VENENO DO CAMPO À CIDADE PROIBIDOS, FALSIFICADOS E PERIGOSOS Na segunda-feira, veja como resíduos de pesticidas, herbicidas e inseticidas comprometem a água, ameaçando a saúde de toda a população A CAIO CIGANA venda descontrolada de agrotóxicos ganhou na internet um novo canal para driblar a lei, dificultando a fiscalização e ampliando o risco à saúde de consumidores e agricultores.A novidade agrava um cenário em que uso exagerado dos químicos na lavoura – o consumo cresceu muito acima da área plantada –, contaminação da água e dificuldade de identificar eventuais excessos de veneno nos alimentos que chegam à mesa se combinam para elevar o perigo escondido nos alimentos. Zero Hora flagrou a venda ilegal de agrotóxicos pela internet.A reportagem negociou a compra e a entrega de três produtos com comercialização e uso proibidos no Estado, apresentando-se como agricultor ou dono de agropecuária em e-mails e ligações telefônicas gravadas. Questionado sobre o risco de a carga de ser apreendida, o vendedor que se identifica como Mauricio, de Monte Aprazível (SP),não mostra receio com a venda ilegal: – Se eles (a fiscalização) travar (sic), o pessoal dá um jeito de recolher a mercadoria, mas se passar entrega tranquilo – garante. Sem regras, a negociação online de defensivos aumenta a brecha para irregularidades que vão de crimes ambientais a infrações mais graves, como derrame de produtos falsificados, contrabandeados e roubados. No Estado, a venda pela internet permite que agricultores e donos de lojas negociem herbicidas e inseticidas proibidos por terem sido banidos em seus países de origem de- Três agrotóxicos negociados por ZH via internet foram barrados do RS em julho ■ Gramoxone e Gramocil – Usados no controle de plantas daninhas. Laudo da Fepam indica que o paraquat, princípio ativos dos dois, supera o nível aceitável de exposição para quem aplica, mesmo com o uso de equipamentos de proteção individual. Os efeitos da intoxicação são irreversíveis. Pode causar fibrose pulmonar. Proibido na União Europeia desde 2007. ■ Mertin – Inseticida à base de trifenil hidróxido de estanho, banido da União Europeia desde 2002. De acordo com a Fepam, é extremamente tóxico à vida marinha e aos pássaros. Em humanos, atua no sistema nervoso central. A intoxicação causa letargia, perda de mobilidade, diarreia e anorexia, fraqueza generalizada e depressão. ALERTA AO CONSUMIDOR ■ No Brasil, os principais ingredientes que aparecem em amostras irregulares de hortigranjeiros são clorpirifós, acefato e dimetoato. Todos podem estar em marcas de agrotóxicos legais e ilegais. ■ Os três são inseticidas, e os sintomas da intoxicação após consumo indevido ou contato durante a aplicação vão desde vômitos e diarreias a paralisia da musculatura respiratória, que pode levar à morte. Alguns dos efeitos no sistema nervoso central são ansiedade, irritabilidade e depressão. 4 DINHEIRO FLAGRANTE DETECTA PRODUTOS ILEGAIS E SEM ORIGEM No dia 14 de novembro,a partir das investigações de ZH, fiscais da Secretaria da Agricultura deram uma batida em uma agropecuária de Venâncio Aires citada por um dos vendedores como cliente antigo.Além de o estabelecimento sequer ter licença para vender agrotóxicos,foram encontrados produtos proibidos, sem registro no Ministério da Agricultura (Mapa) e sem origem comprovada.Apenas ano passado,a Secretaria da Agricultura flagrou 73 estabelecimentos sem autorização para a venda de agrotóxicos e outros 26 com agrotóxicos ilegais. O chefe da divisão de fiscalização de agrotóxicos do Mapa, Álvaro Ávila, ressalva que a comercialização de defensivos pela internet, apesar de não ter regulamentação, não é proibida – desde que obedeça a lei. O problema é que, mesmo quando fungicidas, herbicidas e inseticidas são legais, em regra as vendas são feitas por empresas sem licença para comercializar venenos agrícolas. As ofertas aparecem em sites populares que abrigam anúncios de venda de todo tipo de produto, segmentado em agronegócio, e em portais especializados em defensivos criados por companhias reais ou fictícias. As especializadas dizem funcionar como uma espécie de bolsa de mercadorias, apenas aproximando fornecedores e compradores. Como não venderiam diretamente o produto, isso dificulta o enquadramento na lei. Mesmo assim, abrigam anúncios de interessados na compra de produtos vetados no Rio Grande do Sul. Quando a fiscalização vai até o endereço onde funcionaria o negócio, ninguém é encontrado. O que atrai, muitas vezes, é o preço abaixo do mercado, embora não exista a garantia de o produto ser legal. E, na hipótese de ser falso, o comprador sequer tem amparo para reclamar. – Pela internet, não tem como checar se a empresa existe ou é fantasma. Nossa preocupação com isso é total. Abre brechas para que as pessoas que não tomam a cautela necessária sejam ludibriadas – alerta Fernando Marini, gerente de produto do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg). Além de ignorar o receituário agronômico, instrumento semelhante ao usado em medicamentos controlados, o transporte do produto também afronta a legislação. Embora os agrotóxicos sejam classificados como carga perigosa, os vendedores prometem entregá-los até em veículos particulares.Se o volume adquirido for pequeno,mais duas ilegalidades: podem chegar ao destinatário pelos Correios e,ainda,fracionados. ➧ [email protected] RICARDO DUARTE PRODUTOS VETADOS vido ao alto teor tóxico e ao perigo à saúde e ao ambiente. Gramoxone 200 e Gramocil são feitos à base de paraquat, princípio ativo que, apenas entre 2005 e 2011, causou 165 envenenamentos e 35 mortes conforme registros do Centro de Informações Toxicológicas (CIT) do Estado.Outro produto proibido é o Mertin 400. Mesmo alertados de que o produto era proibido no Rio Grande do Sul,vendedores confirmam a entrega no Estado.A multinacional Syngenta, fabricante dos três produtos, tenta liberar esses agrotóxicos na Justiça gaúcha. O CAMINHO DA CLANDESTINIDADE 1 Mesmo sabendo da ilegalidade, vendedores confirmam a entrega de agrotóxicos proibidos no Rio Grande do Sul. 2 Site que tem os telefones de contato com os prefixos de Santa Catarina, mas não informa endereço exato e por isso dificulta a fiscalização do Estado vizinho, exibe anúncio de interessado gaúcho em adquirir 400 litros de Gramocil, produto vetado no RS. E-mails e conversas telefônicas confirmam que vendedores do Oeste do Estado de São Paulo, região que concentra grande número de empresas irregulares e falsificação de defensivos, atuam com entregas no Rio Grande do Sul. 3 TRECHOS Robson Pereira Corrêa, diretor Comercial da Defensivos do Brasil ZH – Sou de Guaíba e preciso de Mertin, Gramocil e Gramoxone. Robson – Desculpa, qual é o produto? ZH – Mertin, Gramocil... Robson – Ah, vocé é o rapaz do Gramoxone e Gramocil? ZH – Isso. Eu precisava de uns 100 litros de cada. Vocês entregam aqui? Robson – Sim, te entrego aí, sem problemas. ZH – É que estes produtos estão com uma proibição recente. Robson _ Mas é mais com relação à comercialização. Você vai comprar em produtor rural, né? Maurício Vendas Agrícolas ZH – Eu te consultei sobre Mertin. Mauricio – Eu tô lembrando, é que eu tenho bastante e-mail... Tá precisando de Mertin? Vai usar na lagarta do arroz? ZH – Não, no feijão. Maurício – É porque a lagarta já esta pegando resistência pro Mertin. ZH – É o seguinte: o problema, comentei no e-mail, é que aqui está proibido. Maurício – Ah, é por isso. ZH – Eu queria saber como a gente pode fazer. Tu entrega mesmo? Maurício – A gente entrega. Quantos litros é? (sic) ZH – Preciso de 250. Maurício – A gente entrega. ZERO HORA > DOMINGO | 24 | NOVEMBRO | 2013 5 FOTOS RONALDO BERNARDI ZH mostra como produtos que envenenam quem aplica e são proibidos até nos seus países de origem são negociados pela internet e entregues em todo o Estado, onde são proibidos A partir de informações obtidas pela investigação de ZH, fiscais da Secretaria da Agricultura deram uma batida em uma agropecuária de Venâncio Aires no último dia 14. O estabelecimento sequer tem autorização para vender agrotóxicos. Foram encontrados mais de 500 litros de produtos sem registro no Mapa e sem origem comprovada, além de Gramoxone. Notas apreendidas mostram que a empresa de Valmor Kist comercializou Gramoxone durante o período de proibição, e tem fornecedores da região oeste de São Paulo. Um deles é a Plant Fort Comércio de Produtos Agrícolas Ltda, de São José de Rio Preto, que não tem licença para venda agrotóxicos mas anuncia na internet o produto Mertin 400, proibido no Rio Grande do Sul. O vendedor gravado por ZH, que se identifica como Genessy Domingues, admite entregas no Estado, inclusive para Kist. TRECHOS Plant Fort Genessy Domingues ZH – Está com muito cliente aqui no RS? Domingues – Eu tenho bastante. Tenho um cliente nosso muito antigo, deixa eu tentar lembrar a cidade... ZH – Mas eu digo agora, depois da proibição dos produtos? Domingues – Tenho, tenho. Até esta semana vendi para o seu Valmor, um cliente antigo de uma loja. ZH – Que cidade? Domingues – Venâncio Aires. ZH – Ninguém nunca pegou nada? Domingues – Espero que fique um bom tempo sem acontecer. 4 Site da empresa Defensivos do Brasil informa um endereço em Tubarão (SC), mas conforme Milton Luiz Breda, gerente de fiscalização de insumos agrícolas da Secretaria da Agricultura de Santa Catarina, no local não foi encontrado qualquer sinal do negócio. 6 Na mesma agropecuária, foram encontradas notas emitidas em janeiro pela Biofarm RP Comércio de Produtos Orgânicos Ltda. A Biofarm foi alvo de uma operação ano passado da Polícia Civil de Mato Grosso com apoio de São José do Rio Preto. No local foram descobertas ainda 200 embalagens de produtos falsificados. A investigação começou quando os Correios de Mato Grosso detectaram produtos da empresa despachados via postal. 7 No início da negociação nos sites, aparecem vários compradores do Rio Grande do Sul interessado em adquirir o Mertin. 8 Outro vendedor do interior de São Paulo anuncia Tordon no Mercado Livre. O produto, altamente tóxico, é enviado pelos Correios e fracionado, o que é proibido. Nenhuma das supostas empresas citadas (Chácara Completa, Plant Fort ou Uni Agro, que também se apresenta como Mauricio Vendas Agrícolas) tem cadastro para venda de agrotóxicos na Coordenadoria de Defesa Agropecuária de São Paulo. Quando os fiscais vão aos endereços, as empresas não são encontradas. CONTRAPONTOS DEFENSIVOS.NET O responsável pela empresa, Emerson Machado, não foi localizado. A Informação obtida por telefone na quinta-feira era de que Machado teria feito uma cirurgia. ZH também tentou um contato por e-mail, sem retorno. DEFENSIVOS DO BRASIL O diretor comercial Robson Pereira Corrêa ressalta que a empresa não vende diretamente os produtos, mas funciona como uma bolsa de mercadorias. Diz que, no caso do Mertin, tem a informação “do fornecedor e do suporte” de que apenas a comercialização está proibida no Estado. Admite lembrar de negociações envolvendo também Gramocil e Gramoxone no ano passado. Corrêa se negou a informar o endereço do seu escritório e admitiu que o site não tem CNPJ. CHÁCARA COMPLETA Identificado como contato da empresa Chácara Completa que anuncia Tordon pela internet, Elvis Lemes disse que não era responsável pela envio do produto e negou a remessa fracionada e pelos Correios. PLANT FORT Genessy Domingues diz que a empresa parou de vender “este tipo de produto” e negou que tenha anunciado Mertin na internet, por meio do site MF Rural. VALMOR REPRESENTAÇÕES O proprietário, Valmor Kist, negou a venda de agrotóxicos proibidos. Pediu que a reportagem falasse com um agrônomo responsável pela empresa, mas não forneceu o contato do profissional. MAURÍCIO VENDAS AGRÍCOLAS A reportagem não conseguiu contato telefônico com os responsáveis e não teve retorno de e-mails. DINHEIRO 5 VENENO DO CAMPO À CIDADE Vidas em risco RICARDO DUARTE ZEROHORA.COM > Em vídeo, saiba mais sobre os efeitos dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores do campo O LIMBO DAS LEIS LEODIR DE PARIS foi duas vezes vítima de intoxicação mesmo utilizando proteção O comércio irregular de agrotóxicos pela internet, em parte alimentado por produtos falsificados, sem registro e vendidos por empresas fantasmas, eleva o risco à saúde de trabalhadores rurais que têm contato com produtos químicos. Com predomínio de minifúndios voltados à produção de uvas e hortigranjeiros, Bento Gonçalves é o município gaúcho com o maior número de registros de intoxicação por agrotóxicos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação do governo federal. Além do uso intensivo de defensivos na fruticultura, superior às lavouras de soja e milho, o elevado número de notificações é resultado da persistência da vigilância sanitária em confirmar casos suspeitos. De 2007 à metade deste ano, Bento Gonçalves teve 94 – quase um quinto – dos 458 casos do Estado. Mas o tamanho do problema é maior do que indicam os números. Estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que,para cada registro de intoxicação por agrotóxicos, outros 50 casos deixaram de ser verificados. Hoje trabalhando em uma empresa de transportes, o ex-agricultor Leodir de Paris, 55 anos, teve dois acidentes enquanto aplicava fungicidas em parreirais, nos últimos cinco anos. No primeiro, sofreu queimaduras em partes do rosto que esta- 6 DINHEIRO INTOXICADOS Nos últimos cinco anos foram 2.295 atendimentos por intoxicação, o número diminuiu e voltou a crescer 511 483 494 412 395 2008 2009 2010 2012 2011 Fonte: CIT Os cinco municípios com mais notificações em cinco anos Bento Gonçalves Alpestre Progresso Uruguaiana Teutônia 94 32 28 21 18 Fonte: Sinan vam desprotegidas e, no segundo, as pernas foram atingidas. – Nesta segunda vez, demorei 90 dias para ficar curado – lembra De Paris que diz ter usado equipamentos de proteção individual (EPIs) nas duas oportunidades. Para o ex-agricultor, a principal causa das intoxicações na região é a utilização desmedida dos produtos: – O pessoal usa demais e de forma desordenada, sem consultar profissional habilitado, como agrônomos.Vai muito pelo que o vendedor diz. A exposição aos agrotóxicos desde a infância também cobrou um preço ao agricultor Jorge Salton,59 anos,que há 15 decidiu abandonar a produção convencional e, por questão de saúde, dedicar-se aos orgânicos. Antes de tomar a decisão, conviveu por quatro anos com alergias, dores de cabeça e mal-estar sempre que aplicava químicos. A necessidade foi reforçada quando o filho Joemir, à época com 15 anos e hoje com 31, repetiu os sintomas. – Quando entrava no parreiral onde o produto havia sido aplicado,já começava a me sentir mal.Eu usava proteção mas não adiantava – relata Jorge. Para técnicos da Embrapa Uva e Vinho, poucos agricultores usam EPIs de forma adequada por falta de orientação e desconforto. Para completar, aplicam um volume de químicos superior ao necessário com medo de quebra na produção. – Além da perda financeira pelo excesso nas aplicações, aumenta o risco de intoxicação – avalia o supervisor de campos experimentais da Embrapa de Bento Gonçalves, Roque Antônio Zilio. Uma das principais especialistas no tema no Estado, a médica Neice Faria, coordenadora da vigilância de saúde do trabalhador de Bento Gonçalves e professora de medicina do trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembra que, além dos episódios agudos, a exposição aos agrotóxicos é relacionada a males crônicos que podem se manifestar ao longo dos anos. São registrados casos de câncer, desequilíbrio hormonal, problemas respiratórios e de saúde mental,como depressão. – Há pesquisas mostrando que os agrotóxicos fazem parte da cadeia causal de suicídios – observa Neice. A CADA QUATRO DIAS, CINCO ATENDIMENTOS Embora não existam estatísticas precisas sobre intoxicações agudas,os números de atendimentos por telefone no Centro de Informação Toxicológica (CIT) do Estado mostram que o quadro é mais grave do que indica o Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Considerando apenas acidentes e uso indevido, sem contabilizar tentativas de suicídio, foram 2.295 chamados ao CIT nos últimos cinco anos. Embora os acidentes se concentrem nos meses mais quentes, é como se, a cada quatro dias, cinco casos de intoxicação por defensivos fossem atendidos. Em dois terços dos casos, as ligações partem de profissionais como médicos e enfermeiros. Para Virgínia Dapper, médica do trabalho e toxicologista do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, um dos entraves para dados mais precisos é a falta de capacitação dos profissionais para diagnosticar as intoxicações agudas e as doenças crônicas causadas por agrotóxicos. A falta de regulamentação para a venda ou intermediação de negócios envolvendo agrotóxicos pela internet facilita o comércio irregular e dificulta a repressão à atividade ilegal. Por ser uma prática recente, não está prevista em nenhuma lei que trata da venda de defensivos agrícolas. E por enquanto, admite Álvaro Ávila, chefe da divisão de fiscalização de agrotóxicos do Mapa, não existe nada em tramitação. – Esse assunto vem se tornando um problema para a fiscalização de todos os Estados. Há necessidade de prever, nas legislações estaduais, uma proibição mais efetiva sobre este tipo de comercialização – sustenta Milton Luiz Breda, gerente de fiscalização de insumos agrícolas da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), que já andou à caça de empresas virtuais que dizem se localizar em cidades catarinenses, mas não têm habilitação para atuar no negócio e não são encontradas nos endereços indicados. O uso da web para a negociação de defensivos também preocupa os paranaenses. Em julho, a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná foi o primeiro órgão da área a alertar para as irregularidades. Um dos problemas levantados era o aparecimento de empresas virtuais que fraudam documentação para participar de licitação de venda de agrotóxicos de origem duvidosa – falsificados ou roubados – para órgãos públicos, que depois usavam o produto em locais não permitidos pela legislação, como praças, ruas e calçadas. Os agrotóxicos são a causa de 3 milhões de intoxicações por ano no mundo. Mais de dois terços ocorrem em países em desenvolvimento Fonte: OMS ZERO HORA > DOMINGO | 24 | NOVEMBRO | 2013 VENENO DO CAMPO À CIDADE C riado para avaliar a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos, o ProgramadeMonitoramento de Qualidade de Produtos Hortigranjeiros no Rio Grande do Sul,reativado em 2013 após cinco anos parado, anda com lentidão. Desde maio foram coletadas 130 amostras de frutas, legumes e verduras na Ceasa, mas apenas 15 laudos foram concluídos pelo Laboratório Central do Estado (Lacen). Os resultados já chamam a atenção. Em um terço das amostras – três de tomate e duas de batata – foram encontradas irregularidades. Em todos os casos, uso de produtos não autorizados. O monitoramento tenta flagrar resíduos acima dos limites permitidos. De posse dos resultados, o Ministério Público Estadual (MPE) chama os produtores e exige que passem a respeitar as normas de aplicação de defensivos, sob pena de perder o direito da venda dos hortigranjeiros na Ceasa por até um ano. Para a coordenadora do programa, a bióloga Suzana Nietiedt, a demora nos resultados é fruto da falta de estrutura e de equipe no Lacen. Para piorar, dos 380 princípios ativos de agrotóxicos registrados no país, o laboratório consegue detectar apenas 130 princípios ativos. As irregularidades, por sua vez, seriam consequência da falta de orientação dos produtores. – A nossa assistência técnica está sucateada, e a Secretaria da Agricultura não dá conta da fiscalização. Os produtores ficam à mercê das Ameaças no prato empresas que vendem os produtos – avalia Suzana. Em outra frente, a Promotoria Especializada de Defesa do Consumidor da Capital já conseguiu cinco liminares que obrigam os maiores supermercados do Estado a cumprir uma norma técnica estadual de 2005 determinando que as redes façam o rastreamento dos hortigranjeiros. Outros quatro casos aguardam resposta da Justiça. O objetivo é conseguir chegar aos produtores que fizeram aplicações irregulares de agrotóxicos quando amostras analisados apresentam resultados fora do padrão legal. ANÁLISES NÃO INCLUEM TODOS OS PRODUTOS Como a principal irregularidade encontrada no monitoramento é o uso de produtos não autorizados para as culturas onde foram encontrados,produtores reivindicam a aplicação de uma normativa do Ministério da Agricultura, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ibama que abre a possibilidade dos agrotóxicos serem registrados para um grupo de vegetais, e não por cultura. Como os hortigranjeiros têm pouco peso na venda de defensivos, há pouco interesse das empresas em investir nos registros. A Anvisa também analisa agrotóxicos em alimentos nos pontos de venda, como supermercados. Mas nem todos são vistoriados a cada ano. O pimentão, por exemplo, que na análise anterior aparecia como campeão (83%),não figura no último relatório, de 2012 (veja quadro ao lado). VILÕES NA MESA DOS GAÚCHOS ■ O Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos (Para), da Anvisa, mostra que, no ano passado, os produtos com o maior número de amostras irregulares no Estado foram pepino, morango e cenoura. Os resultados insatisfatórios incluem a presença de defensivos não autorizados para alimentos em que foram encontrados (a maior parte dos casos) ou resíduos acima dos limites máximos. Percentual de irregularidades PEPINO 81% MORANGO 80% CENOURA 66% TENTATIVA DE APERTAR O CONTROLE ■ Para melhorar o controle, a Secretaria da Agricultura planeja implantar sistema semelhante ao do Paraná. A ferramenta permite acompanhar em tempo real a emissão da nota fiscal de defensivos, saber qual produto foi comprado e identificar a localização da propriedade. ■ O Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul acha que o ideal seria um responsável técnico pelas propriedades voltadas ao cultivo de frutas e hortaliças. PARA EVITAR RISCO EXCESSIVO LAVAR RETIRA OS RESÍDUOS DA COMIDA? ■ Não completamente, mas contribui. Os agrotóxicos são divididos quanto ao modo de ação entre sistêmicos e de contato. Sistêmicos, quando aplicados, circulam através da seiva por todos os tecidos vegetais. De contato agem externamente, mas em parte também são absorvidos pela planta. Portanto, permanecem nos alimentos mesmo após a lavagem. QUAIS OS EFEITOS DA INGESTÃO? ■ Se absorvidos dentro dos valores diários aceitáveis, não há dano à saúde. Se essas quantidades forem ultrapassadas, as consequências podem variar desde sintomas como dores de cabeça, alergia e coceiras até distúrbios do sistema nervoso central ou câncer, nos casos mais graves de exposição (trabalhadores rurais). COMO DIMINUIR A EXPOSIÇÃO? ■ Optar por orgânicos ou alimentos da época, com quantidades menores de veneno. Procurar produtos com origem identificada, pois isto aumenta o comprometimento dos produtos quanto à qualidade. Fonte: Anvisa RICARDO DUARTE ZERO HORA> DOMINGO | 24 | NOVEMBRO | 2013 DINHEIRO 7 26 Economia ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 25 DE NOVEMBRO DE 2013 VENENO DO CAMPO À CIDADE Venda cresce três Depois de mostrar flagrante de venda ilegal de produtos proibidos no Estado na edição de domingo, ZH detalha a situação de abuso no consumo de pesticidas, herbicidas e inseticidas.A venda dessas substâncias cresceu o triplo em relação ao avanço da área plantada, e a proporção do emprego no Estado é quase o dobro da média nacional. CAIO CIGANA O alerta de ambientalistas e entidades ligadas à saúde sobre o risco cada vez maior de químicos na agricultura é sustentado por dados. O cruzamento das estatísticas de safra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e de comercialização do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) mostra que, nos últimos cinco anos, a venda de agrotóxicos subiu 22,1%, três vezes acima do crescimento da área cultivada. Se comparado ao avanço da produtividade, é quatro vezes maior. Criado para monitorar esse mercado, o observatório da indústria de agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR) confirma que, na última década, o consumo de defensivos disparou no país. O faturamento da indústria do setor no Brasil de 2001 a 2010, por exemplo, saltou 215%, enquanto a área plantada com as principais commodities subiu 30%. Outro indicador que reforça o excesso é o de importações. Em valor, subiram 650% entre 2000 e 2011, enquanto a Alemanha, segunda no ranking, teve avanço de 192% – e a média mundial ficou em 80%. – Esse ritmo indica o uso cada vez maior de agrotóxicos, que não é acompanhado pela expansão dos principais cultivos – avalia Victor Manuel Pelaez Alvarez, coordenador do observatório da UFPR. Descontrole faz surgir pragas Para Alvarez, a venda de agrotóxicos deixou de seguir boas práticas agronômicas, como diagnóstico da situação da lavoura por profissional habilitado e uso mediante receita. – Estão usando de forma preventiva. É como fazer quimioterapia para prevenir o câncer – compara. Visão semelhante tem o pesquisador de controle de pragas Adeney de Freitas Bueno, da Embrapa Soja. Para o especialista, uma das causas é o esfacelamento da assistência técnica oficial a partir da década de 1980. À época, a agricultura brasileira adotava o manejo integrado de pragas (conjunto de técnicas que mantém o volume das pragas em níveis abaixo do capaz de causar prejuízo). A prática foi modelo no mundo, mas acabou abandonada. – Com a saída da assistência técnica oficial,os agricultores ficaram na mão das assistências técnicas das revendas de agrotóxicos. Por mais isentas que sejam, sua função é vender e são remuneradas por isso. Assim, ficam comprometidas – ressalta Bueno. O pesquisador lembra que, na década de 1980, os plantadores de soja brasileiros faziam de uma a duas aplicações de inseticidas por ano. Agora, dependendo da região, são de cinco a 10 doses. Existe temor de possíveis efeitos colaterais. – O uso descontrolado e intenso vai causar o surgimento de outras pragas. A explosão da helicoverpa é um exemplo – sustenta Bueno, referindo-se à lagarta que na última safra aterrorizou produtores de soja e algodão e teve confirmação também no Rio Grande do Sul. Procurada, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que reúne 15 fabricantes de agrotóxicos no Brasil, não se manifestou. [email protected] MÉDIA ELEVADA E USO EXCESSIVO Bacia Intensidade do uso de agrotóxicos chega a representar 33,2 litros por habitante, mas varia conforme a bacia hidrográfica no Estado Rio Ijuí Várzea Passo Fundo Apuaê/Inhandava Ijuí Alto-Jacuí Butuí/Icamaquã Taquari-Antas Rio Ibicuí Ibicuí Pardo Vacacaí e Vacacaí-Mirim Quaraí Rio das Antas Rio Caí Caí Mampituba Sinos Tramandaí Rio Jacuí Gravataí Baixo-Jacuí Guaíba Santa Maria Rio Camaquã Camaquã Rio Negro De 0 a 333 litros - baixa De 334 a 666 - média De 667 a mil - alta Obs.: Percentual médio do Estado e do Brasil Obs2.: Não existe padrão recomendado Área plantada Produção Produtividade Venda de agrotóxicos 6,1% 11,3% 5,6% 22,1% Faturamento da indústria 36,2% OBS: Os dados de área plantada, produção e produtividade se referem às seis principais lavouras anuais do país: milho, soja, trigo, feijão, arroz e algodão Fonte: IBGE Litros/km²/ano Litros/habitante/ano Litoral Médio Gravataí 88,77 0,135 Sinos 67,03 0,200 Caí 140,97 1,551 Taquari-Antas 265,96 6,220 Alto Jacuí 919,02 33,204 Vacacaí e Vacacaí-Mirim 197,26 5,897 Baixo Jacuí 135,66 6,696 Lago Guaíba 199,51 0,459 Pardo 367,21 6,702 60,58 0,874 261,89 25,054 63,87 4,606 Região hidrográfica do Litoral Tramandaí Litoral Médio Camaquã Mirim-São Gonçalo 128,85 3,925 Mampituba 162,75 9,512 Região hidrográfica do Uruguai Ca n Go al d nç e S alo ão Mirim-São Gonçalo LEGENDA Em cinco anos, a venda de defensivos agrícolas aumentou três vezes mais do que o avanço da área plantada no país, indicando abuso na aplicação dos produtos Região hidrográfica do Guaíba Turvo/Santa Rosa/ Santo Cristo Piratinim AUMENTO DESPROPORCIONAL Apuaê/Inhandava 277,14 14,004 Passo Fundo e Várzea 786,46 22,629 Turvo/Santa Rosa/Santo Cristo 874,65 24,122 Piratinim e Butuí/Icamaquã 404,55 40,820 Ibicuí 224,37 19,192 Quaraí 197,28 43,526 Rio Santa Maria 145,92 12,326 67,03 1,866 650,54 20,542 Rio Negro Ijuí Economia ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 25 DE NOVEMBRO DE 2013 27 vezes mais do que lavouras RICARDO DUARTE ANÁLISE DA ÁGUA NÃO CAPTA CONTAMINAÇÃO Agrotóxicos mais usados Exame detecta a presença? Glifosato Acefato Difeconazole Metamidofós Metalaxil-m Cipermetrina Diflubemzuron Folpete Tiofanato metílico Carbofuran Sim Não Não Sim Não Não Não Não Não Sim FEIRAS ECOLÓGICAS Onde comprar verduras e legumes sem agrotóxicos PORTO ALEGRE ● Frutas, legumes e verduras estão entre os alimentos mais impactados pelo excesso de defensivos Consumo no RS é quase o dobro da média nacional ● ● ● ● O excesso e o descontrole no uso de agrotóxicos geram consequências que ultrapassam os limites do campo e ameaçam a qualidade da água, inclusive a distribuída à população urbana.Com um estudo que mapeou o uso de defensivos por bacia hidrográfica do Rio Grande do Sul, o Estado terá a partir do próximo ano uma portaria própria que ampliará a lista de princípios ativos de pesticidas e herbicidas analisados pelas companhias de abastecimento de água. Coordenado pelo Centro Estadual de Vigilância em Saúde, o trabalho fez projeções com base em informações coletadas sobre a safra 2009/2010 e indicou o uso de 85 milhões de litros de agrotóxicos no Estado, o equivalente a 34 piscinas olímpicas cheias de veneno agrícola. É como se cada gaúcho utilizasse 8,3 litros de veneno a cada ano no período analisado. O volume per capita gaúcho é bem superior ao nacional, no Estado que é o terceiro maior produtor de grão.Um estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) mostra que, em 2011, a média do país foi de 4,5 litros. Premiado na Mostra Nacional de Experiências Bem Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças (Expoapi), organizada pelo Ministério da Saúde, o estudo identificou as regiões que mais aplicam Entre os 50 tipos de agrotóxicos mais utilizados nas lavouras brasileiras, 22 são proibidos na União Europeia Fonte: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) defensivos. Sem surpresa, o mapa aponta o noroeste do Estado, principal região produtora de grãos, com os maiores volumes por quilômetro quadrado. O quadro mais grave ocorre na Bacia Hidrográfica doAlto Jacuí, com relação entre volume e área de 919 litros por quilômetro quadrado e consumo equivalente a 33,2 litros por habitante na safra 2009/2010. Novos exames só no próximo ano Como o trabalho, também será montado um ranking dos agrotóxicos considerados mais críticos para cada região, e haverá a possibilidade de complementar a lista de produ- tos analisados pelas companhias de abastecimento no momento de avaliar a água tratada distribuída à população em cada uma das bacias do Estado. Dos 10 agrotóxicos considerados mais críticos para o Rio Grande do Sul, por exemplo, apenas três fazem parte da relação de produtos verificados hoje pelas empresas, conforme a Portaria 2.914/11, do Ministério da Saúde. A norma ministerial, hoje, relaciona apenas 27 químicos aplicados na agricultura. – Em março do próximo ano, teremos uma portaria estadual que vai incluir os parâmetros (princípios ativos) mais críticos para cada uma das bacias hidrográficas do Estado, que também passarão a ser analisados pelas companhias de água – explica o chefe da Divisão de Vigilância Ambiental em Saúde do Estado, Salzano Barreto. Publicado em 2011 com informações coletadas no ano anterior,o Atlas do Saneamento do IBGE também dá pistas quanto à contaminação pela aplicação desenfreada de veneno agrícola, poluindo mananciais utilizados para captar água destinada à população. No Rio Grande do Sul, 37 municípios relataram a presença de agrotóxicos nos pontos de captação – mesmo que depois, tratado, o líquido ganhasse potabilidade. ● Onde: Avenida Getúlio Vargas (no pátio da Secretaria Estadual da Agricultura), bairro Menino Deus Quando: quartas-feiras, das 13h às 19h e sábados das 7h às 12h30min Onde: Avenida Otto Niemeyer, esqui- na com a Avenida Wenceslau Escobar, bairro Tristeza Quando: sábados das 7h às 12h30min Onde: Avenida José Bonifácio, 675, bairro Bom Fim Quando: sábados,das 7h às 12h30min INTERIOR ● PELOTAS Onde: Avenida Dom Joaquim, esquina com a Rua Povoas Junior ● Quando: sábados, das 8h às 14h ● Onde: Avenida Bento Gonçalves entre ● Quando: terças-feiras, das 8h às 14h ● Onde: Largo do Mercado Público, das ● Quando: quintas-feiras, das 15h às as Ruas Barroso Ferreira Viana 15h às 20h 20h ● CAXIAS DO SUL Onde: Rua Augusto Pestana, antiga Estação Férrea ● Quando: sábados, das 6h30min às 11h30min ● Onde: Rua Santos Dumont, bairro ● Quando: quartas-feiras, das 14h às 18h ● SANTA CRUZ DO SUL Onde: Rua Tomás Flores, 805 Quando: terças e sextas, das 14h às Nossa Senhora de Lourdes ● 18h30min ● BRASIL É O SEGUNDO MAIOR CONSUMIDOR NO PLANETA Apesar da informação difun- dida de que o Brasil passou a ser o maior consumidor mundial de agrotóxicos, o país ainda segue atrás dos Estados Unidos, afirma Victor Alvarez, do obser vatór io da indústria de agrotóxicos da UFPR. No ano passado, o mercado nor te-amer icano negociou US$ 13,7 bilhões em defensivos, enquanto no Brasil a cifra foi de US$ 9,7 bilhões. Fiscalização deverá ser intensificada O comércio irregular de agrotóxicos na internet, revelado domingo em ZH, surpreendeu o diretor de defesa vegetal da Secretaria da Agricultura, José Candido Motta.A reportagem mostrou que a rede é um canal para venda de produtos proibidos e sem registro.Em outros casos, há despachado por correio, o que também é ilegal. – Sabíamos que existia, mas não com essa dimensão – diz Motta. Para tentar estancar a ilegalidade, a Secretaria da Agricultura reforçará a vigilância nos postos de fiscalização na divisa com Santa Catarina. Os Correios receberão pedido oficial para criar uma forma de barrar o despacho de defensivos. Motta avalia que, a partir da implantação do monitoramento eletrônico da venda de agrotóxicos legalizados, previsto para operar em março de 2014, será possível liberais fiscais para coibir o comércio ilegal. Hoje, a estrutura é precária: para fiscalizar cerca de mil estabelecimentos com licença de venda de agrotóxicos e mais de 400 mil propriedades, o Estado tem 20 técnicos, entre agrônomos e engenheiros florestais. A polêmica repercute também na Assembleia Legislativa. Um projeto de lei da deputada Marisa Formolo (PT) propôs em maio a identificação clara, ao consumidor, se algum agrotóxico foi usado em alimentos – nos pontos de venda, para produtos in natura, e nas embalagens para industrializados. Em julho, o projeto teve parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça, primeiro passo das propostas na Casa, mas foi solicitada nova análise a pedido de Fiergs, Farsul, Fetag e Fecomércio. Não há previsão de avanço no Legislativo.