UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
EVA PARTOCKI
PROFESSORES SUBSTITUTOS:
NEOLIBERALISMO E A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO
DOCENTE
CURITIBA
2012
EVA PARTOCKI
PROFESSORES SUBSTITUTOS:
NEOLIBERALISMO E A FLEXIBILIZAÇÃO DO TRABALHO
DOCENTE
Dissertação apresentada ao Curso de PósGraduação em Educação, Mestrado em
Educação da Universidade Tuiuti do Paraná
como parte das exigências para a obtenção
do grau de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Fausto dos Santos
Amaral Filho
CURITIBA
2012
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos Júnior, Michely e Bruna por me apoiarem em
cada momento desse mestrado, incentivando-me em sua
continuidade, e por eles, não desisti nem mesmo nos momentos
mais difíceis, sempre pensando no exemplo e no amor que sinto
pelos três. Dedico ainda a Professora Ms. Clarisse Linhares que
me ensinou o que sei sobre docência no Ensino Superior, me
orientando e acreditando em meu trabalho.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, a Deus pela força que me deu, pelo amor incondicional que
acredito e sinto em todos os segundos de minha existência;
Agradeço em especial aos meus pais, Leonor Machado Partocki e Markiano
Partocki, que a partir da força guerreira de um pai caminhoneiro, que trabalhou
para que nós, suas três filhas, estudássemos em escola particular, pensando na
excelência em educação, e em um futuro promissor para nós, colocou-nos sempre
como sua prioridade e em suas orações. E minha mãe, Leonor, que tinha um
lema: “Querer é poder! Por isso estudem filhas, porque quem luta consegue tudo
o que quer.” E pensando assim, financiou junto com minha irmã Márcia meu
sonho de conseguir estar e terminar o mestrado.
A minha irmã Ana Mariza e meu cunhado Hemerson Pedroso, pelo apoio e
gentileza em ceder-me sua casa para meus dias de aula e pelos dias que me
trouxeram a Universidade para que estivesse sempre no horário.
Ao meu querido orientador Prof. Dr. Fausto dos Santos Amaral Filho, que com
paciência me conduziu a conclusão desse mestrado.
[...] o trabalho docente, sob a égide do capitalismo, não escapa à
lógica da acumulação do capital, direta ou indiretamente, pela
venda da força de trabalho do professor para instituições privadas,
pela qualificação científico-tecnológica de trabalhadores para
atender às demandas do trabalho capitalista, pelo disciplinamento
tendo em vista a subordinação, pela produção de ciência e
tecnologia. Assim, seu trabalho está atravessado pelas mesmas
contradições que caracterizam o capitalismo (KUENZER;
CALDAS, 2009, p. 62).
RESUMO
A presente dissertação tem como objeto de estudo o trabalho docente,
especificamente, na modalidade contratual de temporários. Objetiva-se
compreender como as políticas neoliberais têm influenciado o Brasil,
especificamente o Estado do Paraná e em específico a profissionalização dos
professores, os quais são obrigados a submeterem-se às condicionantes do
sistema para poder subsistir economicamente e investir em sua própria
qualificação. A pesquisa centra sua atenção na influencia do neoliberalismo na
flexibilização do trabalho docente apresentando algumas das consequências deste
gerencialismo, da gestão das instituições educacionais, que possibilita a
terceirização do trabalho docente e a precarização do processo de ensino e
aprendizagem. Para isso, a pesquisa documental, por amostragem, analisou os
dados sobre a realidade do trabalho docente na condição de efetivos e
temporários, no período de 2007 a 2010, em três instituições de ensino superior
no Estado do Paraná: a UNICENTRO, a Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e a Universidade Estadual de Cascavel (UNIOESTE). A partir dos dados
foi possível evidenciar que os professores na condição de temporários nas IES
pesquisadas, constituem aproximadamente o 10% do total dos professores do
Estado do Paraná. Conclui-se que as IES públicas pesquisadas adotaram pautas
neoliberais que absorvem, apropriam e privatizam a força do trabalho docente e
que esta prática de contratação de professores gera um quadro de flexibilização
laboral de características de provisoriedade e relativização do processo de
formação profissional que atinge a dimensão ética do trabalho docente e afeta o
compromisso e envolvimento do profissional docente. A precarização do
trabalho docente, afeta também, a questão pedagógica, e a educação, bem como
a formação humana como um todo.
Palavras-chave: Precarização do trabalho docente. Neoliberalismo. Professor
temporário.
RESUMEN
La presente disertación tiene como objeto de estudio el trabajo docente,
especificamente, en la modalidad de temporales. Se objetiva comprender de
como las políticas neoliberales han influenciado Brasil, especificamente el
Estado de Paraná y en específico la formación de profesores, los cuales son
obligados a se submeter a las condicionantes del sistema para poder subsistir
tanto economicamente cuanto de la propia cualificación. La pesquisa centraliza
su atención en la influencia del neoliberalismo en la flexibilización del trabajo
docente presentando algunas de las consecuencias de este gerencialismo, de la
gestión de las instituciones educacionales, que posibilita la tercerización del
trabajo docente y la precarización del proceso de enseñanza y aprendizaje. Para
eso, la pesquisa por amostragem, analisa los dados sobre la realidad del trabajo
docente en la condición de efectivos y temporales, en el periodo de 2007 a 2010,
en tres instituciones de enseñanza superior en el Estado de Paraná: la
UNICENTRO, la Universidad Estadual de Maringá (UEM) y la Universidad
Estadual de Cascavel (UNIOESTE). A partir de los dados fue posible evidenciar
que los profesores en la condición de temporales en las IES pesquisadas,
constituyen aproximadamente el 10% del total de los profesores del Estado de
Paraná. Concluye-se que las IES públicas pesquisadas adoptaron pautas
neoliberales que absorven, aproprian y privatizan la fuerza del trabajo docente y
que esta práctica de contratación de profesores genera um cuadro de
flexibilización laboral de características de provisoriedad y relativización del
proceso de formación profesional que alcanza la dimensión ética del trabajo
docente y afecta el compromiso y envolvimiento del profesional docente. La
precarización del trabajo docente,afeta también a cuestión pedagógica,
precarización de la educación, de la formación humana como um todo.
Palavras-chave: Precarizacion del trabajo docente. Neoliberalismo. Profesor
temporal.
SUMÁRIO
RESUMO ....................................................................................................
RESUMEN........................................................................................
1 INTRODUÇÃO .............................................................................
08
2 NEOLIBERALISMO E SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO
SUPERIOR ..........................................................................................
15
2.1 O SISTEMA NEOLIBERAL: PRINCÍPIOS E VALORES...................
16
2.2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NEOLIBERAIS .............................
19
2.3 O BANCO MUNDIAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO
BRASIL ................................................................................................
32
3 UNIVERSIDADES: PRECARIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO DO
ESPAÇO PÚBLICO ..........................................................................
38
3.1 A REFORMA UNIVERSITÁRIA E O GOVERNO LULA ................
45
4 O NEOLIBERALISMO E A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO
DOCENTE ...........................................................................................
52
4.1 O TRABALHO DOCENTE NO GERENCIALISMO NEOLIBERAL.
58
4.2 A TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ..........................
62
5
O TRABALHO DOCENTE SUBSTITUTO NO ESTADO DO
PARANÁ ..............................................................................................
69
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................
79
REFERÊNCIAS ....................................................................................
83
8
1 INTRODUÇÃO
O trabalho docente no contexto da sociedade atual tem-se tornado alvo de
discussões e de objeto de pesquisa de muitas áreas, principalmente da educação.
Tal problemática na educação superior aparece com mais notoriedade pelo fato
das políticas educacionais de cunho liberal possuirem forte influência no ensino
superior, estabelecendo um gerencialismo baseado nos princípios do livremercado.
Neste trabalho são apresentadas algumas das consequências deste
gerencialismo, da gestão das instituições, que possibilita a terceirização do
trabalho docente e a precarização do processo de ensino e aprendizagem. A
pesquisa, feita por amostragem e documental, objetiva compreender como as
políticas neoliberais tem influenciado o Brasil, em especial o Estado do Paraná e
a precarização do trabalho dos professores, os quais são obrigados a submeteremse às condicionantes do sistema para poder subsistir tanto economicamente
quanto da própria qualificação.
Para isso, no primeiro capítulo definem-se os princípios e valores
defendidos pelo sistema neoliberal, sua trajetória histórica, suas influências e
características, e como tal sistema organizou a sociedade contemporânea baseado
nos princípios econômicos. Com esse estudo, busca-se discutir as políticas
educacionais neoliberais a partir da crítica ao próprio sistema, especificamente
pelo fato de mercantilizar a educação e as situações e processos que emanam
9
dela, juntamente a sua luta pela privatização da educação e o sistema econômico
do Estado.
Na sequencia, no segundo capítulo analisam-se as políticas neoliberais a
partir da década de 1990, as quais impulsionaram à terceirização, a flexibilização,
a exploração e a precarização do trabalho docente como práticas da gestão do
ensino superior. Para isso, estudam-se de como as políticas educacionais
neoliberais e a influencia do Banco Mundial na América Latina, principalmente
Brasil, determinaram um contexto de precarização e privatização do espaço
público das universidades.
No terceiro capítulo, discute-se a influencia neoliberal na precarização do
trabalho docente. Trata-se do trabalho docente a partir daquilo que se conhece
massificado com o
nome de “professor substituto”, apontando suas
características, desafios e possibilidades frente às diversas diretrizes legais que
embasam as possibilidades da substituição do professor no ensino superior.
Também, descreve-se o fenômeno da terceirização do trabalho docente, por meio
das cooperativas de professores, que de forma inequívoca tem relativizado o
trabalho do professor e as suas condições trabalhistas.
Tendo em vista os capítulos anteriores, de caráter bibliográfico, a partir da
sistematização das principais publicações sobre o objeto de estudo, e o trabalho
documental em três instituições de Educação Superior no Estado do Paraná: a
UNICENTRO, a UEM e a UNIOESTE, nas quais se fez um mapeamento do
trabalho docente, a partir da análise dos dados sintetizam-se as principais
considerações sobre este fenômeno com base no levantamento bibliográfico
10
documental sistematizado. Na pesquisa por amostragem “o objeto/fonte é
abordado em seu meio ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas condições
naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim diretamente observados,
sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador” (SEVERINO, 2007).
As instituições formadoras de profissionais de educação estão vivendo um
importante momento de transição, face às recentes transformações no mundo do
trabalho e mais especificamente naquele meio onde o conhecimento e a
informação são base de sustentação dos processos desenvolvidos, atrelados às
políticas educacionais do cenário brasileiro.
Percebe-se a necessidade de reflexão sobre as leis que regem a contratação
e ações do profissional contratado em nível superior, para exercer as mesmas
funções do professor com concurso público, mas sem as mesmas condições
fornecidas e sem apoio e estrutura pedagógica. Tal profissional encontra-se à
margem da pretendida qualidade do ensino superior.
As críticas de Chauí (2001,p.11) são contundentes em relação à
“modernização” da universidade tal qual é pretendida por alguns setores da
sociedade. No texto "Modernização versus democracia", ela analisa a
insatisfação geral da sociedade com a universidade, mas matiza as diferentes
demandas ligadas aos diferentes setores da sociedade. As classes altas, as médias,
as baixas, os professores, os alunos e os funcionários, unidos por uma mesma
insatisfação derivada de suas diferentes posições sociais, têm expectativas e
visões diferentes sobre como deve ser a universidade brasileira. Enquanto a
classe média queixa-se da diminuição do prestígio das carreiras universitárias e
11
os trabalhadores manuais queixam-se das dificuldades para entrar nela, as
empresas criticam a inadequação dos profissionais que saem das universidades
para a ocupação de seus quadros.
A ação docente, seja em contextos de formação educativa plena, seja em
contextos mais específicos, precisa conciliar o aprimoramento dos aspectos
individuais de auto-realização e plenitude com aspectos sociais, sobretudo
aqueles que contemplam a integração dos indivíduos na humanidade, realizando
um movimento hoje conhecido como cidadania planetária.
O profissional da área de educação no Ensino Superior tem sobre si a
exigência da produção, construção e socialização de conhecimentos, habilidades
e competências que permitem sua inserção no cenário complexo do mundo
contemporâneo com a função de ser partícipe, tanto como docente quanto como
pesquisador e gestor do processo de formação de jovens e adultos para a
sociedade. Segundo Severino (2007) as universidades tem como missão o
aprimoramento da vida humana em sociedade por meio da produção e
sistematização do conhecimento, a partir da indissociabilidade entre pesquisa,
ensino e extensão, preceito constitucional descrito na LDB, capítulo 40 e,
principalmente, na tríplice dimensão da pesquisa: pedagógica, científica e social.
Severino nos fala em mais finalidades: Formação de professores das
diferentes áreas aplicadas, formação de cientistas, formação social e política.
Refletindo sobre o processo de formação de professores, Tardif (2004)
argumenta que se deve levar em conta o conhecimento do trabalho dos
professores, seus saberes cotidiano. O autor convoca os educadores e os
12
pesquisadores, o corpo docente e a comunidade científica a fortalecer a
indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. Sua proposta é que a pesquisa
universitária não considere os professores de profissão como objetos de pesquisa
e que passem a ser considerados como sujeitos do conhecimento, como
colaboradores, como co-pesquisadores.
Neste cenário, encontra-se o docente na condição de substituto, que será o
foco em um dos capítulos desta pesquisa, na tentativa de demonstrar como uma
das manifestações do neoliberalismo, o trabalho desse profissional, precarizado
aonde muitos desses professores, não se vem como sujeitos do conhecimento e
nem como pesquisadores. Sentem-se fora desse contexto, como se fossem apenas
“passageiros” de um período letivo dentro das universidades. Tal situação é
preocupante tendo em vista reflexo de sua prática docente como profissional, e as
implicações da mesma na formação dos discentes.
O interesse pela pesquisa justifica-se pela situação atual dos docentes do
Ensino Superior, que há décadas lutam por melhores condições de trabalho,
salário e valorização. A pesquisa em si tem a pretensão de contribuir com as
discussões sobre o tema, direcionando ao professor colaborador em especial, que
fica à margem dessas discussões na maioria dos artigos e pesquisas científicas
publicadas. Esse profissional deveria estar por um período de “substituição” de
um concursado, mas acaba prestando-se ao capitalismo, quando torna essa
modalidade de contratação uma constante, ficando na dependência para o
sustento de sua família, e sujeito aos contratos que podem ser extintos quando o
13
empregador assim achar necessário. Modalidade de contratação essa encontrada
tanto nas Universidades Públicas como na rede particular de Educação Superior.
Como experiência pessoal a ser relatada, esta pesquisadora, como autora
da pesquisa, foi professora colaboradora durante 7 (sete) anos, trabalhados com
contrato para exercer o cargo de professora titular, sem direitos empregatícios,
nem acesso a verba para
pesquisa, ou para formação profissional. Nesse
contexto, todos os esforços feitos para formação pessoal contaram com recursos
próprios. Penso que fica claro, que para o Estado é muito vantajoso essa situação,
por não cederem verbas específicas para cursos se não for professor concursado.
Desde o início da carreira, como professora colaboradora, a pesquisadora
deste trabalho, presenciou as mudanças ocorridas nos testes seletivos para
contratação de professores substitutos, onde antes era preciso passar por uma
prova escrita e somente os classificados com média 6,0 (seis inteiros) passavam
para a prova didática. Hoje, no entanto, para seleção basta a prova didática e a
pontuação de títulos. Outra mudança é que hoje nos quadros de contratação
encontramos muitos colaboradores mestres e doutores, deixando para traz os
especialistas na contagem da pontuação de títulos e publicações, certamente a
intenção é aguardar um concurso público para que sejam efetivados dentro das
Universidades, mas isso acaba gerando uma rotatividade muito grande de
docentes, que saem porque foram chamados em concursos ou em instituições
que oferecem melhores condições de trabalho. Aceitam essa condição na
esperança de quando houver um concurso público contarem com certa
“facilidade” por já estarem na instituição. Muitos ainda acabam dependendo
14
exclusivamente desse salário provisório e que como consta no contrato pode ser
rompido a qualquer momento, quando se efetiva o retorno do professor afastado
para pesquisa ou por licença.
Outro exemplo, possível de ser arrolado de desligamento imediato, foi o
que aconteceu em 2006, por decisão do Governo do Estado, onde se proibiu a
recontratação de quem já era colaborador, decisão esta revogada posteriormente,
devido ao caos que seria a contratação de somente novos candidatos.
Outra coisa que chama atenção, é que há aumento significativo de
candidatos, pelo menos na UNICENTRO, advindos do Rio Grande do Sul, Mato
Grosso do Sul, Maringá e outros Estados ou Cidade do Paraná, bem como da
própria cidade, muitos em busca do salário que é superiormente relevante,
quando comparado ao da Educação Básica, principalmente do Ensino
Fundamental. Temos então, outro fator para reflexão, pois ao entrarem como
professores substitutos, muitos não tem experiência no ensino superior, ou são
egressos de especializações Lato Sensu, sem experiência no magistério, mas com
grande pontuação de títulos, acabam por assumir um grande número de
disciplinas, das quais nem sempre estão totalmente preparados ou possuem a
adequação suficiente, no que diz respeito à sua formação acadêmica.
Dessa experiência pessoal, resultou na pesquisa sobre o Neoliberalismo e
sua influencia dentro das Universidades, e como uma de suas consequências a
precarização das relações de trabalho dos docentes do Ensino Superior, bem
como a contratação dos professores colaboradores, ditos substitutos, explorando
através de amostragem, os dados dos docentes de algumas Universidades do
15
Paraná e nesse contexto refletir sobre a docência do professor substituo na
expectativa de contribuir para sua valorização.
2 NEOLIBERALISMO E SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO
SUPERIOR
Os anos de 1990 foram marcados pela reprodução da ideologia neoliberal
que influenciou o mundo da educação, desde a administração escolar até as
questões curriculares, o que trouxe consequências no que diz respeito à
concepção da pessoa humana em sociedade e sobre sua formação.
Este capítulo trata especificamente como as políticas neoliberais
influenciaram a formação dos professores, a fim de identificar como a ideologia
neoliberal marca o trabalho docente. Para isso, faz-se uma análise dos princípios
e valores defendidos pelo sistema neoliberal, sua trajetória histórica, suas
influências e características, e de como o mesmo organizou a sociedade
contemporânea baseado nos princípios
econômicos. A partir desse estudo,
busca-se discutir as políticas educacionais neoliberais e a crítica ao próprio
sistema, especificamente pelo fato de mercantilizar a educação e as situações e
processos que dela debruçam-se, juntamente a sua luta pela privatização da
educação e da autonomia do sistema econômico acima do poder político do
Estado.
16
2.1 NEOLIBERALISMO: PRINCÍPIOS E VALORES
A emergência do neoliberalismo, no entendimento dos seus fundamentos
remonta-se à década de 1930, no cerne da crise mundial que sofreu o modo de
produção capitalista. Devido a isso, o Estado tomou medidas de caráter
intervencionista no intuito de fomentar a competitividade do setor privado, para
assim acumular capital e, decorrente do mesmo, expor políticas sociais
compensatórias frente às mazelas ocasionadas pelo próprio capitalismo
(OLIVEIRA, 1994).
De acordo com Gentili (1995) o neoliberalismo surge como reação e
alternativa histórica à crise do fim dos anos 60 e começo dos 70, expressando
uma forte necessidade de restabelecer a hegemonia burguesa. Sendo assim, o
neoliberalismo remete a Estados que se constituíram nas últimas décadas a partir
de experiências de governos neoconservadores como Margaret Thatcher, na
Inglaterra, Ronald Reagan, nos Estados Unidos ou Brian Mulrony no Canadá.
Poder-se-ia dizer que, a primeira experiência de neoliberalismo econômico na
América Latina está associada com a política econômica implantada no Chile
depois da derrubada de Salvador Allende, que era socialista. Os golpistas haviam
traçado o documento conhecido como El Ladrilho, elaborado por economistas
opositores de Allende, e posteriormente no governo de Carlos Saúl Menem na
Argentina e no modelo do Salinismo no México.
A ideologia neoliberal é decorrente de um período histórico no qual o
sistema econômico capitalista se impôs de forma globalizada. A economia do
17
mercado capitalista passa a ser compreendida como único modelo capaz de
regular a sociabilidade humana. E com essa afirmação onde o neoliberalismo
regularia a sociabilidade humana explicita-se que o mesmo constitui não somente
um fator que influencia o setor econômico, mas também o conjunto das relações,
políticas, culturais e filosóficas da sociedade (COMBLIN, 1999).
O socialismo sem dúvida terá, ao menos no começo, o caminho NÃO
para a liberdade, mas sim para a ditadura e contra ditaduras, para a
guerra civil das mais violentas. O socialismo realizado e mantido por
meios democráticos parece pertencer definitivamente ao mundo das
utopias.
Torres (1995, p. 114) afirma que, “os governos neoliberais propõem
noções de mercados abertos e tratados de livre comércio, redução do setor
público e diminuição do intervencionismo estatal na economia e na regulação do
mercado”. Essa regulação estrutural é proposta por meio de um conjunto de
programas e políticas determinadas pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário
Internacional e por outras organizações financeiras. Nessas propostas reguladoras
são recomendados aos Estados Nacionais a emissão de políticas públicas que
reduzam os gastos governamentais, que desvalorizem a moeda para promover a
exportação reduzindo assim as tarifas das importações e aumentado as poupanças
públicas e privadas.
A noção de privado (e as privatizações) são glorificadas como parte de
um mercado livre, com total confiança na eficiência da competição,
onde as atividades do setor público ou estatal são vistas como
ineficientes, improdutivas, antieconômicas e como desperdício social,
enquanto o setor privado é visto como eficiente, efetivo, produtivo,
podendo responder, por sua natureza menos burocrática, com maior
rapidez e presteza às transformações que ocorrem no mundo moderno
(TORRES, 1995, p. 116).
18
Desse modo, um aspecto central deste modelo é “a redução drástica do
setor estatal, especialmente mediante a privatização das empresas, a liberalização
de salários e preços e a reorientação da produção agrícola para a exportação”
(TORRES, 1995, p. 116).
Segundo Torres as premissas do estado neoliberal podem ser sintetizadas
como a seguir:
• Os estados neoliberais constituem um amálgama de teorias e
grupos de interesses vinculados à economia da oferta e monetaristas,
setores culturais neoconservadores, grupos que se opõem às políticas
distributivas de bem estar social e setores preocupados com o déficit
fiscal, a cuja superação subordinam toda a política econômica;
• Para o modelo neoliberal, o estado, o intervencionismo estatal e as
empresas parestatais são parte do problema, não parte da solução. O
melhor estado é o estado mínimo;
• A reestruturação econômica neoliberal implica a redução do gasto
público, redução de programas que são considerados gasto público e
não investimento, venda das empresas estatais, parestatais ou de
participação estatal e mecanismos de desregulamentação para evitar o
intervencionismo estatal no mundo dos negócios;
• O sistema neoliberal propõe a diminuição financeira do estado no
fornecimento de serviços sociais (educação, saúde, pensões e
aposentadorias, transporte público e habitação populares) e sua
subseqüente transferência ao setor privado (privatização);
• O neoliberalismo estimula a circulação de capital em escala global,
apoiando-se nas demandas do mundo dos negócios e em acordos de
livre comércio. Desse modo, desestimula o exercício do estado pelo
bem estar da sociedade;
• O estado neoliberal realiza ações de bem-estar-social de forma
seletiva, direcionadas a públicos específicos, com fins estritamente de
disciplina e coerção, especialmente no que tange a campanhas
eleitorais e às táticas de distribuição de renda no povo (TORRES,
1995, p. 115).
Contudo, o autor destaca que para entender melhor porque a acumulação
rígida, flexibilização na produção e nas reduções de trabalho, a burguesia atua
desse modo, é necessário contemplar e compreender o desenvolvimento de que o
19
neoliberalismo é, em poucas palavras, a globalização do capitalismo. Nesse
sentido, deve-se ter presente de que o fenômeno da globalização está na base das
transformações do capitalismo que consistem em alterar os princípios de
funcionamento de um capitalismo de pequenos proprietários para modelos de
caráter superior, imperialistas e monopolistas.
Torres (1995, p. 117) ressalta que “por um lado, os modelos neoliberais
promovem a autonomia individual mas, por outro lado, promovem obrigações
públicas de todos os cidadãos, dificilmente conciliáveis com o individualismo
possessivo”. A respeito disso, Gentili (1995, p. 244) conclui:
A desordem neoliberal faz da violência do mercado uma das armas
mais certeiras contra o bem-estar das maiorias. Isto impõe as regras de
um implacável processo de “seleção natural” que, em sua macro visão
reacionária, expressa o grau mais perfeito de desenvolvimento da
espécie humana.
A partir daqui, percebe-se as contradições do sistema neoliberal, que são
chaves para compreender o fenômeno da temática deste trabalho no que tange à
compreensão da marginalização como conseqüência de um sistema econômico,
político, cultural e social excludente, acumulação rígida, flexibilização dos
contratos de trabalho.
2.2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NEOLIBERAIS
O impacto da ideologia neoliberal no campo da educação determina-se a
partir das próprias organizações estatais que permitem o acesso da lógica do
capital como imprescindível para a satisfação das necessidades sociais. Neste
20
emaranhado a educação é tida como fator econômico, como manifestação dos
interesses hegemônicos da classe dominante, que determinam a transmissão da
cultura e dos conhecimentos técnicos para o trabalho produtivo, sempre ao
serviço das demandas do capital.
Saviani (1992) ao refletir sobre o liberalismo e a escola pública afirma que
com o advento da sociedade capitalista “a escola foi erigida em forma principal e
dominante de educação”. O autor explica:
A sociedade moderna não podia mais se satisfazer com uma educação
difusa, assistemática e espontânea, passando a requerer uma educação
organizada de forma sistemática e deliberada, isto é,
institucionalizada, cuja expressão objetiva já se encontrava em
desenvolvimento a partir das formações econômico-sociais anteriores,
através da instituição escolar (SAVIANI, 1992, p. 12).
O liberalismo constitui a ideologia burguesa, que sedimenta suas
premissas na autonomia do indivíduo, que na sua liberdade baseada na
propriedade, a sociedade organiza-se racionalmente. Nessa lógica é que a escola
pública assume o pensamento liberal, manifestada na instrução como uma
questão pública necessária ao exercício da soberania, fundamentada nos
pressupostos econômicos da sociedade burguesa. Cabe destacar que nesse
processo a educação como “uma atividade não-material cujo produto não se
separa do produtor, a educação resulta, como regra, incompatível com a
exigência de lucratividade inerente a todo investimento especificamente
capitalista” (SAVIANI, 1992).
Em Saviani (1992, p.24)
A atmosfera neoliberal ofereceu as condições propícias para a
justificação do aumento dos gastos públicos com a educação,
21
objetivada na “teoria do capital humano”. Os dispêndios com
educação passaram a ser considerados desejáveis não apenas por
razões sociais ou culturais, mas especificamente por motivos
econômicos, transformando-se num investimento de retorno ainda
mais compensador do que outros tipos de investimento ligados à
produção material.
Desse modo, o papel do Estado é atrofiado, reduzido e regulado pela
lógica do mercado. De acordo com o autor, é na própria superação do capitalismo
que é possível propor soluções, da compreensão das contradições internas da
lógica do capital. Saviani (2004) destaca que “no momento histórico que
vivemos, o modo de produção da existência humana assume a forma capitalista”.
Segundo o autor, a lógica do capital orienta-se num duplo movimento que
concentra e acumula. O processo de acumulação rígida do capital determina a
incorporação permanente de novas formas de subordinação e de exploração da
mão-de-obra. O capitalismo “homogeneíza o processo e diversifica o produto;
unifica as fontes e a propriedade do capital e diversifica as áreas de atuação e
funcionários do capital” (SAVIANI, 2004). Nesse sentido ao pensar a
universidade, ele afirma:
Se a universidade, enquanto instituição, é produzida como expressão
do grau de desenvolvimento da sociedade em seu conjunto, então, nas
condições em que vigora o modo capitalista de produção da existência
humana, a universidade concreta sintetiza as múltiplas determinações
características do desenvolvimento que aí processa.
Desse modo, é possível perceber o caráter reificador, isto é,
desumanizador da universidade, que se apresenta como ‘tecnocrática e
modernização acelerada’. Para o autor, a ‘modernização acelerada’ traduz o
processo de desenvolvimento sob a lógica do capital, e faz com que o ensino
22
superior assuma um modelo tecnocrático, e ao mesmo tempo, contraditório no
qual a sociedade aparece cindida.
Segundo Frigotto (1995, p. 18),
A educação [...] aceticamente abstraída das relações de poder, passa a
definir-se como uma técnica de preparar recursos humanos para o
processo de produção. Essa concepção de educação como “fator
econômico”, vai constituir-se numa espécie de fetiche, um poder em si
que, uma vez adquirido, independentemente das relações de força e de
classe, é capaz de operar o “milagre” da equalização social,
econômica e política entre os indivíduos, grupos, classes e nações.
À raiz dessa problemática, a educação serve como articulado mecanismo
de opressão que adapta os indivíduos as determinações do capital. A educação
expressa os interesses da classe dominante daquilo que se espera como produto
do trabalho dos indivíduos, e paralelamente, promete soluções eficazes para a
superação das necessidades sociais.
Milton Friedman (1985) na sua obra ‘Capitalismo e Liberdade’ refere-se
ao papel do governo na educação destacando que a instrução não pode ser
monopolizada pelo governo, pelo fato de que a educação na lógica do
neoliberalismo, considera-se um serviço prestado pelo mercado à sociedade, do
qual os indivíduos são livres de escolher as instituições conforme seus interesses.
Friedman (1985, p. 86) sugere que,
O governo poderia exigir um nível mínimo de instrução financiada
dando aos pais uma determinada soma máxima anual por filho, a ser
utilizada em serviços educacionais ‘aprovados’. Os pais poderiam usar
essa soma e qualquer outra adicional acrescentada por eles próprios na
compra de serviços educacionais numa instituição ‘aprovada’ de sua
própria escolha. Os serviços educacionais poderiam ser oferecidos por
empresas privadas operando com fins lucrativos ou por instituições
com finalidade lucrativa.
23
Na visão de Friedman a educação é uma espécie de título de capitalização
a ser adquirido pelos indivíduos e custeado pela família. O Estado, segundo o
autor, deve garantir padrões mínimos para a educação e para a auto-regulação do
mercado, a via de orientações e prescrições, relegando à iniciativa privada a
liberdade de oferecer os serviços educacionais a serem comprados pelos
indivíduos.
As idéias de Friedman simbolizam o contexto histórico pós II Guerra
Mundial, no qual a educação enquanto ‘fator econômico’ é estritamente
direcionada para a qualificação humana, para a competência individual como
capital humano. Nesse intuito de reconstruir os problemas ocasionados pela
guerra formularam-se teorias com o objetivo de garantir a eficiência do
desenvolvimento econômico. De acordo com Frigotto (1999, p. 123),
O surgimento das teorias do desenvolvimento, mais especificamente
da ideologia desenvolvimentista, não pode ser separado do contexto
político do pós II Guerra Mundial, onde surgem EUA e URSS como
dois pólos antagônicos que disputam a liderança internacional. O
desenvolvimento passa a se constituir na idéia motriz, encabeçada
pelos EUA, como mecanismo de recompor e rearticular a hegemonia
imperialista.
Nesse intuito de modernização do discurso desenvolvimentista das
décadas de 1960 e 1970 que a educação adquire a característica de fator
econômico para o desenvolvimento das nações. A educação passa a ser
considerada como essencial para a acumulação de capital humano, como produto
de investimento de pesquisa científica e tecnológica para a qualificação dos
indivíduos e para o desenvolvimento econômico da sociedade. Educação é
24
sinônimo de modernização das nações e vista como qualificação de mão-de-obra
para o desenvolvimento e aumento do nível de capital humano, do aumento da
produção.
Sendo assim,
O conceito de capital humano – ou, mais extensivamente, de recursos
humanos – busca traduzir o montante de investimento que uma nação
faz ou os indivíduos fazem, na expectativa de retornos adicionais
futuros. Do ponto de vista macroeconômico, o investimento no “fator
humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o
aumento da produtividade e elemento de superação do atraso
econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no fator
explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e,
conseqüentemente, de mobilidade social (FRIGOTTO, 1999, p. 41).
Percebe-se que a teoria do capital humano, manifesta-se tanto em nível
macro quanto micro, apontando a educação como um investimento, como uma
possibilidade de acumular capital, de gerar lucros futuramente. No entanto, esta
parceria entre educação e mercado de trabalho que prometia o de
desenvolvimento econômico por meio de possibilidades de empregabilidade viuse ofuscada com a crise do capitalismo na década de 1970. Em detrimento, na
tentativa de reestruturar os embates da crise, aumentou-se a privatização dos bens
públicos a fim de mobilizar o capital financeiro e, conseqüentemente, estabilizar
o mercado de trabalho e as possibilidades de emprego (GENTILI, 2005).
Frente a essa realidade, a ideologia neoliberal no campo da educação
determina-se, primeiramente, na redução da responsabilidade do Estado e no
domínio da iniciativa privada, o que marca a educação como ‘fator econômico’
em vias à sua homogeneização numa tendência tecnocrática do ensinoaprendizagem, e, posteriormente, imposição moral de compreender o conceito de
25
igualdade ao nível de equidade, determinando as relações educativas, à
meritocracia, como expressão da distribuição desigual e excludente a partir das
competências dos indivíduos.
As transformações na sociedade contemporânea, no que se refere tanto as
relações sociais marcadas pelo sistema capitalista quanto seus impactos na
educação, tem determinado um cenário no qual o ensino superior é posto numa
encruzilhada.
Dourado (1999, p. 119) ressalta que
São transformações de toda ordem, implicando, mesmo, novos
horizontes geopolíticos do mundo sob a égide da globalização da
economia, que traz consigo um traço característico intrínseco: a
exclusão social e sua justificativa ideológica, o fim das ideologias e da
história, apregoando o neoliberalismo como uma nova e única
possibilidade de ajuste, de sobrevivência, ainda que a um alto custo
social.
Para o autor os impactos das transformações da sociedade e seus impactos
na educação superior são fruto “de um processo resultante de nova fase de
reestruturação capitalista, marcada por políticas de privatização das esferas
públicas, por centralização e diferenciação” (DOURADO, 1999, p. 119). O autor
destaca que o neoliberalismo é uma tendência hegemônica que reformula e
atualiza a gestão do desenvolvimento do capitalismo e da compreensão do Estado
do bem-estar social. Nessa perspectiva, o neoliberalismo responsabiliza o
intervencionismo
do
estado
pelas
mazelas
e
misérias
da
sociedade
contemporânea e, apresenta-se como única possibilidade para reverter à situação
de subdesenvolvimento econômico e redirecionar as atribuições estatais,
principalmente, no que se refere às políticas de proteção social.
26
Sendo assim,
O discurso da ineficiência da esfera pública, do fracasso das políticas
sociais, serve de ancoradouro à defesa ideológica de dois paradigmas
articulados pelo desenvolvimento tecnológico: o mercado e a
comunicação. Irrompe-se, dessa forma, as arenas tradicionais do poder
político, alterando significativamente os valores societais e
aniquilando conquistas sociais, ao transformar direitos em bens,
subjugando o usufruto destes ao poder de compra do usuário,
mercantilizando as lutas em prol da cidadania através do culto às leis
do mercado (DOURADO, 1999, p. 120).
Desse modo, se as políticas sociais são influenciadas diretamente pelas
implicações do neoliberalismo, regulando-as a partir dos interesses capitalistas,
as políticas educacionais também são gerenciadas nos mesmos marcos do estado
mínimo. O projeto neoliberal renova a efetivação das condições econômicas
abrindo espaço ao capital transnacional, provocando de maneira perversa a
flexibilização das relações sociais, do trabalho e formação humana. Sendo assim,
na perspectiva do projeto neoliberal, as políticas educacionais
Situam-se no contexto de mudanças tecnológicas e, portanto, no
reordenamento das relações sociais sob a égide ideológica da
globalização da economia, como sinalização objetiva da política
neoliberal que, ao redimensionar o papel do Estado, buscando
minimizar a sua atuação, redireciona as políticas sociais empreendidas
por este e, consequentemente, rearticula a função social da educação e
da escola (DOURADO, 1999, p. 122).
Ao discutir as políticas educacionais neoliberais no mundo da educação
não se pode ignorar de que a educação está atrelada aos ideais neoliberais, pelo
fato de estar direcionada a um tipo de educação que prepara para o mercado de
trabalho e por reproduzir a ideologia neoliberal no próprio processo educativo.
Nessa perspectiva a educação assume a categoria de um bem econômico,
uma mercadoria que pode ser vendida e comprada, e que se constitui a partir das
27
próprias leis do mercado. Para Frigotto (1995, p. 79) a ideologia liberal “está
impondo uma atomização e fragmentação do sistema educacional e do processo
de conhecimento escolar”. Desse modo, o neoliberalismo
Ao promover o Estado como principal responsável pela crise do
Estado como principal responsável pela crise do sistema educacional e
demonstrar a sua ineficiência em gerenciar a educação, os neoliberais
afirmam que a intervenção estatal é prejudicial para a concretização de
uma educação de qualidade (NETO & MACIEL, 2004, p. 46).
Contudo, o discurso neoliberal de uma educação de qualidade é uma
maneira de eximir as obrigações do Estado, da sua responsabilidade e ao mesmo
tempo, demonstrar sua ineficiência ao pretender gerenciar o processo educativo.
As propostas neoliberais determinaram a perda dos direitos sociais pelos quais
tanto se lutou na década de 1980, e que com a intervenção da política neoliberal
foram mercantilizados. Como diz, Maciel e Neto (2004) “é a transformação dos
serviços sociais, direito adquirido do cidadão, em mercadorias a serem
comercializadas livremente no mercado”. Isso trouxe um desequilíbrio no que diz
respeito à oferta e a qualidade dos serviços prestados, já que “o custo desse
processo de redemocratização escolar é muito alto e inviável socialmente, pois o
aumento da oferta educacional é acompanhado do desmantelamento e do
sucateamento do sistema escolar e, conseqüentemente, da queda da qualidade
educacional” (MACIEL & NETO, 2004, p. 49).
De acordo com as autoras os pressupostos neoliberais no que diz respeito
à educação estão sedimentados em dois aspectos:
28
1) A pressuposição de que a instituição escolar possa ser tratada como
uma organização empresarial com fins lucrativos, segundo a idéia
do mercado educacional livre e sem a interferência estatal;
2) Transposição de conceitos aplicados ao setor empresarial para a
área educacional (MACIEL & NETO, 2004, p. 49).
Este processo de mercantilizarão, enquanto modelo hegemônico na
sociedade atual, considera que todas as propostas educacionais que não tem bons
resultados, são causa da ineficácia das escolas públicas e da incompetência dos
profissionais. Os problemas que a educação enfrenta não são por falta de
oportunidade, nem mesmo por carência de ideais democráticos, mas por um
deficiente gerenciamento. Para os neoliberais tal problema só pode ser
solucionado na medida em que o poder público deixa de intervir no processo
educacional. Tal proposta é criticada, por ser uma espécie de ‘macdonalização da
escola’, por ser considerada e gerida como uma organização empresarial, com
padrões de produção empresariais, os que são incompatíveis com a organização
escolar.
O sistema neoliberal transfere a educação enquanto direito para uma
condição de propriedade, e enquanto um processo político para um processo
econômico. Desse modo, o processo educativo deixa de produzir à existência
humana para transformar-se numa mercadoria, rompe com a relação educativa
entre educador e educando para considerar o aluno como um cliente. Tal
transferência de objetivos é contraditória se analisada no sentido intrínseco do
papel da educação na sociedade. Ainda que a instituição escolar apresente
algumas semelhanças de estrutura e organização empresarial, a mesma
29
diferencia-se das outras por não ter como objetivo a obtenção de lucros, e si a
formação do homem e do trabalhador.
As propostas neoliberais para a educação tem como pressuposto
básico a preparação para o trabalho, ou seja, formar homens para o
exercício de suas funções e desse modo atender aos interesses do
capital. Por extensão, depositam na educação a responsabilidade pela
solução dos problemas sociais. Assim sendo, convocam-na a dar conta
e/ou apontar soluções para o quadro que se estabelece. Desta forma,
tentam eximir o Estado dos problemas da sociedade (MACIEL &
NETO, 2004, p. 61).
A ideologia neoliberal considera que o poder público não tem gerenciado
corretamente a educação, por pretender centralizar as decisões e diretrizes para a
educação por meio de um gerenciamento ineficaz, corrupto, de favorecimentos,
de mau uso dos recursos públicos. Fundamentado nesses argumentos é que os
neoliberais defendem o conceito de descentralização, baseados numa filosofia
individualista que se determina na competitividade apregoada pelo mercado,
visando sempre à produtividade. Nesse sentido, “educação é treinamento de mãode-obra qualificada para atender às exigências do mercado de trabalho”
(MACIEL & NETO, 2004, p. 64).
Ao discutirem a influência do neoliberalismo na formação dos
professores, Maciel e Neto (2004) inferem que as propostas neoliberais são
medidas simplistas e imediatistas, permeada por uma exigência de qualidade
contraditória, pelo fato de que por um lado os professores são obrigados e
continuamente cobrados para qualificar-se, e por outro as facilidades para o
alcance dessa qualificação são imediatas e superficiais, permeadas por um
discurso que visa meramente à quantidade, mas que banaliza a qualidade.
30
Tal perspectiva denota que o projeto neoliberal sedimenta suas políticas
educacionais
de
formação
de
professores
em
programas
aligeirados,
fragmentados e simplistas. Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394/96 tenha trazido uma concepção mais ampla de educação, isso
não retira dela todo seu embasamento neoliberal por considerar o atraso histórico
do país como sendo unicamente responsabilidade da educação, e não do sistema
econômico (DEMO, 1997).
O autor reconhece que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
LDB, trouxe benefícios aos rumos do sistema educacional, sobretudo no que diz
respeito à avaliação, rendimento e formação dos professores. Contudo, a
concepção de ensino presente nela confunde-se com educação, misturando os
fins quantitativos do ensino pelos qualitativos da educação, sua prática é
incompleta e insustentável.
Tal discussão é pensada nos termos da escola pública versus a escola
privada, na qual a primeira é tratada numa relação de serviço ao mercado. Pelo
fato de defender a privatização da educação, oferece autonomia para gerenciar as
instituições privadas, o que no caso das instituições públicas, é visto como um
investimento alto para a manutenção das mesmas.
Desse modo, a LDB 9.394/96 ao apontar no Capítulo VI, Dos
profissionais da educação, o interesse pela formação dos professores, tanto
inicial quanto continuada, declara a necessidade da profissionalização e da
contínua formação dos professores e garante as condições necessárias para sua
formação no intuito de responder às demandas da sociedade. Pelo mesmo, deve-
31
se superar a concepção limitada que se tem dos programas de formação inicial e
continuada enquanto um simples investimento que acarreta custos e despesas,
mas devem ser tidos como possibilidades de superação e aprimoramento das
relações na sociedade e da melhoria na qualidade de vida. O benefício da
formação continuada não se limita simplesmente à pessoa do profissional, mas
aprimora todo o universo que implica seu trabalho, e aquilo que a educação como
um todo significa na sociedade.
Vasconcelos (2009) ao fazer um estudo sobre a qualificação do
profissional docente refere-se ao trabalho do professor como uma profissão
liberal, marcada muitas vezes na sua formação por programas imediatistas, que
na prática traduze-se em condições de trabalho adversas e limitadas.
Tais condições no trabalho docente no sistema neoliberal são marcadas
por um número excessivo de alunos em sala de aula, baixo nível de preparo
desses alunos, má remuneração do profissional do ensino, obrigando-o a um
número exagerado de aulas, escassez ou total falta de tempo para atualização
pessoal e preparo de aulas, pouco ou nenhum suporte administrativo-pedagógico
ao trabalho docente, precariedade das instalações e equipamentos, desinteresse
dos alunos por aquilo que a escola pretende oferecer e cursos com aulas no
período noturno (VASCONCELOS, 2009).
Por outra parte, o fator salarial influencia todas essas condições do
trabalho docente, e tem repercutido no descontentamento e descompromisso dos
professores, e mais ainda na falta de condições físicas e materiais que tem
precarizado seu trabalho. Dentro desse contexto, pensar na profissão do docente é
32
complicado porque os próprios profissionais sentem-se desmotivados sem um
possível retorno econômico digno, e também de mais respeito e consideração
enquanto profissional.
O professor e seu trabalho no contexto neoliberal é colocado em ‘xeque’,
numa situação limite. Por uma parte, se lhe exige que seja comunicativo, que
apresente um comportamento ético, que seja equilibrado emocionalmente, que
seja criativo, que se expresse de maneira adequada verbalmente, que se relacione
bem com os outros e que seja responsável na sua profissão. Por outro lado, as
condições precárias do seu trabalho minimizam suas tentativas e esforço tanto de
formação quanto do próprio exercício do seu trabalho.
Nesse sentido, as políticas educacionais permeadas pela ideologia
neoliberal, trouxeram uma reviravolta aos princípios e valores da educação,
interferindo nos processos de formação dos professores flexibilizando-os, e nas
condições de trabalho, as quais precarizadas tem relativizado os processos de
ensino e aprendizagem.
2.3 O BANCO MUNDIAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL
O Banco Mundial nasceu a partir da Conferência de Bretton Woods, em
1944, e foi reconhecido como um organismo especializado da Organização das
Nações Unidas três anos mais tarde. Tem como função dar assistência financeira,
de médio e longo prazo, dirigida a investimentos produtivos. De acordo com o
Convênio Constitutivo do Banco Mundial seus objetivos são:
33
a) Contribuir para a reconstrução e o desenvolvimento dos territórios
de seus Estados membros e estimular o desenvolvimento dos
meios e fontes de produção nos países de escasso
desenvolvimento;
b) Fomentar inversões privadas de capital no estrangeiro e
complementá-las;
c) Promover um crescimento equilibrado, no longo prazo, (...)
aumentando a produtividade, elevando o nível de vida e
melhorando as condições de trabalho em seu território.
(SGUISSARD, 2009, p. 57).
Ao pretender alcançar seus objetivos, o Banco Mundial, redirecionou
continuamente suas políticas de ação, dando ênfase principalmente ao modelo
norte-americano devido aos Estados Unidos terem participado diretamente da
gestão presidencial com peso votante de 18%. Nesse sentido, o Banco Mundial
defende os princípios do liberalismo econômico os quais condicionam suas
políticas de financiamento. Conseqüência disso, suas prioridades centra-se nos
projetos privados em detrimento dos públicos.
Segundo Sguissard (2009, p. 59) na sua trajetória o Banco Mundial “não
se desvia dos alvos econômico-político e estratégicos que marcam a hegemonia
americana e dos países desenvolvidos”. Na década de 1970 o Banco Mundial
centrou seus esforços com o objetivo de superar a crise do Estado do Bem-Estar,
direcionando seus objetivos para o acumulo de capital.
No seu documento La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la
experiencias (1994), o Banco Mundial indicava “que os investimentos neste nível
da educação contribuem para aumentar a produtividade do trabalho e a produzir
um maior crescimento econômico no longo prazo [...]” (BANCO MUNDIAL,
1994, p. 1).
34
Sguissard (2009) analisa as orientações-chave que o documento do Banco
Mundial apresenta como possibilidades de reforma frente à crise da educação
superior nos países em desenvolvimento. Entre as orientações estão:
Fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o
desenvolvimento de instituições privadas; proporcionar incentivos
para que as instituições diversifiquem as fontes de financiamento, por
exemplo, a participação dos estudantes nos gastos e a estreita
vinculação entre o financiamento fiscal e os resultados; redefinir a
função do governo no ensino superior; adotar políticas que destinadas
a outorgar prioridades aos objetivos da qualidade e da equidade
(BANCO MUNDIAL, 1994, p. 29).
Tais orientações argumentam a necessidade de que as universidades
deveriam ser privadas, no intuito de poupar os recursos públicos e satisfazer as
necessidades do mercado de trabalho, ampliando assim, as oportunidades
educacionais sem ônus para os cofres públicos. O Banco Mundial defende a
extinção da gratuidade dos estudos nas instituições de educação superior
públicas, sugerindo ainda que fosse uma porcentagem (30%) dos gastos
ordinários para o governo. Nesse intuito sugere que amplie a participação da
iniciativa privada, e que sejam direcionados tanto às instituições públicas quanto
às privadas, cabendo ao Estado não à preocupação específica sobre o
financiamento da educação mas a fiscalização e avaliação. Tendo em vista que as
principais diretrizes que orientam as ações do Banco Mundial percebe-se que
suas orientações priorizam os princípios mercadológicos e considera o
conhecimento como um bem privado que pode ser analisado na lógica
custo/benefício (SGUISSARDI, 2009).
Frente a essas determinantes, Sguissardi (2009, p. 71) afirma que:
35
As análises do Banco são aqui bastante distintas das que se fundavam
na mera análise econômica do custo/benefício da educação superior,
embora a recuperação e a atualização de certos parâmetros da teoria
do capital humano não isentem a análise do viés economicista.
Para o Banco, a multiplicação das IES privadas, a introdução do
ensino pago nas IES públicas e a ampliação da diferenciação
institucional são sempre bem-vindas.
Desse modo é possível evidenciar que as políticas do Banco Mundial
acreditam que as forças mercadológicas podem garantir a qualidade da educação.
É na década de 1980 que os agentes internacionais como o Banco Mundial (BM),
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e algumas agências da
Organização das Nações Unidas (ONU) vão interferir no processo políticoeducacional brasileiro. Leher (2001) destaca que foi a partir da Crise da Dívida
de 1982 na América Latina, principalmente no México e Argentina, que
prescindiram de acordos de estabilidade econômica por parte do FMI e de ajuste
estrutural em relação ao Banco Mundial. O autor salienta que essas reformas do
Estado constituíram também reformas educacionais:
É importante destacar que, desde meados da década de 1980, o Banco
Mundial propugna que o ensino elementar é o que oferece a melhor
taxa de retorno econômico e que possui inegáveis componentes
políticos (a criação de novo espírito capitalista e a difusão da
ideologia de que o emprego futuro depende da empregabilidade dos
indivíduos obtida no sistema educacional), juntamente com a
constituição de iniciativas para massificar a formação profissional,
pari passu com as necessidades do mercado (LEHER, 2001, p. 160).
O autor sintetiza a premissa econômica básica do Banco Mundial como
sendo a de um mercado global livre que decide quais trabalhos estão localizados
em que país. Nesse sentido, “os países periféricos devem buscar suas vantagens
comparativas não no trabalho associado à alta tecnologia e ao desenvolvimento
36
de produtos com elevado valor agregado, mas na ‘competitividade’ de sua mãode-obra” (LEHER, 2001, p. 160).
De acordo com o autor o Banco Mundial atua como um ‘interlocutor da
política macroeconômica’ por intermediação do Fundo Monetário Internacional,
produzindo um reducionismo economicista, de custos e benefícios no qual
fundamenta as políticas educacionais. Entre as agências internacionais apontadas,
ganha destaque o Banco Mundial pela sua repercussão na América Latina no que
se refere a um processo de reestruturação e de abertura do mercado para o
capital. Sobre isso, Dourado (1999, p. 122) afirma que,
De modo geral, é possível depreender das orientações gerais do Banco
Mundial a prescrição de políticas educacionais que induzem as
reformas concernentes ao ideário neoliberal, cuja ótica de
racionalização do campo educativo deveria acompanhar à lógica do
campo econômico, sobretudo, a partir da adoção de programas de
ajuste estrutura.
Nessa perspectiva o Banco Mundial como organismo multilateral de
financiamento é responsável pela guarda dos interesses internacionais,
pagamento da dívida externa e reestruturação e abertura econômica. Essa visão
unilateral de custos e benefícios denota o caráter utilitarista que “fragmenta,
desarticula a luta pela democratização da educação em todos os níveis, entendida
como um direito social inalienável” (DOURADO, 1999, p. 123).
Dourado (1999, p. 123) destaca que a concepção política do Banco
Mundial assenta-se principalmente: na descentralização dos sistemas; no
desenvolvimento de capacidades básicas de aprendizagens necessárias às
exigências do trabalho flexível; na realocação dos recursos públicos para a
37
educação básica; na ênfase à avaliação e eficiência, induzindo as instituições à
concorrência; na implementação de programas compensatórios; e na capacitação
docente em programas paliativos em serviço.
O Banco Mundial constitui um organismo multilateral que busca
institucionalizar uma ordem mundial que interfere diretamente na organização
econômica e política dos Estados Nacionais, especificamente os países em
desenvolvimento. Coraggio (1996 apud SILVA JR, 2001, p. 108) referindo-se às
políticas sociais destaca que o Banco Mundial objetiva,
[...] instrumentalizar a política econômica, mais do que continuá-la ou
compensá-la. São [as políticas sociais] o “Cavalo de Tróia” do
mercado e do ajuste econômico no mundo da política e da
solidariedade social. Seu principal objetivo é a reestruturação do
governo, descentralizado-o ao mesmo tempo em que o reduz,
deixando nas mãos da sociedade civil competitiva a alocação de
recursos, sem a mediação estatal.
O autor sintetiza que as funções públicas visando os valores e princípios
do mercado: eficiência, pagamento pelos serviços oferecidos, descentralização
dos órgãos e dos recursos públicos com base em indicadores custo/benefício,
restituindo ações de solidariedade por beneficência pública e o privada conforme
a classe social.
38
3
UNIVERSIDADES:
PRECARIZAÇÃO
E
PRIVATIZAÇÃO
DO
ESPAÇO PÚBLICO
Ao contextualizar a realidade do ensino superior na América Latina na
década de 80, Trindade (2001, p. 13) salienta as metáforas da crise: “da
universidade em ruínas às universidades na penumbra”. Tal contexto expressa as
tentativas de respostas das universidades no intuito de responder as tessituras das
pressões sociais, das possibilidades de democratização, das restrições financeiras
impostas pela reforma do Estado e das transformações da educação superior
frente às teorias desenvolvimentistas.
A década de 1980 é para as universidades um tempo de modelar e definir
o perfil das universidades frente às necessidades do contexto supracitado, ao
contrário da década de 1990, na qual as universidades voltam suas preocupações
ao panorama econômico e político decorrente das políticas neoliberais, o que
caracterizou um clima de ‘desencanto e deslegitimação’ para o Ensino Superior
na América Latina. Esta realidade provocou o “desmantelamento da universidade
pública”, da passagem da “universidade sitiada à universidade na encruzilhada ou
desconstruída” (TRINDADE, 2001, p. 19).
Trindade (2001) sintetiza a passagem do público para o privado a partir
das sistematizações dos principais teóricos que metaforizam o fenômeno.
Primeiramente, destaca a metáfora de Aboites1 (1999) do ‘Vento do Norte’ que
analisa o impacto do Banco Mundial sobre a educação superior no México e a
1
ABOITES, H. Viento del Norte: TLC y privatización de la educación superior en México. 2 ed.
México: Plaza y Valdés, 1999.
39
emergência do Tratado de Livre Comércio, que marcou o fortalecimento do
modelo estadunidense na lógica da privatização. Seguidamente, destaca-se a
metáfora de Nacla2 (2000) da ‘Universidade em ruínas na república dos
professores’, que no símbolo da ‘Torre de Babel’ expressa “de uma lado, as
ruínas físicas provocadas pela queda progressiva no financiamento das
universidades públicas federais, a partir dos governos da Nova República, que
atinge o seu ápice, paradoxalmente, na ‘república dos professores’ dirigida pelo
Presidente-sociólogo” (TRINDADE, 2001, p. 20). Por outro lado, destacam-se as
ruínas institucionais, dadas pela erosão privatista na captação de recursos
externos compensatórios e na queda do financiamento da pesquisa pelas agencias
governamentais.
Chauí ao analisar o processo da privatização do ensino superior ressalta
que:
A passagem da universidade da condição de instituição social à de
organização insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os
efeitos da nova forma de capital. [...] Numa primeira etapa, tornou-se
a universidade funcional; na segunda, universidade de resultados, e
na terceira, operacional. No caso do Brasil, essa sucessão de etapas
correspondeu ao ‘milagre econômico’ dos anos 70, ao processo
conservador de abertura política dos anos 80 e ao neoliberalismo dos
anos 90. Em outras palavras, correspondeu às várias reformas do
ensino destinadas a adequar a universidade ao mercado (CHAUÍ,
2001, p. 219-220).
Uma das últimas metáforas destacadas por Trindade (2001) é a de
‘universidades em penumbra’ de Gentili (2001) que a partir de uma leitura do
caso argentino destaca de como as políticas neoliberais na América Latina
2
NACLA. The crisis of the Latin American University, Report on the Americas, vol. XXXIII, n. 4,
jan-feb. 2000.
40
denotam um círculo vicioso de precarização e privatização do espaço público
produto da inversão do público pelo privado, pelas reformas jurídicas que
alteram as bases normativas e pela redefinição do papel do Estado como
fiscalizador dos serviços educacionais privados. Trindade (2001) destaca que o
caso brasileiro é exemplo ‘perverso’ dessa situação ao possuir 2/3 do total das
matrículas no setor privado. Para o autor, “a precarização do espaço público
expressa-se, pois, na dupla face de Janus: por um lado, produzindo a corrosão da
missão pública das universidades estatais; por outro, induzindo ou estimulando o
processo de privatização da educação superior” (TRINDADE, 2001, p. 21).
Essa dinâmica perversa de massificação e privatização da educação
superior na América Latina a partir da segunda metade do século XX assiste-se
de modo depredatória: nos anos 60 as instituições privadas aumentam que produz
a inversão da matrícula do público para o privado. Se na década de 50 a
universidade era elitizada, restringida à minoria da população estudantil entre 18
e 24 anos, a partir da década de 60 a universidade se popularizou no sentido de
‘massificação’ da oferta de matrículas. A partir do estudo de Trindade (2001) é
possível esquematizar a incipiente privatização da educação superior:
Quadro 1: Porcentagem da Privatização do Ensino Superior.
Nº de matrículas em instituições públicas
1960
83,6%
Nº de matrículas em instituições públicas no
Brasil
60%
Nº de matrículas em instituições privadas
(164 IES)
Nº de matrículas em instituições privadas no
Brasil
40%
16,4%
1970
70%
1980
1990
55%
37%
35%
30%
45%
2000
50%
50%
(5500 IES)
63%
65%
41
Nº de instituições públicas fundadas
Nº de instituições privadas fundadas
25
50
152
134
51
232
Fonte: Elaboração própria a partir dos estudos de Trindade (2001)3.
No quadro acima é possível verificar de forma diagnóstica a massificação
das matrículas e a privatização da educação superior na América Latina. No
específico do caso brasileiro a privatização atingida nos anos 90 (de 35% a 65%)
iguala-se proporcionalmente a países como República Dominicana (de 71,2%) e
El Salvador (69%), Colômbia
(de 45% a 64%) e Chile (34% a 53%). No entanto, Trindade (2001) define o
Brasil como o ‘campeão’ da privatização da educação superior na América
Latina: o Brasil teve um índice de privatização aproximado de 30% e a Colômbia
e o Chile de 19%, seguidos de Argentina com 15% e México com 17%. Trindade
(2004) afirma que o Brasil na década de 1990 constitui o terceiro país no ranking
de privatização do ensino superior na América Latina, e sétimo em termos
mundiais.
De acordo com o Censo da Educação Superior em 2010, do total das 2.378
de instituições de Educação Superior no Brasil, 2.100 são privadas e 278 são
públicas (99 federais, 108 estaduais e 71 municipais). No caso específico do
Estado do Paraná das 181 IES, 160 são privadas e 21 públicas (4 federais, 13
estaduais e 4 municipais) (MEC/INEP, DEED, 2010).
3
Cf. TRINDADE, Hélgio. As metáforas da crise: da “universidade em ruínas” às “universidades na
penumbra “ na América Latina. In: GENTILI, Pablo (org.) Universidades em penumbra: neoliberalismo
e reestruturação universitária. São Paulo: Cortez, 2001.
42
Quadro 2: Porcentagem da Privatização do Ensino Superior.
Leher (2001) destaca que a propagação da rede de ensino privada no Brasil
e na América Latina deu-se num processo desigual, pelo fato de que “as formas
de privatização em curso possuem nuances importantes demais para serem
negligenciadas, uma vez que o escopo, os métodos e as modalidades de
privatização são diversos” (LEHER, 2001, p. 152). O autor afirma que a
‘privatização’ designa as iniciativas que ampliam o papel do mercado,
transpondo o espaço público pertencente antes ao Estado, às mãos de privados e
particulares. Essa transposição da gestão de serviços públicos para provedores
privado é que determina a ‘liberalização’ de serviços por parte do Estado, isso
não somente na área da educação, mas também na saúde, meio ambiente, cultura,
entre outros.
43
A ‘universidade em penumbra’, por esta estar no cerne de um círculo
vicioso da precariedade e a privatização do espaço público, é para Gentili (2001,
p. 98) produto de,
Políticas de descentralização e transferência, reformas curriculares,
mudanças significativas na gestão escolar e na formação docente se
inscrevem e assumem legibilidade nesse contexto mais amplo das
reformas de primeira geração, implementadas pelos governos
neoliberais latino-americanos com o apoio de alguns organismos
internacionais – como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de
Desenvolvimento.
A monopolização pública e sua passagem para a massificação e
privatização determinou-se pelo notável aumento das instituições privadas de
educação superior assim como do número de matriculas, pela redução dos gastos
governamentais destinados ao financiamento do ensino superior, a realocação de
gastos estatais para o financiamento de instituições superiores privadas e, a
implementação de mecanismos de captação de recursos privados em substituição
ao financiamento governamental para a educação universitária pública
(GENTILI, 2001).
Gentili (2001, p. 99) explica que,
O crescimento da oferta privada tendeu a se beneficiar triplicemente
da crise que atravessa a universidade pública: por um lado,
canalizando e captando para si boa parte do aumento da demanda pela
educação superior; por outro, desfrutando das vantagens oferecidas
por administradores que, mediante regulação pseudoliberalizadora,
autorizam a criação de dezenas de novas instituições, transformando a
educação superior em um verdadeiro (super)mercado de títulos e
cursos; finalmente, beneficiando-se, do que respeita a algumas dessas
instituições, de recursos financeiros diretos ou indiretos, concedidos
por governos que sistematicamente demonstram mais generosidade
com o lobby empresarial que controla a educação superior privada, do
que com os reclamos da comunidade acadêmica que atua nas
instituições públicas.
44
Tal panorâmica gera segundo Gentili (2001) um círculo vicioso de
precarização nutrido pela ideologia neoliberal que redefine o papel social das
universidades em uma sociedade democrática deteriorando institucionalmente as
condições do trabalho docente, promovendo a mercantilização do sistema de pósgraduação e da privatização da agenda científica. Desse modo, as políticas
neoliberais esvazia e empobrece a autonomia do espaço público na produção do
conhecimento para o aprimoramento da sociedade, denegando o compromisso
político da educação superior na formação humana.
Nesse sentido,
As políticas de privatização universitária não apenas têm impacto
direto na discriminação dos alunos de menores recursos e na condição
de precariedade do trabalho docente, mas também nas formas que
assumem a produção intelectual e as perspectivas analíticas que
tendem a se desenvolver, ou a silenciar-se, no meio acadêmico. As
conseqüências das políticas de ajuste devem ainda, e por isso mesmo,
ser buscadas na configuração particular dos campos intelectuais locais
e nas interferências que esses acabam sofrendo na construção de sua
própria autonomia (GENTILI, 2001, p. 112).
É nesse ponto, que o círculo vicioso atinge também o trabalho docente,
precarizando suas condições de trabalho e sua produção intelectual, e
conseqüentemente, na qualidade da formação e produção científica das
universidades. Para Gentili (2001) a ‘brutal precarização das condições de
trabalho intelectual’ tem forte interferência política na produção teórica, na
missão social das universidades, e no caso específico das universidades latinoamericanas esse fenômeno é mais notório pelos marcos históricos de lutas
populares dos movimentos sociais, agora substituídas pelo pragmatismo
45
neoliberal, que reduziu saber científico à utilidade técnica para o trabalho. Gentili
(2001, p. 126) conclui que “as condições derivadas do processo de ajuste e de
privatização promovido pelos governos neoliberais na América Latina
configuram um círculo vicioso de precariedade que desestabiliza o caráter
público das instituições educacionais”.
3.1 A REFORMA UNIVERSITÁRIA E O GOVERNO LULA
As iniciativas por reforma nas universidades manifestam-se desde a
década de 1960 a partir das lutas políticas da União dos Estudantes (UNE), que
se fortaleceram na lei universitária de 1968, Lei n° 5.540, de 28/11/68 com papel
protagonista nos órgãos colegiados universitários (TRINDADE, 2004). Entendese o movimento pela reforma universitária como uma necessidade de discutir o
papel político da universidade, tanto na formação acadêmica quanto no
compromisso social da educação superior. A reforma universitária procurou
proclamar a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, consagrando assim a
autonomia universitária (SAVIANI, 2008). De acordo com o autor, a
Constituição de 1988, a educação foi vinculada ao desenvolvimento da nação,
entendida como ‘investimento’ na busca de atingir ‘eficiência e eficácia’.
De acordo com Trindade (2004) as reformas educativas na América Latina
a partir da década de 1980 estiveram marcadas principalmente na busca de
mudanças nos modelos de financiamento, de sistemas de avaliação e fiscalização
com relação direta com o setor produtivo. No entanto o autor ressalta
46
principalmente que no contexto universitário atual as reflexões sobre as reformas
universitárias na América Latina referem-se à compreensão do processo de
mundialização e das conseqüências da economia na gestão da educação.
Trindade (2004) destaca que vem assistindo-se um panorama para a educação
caracterizado como um “contexto hostil à expansão do setor público”. A leitura
de ‘hostilidade’ está marcada pela “descentralização na educação, que pode ser
uma manifestação da mundialização que modifica o poder político, mas pode ser
fruto de uma ideologia que considera a burocracia estatal um obstáculo inerente
ao desenvolvimento do setor privado” (TRINDADE, 2004, p. 823).
No ano de 2004, no Governo Lula a ‘reforma universitária’ esteve como
prioridade na agenda governamental, promovendo encontros de discussão tanto
políticos como acadêmicos. Destaca-se nesse contexto por iniciativa da
Secretaria de Educação Superior (SESU/MEC) a criação de uma Comissão
Especial de Avaliação em 2003 que elaborou a proposta do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (SINAES), Lei n. 10.861/2004, no intuito de
sistematizar processos de discussão sobre as políticas públicas para a educação
superior brasileira. Sobre esse movimento da reforma no governo Lula, Trindade
(2004, p. 834) afirma que as políticas do MEC na educação superior trouxeram a
discussão de um projeto democrático para fortalecer a universidade pública
frente aos desafios da hegemonia neoliberal dos segmentos privados, que
determinaram o bloqueio da expansão pública.
Para
o
autor,
o
principalmente três pontos:
movimento
da
reforma
universitária
abrange
47
(1) qual o papel do Estado, no contexto da economia mundializada,
para enfrentar a reforma de um sistema público/privado tão
desequilibrado?; (2) qual o nível de massificação aceitável para o
sistema público de educação superior, para que ele possa cumprir suas
funções inovadoras na pesquisa fundamental e aplicada para as novas
economias?; (3) qual a função estratégica da universidade em
construção de um projeto de Nação soberana e inserida na competição
internacional pela geração de conhecimentos científicos e
tecnológicos? (TRINDADE, 2004, p. 834).
Desse modo, a reforma universitária busca revalorizar o papel da educação
superior na formação do ‘cidadão’ brasileiro, que contribua para sua
profissionalização técnica, artística e cultural, para a democratização das políticas
sociais de acesso ao ensino superior e desenvolvimento econômico, político e
cultural do país. Trindade (2004) destaca as considerações de Cunha (2003) em
relação à necessidade de uma nova Lei Orgânica do Ensino Superior que
institucionalizasse a educação superior “como um serviço público passível de ser
oferecido diretamente pelo Estado ou por instituições privadas”, mas que
esclarecesse e definisse as questões de financiamento, carreira, organização
interna, entre outras, de maneira orgânica, ao contrário da legislação fragmentada
induzida pela legislação anterior ao Governo Lula.
O debate da reforma universitária teve pontos de tensão, entre púbico e
privado e propôs a expansão pública por meio de políticas de inclusão social de
estudantes
oriundos
das
escolas
públicas
e
afrodescendentes,
como
determinações para a democratização da educação superior.
O processo da reforma de educação superior como iniciativa do MEC em
2003, na menção da ‘Universidade do Século XXI’ constituiu um anelo
governamental de um projeto nacional de aprimoramento das condições das
48
IFES, dado principalmente pela abertura de concursos para professores, pelo
reajuste de valores para bolsas de mestrado e doutorado e pela negociação
salarial dos profissionais da educação (CORBUCCI, 2004).
Entre as iniciativas governamentais destacam-se a reforma que institui o
Programa Universidade pra Todos (PROUNI), lei nº 11.096, em 13 de janeiro de
2005, com o objetivo de ampliar o acesso à educação superior, oferecendo as
condições necessárias para as pessoas com dificuldades sociais. De acordo com o
MEC (2010),
O ProUni - Programa Universidade para Todos tem como finalidade a
concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de
graduação e sequenciais de formação específica, em instituições
privadas de educação superior. [...] oferece, em contrapartida, isenção
de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem ao
Programa.
Dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou
da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda per
capita familiar máxima de três salários mínimos, o ProUni conta com
um sistema de seleção informatizado e impessoal, que confere
transparência e segurança ao processo. Os candidatos são selecionados
pelas notas obtidas no ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
conjugando-se, desse modo, inclusão à qualidade e mérito dos
estudantes com melhores desempenhos acadêmicos.
A instituição de educação superior que adere ao ProUni concede uma
bolsa de estudo para cada nove estudantes regularmente matriculados,
beneficiando o acesso, principalmente, aos alunos afrodescendentes e indígenas.
Em contrapartida, o governo isenta à instituição superior dos impostos e tributos
sobre as receitas provenientes dos serviços oferecidos à sociedade (MEC, 2010).
Cabe destacar que uma das críticas à iniciativa governamental do ProUni é
que o governo ao isentar a instituição de educação superior dos impostos e
tributações, deixa de arrecadar recursos que poderiam ser utilizados na ampliação
49
da oferta de vagas nas instituições públicas. Para os críticos o governo estaria
‘comprando vagas’ e oferecendo um serviço de qualidade duvidosa. No entanto,
o MEC afirma que as receitas que não são arrecadadas constituem um valor
mínimo em relação ao benefício da ampliação do acesso à educação superior
(CORBUCCI, 2004).
Outras das iniciativas do governo Lula foi à instituição de um sistema de
cotas, que determina que as IFES devem reservar 50% das vagas aos estudantes
que tenham cursado todo o ensino médio em escolas das redes públicas. É
importante salientar que tanto o ProUni quanto o sistema de cotas estabelecem
um cota de vagas específica para a população afrodescentes e indígena. No
entanto esta política pública desconsidera o risco de favorecer estudantes,
brancos ou não brancos, com perfil sócio-econômico semelhante ao de um
estudante da escola privada (CORBUCCI, 2004).
Entre outras iniciativas oriundas do projeto da reforma universitária
proposto pelo governo Lula em 2004, foram sistematizadas e discutidas em
seminários e audiências públicas no objetivo de elaborar uma reforma para a
educação superior brasileira. A reforma objetiva: 1) refinanciar a universidade
pública; 2) transformar a universidade pública em referência para toda a
educação superior; e 3) estabelecer nova regulação entre o sistema público e
privado (CORBUCCI, 2004, p. 696). Nesse processo, a reforma pela
democratização da educação superior, sofreu resistências, no entanto constitui
uma superação das iniciativas governamentais anteriores ao governo Lula,
propondo alternativas concretas para revalorização do papel social das
50
universidades e da participação da sociedade civil e dos universitários na
discussão dos projetos e políticas públicas.
Trindade (2004, p. 836) destaca que,
Neste início de século XXI, certas organizações internacionais, ao
forjarem os conceitos de “sociedade do conhecimento mundializada” e
da educação como “bem público global”, sinalizam o rompimento
com qualquer projeto de inserção nacional soberana no processo. O
bem público perde sua referência republicana e nacional para diluir-se
na confluência entre a governança e as estratégias de expansão dos
provedores educacionais transnacionais.
O autor ressalta que a reforma do Governo Lula supere as reformas
neoliberais, e constitua uma apropriação dos agentes sociais e institucionais que
defendem a democratização da educação superior e o compromisso público do
Estado. Frente a essa situação, as palavras de Tarso Genro, ministro na época,
proferidas em 2004 em aula magna na Universidade de Juiz de Fora expressam o
debate da reforma universitária:
A reforma universitária é um processo complexo que envolve um
conjunto de interesses enraizados historicamente [...] num mundo com
os principais paradigmas do pós-iluminismo em crise. [...]. O processo
reformador que estamos propondo ocorre num momento de
enfraquecimento do Estado e de diluição negativa entre as fronteiras
do Estado e sociedade. A centralização como princípio estruturante
submeteu-se não ao controle do cidadão, mas à tutela do capital
financeiro sobre a vida pública (GENRO apud TRINDADE, 2004, p.
837).
Genro (2004) defende a democratização da educação superior,
especialmente para os setores mais excluídos da sociedade, afirmando a
necessidade de expansão da oferta pública de matrículas. Afirma também, a
necessidade de discutir a ‘autonomia universitária’, tanto no que se refere à
produção científica do conhecimento e sua socialização quanto à administração e
51
gestão públicas das instituições. O então ministro destaca o desafio de “articular
de forma cooperativa e qualificadora as instituições públicas e privadas como
elemento de sustentação do projeto Nação é uma tarefa enorme, que só vai ter
sucesso se a universidade pública for ampliada, revalorizada e assumir funções
de vanguarda nesse processo” (GENRO apud TRINDADE, 2004, p. 837).
A gestão do ministro Genro em 2004 trouxe ao debate a questão da
avaliação, autonomia e financiamento da educação superior. Objetivou-se
superar as estratégias de redução do financiamento público e da não intervenção
estatal defendidas pela gestão do ministro Paulo Renato no governo FHC.
Portanto, a autonomia é uma condição necessária ao próprio conceito
multissecular de universidade, mas não suficiente: as universidades de
qualquer natureza, públicas ou privadas, não podem feudalizar-se na
autonomia como um fim em si. Daí a importância de um sistema de
avaliação institucional que permita, periodicamente, verificar se ela
está cumprindo, com qualidade, sua missão acadêmica e social; em
outros termos, a missão pública que justifica o financiamento público
ou sua autorização privada nos termos da lei (TRINDADE, 2004, p.
839).
Para o autor, a avaliação institucional no processo de democratização da
educação superior é imprescindível para garantir que a autonomia concedida às
instituições de educação superior não constitua a separação do controle do Estado
e da sociedade, e conseqüentemente, a privatização da educação. Sendo assim, o
trinômio avaliação-autonomia-financiamento precisa ser discutido a fim de
assegurar a responsabilidade social das instituições de educação superior, e a
defesa da mesma com um bem público a ser oferecido pelo Estado como dever e
garantia a todo cidadão brasileiro.
52
4
O
NEOLIBERALISMO
E
PRECARIZAÇÃO
DO
TRABALHO
DOCENTE
Ao discutir o trabalho docente no âmbito do trabalho capitalista pressupõe
compreender que o trabalho docente é parte da totalidade do trabalho, isto é, que
“o trabalho docente não escapa à dupla face do trabalho: produzir valores de uso
e valores de troca” (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 61). Nesse sentido, o
homem no processo de trabalho realiza um produto ou um serviço a fim de
atender as necessidades humanas. Na lógica do capitalismo, “a característica do
processo de trabalho passa a ser a produção de valor de troca, valor que se autoexpande, com a finalidade de acumular riqueza através da produção do trabalho
excedente que será apropriado pelo capitalista” (KUENZER; CALDAS, 2009, p.
61). Desse modo, determina-se o processo de alienação do trabalhador, na
medida em que o mesmo perde o controle sobre seu próprio trabalho.
Nesta perspectiva,
[...] o trabalho docente, sob a égide do capitalismo, não escapa à
lógica da acumulação do capital, direta ou indiretamente, pela venda
da força de trabalho do professor para instituições privadas, pela
qualificação científico-tecnológica de trabalhadores para atender às
demandas do trabalho capitalista, pelo disciplinamento tendo em vista
a subordinação, pela produção de ciência e tecnologia. Assim, seu
trabalho está atravessado pelas mesmas contradições que caracterizam
o capitalismo (KUENZER; CALDAS, 2009, p. 62).
No entanto, o professor ao mesmo tempo em que é submetido ao processo
de produção de valor do capital pode contribuir com a transformação da
realidade, na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. A natureza não-
53
material do trabalho do professor dada pela impossibilidade de separar o produtor
do seu produto, ou seja, o produto visto como capital intelectual do professor e
seu produtor a própria figura docente, com suas especificidades e especialidades,
acaba por determinar de forma indireta que o trabalhador submeta-se às
artimanhas do capital. Para as autoras,
O fato do trabalho do professor ser não-material, não significa que ele
seja improdutivo; como já se afirmou anteriormente, ele articula-se à
lógica da acumulação, quer pela produção de excedente nas
instituições privadas, quer pela formação básica e superior, quer pelo
disciplinamento, a partir das demandas do regime de acumulação
(KUENZER; CALDAS, 2009, p. 63).
As autoras apontam que a crescente privatização dos serviços
educacionais tem intensificado a precarização do trabalho docente, e ainda com a
crise econômica de final de século XX e início do século XXI,
por meio da reorganização para a competitividade e acumulação, e mais ainda
com a substituição e redução da força de trabalho pela inserção de tecnologias.
Isso atrelou-se à desqualificação e quantidade dos professores que foram
incorporados a mecanismos de descentralização, especificamente da terceirização
do seu trabalho, reduzindo o contrato a tarefas especificam a serem
desempenhadas. Conseqüência disso,
[...] a natureza não-material do trabalho submete o trabalhador a mais
sofrimento, em face do que se torna mais vulnerável às doenças
ocupacionais, e em especial, a síndrome da desistência; no regime de
acumulação flexível os trabalhadores se submetem pacificamente ao
sofrimento e ainda o justificam, para manter-se empregados
(KUENZER; CALDAS, 2009, p. 65).
54
Sobre essa situação descrita pelas autoras, é pertinente destacar o estudo
de Eduardo Borges dos Reis et al. (2006) intitulado Docência e a exaustão
emocional no qual os autores analisam a situação de professores da Rede
Municipal de Ensino de Vitória da Conquista, Bahia, em relação às elevadas
prevalências e queixas de cansaço mental e de nervosismo, produto de uma
sobrecarga de trabalho, falta de atividades de lazer e baixo suporte social. De
acordo com os autores, evidente que em muitas categorias trabalhistas isso é uma
constante também, mas com maior enfoque nas últimas décadas, as repercussões
crescentes na saúde física e mental e no desempenho profissional dos professores
são consequência da “desvalorização profissional, baixa-autoestima e ausência de
resultados percebidos no trabalho desenvolvido” (REIS, et al., 2006, p. 231).
Tais fatores tem intensificado as pesquisas na área da educação e saúde pública
sobre a saúde mental dos professores, exemplo disso, é o Síndrome de Burnout
ou Síndrome do Esgotamento Profissional, que se refere a um tipo de resposta
emocional prolongada em relação a situações de trabalho estressantes e de
expectativa profissional. A Síndrome de Burnout envolve dimensões como “a
despersonalização (sentimento de indiferença), reduzida realização profissional
(sentimento de insuficiência e fracasso profissional) e exaustão emocional
(sentimento de esgotamento tanto físico como mental, sentimento de não dispor
de energia para qualquer tipo de atividade)” (REIS, et al., 2006, p. 232). Para os
autores esse cansaço mental está vinculado à alienação do trabalho, isto é, uma
utilização deformada e deformante das potencialidades psíquicas, atrelado a uma
55
demanda do trabalho alta frente ao baixo grau de controle do trabalhador sobre
seu trabalho.
Tal dinâmica soma-se a um processo de mudanças no mundo do trabalho
determinado por processos influenciados pelas tecnologias da informação e pela
globalização que conflitaram num reordenamento dos sistemas educacionais com
enfoque na privatização. Tal processo motivou a ruptura da rigidez na
compreensão do trabalho que repercutiu diretamente na organização de um novo
sistema produtivo que atenda às flutuações do mercado, e por isso mesmo,
altamente flexível. Sobre isso, Mancebo (2004, v.13, p. 138-152) afirma que
“como toda nova organização do trabalho, essa flexibilização constrói-se
acompanhada de um movimento de reacomodação do campo sócio-subjetivo,
produz novas performances para o trabalhador, que vêm afetando sua
organização, sua dinâmica interpessoal, além de exigir-lhe uma ativa adaptação
espaço-temporal”.
E, complementa:
No trabalho, supõe-se um homem capaz de enfrentar eventos, que
exigem do trabalhador um conjunto de habilidades sempre abertas e
por se fazer, ativadas pelo indivíduo em cada situação concreta,
cabendo-lhe mobilizar-se – sua inteligência, seus recursos criativos
pessoais, as potencialidades, desejos e valores, enfim, sua
subjetividade – para alcançar os objetivos de sua atividade. Assim, do
mesmo modo como assistimos a uma produção maleável e
individualizada; à valorização dos trabalhadores qualificados
polivalentes; à flexibilização da organização do trabalho, à
implementação de horários indefinidos de trabalho e à precarização
dos vínculos trabalhistas; também presenciamos a convocação
irrestrita da subjetividade do trabalhador para o centro das atividades
que desenvolve (MANCEBO; LOPES, 2004).
56
De acordo com os autores, tais apontamentos provocam conseqüências
múltiplas para o professor, principalmente, a precarização do trabalho, a
flexibilização das tarefas e o estabelecimento de uma nova relação com o tempo
de trabalho, fatores estes, acunhados à “adoção de uma pauta neoliberal”, que
absorve, apropria e privatiza a força do trabalho docente.
A precarização do trabalho docente, no que se refere às condições de
trabalho4 e às políticas de formação inicial e continuada, definiram novas formas
de atendimento e de organização escolar, que repercutiram no ensino superior.
Tal movimento iniciou-se a partir dos anos de 1970, devido às condições
econômicas e a deteriorização do sistema público, e viu-se fortalecido, nas
décadas de 1980 e 1990, com as interferências de financiamento dos organismos
internacionais, que repercutiu diretamente tanto na oferta e qualidade da
educação quanto na formação dos seus profissionais (SAMPAIO; MARIN,
2004).
Santos (2004) ressalta que organismos como o Banco mundial, UNICEF e
a UNESCO financiam e definem diretrizes que orientam políticas e projetos
educacionais em diferentes partes do mundo. O autor destaca a influencia das
orientações do Banco Mundial nas políticas educacionais brasileiras:
a elaboração de currículos sintonizados com as demandas do mercado;
centralidade para a educação básica; com a redução de gastos com o
ensino superior; ênfase na avaliação do ensino em termos dos
produtos de aprendizagem e do valor custo/benefício; centralidade da
formação docente em serviço em detrimento da formação inicial;
4
Segundo Kuenzer e Caldas (2009, p. 69) as condições de trabalho podem ser entendidas como “o
conjunto de recursos que possibilita uma melhor realização do trabalho educativo, e que envolve tanto
infra-estrutura das escolas, os materiais didáticos disponíveis quanto os serviços de apoio aos educadores
na escola”.
57
autonomia das escolas com o maior envolvimento das famílias;
desenvolvimento de políticas compensatórias voltadas para os
portadores de necessidades especiais e para as minorias culturais
(SANTOS, 2004, p. 1148).
Sobre isso, Calderón (2008, p. 149) afirma que “a institucionalização do
mercado da educação superior privada, iniciada na década de 90, é um fato
consolidado, aparentemente irreversível, num contexto democrático permeado
por uma ideologia neoliberal”. De acordo com o autor essa política teve seu
início no governo militar a qual direcionou suas ações para uma política liberal e
privatizante do Estado brasileiro, o que mais tarde levaria à mercantilização da
educação superior do país.
Produto desse modelo, a precarização do trabalho docente tornou-se uma
realidade que repercutiu não somente no profissional da educação, mas também
sobre as práticas curriculares do mesmo com o corpo discente. Este panorama
que cerca as condições de formação e trabalho dos professores, as condições
materiais de sustentação, do sustento e da organização de ensino, são algumas
características desse modelo precário da realidade educacional do país
(SAMPAIO; MARIN, 2004).
Tais condições permitiram que o trabalho do professor fosse precarizado,
utilizando-se de características cooperativistas para sua sustentação, muitas vezes
formando cooperativas de mão-de-obra de trabalho docente, que trocam sua
identidade profissional para poder sobreviver temporalmente na situação atual.
58
4.1 O TRABALHO DOCENTE NO GERENCIALISMO NEOLIBERAL
A partir das reformas educacionais na década de 1990 no Brasil o trabalho
docente sofreu mudanças significativas repercutindo nas relações de caráter
estritamente laboral e nas manifestações do trabalho escolar dos profissionais.
Esta realidade tem-se tornado alvo de estudos na pesquisa educacional.
Destacam-se principalmente, a Revista Educação e Sociedade nº 87 e nº 89
(2004) do Centro de Estudos Educação e Sociedade, que publicaram os dois
exemplares com o título: “Globalização e educação: precarização do trabalho
docente”, nos quais reúnem mais de 15 artigos discutindo esta problemática.
Estes estudos trazem a debate o processo de flexibilização e precarização das
relações de emprego e trabalho e suas repercussões na gestão escolar e práticas
curriculares, tratando também sobre a desvalorização e desqualificação da força
de trabalho docente, da desvalorização, desqualificação, desprofissionalização e
proletarização do magistério (OLIVEIRA, 2004).
As novas mudanças educativas e a reestruturação do trabalho docente na
década de 1990, como conseqüência do processo de retroalimentação do padrão
de acumulação fordista e do projeto nacional-desenvolvimentista que
determinaram as relações de trabalho desde a década de 1960, mobilizando uma
idéia de educação como meio de mobilidade social e mecanismo de redução das
desigualdades sociais. As reformas a partir da década de 1990 visavam uma
educação para a equidade social, por meio de oportunidades de empregabilidade
e políticas sociais de caráter compensatório. Tais mudanças nas políticas públicas
59
para a educação, poder-se-iam ser chamadas de ‘transformação produtiva com
equidade’, e constitui um retrato da passagem desde o primeiro mandato do
governo FHC para o governo Lula (OLIVEIRA, 2004).
De acordo com Oliveira (2004) os fatores decorrentes das políticas
públicas da educação que refletiram no trabalho docente, podem ser sintetizados
em três pontos: 1) a centralidade atribuída à administração escolar manifestada
nos programas de reforma; 2) o financiamento per capita com a criação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF), por meio da lei nº 9.424/96 e; 3) a
regularidade e ampliação dos exames nacionais de avaliação (SAEB, ENEM,
ENC), de avaliação institucional e os mecanismos de gestão e participação
comunitária. Santos (2004) Na revista Educação e Sociedade, considera que esse
movimento do ‘Estado avaliador’ vem reforçar uma cultura do desempenho, da
qualidade total, justificando e legitimando o Estado frente à sua responsabilidade
de administração dos recursos públicos.
Essas políticas públicas manifestam o desejo governamental de inserir o
país no desenvolvimento do mercado de trabalho e das demandas da sociedade
do conhecimento. Tais necessidades marcam a agenda do governo no sentido de
dirigir a educação por meio de estratégias de gestão e financiamento que
direcionem iniciativas de voluntariado e comunitarismo da sociedade civil. A
gestão da educação objetiva, assim, a descentralização e a intervenção mínima do
Estado, aumentando assim, a responsabilidade dos professores e da comunidade
no trabalho escolar.
60
Segundo Santos (2004, p. 1151) essas decisões políticas,
[...] deram abertura e legitimidade à penetração crescente de uma nova
lógica de administração derivada do setor privado. Essa nova lógica
lentamente vai introduzindo formas, muitas vezes bastantes sutis, de
privatização, mas seu elemento-chave é a análise do desempenho das
pessoas e de instituições.
A responsabilidade atribuída aos professores decorrente das decisões
públicas denota exigências que estão além da formação dos mesmos. Oliveira
(2004, p. 1132) destaca que “muitas vezes esses profissionais são obrigados a
desempenhar funções de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo,
entre outras”. E agrega: “tais exigências contribuem para um sentimento de
desprofissionalização, de perda de identidade profissional, da constatação de que
ensinar às vezes não é o mais importante”. Esta realidade confirma-se nas
próprias políticas educacionais pela ‘valorização do magistério’ no sentido de
reforçar suas carreiras, remuneração e capacitação, como política compensatória
frente à desqualificação e desvalorização tanto da autonomia e identidade do
trabalho docente.
A proletarização do trabalho docente está “caracterizada pela perda de
controle do trabalhador (professor) do seu processo de trabalho” (OLIVEIRA,
2004, p. 1133), ou seja, da autonomia do professor no seu trabalho. “O
trabalhador que perde o controle sobre o processo de trabalho perde a noção de
integridade do processo, passando a executar apenas uma parte, alienando-se da
concepção”. Tais determinantes efetivam-se na imposição dos procedimentos
curriculares, que representam a desqualificação e descredenciamento simbólico
da profissão docente (SAMPAIO; MARIN, 2004).
61
Segundo Rodrigues (apud OLIVEIRA, 2004, p. 1135)
“a tendência para a desprofissionalização assenta naquilo a que se
pode chamar mecanismos de desqualificação dos profissionais, de
perda ou transferência de conhecimentos e saberes, seja para os
consumidores, o público em geral, os computadores ou os manuais”.
A proletarização técnica do trabalho docente está marcada pelo aumento
do assalariamento e pela inserção dos profissionais nas organizações o que
determinou a ‘proletarização ideológica’, ou seja, a expropriação dos valores e o
descontrole sobre o produto de trabalho dos professores. Isso determinou um
movimento de desprofissionalização, de desentranhamento da identidade e
autonomia do trabalho, e conseqüentemente, da precarização das condições e
relações de trabalho.
Desse modo,
As mudanças ocorridas nas relações de trabalho e emprego têm sido
caracterizadas, na atualidade, pela ameaça de um fenômeno
considerado por alguns autores uma precarização das relações de
trabalho. Tal movimento, contudo, não se circunscreve às relações de
trabalho caracterizadas como aquelas intrínsecas ao processo de
trabalho, mas compreende principalmente as relações de emprego,
apresentando uma tentativa de flexibilização e até mesmo
desregulamentação da legislação trabalhista (OLIVEIRA, 2004, p.
1138).
As relações de trabalho foram marcadas por processos de automatização,
que tem aumentado o desemprego e a segmentação do mercado de trabalho. Tais
transformações instituem um panorama flexível, que permeia os contratos de
trabalho e das legislações social e trabalhista e determina a não participação dos
trabalhadores em sindicatos e greves, que revela a autonomia das empresas
perante a força de trabalho dos professores.
As empresas justificam que a
62
flexibilidade é uma necessidade no modelo de produção do mercado capitalista,
que representa a intensificação da exploração do trabalho.
A partir disso, Oliveira (2004, p. 1139) afirma que,
A constatação de que as mudanças mais recentes na organização
escolar apontam para uma maior flexibilidade, tanto nas estruturas
curriculares quanto nos processos de avaliação, corrobora a idéia de
que estamos diante de novos padrões de organização também do
trabalho escolar, exigentes de novo perfil de trabalhadores docentes.
De acordo com o autor, a flexibilidade nas relações de trabalho
determinaram uma ‘sensação de insegurança’ por parte dos professores na
tentativa de dar respostas às novas exigências da profissão, decorrentes de uma
alienação mercadológica. As demandas da gestão e administração escolar nos
moldes atuais têm redefinido as relações de emprego, precarizando o trabalho
dos professores. Esta realidade de instabilidade e precarização do trabalho
docente manifesta-se no “aumento de contratos temporários nas redes públicas de
ensino [...], o arrocho salarial, o respeito a um piso salarial nacional, a
inadequação ou mesmo ausência, em alguns casos, de planos e cargos de salários,
a perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriunda dos processos de
reforma do Aparelho de Estado [...]” (OLIVEIRA, 2004, p. 1140).
4.2 A TERCEIRIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE
Nos últimos anos assiste-se a um fenômeno no ensino universitário no que
diz respeito ao trabalho docente, o qual frente às demandas das políticas
neoliberais que tem direcionado o gerenciamento da educação superior, fizeram
63
com que os professores organizassem seu trabalho por meio de cooperativas de
mão-de-obra, que significaram a terceirização da prática docente, e em
conseqüência a precarização das condições trabalhistas que flexibilizaram o
trabalho do professor.
A terceirização ao atingir o trabalho docente e ao formar cooperativas para
seu desenvolvimento age, na sua grande maioria, em condições de ilegalidade.
Após pesquisa realizada em alguns sindicatos, Calderón e et. al. (2008, p. 191)
afirma que “a maioria das cooperativas age objetivando fraudar a legislação
trabalhista, os direitos do trabalhador e os princípios cooperativistas”.
De acordo com os autores a necessidade de associar-se em cooperativas é
produto das condições desfavoráveis às quais os professores submetem-se no
intuito de lutar contra o modelo gerencialista que desvirtua o trabalho docente,
trazendo “prejuízos à questão pedagógica, à relação ensino-aprendizagem e às
motivações que levam os professores a se submeter a esses modelos contratuais
flexibilizados que agem no âmbito da ilegalidade” (CALDERÓN e et. al., 2008,
p. 192). Dentro desse panorama, surgem questionamentos no sentido de
evidenciar de qual o grau de satisfação e/ou motivação que os docentes mostram
frente à aceitação deste tipo de contrato. Segundo os autores esta modalidade
contratual surgiu na década de 2000 e fez-se comum em muitas instituições de
ensino superior no Estado de São Paulo5.
5
Calderón e et. al. (2008, p. 194) conta que “registros apontam que a Faculdade Sumaré, condenada pela
justiça, em 2006, a registrar os professores cooperativados, iniciou suas atividades em 2000, sob essa
modalidade contratual. De acordo com a Federação das Cooperativas Educacionais de São Paulo, estimase que, no Estado, exista um total de quinze mil professores cooperados”.
64
Os autores ressaltam que em condições semelhantes ao regime
cooperativista, encontra-se o tradicional regime ‘horista’ de trabalho dos
professores, que no ano de 1977 foi considerado como uma das pragas da
educação superior, por considerar o professor como “caixeiro-viajante que,
desnutrido física e intelectualmente, ganha seu pão itineramente, em diferentes
cidades às vezes, sem tempo de se atualizar e de se dedicar, minimamente que
seja à pesquisa e reflexão; verdadeiros Zumbis vomitando conhecimentos
obsoletos e, freqüentemente, errôneos ou viciados (...) (LEITE apud
CALDERÓN e et. al., 2008, p. 195).
As cooperativas enquanto uma alternativa contratualista para os
professores é justificada pelos próprios docentes como uma oportunidade de
aumentar a fonte de renda e uma possibilidade de trabalhar em outras instituições
de ensino superior. A pesquisa dos autores mostrou que os professores vem-se
motivados a aceitarem o trabalho cooperativado principalmente por necessidade
financeira, tendo em vista a falta de opção no mercado de educação superior,
caracterizado pelo desemprego e a sobrevivência dos profissionais. Juntamente,
os professores afirmam aceitar o regime cooperativista a fim de complementar
sua renda e como estratégia para buscar novos empregos mais estáveis.
No entanto, ainda que o sistema de trabalho docente por meio de
cooperativas constitua uma alternativa tanto de renda quanto de abertura de
campo de emprego, tem trazido um alto grau de insatisfação dos professores
cooperativados, devido “à ausência de valorização, atingindo a dignidade do
trabalhador, e à falta dos direitos trabalhistas, explicitando seu sentimento de
65
revolta diante de sua profissão que exige contínuo preparo e investimento
intelectual” (CALDERÓN e et. al., 2008, p. 195). Tal situação deixa os
profissionais entre o prazer e a satisfação de trabalhar e frente ao desânimo,
desmotivação, desvalorização e precarização do trabalho docente.
Essa situação precária é dada de maneira pontual no que se refere à
remuneração recebida, que se constitui tão somente do valor dos dias
trabalhados, eximindo-se dos encargos trabalhistas adicionais. Ainda que a
pesquisa realizada pelos autores mostre uma satisfação dos professores
cooperativados, os quais consideram como pontos positivos o fato do pagamento
de um valor de hora-aula acima da média, por outro lado, eles concordam em que
o seu trabalho é desvalorizado, pela ausência dos direitos trabalhistas, produto da
flexibilização das relações contratuais às quais submetem-se. Tendo em vista
essa realidade, Calderón e et. al. (2008, p. 206) concluem que “a relação
trabalhista oferecida por essa modalidade contratual atinge diretamente a
motivação do professor, impossibilita o compromisso e o envolvimento
profissional do docente com a instituição educacional e põe em risco a relação de
ensino-aprendizagem”.
Para os autores, a terceirização do trabalho docente se traduz num conflito
entre o compromisso ético em relação aos alunos e a realidade trabalhista pelo
fato que,
Por um lado, os ideais em relação ao papel social da função docente,
ideais que fazem da docência “uma missão divina – de abrir mentes e
corações para o saber humano”, uma “magnífica responsabilidade de
formar seres humanos fortes intelectualmente e ricos de caráter”
(FERREIRA, 2007); por outro, um cotidiano laboral marcado
66
consensualmente, conforme os informantes, pela exploração
profissional, desvalorização do professor, ausência de direitos
trabalhistas e fragilização da auto-estima do docente (CALDERÓN e
et. al., 2008, p. 207).
Desse modo, a contratação dos professores por meio de cooperativas, ao
ser um regime de características de flexibilização laboral, por não garantir uma
permanência nem garantias trabalhistas, a relação de ensino e aprendizagem que
o professor estabelece no mundo universitário se fragiliza, e em conseqüência
disso, o trabalho docente adquire um estatuto de provisoriedade, relativizando o
processo educacional e os sujeitos que dele participam. Segundo Calderón e et.
al. (2008, p. 209) “os professores cooperativados mantém frágeis relações com a
organização educacional, não visualizando crescimento profissional ou boas
relações trabalhistas”.
Desse modo, a realidade do trabalho docente cooperativado provocou que
o mundo da educação assumisse condições de flexibilidade, fragilização e
insegurança, o que tem levado aos sindicatos, Ministério do Trabalho, entre
outros órgãos tanto públicos quanto privados, a assumirem uma atitude de
contestação frente às fraudes que acontecem com os professores/trabalhadores.
Como afirmou-se anteriormente a terceirização de mão-de-obra docente,
por meio de cooperativas no âmbito da educação popular está marcada na sua
base pelo desemprego e as pressões decorrentes das relações trabalhistas. Este
contexto, próprio da década de 1990 esta fundamento na ideologia neoliberal
afirmando uma política deliberada de privatização do ensino superior, que já
tinha-se iniciado na década de 1970, no tempo da ditadura militar. Nesse sentido,
67
a política neoliberal defende a privatização do Estado, a fim de consolidar a
mercantilização do ensino superior.
No interior dessa ideologia é que as cooperativas de mão-de-obra docente
constituem-se enquanto “fornecedoras de mão-de-obra, visando à redução de
encargos trabalhistas, uma forma de driblar a legislação de proteção ao
trabalhador, de maximizar as receitas e de garantir a viabilidade do
empreendimento educacional” (CALDERÓN, et. al., 2008, p. 150).
A problemática que se desencadeia em torno das cooperativas consiste em
que no momento em que as instituições de Ensino Superior terceirizam as
chamadas ‘atividades-fim’, como é o caso do processo de ensino e aprendizagem
produto do trabalho docente elas agem na ilegalidade. Somente a legislação
sustenta as atividades de terceirização as ‘atividades-meio’ como limpeza,
segurança, jardinagem, entre outros. Sendo assim, as cooperativas de trabalho
docente constituem fraude e ainda a descaracterização dos princípios do
cooperativismo, visando somente o lucro a partir da mercantilização da
educação.
No que diz respeito a essa realidade, Maggio (apud CALDERÓN, et. al.
2008, p. 153) destaca que, “as instituições educacionais particulares objetivam
apenas o lucro, remetendo o processo educacional à mera atividade mercantil”.
De acordo com o autor ao contratarem mão-de-obra docente, desafiam os
acordos coletivos e a legislação, oferecendo ‘trabalho que se assemelha ao
feudalismo’ pelo fato dos professores não possuírem carteira de trabalho assinada
(CLT) e, nem mesmo, gozarem de seus direitos fundamentais.
68
Deve ser esclarecido que este movimento de flexibilização do trabalho
docente é decorrente das políticas neoliberais da década de 1990, as quais
possibilitaram à terceirização, a flexibilização, a exploração e a precarização do
trabalho docente como práticas fraudulentas da gestão do ensino superior. E,
ainda mais, a precarização do trabalho docente, significa também, precarização
da questão pedagógica, a precarização da educação, da formação humana.
69
5 O TRABALHO DOCENTE SUBSTITUTO NO ESTADO DO PARANÁ
Até este ponto da pesquisa, se apresentou uma análise teórica sobre as
políticas educacionais neoliberais e seus impactos na educações e a escolha da
precarização do trabalho docente, em especial dos professores substitutos iniciou
com inúmeras dificuldades, desde a parte bibliográfica, até a pesquisa por
amostragem, onde ficou evidente a ausência de transparência de algumas
instituições procuradas e que em muito enriqueceriam os dados dessa pesquisa,
mas mesmo procuradas por meio de protocolo em suas dependências não
responderam ao pedido e/ou adiaram colocando a responsabilidade em
funcionários em férias, ou ausentes, focamo-nos portanto no fenômeno que se
tem descrito a partir da flexibilização das relações trabalhistas dos professores
universitários, ligado a conceitos como a terceirização e substituição do trabalho.
Sobre o professor substituto a Constituição do Estado do Paraná, artigo 27,
inciso IX, estabelece “os casos de contratação, por tempo determinado, para
atender à necessidade temporária de excepcional interesse público”. Já na Lei nº
8.745/93, artigo 2º, a contratação de pessoal por tempo determinado considera-se
uma “necessidade temporária de excepcional interesse público”, e no inciso IV
especificamente admite a admissão de professor substituto e professor visitante, e
ainda, no inciso VII aceita a “admissão de professor, pesquisador e tecnólogo
substitutos para suprir a falta de professor, pesquisador ou tecnólogo ocupante de
cargo efetivo”. E conclui, no artigo 6º, inciso I, que o professor substituto nas
instituições federais de ensino somente poderá ser contratado desde que o mesmo
70
não ocupe um cargo efetivo integrante nas carreiras de magistério de dita
instituição.
A pesquisadora realizou uma coleta do Estado da Arte, como forma de
estudo preliminar, que permitiu verificar “o estado da questão que se pretende
desenvolver sob o aspecto teórico e de outros estudos e pesquisas já elaborados”
(MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 217). No Banco de Teses da Capes algumas
pesquisas científicas cadastradas auxiliaram na sistematização dessa pesquisa.
Primeiramente, uma tese com o título “Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro – Gestão e Estratégia em Negócios” (Autor: Antônio Carlos Nogueira,
ano de 2003, UFRRJ). O estudo do autor consistiu numa tentativa de traçar o
perfil sócio-profissional do professor substituto nos quadros da UFRRJ, e a partir
dos dados levantados, analisou as informações das atividades do profissional
substituto, dando ênfase ao acompanhamento, treinamento prévio e, sobretudo,
através das teorias de motivação para ser inserido no quadro universitário, com o
objetivo de otimizar as contribuições que pode dar através da sua prática docente.
Outra pesquisa titulada “Dinâmica de sistemas como alternativa para
alocação de professores temporários: caso UFSCAR” (Autor: Cinthia Serenotti
Brigante, ano de 2004, UFSCar), trata sobre a mudança no quadro de docentes
das instituições federais de ensino superior que vem se dando cada vez mais
rápido com aposentadorias e falta de concursos públicos, o que leva a tomar
medidas de contratação de professores substitutos. Segundo o autor desta
pesquisa a alocação de professores substitutos para os diversos departamentos de
71
uma universidade federal exige uma análise detalhada de suas necessidades
combinada com a disponibilidade proporcionada pelo governo.
Uma terceira pesquisa, que tem a intenção de demonstrar que a
precarização docente, não atinge somente os docentes do ensino superior
“Professores efetivos, professores substitutos: caminhos de persistência e
rendição norteados pelo tipo de contratação” (Autora: Sônia Alves, ano de 1998,
UFSC). Nessa dissertação, a autora, trata da profissão docente, especificamente
na relação existente entre o tipo de contratação de professores e o trabalho
pedagógico. Ainda que esta pesquisa tenha como foco principal as escolas da
rede municipal de Florianópolis, da qual quase 50% dos professores são
substitutos, ela faz uma reflexão frente aos principais problemas que manifestamse na prática profissional do professor substituto: a fragmentação do trabalho
pedagógico gerada pela rotatividade; o desrespeito os órgãos oficiais de ensino
com relação aos profissionais, seu descompromisso com a qualidade do ensino, a
acomodação e desistência dos professores que também contribuem para a não
superação do fracasso escolar. A autora sintetiza afirmando que essa realidade do
ensino superior público brasileiro é uma “política de barateamento e
sucateamento progressivos do sistema público de ensino” (ALVES, 1998).
Por último, foi publicada em 2008 uma tese titulada “Professora
substituta, auxiliar de professor ou professora auxiliar... Afinal quem somos
nós?” no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de
Campinas (Autora: Raquel Souza Magro). Ela fez uma análise histórico-cultual
72
sobre as experiências de professoras substitutas ou auxiliares, a fim de perceber
como essas profissionais desenvolvem e assumem suas práticas pedagógicas.
E como manifestação do neoliberalismo e a precarização no Ensino
Superior, a pesquisa, por amostragem, a respeito dos professores substitutos em
algumas universidades do Estado do Paraná, demonstrou como sem concursos
públicos suficientes, estes profissionais são importantíssimos dentro do cenário
educacional, e precisam ser vistos não como vilões ou desqualificados, muito
pelo contrário com a exigência cada vez maior e a entrada de muitos mestres e
doutores, qualificação não falta, o que falta talvez seja exatamente o Estado
cumprir o seu papel disponibilizando concursos e “legalizando” a condição
desses profissionais ditos temporários, colaboradores ou substitutos.
Pretende-se neste item especificar dados sobre a realidade do trabalho
docente na condição de efetivos e temporários, no período de 2007 a 2010, em
três instituições de ensino superior no Estado do Paraná: a UNICENTRO, a
Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual de
Cascavel (UNIOESTE). Os dados foram obtidos mediante solicitação às próreitorias de Recursos Humanos das instituições supracitadas e organizados a
través de tabela e gráficos. Conforme relatado no início do capítulo, relevantes
ressaltar que houve dificuldades no processo de coleta de dados, tanto no que se
refere à pesquisa presencial nas próprias instituições, quanto por vias eletrônicas
e telefônicas. Percebeu-se um clima de resistência por parte de algumas
instituições o que limitou o mapeamento e ampliação geral dos dados.
73
A Universidade Estadual do Centro Oestes - UNICENTRO surgiu pela
fusão das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava e a
Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Irati. Foi reconhecida pelo
Ministério de Educação no ano de 1997, possuindo atualmente 59 cursos,
distribuídos nas suas duas unidades6.
Os dados obtidos da Pró-Reitoria da UNICENTRO sobre a evolução dos
docentes na condição de efetivos e temporários no período de 2007-2010 foram
os seguintes:
Quadro 3: Representação da Evolução do Quantitativo de Docentes Efetivos e Temporários.
UNICENTRO
Docentes
2007
2008
2009
2010
Efetivos
455
476
474
480
Temporários
224
220
242
253
Total
679
696
716
733
Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Pró-Reitoria de Recursos Humanos/ UNICENTRO,
2011.
Quadro 4: Representação da Evoluçao Gráfica de Docentes Efetivos e Temporários.
UNICENTRO.
6
Cf. Site Oficial da Universidade: <http://www. unicentro.br>. Acesso em: 05/01/2012.
74
Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Pró-Reitoria de Recursos Humanos/ UNICENTRO,
2011.
De acordo com as figuras acima é possível perceber que entre o período
entre 2007 e 2010 houve um aumento tanto dos professores efetivos (25) quanto
temporários (29). No entanto, cabe destacar que a porcentagem maior
corresponde aos professores temporários, com uma diferença de 4 professores.
A Universidade Estadual de Maringá - UEM foi criada no ano de 1969 a
través da Lei n. 6.034 de 06/11/69, agregando a Faculdade Estadual de Ciências
Econômicas, criada em 1959, a Faculdade Estadual de Direito, criada em 1966, e
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, criada em 1966. Obteve
reconhecimento ministerial em 1976. Atualmente oferece 52 cursos de
graduação, 93 de especialização, 28 de mestrado e 12 de doutorado7.
Os dados obtidos da Pró-Reitoria da UEM sobre a evolução dos docentes
na condição de efetivos e temporários no período de 2007-2010 foram os
seguintes:
7
Cf. Site Oficial da Universidade: <http://www. uem.br>. Acesso em: 05/01/2012.
75
Quadro 5: Representação da Evolução do Quantitativo de Docentes Efetivos e Temporários.
UEM – UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Docentes
2007
2008
2009
2010
Efetivos
1.437
1.235
1.237
1.238
Temporários
250
249
268
200
Total
1687
1484
1505
1438
Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Pró-Reitoria de Recursos Humanos/ UEM, 2011.
Quadro 6: Representação da Evoluçao Gráfica de Docentes Efetivos e Temporários.
UEM – UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Pró-Reitoria de Recursos Humanos/ UEM, 2011.
A partir dos da relação dos dados das figuras acima se percebe que houve
uma diminuição do número de professores efetivos e temporários. Ressalta-se
que em uma porcentagem aproximada tendo como parâmetros o ano de 2007 e
2010, houve uma diminuição de 15% dos professores efetivos frente a um 20%
dos professores temporários.
76
A
Universidade Estadual do Oeste do Paraná -
UNIOESTE foi
reconhecida no dia 23 de dezembro de 1994, através da portaria n. 1784-A/94 do
Ministério da Educação. A UNIOESTE originou-se pela integração de quatro
faculdades municipais isoladas de ensino não gratuito, localizadas em Cascavel,
foz de Iguaçu, Marechal Cândido Rondon e Toledo, após atos regionais de
reivindicação destas faculdades isoladas em universidades. Posteriormente, em
1999, a Faculdade Municipal de Francisco Beltrão (FACIBEL) também foi
incorporada à universidade. A universidade conta atualmente com 10.020
acadêmicos, distribuídos em 34 cursos de graduação e 1.106 docentes (503 têm
título de mestre, 222 título de doutor e 09 pós-doutores).
Conforme a última
avaliação do Ranking Nacional do MEC/INEP, a universidade constitui a 13ª
melhor universidade brasileira, e a 3ª do Estado do Paraná8.
Os dados obtidos da Pró-Reitoria da UNIOESTE sobre a evolução dos
docentes na condição de efetivos e temporários no período de 2007-2010 foram
os seguintes:
Quadro 7: Representação da Evolução do Quantitativo de Docentes Efetivos e Temporários.
UNIOESTE – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - CASCAVEL.
Docentes
2007
2008
2009
2010
Efetivos
942
958
966
1014
Temporários
185
183
145
159
Total
1127
1141
1111
1173
Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Pró-Reitoria de Recursos Humanos/ UNIOESTE, 2011.
8
Cf. Site Oficial da Universidade: <http://www.unioeste.br>. Acesso em: 05/01/2012.
77
Quadro 8: Representação da Evoluçao Gráfica de Docentes Efetivos e Temporários.
UNIOESTE – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ - CASCAVEL.
Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Pró-Reitoria de Recursos Humanos/ UNIOESTE, 2011.
Os dados referentes à UNIOESTE, presentes nas figuras 6 e 7, mostram
que desde 2007 até 2010 houve um aumento de 82 professores efetivos frente a
uma diminuição de 26 dos professores temporários.
A partir dos dados oferecidos pelas Pró-Reitorias de Recursos Humanos
da Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO, Universidade
Estadual de Maringá - UEM e Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, é possível conjugar estes dados numa figura única com o objetivo
de ampliar a análise dos dados e posterior entendimento da problemática da
pesquisa.
Quadro 9: Representação: Tabela Comparativa da Porcentagem de Docentes Temporários.
UNICENTRO
UEM
UNIOESTE
Total de Docentes
Temporários (2007)
224
250
185
Total de Docentes
Temporários (2008)
220
249
183
Total de Docentes
Temporários (2009)
242
268
145
Total de Docentes
78
Temporários (2010)
Porcentagem de
Docentes
Temporários do Total
de Professores (2010)
253
200
159
34,5%
13,9%
13,5%
Fonte: Pró-Reitorias de Recursos Humanos UNICENTRO, UEM e UNIOESTE.
(Elaboração da autora).
Os dados da Figura 8 mostram a porcentagem dos professores docentes
temporários. Destaca-se, principalmente, a realidade da UNICENTRO com
34,5% dos professores universitários, quantidade que denota um crescimento
desta modalidade de contratação nos últimos 4 anos.
Cabe ressaltar que no Estado do Paraná atualmente há 13 IES estaduais
nas quais trabalha um total de 6.252 professores em diferentes regimes de
trabalho. A partir disso podemos considerar que nas três IES pesquisadas
(UNICENTRO, UEM, UNIOESTE) concentram-se em 2010, 612 professores na
condição de temporários, o equivalente a quase 10% do total dos professores
(MEC/INEP/DEED, 2010).
79
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa objetivou discorrer sobre as políticas neoliberais e suas
consequências na precarização do trabalho docente, como tem influenciado a
relação de trabalho e a formação dos professores no Estado do Paraná, tendo em
vista o contexto de submissão e condicionamento estabelecido pelo
gerencialismo neoliberal na educação. Para isso analisaram-se aas políticas
neoliberais a partir da década de 1990 e sua relação com o processo de
terceirização, flexibilização, exploração e precarização do trabalho docente.
Nesse contexto, estudou-se a o docente na condição de substituto, como
manifestação neoliberal do trabalho profissional do professor. Assim considerouse o professor substituto como um professor “passageiro” de um período letivo
das instituições de educação superior. Desse modo, foi possível compreender de
como as políticas neoliberais tem influenciado algumas Universidades do Paraná
e em específico a precarização do trabalho docente, os quais são obrigados a
submeterem-se às condicionantes do sistema para poder subsistir tanto
economicamente quanto da própria qualificação.
Considera-se que a precarização do trabalho docente constitui parte de um
processo de impactos de políticas neoliberais que buscam continuamente
estabelecer a mercantilização e privatização da educação em detrimento da
participação do poder político do Estado nas decisões públicas.
O projeto
neoliberal renova a efetivação das condições econômicas abrindo espaço ao
80
capital transnacional, provocando de maneira perversa a flexibilização das
relações sociais, do trabalho e formação humana.
Buscou-se argumentar que o professor e seu trabalho no contexto
neoliberal é colocado em suspenso, em situações limites, de exaustão emocional
e de esgotamento profissional. Por uma parte, se lhe exige que seja comunicativo,
que apresente um comportamento ético, que seja equilibrado emocionalmente,
que seja criativo, que se expresse de maneira adequada verbalmente, que se
relacione bem com os outros e que seja responsável na sua profissão. Por outro
lado, as condições precárias do seu trabalho minimizam suas tentativas e esforço
tanto de formação quanto do próprio exercício do seu trabalho. Tal cenário é
determinado pelas políticas educacionais da ideologia neoliberal, que interferindo
nos princípios e valores da educação, interferiram também na formação dos
professores, flexibilizando suas relações e precarizando suas condições de
trabalho.
Este panorama vicioso do Ensino Superior “em penumbra”, como
consequência da influencia das ideologia neoliberal e das diretrizes do Banco
Mundial, tem seu papel social nas universidades e, consequentemente reflete-se
nas condições do trabalho docente. Desse modo, as políticas neoliberais
esvaziam e empobrecem a autonomia do espaço público na produção do
conhecimento para o aprimoramento da sociedade, denegando o compromisso
político da educação superior na formação humana.
Assim, ao compreender o trabalho docente como aquele que produz
serviços que atendem as necessidades humanas, na lógica capitalista, essa
81
realização do trabalho docente inscreve-se num processo de alienação do
trabalhador, na medida em que o mesmo perde o controle sobre seu próprio
trabalho. Os professores substitutos participam do processo de acumulação do
capital, direta e indiretamente, porque precisam vender sua força de trabalho.
Nesse contexto, e tendo em vista a dimensão não-material do trabalho docente,
os professores ao submeter-se ao gerencialismo neoliberal são levados a
situações de sofrimento, vulnerabilidade da sua saúde ocupacional e a decisões
de desistência.
A luz da pesquisa documental, por amostragem, apresentou-se a quantidade
(612) dos professores na condição de temporários em três IES estaduais do
Paraná (UNICENTRO, UEM, UNIOESTE), constituindo quase o 10% do total
dos professores do Estado, é possível afirmar que as IES públicas adotaram
pautas neoliberais que absorvem, apropriam e privatizam a força do trabalho
docente. O Estado, o “público” participam da despersonalização, desqualificação
e descredenciamento simbólico da profissão docente. Esta prática de contratação
de professores gera um quadro de instabilidade, inadequação e ausência de
garantias trabalhistas e previdenciárias para a classe docente. Tal imposição da
relação trabalhista nesta modalidade contratual de “temporários”, geram um
quadro de flexibilização laboral de características de provisoriedade e
relativização do processo de formação profissional que atinge a dimensão ética
do trabalho docente e afeta o compromisso e envolvimento do profissional
docente. Como afirmou-se anteriormente, a precarização do trabalho docente,
significa também, precarização da questão pedagógica, a precarização da
82
educação, e principalmente da formação humana. Fazem-se necessárias e
urgentes políticas de valorização do profissional docente, em especial a situação
dos professores substitutos, para que estes sejam apoiados financeiramente para
cursos, seminários e/ou programas de desenvolvimento profissional.
Espera-se com esse trabalho a reflexão sobre a influência do Neoliberalismo
na precarização do trabalho docente, contribuindo com discussões sobre o tema,
e que seja o presente trabalho impulsionador de novos, onde haja a ampliação e
aprofundamento do tema, tendo em vista que não se encerra aqui as discussões
sobre as formas precárias dos contratos dos professores substitutos, nem a
precarização do trabalho docente como um todo e em vigor hoje nas
Universidades Públicas e Particulares.
83
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