MEGAVENTOS ESPORTIVOS NO BRASIL – UMA PERSPECTIVA ACERCA DA IMPORTÂNCIA DO GERENCIAMENTO DOS INTERESSADOS DE PROJETOS COM EXPOSIÇÃO GLOBAL Autoria: Graziela Paulo Darla Araujo Galvão, Paulo Sergio Scoleze Ferrer RESUMO Às portas de dois “megaeventos” esportivos no Brasil, são muitas as expectativas e preocupações dos mais diversos interessados destes projetos. Com fundamento, os meios de comunicação ressonam o temor da população brasileira com seguidas notícias sobre “estouros” de orçamentos, má utilização do erário e um legado pós-jogos, que venha revelarse como de pouca qualidade e serventia. As entidades organizadoras, FIFA e COI, respectivamente em relação à Copa do Mundo 2014 e aos Jogos Olímpicos 2016, já vêm demonstrando desconfiança em relação ao cumprimento dos prazos, qualidade, e segurança, seja pelas recorrentes notícias de violência urbana nas cidades sedes, ou mesmo pela instabilidade sociopolítica que se instalou no país, deflagrada pelas inúmeras manifestações populares que, inclusive, em alguns momentos parecem ter escolhido estes projetos com um alvo eficiente para fazer a sua voz ecoar. Os fatores críticos de sucesso de projetos de grande exposição global passam necessariamente pelo razoável atendimento às expectativas dos stakeholders, onde ambos os projetos aparentam alguma deficiência. Busca-se comparar estes projetos com um evento similar, o que pode sugerir formas para aumentar as chances de sucesso dos projetos Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016. Palavras-chave: Gestão de Projetos; Gerenciamento de Stakeholders; Interessados; Megaeventos Esportivos. ABSTRACT At the gates of two sporting "mega events" in Brazil, there are many expectations and concerns from various stakeholders in these projects. Rightly, the communication media resonate the fear of the Brazilian population due the current news about "bursts" of budgets, misuse of assets, and a legacy post-games that will prove to be of poor quality or useless. The organizers, FIFA and IOC, respectively in relation to the 2014 World Cup and 2016 Olympic Games, have been showing distrust in meeting deadlines, quality and safety, by the recurring stories of urban violence in the host cities, or from socio-political instability that is settled in the country, triggered by numerous popular protests, which sometimes seem to have chosen these projects as an efficient target to echo their voices. The critical success factors for projects with large global exposure cross necessarily with a reasonable achievement of the stakeholder’s expectations, in which both projects seem to be disabled. This paper strives to compare these projects with a similar event, which may suggest ways to increase the chances of success of the projects the 2014 World Cup and 2016 Olympic Games. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 1/17 Keywords: Project Management; Stakeholders Management; Sport Mega Events; Complex Projects. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 2/17 1. INTRODUÇÃO Com relativa frequência, observam-se grandes esforços e investimentos de nações e cidades no sentido de obter o direito de sediar grandes eventos esportivos, sejam aqueles de maior visibilidade e com extensão global, como a Copa do Mundo de Futebol da FIFA (Fédération Internationale de Football Association) e os Jogos Olímpicos; ou mesmo aqueles de alcance continental, como os Jogos Pan-Americanos. Sem exceção, todos aqueles que se candidatam à sede destes eventos, são motivados por grandes expectativas de um expressivo retorno financeiro, através das mais variadas frentes que se abrem mediante a grandiosidade e visibilidade de tais eventos; além dos ganhos políticos, ao se considerar ainda a sua habilidade de construir consenso (SILVESTRE: 2008). Ainda assim, FURRER (2002), afirma que sediar Jogos Olímpicos não traz exclusivamente benefícios ou malefícios, mas ambas situações sempre estarão presentes neste tipo de projeto. E, a despeito do grande potencial envolvido, a literatura mostra justamente que realidade por trás dos resultados observados ao final da maioria destes eventos, parece acumular menos histórias de sucesso do que de fracasso, em relação aos objetivos almejados, pois o porte e complexidade destes projetos demanda um conjunto diferenciado de competências em gerenciamento de projetos, nem sempre abarcado pelos responsáveis por tais projetos, resultando em frustração de, pelo menos, parte significativa do conjunto de expectativas no universo de interessados que um projeto desta magnitude carrega consigo. Desta maneira, o caminho entre o sonho e o resultado concretizado é longo e parece passar obrigatoriamente pela necessidade de satisfação das mais diversas expectativas dos muitos stakeholders envolvidos. Corroborando com esta premissa, KIRSI, A, KUJALA J. & OIJALA (2O08) afirmam que o gerenciamento das partes interessadas é particularmente importante em projetos globais, que são realizadas em ambientes institucionalmente exigentes. De fato, percebe-se que o influxo financeiro desejado tem origem na exposição da marca do país, demandando a projeção positiva da imagem da nação e criando um cenário favorável a atrair investimentos internacionais e atividade turística. O problema, entretanto, parece ser justamente a formação desta imagem, que depende fundamentalmente da satisfação das expectativas de alguns interessados “chave” nestes projetos. O primeiro obstáculo parece ser justamente as inevitáveis frustrações devido à elevação do nível de expectativas dos interessados, antes mesmo do projeto se iniciar, ou seja, ainda na fase de candidatura. Com propriedade, TAVARES (2011) ressalta que os dirigentes esportivos podem obscurecer as evidências da literatura que indicam a superestimação dos impactos positivos e a subestimação dos impactos negativos, o que aparentemente cria uma onda de exacerbado otimismo inicial, seguida de eventual frustração de expectativas no árduo percurso até a conclusão do projeto. Não há dúvida que existe um conjunto muito amplo e diversificado de interessados em projetos desta natureza, porém nem todos guardam significativa relevância sob esta perspectiva de formação e projeção global de uma imagem positiva. Assim sendo, este trabalho focará na perspectiva da nação anfitriã, ou seja, nas expectativas daqueles stakeholders que mais impactam neste percurso até a consecução dos objetivos traduzidos em resultados financeiros, infraestruturais e políticos, que necessitam fluir através de um canal favorável a fomentar a entrada destes recursos estrangeiros. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 3/17 Segundo RUBIO (2005), um megaevento se caracteriza pelo seu caráter temporal, pela capacidade de atrair um grande número de participantes, de diversas nacionalidades e também por ”chamar a atenção dos meios de comunicação com uma ressonância global”. E é justamente a ressonância global mencionada que orienta a priorização dos interessados a serem estudados: a população local; comerciantes e prestadores de serviços locais; as entidades organizadoras; os visitantes estrangeiros (turistas e membros das delegações); governos em todas as suas esferas; e agentes dos canais de comunicação, locais e internacionais (mídia em geral). Os agentes dos meios de comunicação estabelecem o fluxo das informações e, portanto, a projeção da imagem da nação mediante a leitura que fazem dos fatos. E estes, além de formarem opinião baseadas em sua própria experiência, pela natureza de suas atividades, são fortemente influenciados pela observação do comportamento e depoimentos dos demais stakeholders. Desta forma, é razoável a pressuposição de que população local é um stakeholder da mais alta relevância, em função do seu forte poder de influência sobre o governo, sobre a mídia e sobre os visitantes estrangeiros a serem recepcionados. Assim, faz-se imprescindível que a população local sinta-se confortável acerca da lisura como os respectivos investimentos serão feitos (transparência) e esteja sensibilizada sobre a importância do projeto para a nação, importância estas traduzida fundamentalmente no legado a ser deixado. Além da população local, podemos elencar vários outros interessados de significativa influência internacional, como as próprias entidades clientes e organizadoras, FIFA e COI (Comitê Olímpico Internacional), respectivamente para a Copa do Mundo de Futebol e Jogos Olímpicos, estas centradas fundamentalmente no sucesso da realização dos eventos esportivos em si; além das diversas delegações competidoras e turistas. Todos, de alguma forma, podem influenciar direta ou indiretamente na formação e projeção da imagem da nação hospedeira que, por tal, atrairá em maior ou menor escala os eventuais investimentos externos, assim como os turistas estrangeiros no futuro pós-jogos. O objetivo deste trabalho é mapear algumas das muitas expectativas dos stakeholders de projetos de megaeventos esportivos, agrupando-as na forma do legado esperado e formando base a ser usada para o enquadramento de um caso referencial de sucesso. Em seguida, confrontar-se-á esta base com as informações coletadas através dos meios de comunicação, acerca do projeto Copa do Mundo FIFA 2014, escolhido pelos autores pela maior proximidade e intensidade de atividade, mas que, certamente, traz à luz conceitos e ideias que também poderão ser aplicados aos Jogos Olímpicos de 2016. Todavia, este artigo não tem a pretensão de apresentar respostas definitivas sobre os caminhos a serem tomados pelos projetos, até mesmo pelo nível de complexidade e de exclusividade de cada um destes eventos. Mais do que firmar respostas, os autores pretendem estimular discussões de base, trazendo à tona propostas efetivas para a consecução dos projetos Copa do Mundo 2014 e aos Jogos Olímpicos 2016, ambos a serem realizados no Brasil. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 4/17 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. OS FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS Para se iniciar a compreensão acerca da sensibilidade de sucesso e fracasso em megaeventos esportivos, é necessário o entendimento de quais são os fatores críticos de sucesso para estes projetos. Em referência ao Projeto Jogos Olímpicos de Sidney 2000, EAGER (1997) afirma que o tempo é a dimensão mais crítica: “Como o projeto deve estar concluído e pronto para promover os Jogos Olímpicos nas datas estipuladas, qualquer falha na dimensão tempo terá que ser compensada sacrificando as outras duas dimensões, isto é: custo e qualidade. Entretanto, um bom desempenho em todas as três dimensões é vital para o sucesso do projeto.” De fato, em projetos desta natureza é óbvia a criticidade da restrição “tempo”, cujos prazos estão severamente ancorados mediante o planejamento isolado de uma imensa gama de stakeholders, contratos de transmissão e de patrocínio. Naturalmente, esta dimensão sempre será privilegiada em detrimento das demais, mesmo que represente a utilização do erário em caráter emergencial, dispensando o agente tomador do processo de licitação. Na mesma direção, há o receio de que a qualidade seja preterida, tal qual se observou com os problemas estruturais deflagrados no Estádio Olímpico João Havelange, após apenas cinco anos de uso, quando fora construído primariamente para atender aos Jogos Panamericanos de 2008, realizados no Rio de Janeiro - RJ. Entretanto, qualquer desvio em relação a qualquer uma destas três dimensões implicará no comprometimento de expectativas de alguns dos interessados, determinando, por fim, o engajamento ou rejeição. POUND (2202) reitera a importância da coleta de informações entre especialistas, população em geral e demais stakeholders, como forma de se obter importantes “key findings and recommendations” (principais conclusões e recomendações, em tradução livre). EAGER (1997) também inclui como um fator crítico de sucesso, a manutenção do interesse pelo evento, ou seja, que não haja comprometimento da imagem dos jogos em si, de maneira que venha abalar o interesse pelas edições por vir - uma expectativa associada às entidades organizadoras FIFA e COI, respectivamente à Copa do Mundo e Olimpíadas. A respeito da importância da qualidade, NEIROTTI (2011), ressalta ainda que a importância da infraestrutura turística da cidade anfitriã, localização e capacidades na língua inglesa, sendo que as duas primeiras influenciam mais na percepção de satisfação e comportamento do consumidor. Em linhas gerais, independentemente do viés adotado, parece haver um consenso de que o sucesso provém da satisfação de expectativas, sejam financeiras, políticas, institucionais, sociais, etc., traduzida no legado almejado, relacionado a estas. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 5/17 2.2. EXPECTATIVAS DE LEGADO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS 2.2.1. O LEGADO SEGUNDO FURRER (2002) Segundo FURRER (2002), acerca do possível legado e seus múltiplos impactos sobre a região hospedeira, através de benefícios econômicos, urbanísticos, sociais, psicológicos, ambientais e políticos esperados pelos distintos interessados no projeto: 2.2.1.1. BENEFÍCIOS ECONÔMICOS O imediato benefício associado à hospedagem de grandes eventos esportivos é a forte exposição de uma cidade, região ou nação, em uma perspectiva global e com eficiente capilaridade. Projetos bem sucedidos promoveram a entrada de recursos estrangeiros ao país hospedeiro através da divulgação de tecnologias e competências locais, do incremento de turismo e atração para hospedar outros eventos esportivos e de negócios. FURRER (2202) complementa: “Em termos macroeconômicos, os Jogos podem ser vistos como uma tentativa da cidade-sede ou região para atrair investimentos ou para estabelecer novas relações comerciais. Outros benefícios esperados são o aumento da renda e do emprego. Por exemplo, o aumento do número de turistas e de gestão ao longo do tempo das novas instalações, hotéis, etc., criar empregos duradouros”. O legado econômico representa uma expectativa da nação anfitriã, como um todo, seja o governo, a população ou o corpo empresarial, porém, este é dependente direto (consequência) da percepção e satisfação dos stakeholders estrangeiros, que se sentirão ou não, motivados a investir ou visitar o país mediante a imagem projetada. 2.2.1.2. CONSTRUÇÃO E REVITALIZAÇÃO URBANA De forma bastante palpável, um benefício diretamente associado ás expectativas da população local, é o investimento em infraestrutura e/ou renovação de áreas urbanas existentes. Usualmente, este aspecto representa uma importante moeda de troca no processo de sensibilização da população local na busca de seu apoio. Entretanto, a mera percepção de que a qualidade ou utilidade das estruturas não esteja alinhada a estas expectativas, promove a paulatina degradação da credibilidade, termo chave no gerenciamento da população local, como os problemas no Estádio Olímpico João Havelanche, sobre os quais a agência de notícias BBC revelou em 27/03/2013, um adicional reflexo internacional, ao coletar a opinião de analistas e observadores: “Os problemas estruturais que levaram à interdição do Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, na última terça-feira, “arranham” a imagem _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 6/17 internacional do Brasil e levantam dúvidas sobre a preparação do país para receber a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016...”. O legado referente à infraestrutura representa uma expectativa da nação anfitriã. Entretanto, aqui também atua como condição de satisfação (causa) dos visitantes estrangeiros. 2.2.1.3. BENEFÍCIOS SOCIAIS A realização dos megaeventos esportivos carrega consigo a possibilidade de desenvolvimento social através do aumento da capacidade interna de construção e organização, bem como a exposição de eventuais competências tecnológicas, talento, criatividade e habilidade organizacional. Um segundo reflexo percebido advém da introdução ou aumento de interesse por práticas esportivas, desenvolvimento de espírito de equipe, espírito de “fair play”. FURRER ainda ressalta a contribuição para a construção de um mundo mais pacífico. Tal qual o tópico referente à infraestrutura, o legado dos benéficos sociais também representa uma expectativa da nação anfitriã. E, por influenciar diretamente na forma como os visitantes estrangeiros serão recebidos, também atua como condição de satisfação destes: causa. 2.2.1.4. BENEFÍCIOS PSICOLÓGICOS Estudos têm mostrado como a hospedagem dos Jogos Olímpicos pode criar um sentimento de entusiasmo e orgulho entre a população anfitriã, atribuindo um senso de comunidade e de unidade, que “pode até mesmo transcender as divisões sociais e ideológicas” (FURRER), o que representa um benefício que pode se traduzir em amadurecimento e impacto positivo nos valores culturais e de cidadania da nação hospedeira. 2.2.1.5. BENEFÍCIOS AMBIENTAIS A despeito do impacto destes megaeventos na região hospedeira, com o aumento do tráfego de veículos, consumo de água e de produção de resíduos, este tipo de evento carrega também uma forte pressão internacional diretamente associada à imagem da nação, no sentido de produzir soluções sustentáveis. De fato, a FIFA assinou conjuntamente com o governo brasileiro um documento que estabelece uma série de preceitos sustentáveis e, até mesmo éticos, acerca da realização da Copa do Mundo 2014: a) responsabilização pelo impacto do evento sobre a sociedade e meio ambiente; b) Respeito aos valores éticos e anticorrupção; c) transparência sobre as ações e decisões tomadas; d) respeito pelos interesses dos stakeholders; e e) respeito pelo Estado de Direito, com o cumprimento de todos os requisitos legais da jurisdição dos locais de ocorrência do evento. Apesar de ter como beneficiário primário a população local, benefícios ambientais se enquadram como expectativas de todos os demais interessados. Contudo, dependem em grande monta, diretamente das ações dos representantes governamentais e têm profundo impacto sobre a formação e projeção internacional da imagem da nação. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 7/17 2.2.1.6. BENEFÍCIOS POLÍTICOS Também são esperados benefícios políticos a serem colhidos pela nação anfitriã, tanto pela projeção institucional positiva da imagem, quanto pelo amadurecimento político através do estabelecimento inúmeras de parcerias e coalizões de forma cooperativa, em vista a melhores resultados futuros. Nesta última categoria, percebe-se a ocorrência de parcerias inovadoras entre os setores público e privado, desenvolvimento de acordos cooperativos para manutenção de preços em níveis normais, com retorno futuro pelo aumento da atividade de turismo e o amadurecimento político pela coalizão de entidades políticas, antes polarizadas, como ocorreu em Sidney por ocasião dos Jogos Olímpicos de 2000 (FERRER; ROGGERIO & POREM: 2002; EAGER:1997). 2.2.2. O LEGADO SEGUNDO VILLANO (2008); TAVARES (2011) 2.2.2.1. LEGADOS DECORRENTES DO EVENTO Em decorrência do evento em si, pode-se relacionar um legado acerca das remanescentes construções e equipamentos desenvolvidos ou adquiridos por ocasião do evento, como: instalações esportivas; construções de infraestrutura urbana; equipamentos esportivos, de segurança, telecomunicações; geração de empregos; promoção e realização de outros eventos similares; e aumento do interesse da população local por práticas esportivas. 2.2.2.2. LEGADOS DECORRENTES DA CANDIDATURA AO EVENTO A mera candidatura de uma nação ou região ao direito de sediar um megaevento esportivo, já traz um ganho de experiência em desenvolvimento de propostas de candidatura, assim como atividades inerentes a esta, como o planejamento e desenvolvimento do projeto inicial. Além deste, TAVARES menciona benefícios suplementares, como o planejamento urbanístico, parte da proposta de candidatura; projeção da imagem do país e da região anfitriã; projeção de oportunidades econômicas e de negócios locais pela exposição; desenvolvimento do senso de nacionalismo e civismo; bem como outros legados relacionados à governança e ao conhecimento geral adquirido com a experiência. 2.2.2.3. IMPACTOS NEGATIVOS VERSUS POSITIVOS TAVARES (2011) contrapõem ainda uma série de impactos negativos e positivos, que compõem o legado de um megaevento esportivo, agrupadas pelo tipo, conforme a tabela 1, a seguir. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 8/17 Tipo de Impacto Físico / Ambiental Social / Cultural Psicológico Político / Adminsitrativo Positivos Construção de novas estruturas Preservação do patrimônio Promoção ambiental Impactos esportivos Aumento no nível permanente de interesse local e participação e tipos de atividades relacionadas ao evento Fortalecimento de valores e tradições regionais Diminuição local da criminalidade Aburguesamento Movimento voluntário mais forte Aumento do orgulho nacional / local e do espírito de comunidade Aumento da consciência ecológica Nacionalismo saudável (identificação) Atmosfera festiva durante o evento Aumento do reconhecimento internacional da região Desenvolvimento de habilidades entre planejadores, políticos e outros Entendimento internacional Negativos Prejuízos ecológicos Mudanças em processos naturais Poluição arquitetônica Destruição do patrimônio Superlotação Estruturas remanescentes não utilizadas ou subutilizadas (elefantes brancos) Comercialização de atividades que eram livres Potencial aumento do crime Mudanças na estrutura da comunidade Aburguesamento Deslocamento social Tendência a atitudes defensivas tratando da região sede Choque cultural Manipulação comercial Exploração econômica da população local / legitimar decisões impopulares Distorção da real natureza do evento para refletir valores das elites Inabilidade em atingir os objetivos Aumento nos custos administrativos Corrupção Tabela 1 – Impactos Negativos versus Positivos de um Megaevento Esportivo (TAVARES 2011). _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 9/17 3. METODOLOGIA Este artigo tem uma abordagem fundamentalmente descritiva, uma vez que os autores o desenvolvem a partir do estudo, análise, registro e interpretação dos fatos, sem interferência, contudo, com um eventual viés explicativo adotado na consolidação dos dados coletados e formulação de proposições por força de dedução lógica. Mediante o método descritivo, foram reunidos os trabalhos de diversos autores e especialistas, assim como relatos jornalísticos relacionados aos megaeventos esportivos estudados, de forma a criar a base necessária para o entendimento dos fenômenos existentes ou, em outras palavras, uma mais abrangente tradução das expectativas dos mais diversos stakeholders mapeadas na literatura existentes. Posteriormente, registrados e analisados os dados do estudo de caso referencial – Jogos Olímpicos de Sidney 2000 – e comparados com as informações disponibilizadas acerca dos resultados obtidos até o momento para o Projeto Copa do Mundo 2014 a ser realizado no Brasil. Por um viés descritivo – explicativo, no decorrer do trabalho e, principalmente, ao longo das conclusões finais, são elencadas considerações e sugestões, frutos da cognição e dedução lógica dos conceitos e ideias incorporados ao artigo. 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1. CASO REFERENCIAL: OS JOGOS OLÍMPICOS DE SIDNEY 2000 Segundo FERRER; ROGGERIO & POREM (2002); EAGER (1997), os Jogos Olímpicos de Sydney começaram e terminaram como um grande exemplo positivo e referencial de gestão de projetos, com particular atenção ao gerenciamento dos stakeholders. A estrutura e complexidade do projeto, e a grande quantidade de interessados foram obstáculos superados devido à aplicação das técnicas de gestão de projetos com grande habilidade, O presidente do Comitê Olímpico Internacional, ao final dos Jogos de Sydney, concluiu dizendo: “Eles não poderiam ter feito melhor. Ninguém poderia. Foi perfeito.”. Os depoimentos dos atletas, jornalistas e visitantes reverenciam a organização e precisão do evento. A comunidade internacional rendeu-se à plasticidade das cerimônias e eventos, cumpridos com precisão. Diversos países adotaram o Projeto Sidney como modelo a ser seguido para organização de competições esportivas. A auditoria independente Pricewaterhouse Coopers (2002) abriu o seu relatório final sobre o projeto dos Jogos Olímpicos de Sydney 2000, um ano após o término destes, com a introdução: “The first anniversary of the Sydney 2000 Olympic and Paralympic Games was an appropriate time to commence an assessment of the success of the Games, their impacts on Sydney, New South Wales and Australia, and the benefits they delivered to the people of this country”. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 10/17 4.1.1. RESULTADOS APURADOS Segundo relatório final da Pricewaterhouse Coopers (2002), os Jogos Olímpicos de Sidney superaram suas expectativas de retornos financeiros, conforme a tabela 2: Descrição Orçamento nominal dos investimentos públicos com os eventos 10% de contingência sobre o orçamento Total do Orçamento Orçamento realizado dos investimentos público com os eventos Abatimento fiscal com contratos firmados diretamente com o governo Total de Investimentos com os Eventos Investimentos com Infraestrutura Investimentos em infraestrutura de capital público e privado revertidos integralmente à população Realizado 1,847 0,185 2,032 1,979 0,653 1,326 6,0 Outras Receitas Apuradas Receita com publicidade internacional 6,1 Receita com contratos de utilização da estrutura com convenções 1,2 internacionais (em 2001, data do relatório, com contratos fechados até 2007) Receita extra com o aumento no número de turistas em 1,4 milhão 6,0 acima da média, somente em 2001 Demais receitas com direitos de transmissão e patrocínios e venda de 2,4 ingressos Receita extra com novos negócios fomentados a partir da 3,0 superexposição de produtos, serviços e tecnologias australianas Total de Receitas Apuradas 18,7 Tabela 2 – Sumário dos Resultados Financeiros do Projeto Sidney 2000 - Pricewaterhouse Coopers (2002) (valores em bilhões de dólares australianos) Considerando que o principal objetivo de uma nação ou cidade candidatar-se a sediar um evento megaesportivo, tal qual foi discutido neste relatório, envolve o retorno financeiro, através de criação de atividade sustentada, exposição de suas competências para negócios futuros (produtos e serviços) e aumento da sua atividade de turismo, os números sugerem que, de fato, o Projeto Jogos Olímpicos de Sidney 2000 foi um sucesso, principalmente pela projeção da imagem positiva da cidade, nação e população local ao final dos jogos, fruto do atendimento das expectativas dos stakeholders acerca do legado deixado. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 11/17 4.1.2. ENQUADRAMENTO DO CASO REFERENCIAL SEGUNDO AS EXPECTATIVAS DOS STAKEHOLDERS Na tabela 3, podemos observar os resultados mediantes às expectativas acerca do legado esperado. Legado Esperado (FURRER: 2002) Econômico Construção e Revitalização Urbana Social Psicológico Ambiental Político Legado Percebido em Sidney 2000 "Os Jogos também serviram como um ímã para o turismo nacional e internacional e acelerou rapidamente o processo de elevar o reconhecimento da marca internacional da Austrália de uma forma que não teria sido possível" (PriceWaterhouseCooper 2002). “Em Sydney, o Parque Olímpico em Homebush foi construído em uma antiga área industrial abandonada, utilizada para armazenar lixo tóxico. Este tornou-se agora, provavelmente o maior centro esportivo e de lazer em Sydney” (FURRER 2002). "Desenvolvimento de inovações em instalações e serviços por empresas do setor privado. Além disso, mais de 100.000 pessoas, incluindo 50 mil voluntários, receberam formação em educação técnica e outros treinamentos" (ROPER 2002). “Dois anos antes dos Jogos, o nível de entusiasmo, mesmo na parcela menos favorecida da população, era igualmente alto” (WAITT & FURRER 1999) Despoluição da Baía de Homebush e promoção dos primeiros Jogos Verdes. Coalizão política entre a situação e a oposição, estabelecimento de diversas parcerias público-privadas, incluindo acordos positivos com sindicatos e com as empresas prestadoras de serviços, em prol da realização dos jogos. Tabela 3 – Enquadramento de Resultados do Projeto Sidney 2000 Quanto ao Legado 4.1.3. ENQUADRAMENTO DO PROJETO COPA DO MUNDO FIFA 2014 NO BRASIL A tabela 4 reúne informações obtidas através dos meios de comunicação e relatórios acerca do andamento das atividades pertinentes ao Projeto Copa do Mundo 2014, a ser realizado no Brasil. Esta coleta de informações está sumarizada e confrontada com cada agrupamento de expectativas por tipo legado, o que permite um olhar objetivo sobre o andamento do projeto, pela perspectiva de atendimento de expectativas, indicativo da orientação ao sucesso. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 12/17 Legado Esperado (FURRER: 2002) Econômico Construção e Revitalização Urbana Social Situação Atual Percebida – Copa do Mundo do Brasil O legado econômico é fruto da entrada de recursos estrangeiros por incremento do comércio exterior ou atividade turística. Ambos as frentes decorrem da imagem projetada internacionalmente e estas dependem inclusive do nível de satisfação acerca dos demais grupos de legados a seguir. Existem indícios apontando para a projeção de uma imagem negativa do Brasil. Foram amplamente noticiadas as extensas e generalizadas manifestações públicas, iniciadas justamente às portas do início da Copa das Confederações, evento teste para a Copa do Mundo. Também houve noticiários internacionais destacando casos de grave violência urbana com turistas estrangeiros durante a Copa das Confederações. A insatisfação popular, em muitas dos eventos de protestos, fizeram menção direta de rejeição à Copa do Mundo de 2016. O comitê da FIFA manifestou publicamente sua grande preocupação com atos de violência. O governo brasileiro já admite o não cumprimento das obras inicialmente associadas à infraestrutura entregue como parte do Projeto Copa do Mundo 2014. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, o Ministro dos Esportes Aldo Rebelo declarou que estas obras não deveriam ser computadas como parte do Projeto copa do Mundo, o que, na avaliação do autores, configura-se em um equívoco. Independentemente da interpretação dada, é um legado esperado pela população local e configura flagrante não atendimento às expectativas. Paralelamente, o episódio com os severos problemas estruturais do Estádio João Havelanche, construído especificamente para os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, após apenas cinco anos de uso, aumentou a desconfiança sobre a qualidade das construções entregues, Adicionalmente, diversas matérias jornalísticas sugerem a construção de “elefantes brancos”, ou seja, construções que nãoterão serventia após os jogos, conforme se observou na subutilização da Vila Olímpica construída no Rio de Janeiro, também para os Jogos Panamericanos. Os benefícios sociais advém do crescimento da sociedade como um todo, seja tecnologicamente, organizacionalmente, culturalmente, em consolidação de valores, no crescimento e melhor distribuição de renda e infraestrutura. Esta avaliação demanda um estudo post factum. Todavia, não foram identificados indícios que mostrem avanços. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 13/17 Psicológico Ambiental Político Os benefícios psicológicos se traduzem no aumento do nível motivacional, do civismo e do nacionalismo. De fato estes valores estiveram mais evidenciados durante as manifestações públicas recém-ocorridas, porém se revelaram em oposição à realização da Copa do Mundo de 2014. Ao passo que em Sidney foram feitas grandes obras de caráter ambiental, com a despoluição da Baía de Homebush e a reurbanização sustentável do local onde hoje abriga o maior centro esportivo e de lazer da cidade, no Brasil existem menções à construção de estádios com conceitos sustentáveis, conforme reportagem do jornal O Estado de São Paulo, de 20 de junho de 2011. Porém estádios sustentáveis, ainda que importantes, não são tão significativos ao se comparar com os avanços na Austrália por ocasião do Projeto das Olimpíadas de Sidney 2000. Os autores identificaram apenas algumas ações mais coordenadas e objetivas no Estado de Minas Gerais. Os ganhos políticos traduzem exatamente a imagem projetada acerca dos seus valores éticos, respeito aos stakeholders, ao meio ambiente e à legislação. Parte importante para a consolidação de uma imagem positiva advém do uso responsável e transparente do erário. Apesar de o governo brasileiro disponibilizar uma página na rede, chamado de “Transparência”, as informações disponibilizadas são, em grande parte, desatualizadas e dispostas em fragmentos não compreensíveis, ferindo justamente o propósito de manutenção de contas abertas. Ressalte-se que até hoje não há consenso sobre os resultados financeiros finais acerca do projeto para a realização dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro. Tabela 4 – Enquadramento de Resultados do Projeto Copa do Mundo 2016 Quanto ao Legado _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 14/17 5. CONCLUSÃO É de percepção geral, que megaventos esportivos são projetos que permitem a superexposição de um país ou região que, mediante a projeção de uma imagem positiva, estimula a entrada de investimentos estrangeiros e o influxo de turistas. A literatura corrobora com a premissa de que esta imagem positiva demanda a satisfação dos variados interessados destes projetos, quanto às suas expectativas. E há uma relação de causa ou consequência entre o legado final e as expectativas dos diversos stakeholders. Os indícios sobre o andamento do Projeto Copa do Mundo 2016 sugerem que este diverge, minimamente, de parte das expectativas conhecidas. Os resultados econômicos esperados talvez não ocorram a menos que se consolide uma imagem positiva associada ao Brasil, em termos de transparência, anticorrupção, competência organizacional, igualdade social, controle da violência, valores éticos e respeito ao meio ambiente e Estado de Direito. Desta forma, conclui-se ainda, que urge a necessidade de um realinhamento da condução do projeto com os interesses gerais dos stakeholders. _________________________________________________________________________ Anais do II SINGEP e I S2IS – São Paulo – SP – Brasil – 07 e 08/11/2013 15/17 6. REFERÊNCIAS EAGER, D. 1997. Sydney 2000 Olympic Games: A Project Management Perspective. PMI Proceedings, 1997, pp. 227-31. PREUSS H., Economics of the Olympic Games: Hosting the Games 1972-2000, Petersham, Walla Walla Press, 2000 FERRER, P.; ROGGERIO, D.; POREM, M. Jogos Olímpicos Sydney 2000: Uma Perspectiva de Gestão de Projetos. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – USP: 2002. 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