Dilma ganha tempo para explicar contas do governo Decisão do TCU adia julgamento que pode abrir caminho para impeachment Novo prazo foi acertado após gestões do Senado junto ao tribunal, que aponta irregularidades no balanço de 2014 NATUZA NERY DIMMI AMORA DE BRASÍLIA O governo conseguiu prazo maior para apresentar explicações sobre irregularidades nas contas de 2014 do governo Dilma Rousseff, adiando seu julgamento pelo Tribunal de Contas da União, que pode abrir caminho para um processo de impeachment contra a presidente. Com a decisão do TCU, o julgamento das contas de Dilma deverá ocorrer somente em outubro. A decisão foi resultado de uma articulação do Senado, Casa escolhida pelo Palácio do Planalto para tentar sair da crise política que paralisa o governo. Nesta semana, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), abandonou o distanciamento que adotara em relação ao governo e se apresentou como fiador de um pacto pela estabilidade política, incorporado num conjunto de reformas econômicas e administrativas batizado de "Agenda Brasil". Foi um aliado do governo no Senado, Otto Alencar (PSD-BA), quem apresentou ao TCU um pedido do Ministério Público para que novas irregularidades apontadas nas contas de Dilma sejam analisadas. Otto foi vice do atual ministro da Defesa, Jaques Wagner (PT), no governo da Bahia. Em junho, o tribunal havia dado 30 dias para que Dilma respondesse sobre 13 irregularidades. O relator do processo no TCU, Augusto Nardes, previa julgar as contas em setembro. Agora, deu mais 15 dias para o Planalto se defender. Também será preciso tempo para que os argumentos sejam analisados. O principal ponto dos novos questionamentos é que o governo não fez cortes em despesas não obrigatórias quando já sabia que não teria recursos para pagá-las. Além disso, aumentou gastos sem autorização do Congresso, o que não é permitido. Renan começou a trabalhar a favor de Dilma nos bastidores junto aos ministros indicados pelo Senado no tribunal: Raimundo Carreiro, Vital do Rêgo e Bruno Dantas. A corte tem nove integrantes e a decisão de cobrar Dilma em junho foi unânime. De lá para cá, como diz em reserva um ministro, "os ventos mudaram". A tendência majoritária pela reprovação das contas, que embasará a análise das contas pelo Congresso, estaria sob ataque pelas pressões governistas e, agora, também de Renan. O senador fez outra contribuição ao governo. Sugeriu em uma reunião com os ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento) na segunda (10) que o governo assine um documento se comprometendo a não mais repetir as maquiagens contábeis, como as chamadas pedaladas fiscais. O documento, um termo de ajustamento de conduta, seria usado para indicar que o governo admite seus erros e promete não repeti-los. Isso poderia garantir, na visão de observadores do tribunal, que as contas de Dilma fossem aprovadas com ressalvas. Contra esse movimento há o fato de que a decisão de junho havia sido dura e unânime. Há a percepção de que a opinião pública perceberia uma mudança muito radical de orientação no tribunal. Renan também poderá atrasar o processo de análise das contas como presidente do Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adversário declarado do Planalto, quer que as contas sejam analisadas rapidamente. Na semana passada, Cunha liderou a aprovação de contas pendentes de outros presidentes. Mas Renan pode pôr o pé no freio quando as contas de Dilma chegarem. Temer tenta esvaziar rebelião de Cunha na Câmara ANDRÉIA SADI GUSTAVO URIBE DE BRASÍLIA Em uma operação casada com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Michel Temer iniciou nesta quarta (12) esforço em busca de um acordo com Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para aprovação de agenda contra a crise econômica, mas o presidente da Câmara resiste. Em almoço com deputados do PMDB, com a presença do presidente da Câmara, o vice defendeu um entendimento com o Executivo. A fala ocorreu após reunião entre Temer e Lula com ministros e senadores do PMDB, no Palácio do Jaburu, em Brasília. No encontro, peemedebistas disseram que é necessário não alijar a Câmara e envolvê-la na aprovação das medidas para que o governo consiga sair da crise. Temer disse que a Agenda Brasil oferecida ao governo pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL) é adequada e que pretende fazer reunião conjunta com Senado e Câmara "para que todos estejam juntos na tarefa". "O Renan jamais quis isolar o Senado em relação à Câmara. A ideia do Renan sempre foi chamar a Câmara e é isso que farei com os deputados federais do PMDB", disse Temer após o encontro. O presidente da Câmara está rompido com o governo desde julho. Ele atribui ao Planalto articulações para envolvê-lo na Lava Jato. Ele é suspeito de receber US$ 5 milhões em propina. Em discurso no almoço com o vice, Cunha disse que há esforço para colocar a ''pecha de golpista'' no PMDB, e não esboçou intenção de ajudar o governo. Ele afirmou que a Casa está disposta a avaliar as medidas elaboradas pelo PMDB no Senado, mas considerou que, até agora, o que se viu foi um "jogo de espuma sem conteúdo concreto". Nos bastidores, aliados de Cunha afirmam que Renan se realinhou ao governo em um acordo para preservá-lo das investigações da Lava Jato. Autoridades com acesso às investigações da Lava Jato afirmaram à Folha que o senador pode ficar fora da primeira leva de denúncias contra políticos que será apresentada pela Procuradoria-Geral da República até o fim do mês. Cunha deve ser denunciado. Painel VERA MAGALHÃES - [email protected] O 'Proer' da Lava Jato Na reunião com o vice-presidente Michel Temer e ministros do PMDB, Lula defendeu que o governo acelere os acordos de leniência com as empresas investigadas na Operação Lava Jato. O esforço para que as empreiteiras não quebrem foi tratado também em conversas entre o ex-presidente e empresários como Emilio Odebrecht. Aos peemedebistas, Lula sustentou que a CGU e a AGU selem os termos de ajuste de conduta das construtoras sem esperar pelo aval do Ministério Público. Juca Kfouri Mais uma CPI do futebol Novamente a CBF está sob investigação do Senado brasileiro. Será mesmo para valer ou só para constar? QUINZE ANOS anos atrás houve duas CPIs do futebol. Uma na Câmara dos Deputados, chamada de CPI da CBF/Nike, sabotada pela bancada da bola e sem votação do relatório final. A outra, no Senado, chegou ao fim, absorveu boa parte do investigado pela Câmara, indiciou Ricardo Teixeira mais de uma dezena de vezes, além de outros cartolas, e acabou por ter o mérito de, ao bater recordes de audiência na TV Senado, mostrar à opinião pública que a corrupção no futebol brasileiro não era fruto da cabeça de alguns poucos jornalistas. Eis que estamos outra vez diante de uma CPI para investigar a cartolagem, agora proposta e presidida pelo senador Romário Faria (PSB-RJ). Embora tenha motivos de sobra para estar por aqui com jornalistas, depois de ter sido vítima de uma barriga colossal da revista "Veja", o senador convidou quatro deles para abrir os trabalhos da CPI, entre os quais este que vos fala. Na CPI de 2000, também foram ouvidos jornalistas, este incluído, até em sessão secreta, pois havia investigações jornalísticas em andamento que ainda careciam de provas. Desta vez, graças ao FBI e ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal, tudo está muito claro. Resta aos jornalistas o papel de contextualizar um quadro por demais conhecido e que tem a ver com a superestrutura de poder do esporte nacional, corrupta e corruptora, avessa às mudanças que todos estão carecas de saber quais devam ser. Entre os membros da atual CPI há quem era deputado da bancada da bola 15 anos atrás, como Ciro Nogueira (PP-PI), e há até o ex-presidente do Cruzeiro Zezé Perrela (PDTMG). Álvaro Dias (PSDB-PR), que presidiu com rigor no Senado a CPI de 2000, abriu mão de sua participação, para estar na CPI do BNDES, desfalque considerável para quem queira uma investigação que vá além do que já se sabe. Romário jamais negou sua amizade com Eurico Miranda, um dos responsáveis por melar a CPI da CBF/Nike, deputado que era na ocasião. Nem sua admiração por Fernando Sarney, um dos vice-presidentes da CBF e com extensa folha de denúncias contra si, embora fora do futebol. Para fazer do filho de José Sarney eventual substituto de Marco Polo Del Nero –caso este tenha de renunciar ao cargo de presidente da CBF devido às investigações do FBI e, agora, da CPI–, tentou-se mudar o estatuto da entidade, sem sucesso. Em bom português: num quadro diferente do que se vivia uma década e meia atrás, esta CPI terá de provar a si mesma, e à torcida, que não será só mais uma a acabar em pizza. No começo do século houve avanços importantes que foram estancados por uma Justiça cheia de truques, chicanas e sob influências que hoje estão enfraquecidas, pois figuras como Teixeira e José Maria Marin estão desmoralizadas. Se a CPI for para valer não se limitará ao pescoço de Nero ou a chutar cachorros mortos. STF pode fortalecer voz do juiz para classificar quem é pego com drogas Supremo deve começar a julgar hoje se é crime portar entorpecentes para consumo próprio Ministros discutem hipótese de juiz, em vez de policial, avaliar cada caso no início e separar usuários de traficantes MÁRCIO FALCÃO DE BRASÍLIA O STF (Supremo Tribunal Federal) deve começar nesta quinta-feira (13) um julgamento histórico para definir se é crime ou não portar drogas para consumo próprio. O caso, que tramita desde 2011, terá efeito direto em outros 96 que aguardam posição do tribunal e consolidará um novo entendimento jurídico sobre esse tema no país. Atualmente, adquirir, guardar ou portar drogas para si é considerado crime. O que estará em discussão é se essa lei é inconstitucional. Ouvidos pela Folha sob a condição de anonimato, três dos 11 ministros do Supremo avaliam que a tendência no tribunal é pela descriminalização do porte de entorpecentes para uso pessoal. A expectativa deles, porém, é que a proposta do relator do caso, ministro Gilmar Mendes, preveja que qualquer pessoa flagrada com drogas seja levada a um juiz para que ele analise, antes de qualquer processo, se ela deve ser enquadrada como usuária ou traficante. Hoje, essa decisão é da polícia. A ideia tem aval do ministro Marco Aurélio Mello, que se declarou contrário à fixação pelo STF de um critério para distinguir usuário de traficante. "Não podemos dizer que quem porta pequena quantidade de drogas é simplesmente usuário. Geralmente, o traficante esconde porção maior de droga e só porta aquela que entregará ao consumidor", disse. Para o ministro Luís Roberto Barroso, a quantidade de droga "por si só" não deve ser critério de distinção, mas seria um parâmetro para a exclusão do tráfico. Barroso afirmou que o julgamento deverá levar em consideração "singularidades" do país e seus efeitos sociais. "Os países de primeiro mundo estão preocupados predominantemente com o consumidor. No Brasil, a questão da droga tem que levar em conta em primeiro lugar o poder que o tráfico exerce sobre comunidades carentes e o mal que isso representa." Uma alternativa para a não fixação de quantidade, diz um ministro, seria recomendar a adoção de critérios para a caracterização de usuários por órgãos técnicos, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Diante da polêmica, é possível que o julgamento se estenda por mais de uma sessão. Eventual efeito retroativo para outros casos poderá ser discutido no plenário pelos ministros. Em parecer enviado ao STF, em 2011, a Procuradoria-Geral da República defendeu manter a criminalização. Atualmente, quem é flagrado com drogas para uso próprio está sujeito a penas que incluem advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. O usuário acaba respondendo em liberdade, mas eventual condenação tira a condição de réu primário. Rogério Gentile Tensão e ansiedade SÃO PAULO - O governo ganhou certo fôlego com o acordo no Senado e a tal Agenda Brasil, saindo ao menos do isolamento e do imobilismo, mas isso não significa que não esteja mais nas cordas. O mandato de Dilma corre muitos riscos. O primeiro poderá ser medido nas manifestações marcadas para o próximo domingo e dependerá do volume das adesões e da amplitude dos protestos pelo país. Se personificarem e espelharem a impopularidade detectada pelo Datafolha em todas as regiões, o caldo poderá entornar de vez. O Congresso, os mercados e os tribunais de contas da vida são altamente sensíveis ao barulho das ruas. A denúncia a ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República e o desdobramento das investigações também são fatores de grande importância para a sobrevivência da presidente. Podem significar a abertura de uma janela de oportunidade para a estabilização política ou, contraditoriamente, ajudar a empurrá-la para fora do Planalto. Caso a denúncia de Rodrigo Janot atinja frontalmente o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como acredita e torce o governo, Dilma terá uma boa chance para rearranjar as coisas no Legislativo, passo fundamental para diminuir a temperatura na economia. Por outro lado, personagens importantes do esquema de corrupção na Petrobras estão neste momento negociando novas delações premiadas. Se, como muita gente suspeita, nomes relevantes do PT ou do próprio governo forem realmente implicados, Dilma ficará extremamente exposta. A situação é tão volátil e difícil para a presidente que está afetando até mesmo os nervos do normalmente discreto e prudente Michel Temer, como ficou claro no episódio em que ele afirmou que o país precisa de "alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos". O vice-presidente não está conseguindo controlar a ansiedade.