Política da
Nutrição da Universidade Metropolitana de Londres.
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Lipídios 2011