Fisiopatologia da hipotensão neonatal fora do período transicional (Pathophysiology of newborn hypotension outside the transitional period) Shahab Noori, Istvan Seri Early Human Development, 2005;81:399-404 Ana Carla H.V. de Andrade, Milena de Andrade Melo Coordenação: Dr. Paulo R. Margotto Escola Superior de Ciências da Saúde/SES/DF Pressão Sangüínea Normal Níveis exatos da PA (pressão arterial) de acordo com a idade gestacional (IG) e pós-natal não estão bem definidos para os neonatos. Aspectos teóricos e clínicos da fisiopatologia cardiovascular no choque neonatal permanecem desconhecidos. Principais determinantes da PA no neonato e no lactente: Peso Idade gestacional e cronológica aumento progressivo da PA Pressão Sangüínea Normal PA = DC (débito cardíaco) x RVS (resistência sistêmica) Em condições fisiológicas, na ausência de ductus arteriosus e passado o período neonatal imediato, o DC é similar no RN a termo e pré-termo. O DC permanece essencialmente inalterado ao longo da infância O aumento da PA com o avanço da IG e da pós-natal resulta primariamente do aumento da RVP. Fatores que elevam o tônus vascular RVS: Maturação do músculo liso vascular Mudanças na expressão de subtipos de receptores vasculares de angiotensina II Maturação do SN periférico e central autonômico Definição e fases do choque neonatal Choque Estado de deficiência de energia celular causada pela incapacidade de suprir a demanda de O2 do tecido O choque se apresenta em fases em que o grau de severidade se caracteriza por alterações patológicas específicas nas funções cardiovascular, renal e neuroendócrina progressivamente Definição e fases do choque neonatal Primeira fase: Fase compensada Compensação da PA e perfusão de órgãos vitais (cérebro, coração e adrenais) por mecanismos neuroendócrinos através de uma redistribuição do fluxo sanguíneo de órgãos não-vitais. Sinais clínicos: Diminuição do débito urinário e alterações na perfusão periférica o Desvantagens: O débito urinário não é somente afetado pelo choque e a percepção de alterações na perfusão periférica é limitada em neonatos. Definição e fases do choque neonatal Segunda fase: Fase descompensada Progressão da fase compensada Os mecanismos neuroendócrinos compensatórios não conseguem mais manter a perfusão de órgãos vitais com o desenvolvimento de hipotensão sistêmica e isquemia tecidual generalizada No neonato o choque é reconhecido principalmente na fase descompensada pela presença de hipotensão, oligúria e acidose lática o Mesmo assim, em decorrência da ausência de definição universal para hipotensão dependente da idade gestacional e pós-natal, o reconhecimento do choque pode ser retardado até que haja evidências de hipoperfusão tecidual Definição e fases do choque neonatal Fase final irreversível: Se o tratamento é postergado ou inefetivo Resultando em dano celular irreparável, falência de múltiplos órgãos e morte. Definição e relevância clínica da hipotensão neonatal Existem várias informações sobre a relação entre PA e perfusão orgânica especialmente no RNBP; apesar disso, existem poucos dados sobre o período neonatal pós-transição (2º-28º DDV) A hipotensão leva a seqüelas neurológicas a curto e longo prazo O tratamento efetivo da hipotensão garante melhores resultados neurológicos e de sobrevivência em pré-termo e a termo Fisiopatologia da hipotensão Hipovolemia Disfunção miocárdica Vasorregulação periférica anormal Insuficiência adrenal relativa ou absoluta Baixa regulação dos receptores adrenérgicos Hipovolemia Principal causa de hipotensão na população pediátrica Em neonatos: fator etiológico primário mais freqüentemente encontrado é a vasorregulação periférica anormal associada ou não à disfunção miocárdica Considerar como causa primária a hipovolemia quando há perda sangüínea aguda e perdas líquidas excessivas (trans-epidérmicas e urinárias) Disfunção miocárdica Diferenças significantes estruturalmente e funcionalmente entre pré-termos e a termos e adultos influenciam nas características da contratilidade miocárdica e na resposta miocárdica nas mudanças da pré-carga e da póscarga. Há alterações da porcentagem dos elementos da contratilidade e volume nuclear relativo, além do tamanho e forma dos miócitos ao longo do período fetal e neonatal. Disfunção miocárdica Quantidade de água e outros componentes variam de acordo com a idade gestacional e continuam mudando ao longo da infância. Miócito adulto os canais de cálcio tipo L não participam da contratilidade ao contrário dos miócitos dos pré-termos e a termos. Disfunção Miocárdica Rowland e Gutgesell RN a termo tem estado de contratilidade basal maior que crianças mais velhas e o miocárdio imaturo é mais sensível a mudanças na pós-carga ( a contratilidade diminui significativamente com pequenos aumentos na pós-carga) Quanto menor a criança, mais sensível a mudanças na pós-carga maior risco de injúria cerebral e hipoperfusão em RN de muito baixo peso nas suas 1as 24 horas de vida. Injúria miocárdica: Hipoxemia significativa principalmente quando associada a acidose metabólica leva a exaustão do mecanismo compensatório disfunção miocárdica Vasorregulação periférica anormal Após o período de transição, a baixa RVP é inapropriadamente mais prevalente que a vasoconstrição A regulação do tônus do músculo liso vascular envolve o equilíbrio entre vasodilatadores e vasoconstritores: NO, eicosanóides, vasopressina, catecolaminas e endotelinas Vasorregulação periférica anormal NO: Aumento da produção no choque séptico levando à diminuição do tônus vascular e à hipotensão Seu excesso causa lesão celular direta com formação de radicais livres e inibindo a função respiratória mitocondrial Vasopressina Atividade vasoconstritora com pouca significância na regulação do tônus vascular no período pós-natal em condições normais Pacientes hemodinamicamente instáveis ou em severa hipotensão papel importante na regulação do tônus vascular inclusive no período pós-natal Vasorregulação periférica anormal Eicosanóides: Derivados da membrana celular através da ação da COX e Lipoxigenase Efeitos vasodilatadores (prostaciclinas e prostaglandina E2) e efeitos vasoconstritores (tromboxano A2) Importante papel na regulação do tônus vascular mas seu papel na patogênese do choque é pouco conhecido Insuficiência adrenal relativa e absoluta RN de MBP Eixo hipotálamo-hipófise-adrenal imaturo Produção suficiente em condições fisiológicas Deficiência na produção de glicocorticóides quando doentes RN pré-termo < ou = 5mcg/dL de cortisol Estudos relacionam cortisol sérico com PA Adaptação pós-natal cardiopulmonar O aumento da PA e da atividade cardiovascular após administração de corticoesteróides são, pelo menos em parte, explicados pela restauração da atividade dos glicocorticóides e mineralocorticóides. Baixa regulação dos receptores adrenérgicos Evidências de que a hipotensão resistente a vasopressores/inotrópicos é causada, pelo menos em parte, pela baixa regulação de receptores adrenérgicos e sistemas de segundo mensageiro sua expressão é induzida por glicocorticóides Diagnóstico e tratamento da hipotensão fora do período de transição Early Human Development 2005; 81: 405-411 Istvan Seri, Shahab Noori Luiz Fernando Meireles Paulo Roberto Vilela Mendes Vinícius Mil Homens Riella Internos/ESCS/SES/DF Coordenação: Paulo R. Margotto Introdução O choque é um estado de falência energética celular, presente por diferentes patogenias: Hipovolemia, cardiogênico, falência vasorreguladora etc; Fases do choque: Compensada, descompensada, irreversível Introdução O profundo conhecimento sobre a patogênese do choque no período neonatal é fundamental para o seu reconhecimento e manejo clínico; As drogas mais usadas neste período são a Dopamina e a Dobutamina; Existem poucos estudos sobre o real impacto desta abordagem na morbidade e mortalidade dos recém-nascidos. Medicações mais usadas 1. • Dopamina: Droga mais usada na hipotensão em neonatos; Exerce efeitos no sistema cardiovascular, renal e endócrino através de receptores alfa e beta adrenérgicos e serotoninérgicos; Efeitos renais: do fluxo sanguíneo renal, da filtração glomerular e da excreção de Na, P e água livre; Efeitos cardiovasculares: Atua na pré-carga, póscarga( RVP)e contratilidade cardíaca; Devido a falta de evidências diretas em neonatos, não se ultrapassa a dose de 20µg/kg min. Medicações mais usadas 2. Dobutamina: Amina vasoativa relativamente seletiva, age em receptores alfa e beta adrenérgicos com ação inotrópica e limitados efeitos cronotrópicos; Associado com variável diminuição da RVP e, em adultos, fluxo sanguíneo coronário e do índice de oxigenação miocárdica; Diferente da dopamina, a contratilidade cardíaca exclusivamente por receptores adrenérgicos. Medicações mais usadas 3. Milrinona: Inibidor da fosfodiesterase-III; Efeito cardiovascular através do do AMPc intracelular e conseqüente influxo de Ca; Vantagem sobre a dobutamina- a função diastólica; Não há evidências do seu uso em cardiopatias congênitas; Medicações mais usadas 4. Epinefrina e Norepinefrina: Não há evidências claras a respeito, embora sejam muito utilizadas em neonatos. Tem sido relatado uma melhora da função cardiovascular em casos reportados. Em estudos preliminares não foram encontrados efeitos adversos. Possivelmente devido a diminuição da sensibilidade às catecolaminas nos neonatos criticamente enfermos. Clínica do choque neonatal 1. 2. 3. 4. 5. Recém nascido de muito baixo peso (RNMBP) no pós-natal imediato. RNMBP Hipotenso com ductus arteriosus patente e hemodinamicamente significativo. Recém nascido a termo (RNT) ou pré-termo (RNPT) hipotenso com depressão perinatal. RNPT e menos frequentemente RNT com insuficiência adrenal relativa e resistente a vasopressor/inotrópico. Neonato com SRIS (Síndrome da resposta inflamatória sistêmica) e/ou enterocolite necrosante. Recém-nascido de muito baixo peso (RNMBP) no pós-natal imediato Comprometimento circulatório devido a imaturidade miocárdica frente ao aumento da resistência vascular pulmonar; Disfunção miocárdica leva a vasoconstrição cerebral, ao invés de vasodilatação decréscimo da perfusão cerebral apesar da manutenção da PA. Portanto, no primeiro dia de vida, a PA é um pobre indicador da perfusão cerebral. RNMBP hipotenso com ducto arterioso patente e hemodinamicamente significativo Solução definitiva é a oclusão do ductus arteriosus; Inibidor da COX é o tratamento de escolha (fecha-se de 3 – 5 dias,na maioria dos casos); A dobutamina não está indicada por ter efeitos imprevisíveis que podem levar a piora da perfusão sistêmica; Não se usa a dopamina pois esta pode aumentar o shunt E-D; Pode ocorrer edema pulmonar hemorrágico com o uso de PEEP de baixa pressão; RNMBP hipotenso com ducto arterioso patente e hemodinamicamente significativo Deve-se diminuir a FiO2, estabelecer uma hipoventilação média e uma PEEP mais alta; Mudanças bruscas do pH, do PaCO2 e PaO2 pode prejudicar o fluxo cerebral e a função miocárdica; Deve-se utilizar o ecocardiograma para avaliação do débito cardíaco, do fluxo sanguíneo sistêmico e o débito do PCA; Se não houver sucesso no tratamento clínico deve-se instituir correção cirúrgica. Recém nascido a termo (RNT) ou pré-termo (RNPT) hipotenso com depressão perinatal Se a função do miocárdio estiver afetada pode haver vasoconstrição pulmonar e periférica e evidência clínica e ecocardigrafica de ICC, acidose láctica, hipoxemia e oligúria/anúria; Neste caso deve-se realizar restrição hídrica, dobutamina,e em casos selecionados, milrinona; Se houver associação com hipertensão pulmonar utiliza-se NO inalatório e estratégia ventilatória apropriada; Menos freqüentemente a asfixia neonatal se apresenta com vasodilatação e pouca alteração da função miocárdica. Neste caso o uso moderado de dopamina é efetivo no RVP e no suporte miocárdico e renal. RNPT / RNT com insuficiência adrenal relativa e resistente a vasopressor/inotrópico A expressão dos receptores adrenérgicos e o sistema intracelular de sinalização é regulada pelos glicocorticoides. Insuficiência adrenal relativa é sugerida como causa de hipotensão devido à dowregulation dos receptores adrenérgicos. Como nesses pacientes há imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal sustenta-se a efetividade do uso de esteróides por breve período. Os esteróides tem ação genômica (inibição da dowregulation) e não-genômica como aumento instantâneo do cálcio intracelular no coração e na musculatura lisa, inibição do metabolismo das catecolaminas e da liberação de fatores vasoativos locais como prostaciclina e oxido nítrico. RNPT / RNT com insuficiência adrenal relativa e resistente a vasopressor/inotrópico Esses efeitos resultam no rápido aumento da resposta às catecolaminas e atenuação da vasodilatação da resposta inflamatória. Esses efeitos resultam no rápido aumento da resposta às catecolaminas e atenuação da vasodilatação da resposta inflamatória. Pode-se usar a Hidrocortisona em baixas doses (1 a 2 mg/ kg dose de 8/8 ou 12/12 h por 2 a 8 doses ). Não existem estudos demonstrando a eficácia da dexametasona, além disso ela não apresenta os efeitos mineralocorticóides desejáveis da hidrocortisona. Todas as terapias com corticóides apresentam efeitos coláterais. Neonato com SRIS como no choque séptico e/ou enterocolite necrosante O início do suporte cardiovascular deve coincidir com a realização dos estudos laboratoriais apropriados e seguido do início da antibioticoterapia de amplo espectro; Alguns neonatos com choque séptico apresentam vasodilatação generalizada,extravasamento capilar e função miocárdica hiperdinâmica, o que leva a da resistência vascular periférica e hipovolemia relativa e absoluta; Deve-se usar solução salina em bolus, plasma fresco congelado (se coagulopatia) e manutenção da concentração de Hb apropriada para a idade; Iniciar dopamina e se a dose ultrapassar 1540µg/kg/min adiciona-se epinefrina; Neonato com SRIS como no choque séptico e/ou enterocolite necrosante Ecocardiografia é de grande valor para avaliação da resposta ao tratamento; Nesses pacientes o uso de inotrópicos puros (dopamina e milrinona) devem ser desencorajados; Alguns neonatos podem apresentar baixo débito cardíaco e alta resistência vascular pulmonar e periférica. Nestes casos devese pensar na associação de dobutamina e nos pacientes com disfunção diastólica,milrinona. Baixas doses de hidrocortisona são iniciadas no tratamento se houver resistência aos vasopressores. O manejo do choque séptico é afetado pela idade gestacional e pós-natal, patógeno e pela resposta cardiovascular e adrenal do paciente; São de grande importância a monitorizarão constante, se possível com ecocardiograma, dos parâmetros hemodinâmicos e dos sinais de perfusão tecidual Guia de condutas O tratamento deve ser direcionado pelas informações clínicas, hemodinâmicas e a patogênese do choque neonatal; O manejo deve ser conduzido principalmente pelo ecocardiograma funcional e menos por sinais indiretos de perfusão tecidual; Na ausência de ecocardiograma funcional a apresentação clínica pode ajudar a direcionar o tratamento; Nos neonatos hipotensos com persistência do canal arterial nos quais o fechamento farmacológico não foi eficaz, o tratamento deve ser direcionado para diminuição do shunt E-D até que se consiga tratamento cirúrgico Guia de condutas Baixas doses de hidrocortisona são efetivas nos pacientes resistentes às drogas vasopressoras/inotrópicas, no entanto não são livres de efeitos colaterais; Neonatos com choque séptico podem apresentar vasodilatação periférica ou vasoconstrição sistêmica ou pulmonar, e tratamento deve ser adequado pra cada situação. Direcionamento de pesquisas Ensaios clínicos prospectivos para fornecer dados sobre a mortalidade e morbidade associado a hipotensão neonatal e o seu tratamento; Estudos clínicos prospectivos para fornecer evidências de que a ecocardiografia funcional melhora o desfecho no choque neonatal; Estudos prospectivos para compreender a fisiopatologia e as respostas hemodinâmicas ao tratamento.