Da corda de sisal ao cabo Ultraseven: uma análise da evolução tecnológica da Cordoaria São
Leopoldo
Autoria: Pietro Cunha Dolci, Rafael Kruter Flores, Greice De Rossi, Danielle Schmidt Dolci
Resumo
A capacidade de evoluir de uma firma está diretamente relacionada ao setor onde esta se
encontra. Em um setor caracterizado como sendo de baixa tecnologia, o esperado e, por vezes
o mais viável, é que as firmas apresentem este mesmo padrão. Este trabalho se propõe a
analisar um caso onde a relação: setor de baixa tecnologia – firma com baixa capacidade
tecnológica, não se aplica. A Cordoaria São Leopoldo (CSL) apresenta uma trajetória
diferenciada. Identificando oportunidades para inovar, a CSL diferencia-se e distancia-se das
demais empresas, incorporando novas tecnologias e alterando o paradigma tecnológico do
setor onde está inserida. A partir de uma revisão teórica que se apóia em dois pilares, a teoria
evolucionária e a teoria dos custos de transação, buscou-se explicar como a Cordoaria São
Leopoldo se adapta, supera e define paradigmas tecnológicos em um setor de baixa
tecnologia. Para tanto, utilizou-se o método de estudo de caso, caracterizado por três
atributos: caso único, ilustrativo e intrínseco. O método de estudo de caso único proporcionou
a identificação, análise e comparação com a teoria relacionada. Foi possível realizar uma
contribuição conceitual pela utilização do caso como ilustração, pela sua análise e
comparação com a teoria. Pelo alto grau de diferenciação que a CSL possui em relação a
outras empresas do setor têxtil, um estudo de caso intrínseco pode ser conduzido, para um
melhor entendimento das particularidades desta empresa. A análise dos dados que foram
coletados, a partir de entrevistas e fontes secundárias, realizou-se através uma descrição de
toda a história da CSL. A história, no entanto, que se inicia em 1929 com a fundação da
empresa apresenta foco em cinco principais momentos. Estes momentos relatam fases de
grande inovação para a CSL, que evolui de uma empresa que fabricava cordas de uso geral,
que não exigiam conhecimento e tecnologia muito específicos, para a produção de cabos para
ancoragem de plataformas de petróleo. O conhecimento que a Cordoaria São Leopoldo
acumulou e, foi capaz de transformar em rotinas, durante toda sua trajetória, chamaram
também a atenção de outras empresas. O que resultou em uma grande parceria com a
Petrobrás, para o desenvolvimento dos cabos de ancoragem de plataformas em águas
profundas, e a posterior venda da divisão da CSL dedicada ao mercado petroleiro, ao Grupo
Lupatech, sendo chamada posteriormente de Lupatech CSL. Assim, a Cordoaria São
Leopoldo é um caso em particular, uma empresa que alterou paradigmas tecnológicos e
persiste na superação dos próprios paradigmas que vem estabelecendo ao longo do tempo.
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Apresentação do caso
A ameaça de esgotamento das reservas de petróleo que tem preocupado cientistas e a
comunidade em geral na transição do século XX para o século XXI vem sendo,
paulatinamente, substituída por anúncios freqüentes de novas descobertas. Desde 2007, a
estatal brasileira de petróleo, Petrobrás, vem confirmando descobertas de jazidas de petróleo
em águas profundas na costa brasileira. Em pouco tempo, o Brasil entrou definitivamente no
rol de países ricos em petróleo, e a Petrobrás se afirmou como uma das principais empresas
mundiais no setori.
Segundo Brasil (2008), a exploração de petróleo em águas profundas teve inicio na
Bacia de Sergipe em 1968. Porém, ainda que se soubesse do potencial petroleiro no País, a
alta tecnologia necessária e os baixos preços do produto no mercado internacional tornavam a
exploração desnecessária. Com a crise do petróleo instalada em 1973, quando os países
produtores do Oriente Médio decidiram reduzir o volume produzido a fim de aumentar o
preço do barril, o panorama mudou: tornava-se cada vez mais necessário reduzir a
dependência do mercado externo.
Assim, em meados da década de 70, a Petrobrás iniciou um caminho de investimentos
na área de pesquisa e desenvolvimento direcionados à exploração e produção de petróleo. Tal
processo resultou em um conhecimento endógeno de exploração de petróleo offshoreii
(NETO; SHIMA, 2008). Na década de 80, o volume de produção em bacias marítimas
ultrapassou a produção onshore. Através dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e
de parcerias com outras empresas do ramo, a Petrobrás tornou-se detentora de tecnologias
especificas que a colocam em um patamar diferenciado na exploração offshore (FURTADO,
1996).
Dentre as parcerias firmadas pela empresa está o fornecimento de cabos de ancoragem
de plataformas, realizado desde 1997 pela Cordoaria São Leopoldo (CSL), empresa instalada
em São Leopoldo, cidade localizada na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do
Sul. A CSL foi fundada em 1929, por imigrantes austríacos e alemães. Na época, atuava
principalmente no mercado de cordas feitas a partir de fibras naturais, como o cânhamo, o
sisal e a juta, e fornecia também cabos de aço e cobre, tendo como um de seus principais
clientes a Companhia Estadual de Energia Elétrica. Desde sua fundação até a década de 60, a
empresa se manteve com esse posicionamento. (ABU-JAMRA, 2007).
No início da década de 60, a empresa ampliou suas instalações e passou a utilizar fibras
sintéticas ao invés de naturais. O foco da empresa era o mercado pesqueiro, que já se
mostrava muito competitivo. Em 1969, a CSL importou uma máquina inaugurando um novo
posicionamento de mercado para a empresa: cabos navais (offshore e de navegação) (ABUJAMRA, 2007). Nas Figuras 1 e 2 podem ser observados exemplos da fibra natural e da
sintética.
Figura 1 – Exemplo de fibra natural
Figura 2 – Exemplo de fibra sintética
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Durante os anos 70, foram compradas e construídas máquinas trançadeiras, torcedeiras
e retorcedeiras. Além disso, naquele período a empresa realizou nova reestruturação de sua
planta fabril. Em 1974 a empresa reavaliou seu posicionamento e voltou ao mercado
pesqueiro, deixando os cabos navais como produtos adjacentes. Segundo o sítio da própria
empresa, “a reforma na estrutura de produção foi essencial para o crescimento da CSL,
porque permitiu o foco de investimento em poucos produtos, viabilizando um crescimento
tecnológico mais significativo” (CORDOARIA SÃO LEOPOLDO, 2010 p, 1.)
Em 1979 a CSL construiu a segunda trançadeira de 12 pernas em todo o mundo. Em
1985 a empresa concluiu a produção de uma máquina para fabricar os cabos de dupla trança,
momento que marcou definitivamente a mudança de foco para o mercado offshore e de
navegação. Também naquela época a empresa reformou e ampliou pela terceira vez seu
pavilhão (CORDOARIA SÃO LEOPOLDO, 2010).
Foi, entretanto, na década de 90 que a CSL viveu sua mais radical transformação,
acompanhando as descobertas de petróleo em águas profundas no Brasil.
Na década de 90, o cenário petroleiro brasileiro foi norteado pela conclusão
de que o petróleo em águas rasas estava escasso na costa do Brasil, levando
então à decisão estratégica da Petrobras de extrair petróleo em águas
profundas, atividade em que foi pioneira. Desde o início desse
empreendimento, de valor imensurável para o desenvolvimento do país, a
CSL esteve envolvida em parceria com a estatal petroleira (ABU-JAMRA,
2007, p. 15).
A Petrobrás necessitava de um fornecedor de cabos para a ancoragem de plataformas
em águas profundas, um produto escasso no cenário internacional, mas com um potencial
parceiro em território nacional. A CSL aceitou o desafio e, em parceria com a Petrobrás,
desenvolveu um novo produto, o CSL Ultraseven, com propriedades únicas no que se refere à
sua aplicação, em relação ao mercado offshore. O primeiro cabo CSL Ultraseven foi
fornecido à Petrobras em agosto de 1996 (ABU-JAMRA, 2007). Desde então, outros clientes
passaram a também adquirir o produto, que se tornou a principal marca da empresa, e
responsável por parte considerável de suas receitas.
Em 2007, a empresa figurava como líder mundial no fornecimento deste produto, com
mais de 500 km de material produzido, chegando a atingir a produção de 400 toneladas por
mês (ABU-JAMRA, 2007). Ainda, segundo Pellegrini e Araujo (2001), a CSL detém recordes
de profundidade de produção e de quantidade de plataformas instaladas além dos 1000 metros
de lâmina d’água, além de ter o maior número de cabos instalados em águas ultra profundas,
com mais de 1000 metros de profundidade (PELLEGRINI e ARAÚJO, 2001).
Não obstante, o desenvolvimento de produtos e processos levou a empresa a
questionar e contribuir na reformulação de normas nacionais e internacionais de fabricação de
cabos de ancoragem, fato que será analisado posteriormente.
O conhecimento desenvolvido pela empresa, seja em parceria com a Petrobrás na
década de 90, seja de forma autônoma desde sua fundação, se somaram aos esforços nacionais
de auto-suficiência na produção de petróleo. Já na década de 2000, os anúncios das jazidas de
pré-sal e as perspectivas de exploração em águas ultra-profundas tiveram como conseqüência
uma reorganização acionária dos ativos da CSL, sendo que a empresa antes familiar foi
dividida em duas: a Lupatech CSL e a Cordoaria São Leopoldo, que mantém a propriedade e
a gestão familiar. Enquanto a primeira tem exclusividade na produção de cabos de ancoragem
de plataformas, a segunda produz todos os demais produtos (cabos navais e cordas de usos
diversos) (ABU-JAMRA, 2007).
A parceria entre a Cordoaria São Leopoldo, da divisão ou setor têxtil da classe
fabricação de artefatos de cordoaria (IBGE, 2010), considerado de baixa-tecnologia pela
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OCDE (2005), com a Petrobrás, reconhecida como uma empresa que desenvolve e utiliza
conhecimentos, possibilitou uma diferenciação da cordoaria em relação ao seu setor.
Assim, a partir das informações encontradas e observadas elaboramos a seguinte
questão: De que forma a Cordoaria São Leopoldo consegue, ao decorrer de sua história, não
apenas se adaptar a mudanças ambientais, mas se destacar nacionalmente e
internacionalmente em um setor de baixa tecnologia? Assim, o trabalho visa alcançar esse
objetivo a partir da análise histórica da empresa com foco em quatro momentos de sua
história. Para tanto, definiremos um referencial teórico apoiado em dois eixos que se
encontram dentro da teoria da firma: a teoria evolucionária e a teoria dos custos de transação.
Referencial teórico
Apesar de compartilharem o mesmo objeto de estudo, a firma, as teorias evolucionária
e dos custos de transação se diferenciam nas perspectivas de análise: enquanto a primeira
busca compreender processos dinâmicos de mudança das firmas, a segunda explica momentos
estáticos de configurações organizacionais. Mesmo assim, para a questão levantada no item
anterior, ambas auxiliarão nas análises que seguem, uma vez que compreender a história da
CSL exige que se tenha um olhar processual; ao mesmo tempo, em alguns momentos a
empresa alterou significativamente sua configuração, o que demanda uma análise estática
momentânea. Portanto, revisaremos ambas as teorias, iniciando pela teoria evolucionária.
A teoria evolucionária
A teoria evolucionária é uma perspectiva que reconhece ser herdeira de Schumpeter,
motivo pelo qual iniciaremos esta revisão abordando, de forma muito breve, o pensamento
evolucionário deste autor. Posteriormente, apresentaremos alguns conceitos de Nelson e
Winter (2005) que permitem compreender as rotinas operacionais como a memória dos
conhecimentos produzidos dentro das firmas. Além disso, abordaremos a noção de
paradigmas tecnológicos de Dosi (1988), que afirma existirem possibilidades e limitações às
firmas, e tais possibilidades e limitações são determinadas pelos setores aos quais pertencem e
os paradigmas vigentes.
Schumpeter entrou no debate econômico de sua época (início e meados do século XX)
para fornecer uma síntese entre as duas abordagens então dominantes a respeito do valor.
Após os fisiocratas, que viam na terra e nos elementos da natureza a fonte dos valores dos
bens, os clássicos (desde Adam Smith, passando por David Ricardo até chegar a Karl Marx)
defenderam que era o processo de trabalho que criava valor. A abordagem neoclássica nasceu
da defesa de que o valor se cristaliza nos preços, que por sua vez são identificados
precisamente nas curvas de oferta e demanda, que se auto-equilibram. A determinação do
valor sai do processo produtivo (nos clássicos) e vai para o mercado (nos neoclássicos).
Schumpeter, sem desconsiderar o equilíbrio neoclássico (que chamou de fluxo circular),
voltou seu olhar para dentro da indústria e viu que é a inovação que pode criar valor e
deslocar o fluxo circular a um patamar superior, por meio da socialização do progresso
técnico. Assim, o autor reteve dos neoclássicos um pressuposto de equilíbrio (ainda que
transitório), mas retomou dos clássicos a idéia de valorização no interior da empresa, no
processo produtivo. Segundo o autor, a valorização acontece em função da concorrência, não
a concorrência dos preços,
mas a concorrência de novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de
suprimento, novo tipo de organização (a unidade de controle na maior escala
possível, por exemplo) – a concorrência que determina uma superioridade
decisiva no custo ou na qualidade e que fere não a margem de lucros e a
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produção de firmas existentes, mas seus alicerces e a própria existência.
(SCHUMPETER, 1942, p. 20)
É por meio desses processos de concorrências de técnicas e mercadorias e
diferenciações de suprimentos e formas de organização que as empresas se diferenciam e
criam valor. Naturalmente, a constante transformação das empresas resulta e é resultado de
uma constante transformação no sistema como um todo, que evolui. Ao olhar para a economia
com uma lente histórica, Schumpeter captou o sistema capitalista em suas transformações, e
não em momentos estáticos.
Nelson e Winter (2005, p. 149), por meio da teoria evolucionária, buscam
compreender como esses processos de evolução do sistema ocorrem dentro das firmas.
Segundo os autores, “isso justifica, em particular, a atenção que damos à natureza e às fontes
de continuidade nos padrões comportamentais de uma organização individual”. Para
compreender, então, os padrões comportamentais das firmas, os autores propõem o conceito
de rotina, que pode referir-se a um padrão repetitivo de atividade, a uma habilidade
individual, ou à eficácia de um desempenho organizacional ou individual.
Uma das formas de se analisar a rotina de uma organização é como memória, ou seja,
a rotinização de atividades é uma forma de estocar o conhecimento específico, pois “há uma
verdade substancial na proposição de que o conhecimento possuído por uma organização é
redutível ao conhecimento de seus membros individuais.” (NELSON; WINTER, 2005, p.
161). Os autores reconhecem a obviedade de que o conhecimento de uma organização é o
conhecimento de seus membros, pois ‘saber é algo que só os seres humanos podem fazer’.
Contudo, fazem uma ressalva.
Ver a memória da organização como redutível às memórias dos membros
individuais é negligenciar, ou subvalorizar, a ligação daquelas memórias
individuais pelas experiências compartilhadas no passado, experiências que
estabeleceram o sistema de comunicação extremamente detalhado e
específico que é subjacente à execução das rotinas. (p. 162)
Compreender que o conhecimento está diretamente relacionado às rotinas e
experiências do passado abre a possibilidade de questionar a noção comum de que há
oposição entre rotina e inovação. “As rotinas confiáveis de abrangência bem compreendida
fornecem os melhores componentes para novas combinações” (p. 199). Ou seja, as rotinas
contêm em si mesmas o conhecimento acumulado da organização ao longo de sua história,
conhecimento que, evidentemente foi produzido por seus membros, em contextos e momentos
distintos. Ainda que os contextos e momentos mudem, de alguma forma o conhecimento
permanece.
Propomos incluir em nosso conceito de rotina todas as padronizações de
atividades organizacionais que a observação dos procedimentos heurísticos
produz, incluindo a padronização das formas particulares de tentativas de
inovar. Á medida que tal padronização persiste ao longo do tempo e têm
implicações na lucratividade e no crescimento, ela faz parte do mecanismo
genético subjacente ao processo evolucionário. (2005, p. 202)
Por mais contraditório que pareça, a teoria evolucionária assume que há uma
padronização de formas particulares de tentativas de inovar. A trajetória de tentativas de
inovar e as rotinas e conhecimentos que se criam no processo compõe o gene da organização,
e o grande desafio desta perspectiva, segundo os autores, é “compreender como a
continuidade do comportamento rotineiro atua para canalizar a mudança na organização” (p.
204).
Como primeira aproximação, portanto, pode-se esperar que as firmas se
comportem no futuro de acordo com as rotinas que empregaram no passado.
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Isso não implica uma identidade literal de comportamento ao longo do
tempo, uma vez que as rotinas podem ser acionadas de formas complexas
pelos sinais do ambiente. Mas implica que é bastante inadequado conceber o
comportamento da firma em termos de uma escolha deliberada a partir de
um amplo cardápio de alternativas que algum observador externo considera
serem oportunidades ‘disponíveis’ para a organização. O cardápio não é
amplo, mas estreito e idiossincrático; ele é construído sobre as rotinas da
firma, e a maior parcela das ‘escolhas’ também é executada automaticamente
por aquelas rotinas. (p. 203)
É evidente, como os autores demonstram, que o comportamento das firmas não é
função exclusivamente de suas rotinas. Se o sistema evolui, o ambiente muda. Se o ambiente
muda, as organizações mudam em função tanto do seu ambiente quanto de suas rotinas. Para
compreender como se dão as dinâmicas de mudança ambiental, especialmente no que se
refere a conhecimento e tecnologia, adotaremos a perspectiva de paradigmas tecnológicos.
Para Dosi (1988), um paradigma tecnológico define contextualmente as necessidades
que se destinam a serem cumpridas, assim como os princípios científicos utilizados para as
tarefas, bem como a tecnologia de material a ser utilizada. Em outras palavras, um paradigma
tecnológico pode ser definido como um padrão para solução de problemas técnicoeconômicos baseado em princípios altamente selecionados e derivados das ciências naturais.
Colocando de outra forma, os paradigmas tecnológicos definem as oportunidades tecnológicas
para inovações, e mais alguns procedimentos básicos sobre como explorá-los.
Ainda segundo Dosi (1988), as atividades inovadoras são altamente seletivas e
advindas de conhecimentos cumulativos, o que evidencia que este autor compartilha dos
pressupostos da teoria evolucionária. O que a empresa pode esperar para fazer
tecnologicamente no futuro é fortemente condicionado por aquilo que ela tem sido capaz de
fazer no passado. Uma vez que a natureza cumulativa de determinada empresa de tecnologia é
reconhecida, o seu desenvolvimento ao longo do tempo deixa de ser aleatório, e fica limitado
às zonas intimamente relacionadas às atividades tecnológicas existentes.
Assim, os gargalos tecnológicos, as oportunidades, as experiências e habilidades
incorporadas em pessoas e organizações, bem como a capacidade de uma atividade
econômica ‘transbordante’ a outra, são ingredientes fundamentais ao processo de inovação. A
aprendizagem inovadora, então, é local e específica, no sentido de que é um paradigma
vinculado e ocorrido ao longo de trajetórias particulares. Essas trajetórias são chamadas pelo
autor de ‘trajetórias tecnológicas’: trocas econômicas e tecnológicas determinadas pelo
paradigma (DOSI, 1988). A trajetória mostra a canalização de esforços em um determinado
sentido, ou seja, é a atividade do progresso tecnológico ao longo do paradigma.
A teoria dos custos de transação
A teoria dos custos de transação teve inicio em um trabalho seminal de Ronald Coase
(1937) e tem em Williamson (1991; 1996) suas principais formulações. Por este motivo,
iniciaremos a revisão com a questão fundamental levantada por Coase. Posteriormente,
trabalharemos os conceitos de Williamson relacionados à ampliação da noção de custo de
transação e às estruturas de governança, conceitos que permitem compreender as relações
entre as firmas e o mercado, bem como as diferentes configurações organizacionais em
função da especificidade dos ativos envolvidos.
Em 1937, Coase levantou a seguinte questão: porque não é toda a produção continuada
por uma grande firma? O autor então propôs algumas respostas que auxiliam no entendimento
dessa indagação. Primeiro, assim que uma firma fica maior, pode haver diminuição de retorno
para a função do empreendedor, isto é, os custos de organizar transações adicionais dentro da
firma podem aumentar. Naturalmente, um ponto deve ser alcançado onde os custos de
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organizar uma transação extra dentro da firma são iguais ou menores aos custos envolvidos
em realizar a transação no mercado aberto ou aos custos de outro empreendedor. Segundo,
pode ser que assim que as transações organizadas aumentam, o empreendedor falha em
colocar os fatores de produção nos usos onde seu valor e maior, isto é, falha em fazer o
melhor uso dos fatores de produção. Novamente o ponto a ser alcançado é aquele onde a
perda através do desperdício de recursos é igual ou menor (1) aos custos de mercado de uma
transação ou (2) à perda de outros empreendedores. No primeiro caso o desperdício se
equivale ao custo de transacionar; no segundo, se equipara às perdas médias das firmas.
Finalmente, o preço do fornecimento de um ou mais dos fatores de produção pode aumentar,
porque as vantagens de uma firma pequena são maiores do que aquelas da firma grande.
Lógico, o ponto real onde a expansão de firma cessa deveria ser determinado por uma
combinação dos fatores referidos acima. A firma, então, aumenta e diminui de acordo com os
fatores referidos acima: custos de transação no mercado, perdas por ineficiência das outras
firmas e os preços de fornecimento.
Uma firma tende à expansão até que os custos de organizar uma transação extra dentro
dela tornam-se iguais aos custos de realizar a mesma transação no mercado, ou ao custo de
organização de outra firma. Assim, as firmas, ao perceberem que os custos de internalizar
mais uma transação são maiores do que transacionar externamente, buscam soluções externas.
A teoria de Coase (1937), desta forma, explica por que as firmas realizam transações externas
e por que não existe uma grande firma.
Segundo Zawislak (2004), a noção de custo de transação seria ampliada, na segunda
metade do século XX, a partir dos trabalhos de Oliver Williamson. Para este, o custo de
transação seria a conseqüência de um emaranhado de eventos institucionais, tais como
posturas competitivas dos concorrentes, perfil dos clientes, ritmo de desenvolvimento
científico e tecnológico, regras e legislação vigentes, cultura etc., aos quais os ativos das
empresas seriam mais ou menos adaptáveis. Quanto menos adaptados, maior seria o custo de
transação. O segredo da administração de uma empresa estava, então, na comparação ex-ante
de seus ativos tangíveis (tecnologias) e intangíveis (conhecimentos) com as mais diversas
informações oriundas do ambiente institucional; a partir disso, era possível tomar uma decisão
gerencial. Essencialmente, duas esferas de decisão passavam a ser possíveis: uma interna, a
partir do desenvolvimento de novas tecnologias para contornar a falta de adaptação dos ativos
da firma ao ambiente institucional em vigor; e outra externa, a partir do estabelecimento de
estruturas de governança (contratos) alternativas à hierarquia deficiente da firma
(ZAWISLAK, 2004, p. 182).
A questão que Williamson se propôs estudar é como essas instituições (mercados,
firmas e contratos) lidam com os problemas vinculados à transação (Williamson, 1985; 1991),
uma vez que, conforme demonstrou Coase (1937), a utilização do mecanismo de mercado
implica custos. Assim, Williamson (1991) propõe que a firma vista como uma estrutura de
governança das transações pode definir se tratará determinado contrato a partir de uma pura
relação de mercado, se preferirá uma forma mista contratual ou se definirá a necessidade de
integração vertical, a partir dos princípios de minimização dos custos de produção (cobertos
pela economia neoclássica), somados aos custos de transação.
Podemos então identificar três estruturas de governança para coordenação entre as
firmas: mercado, hierarquias e estruturas híbridas (WILLIAMSON, 1991). Na forma de
mercado, a estrutura produtiva dos ativos específicos não está presente e não há nenhuma
relação de dependência entre os agentes, sendo que cada firma pode estabelecer transações
com novos parceiros sem perdas econômicas. A transação é encerrada em um ponto no
tempo, não havendo expectativa de acontecer recorrência no futuro.
Na forma hierarquia, a estrutura é mais eficiente quando os ativos são altamente
específicos. Nesse caso o mercado passa a não ser mais uma solução eficiente, sendo
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necessário maior controle por meio de um mecanismo de coordenação mais cooperativo,
proporcionado tanto pela integração vertical quanto pelo desenho de contratos com
salvaguardas específicas. Estas salvaguardas poderão atenuar os comportamentos oportunistas
dados os mecanismos de controle e incentivos. Nessa forma, ocorre incorporação das relações
para dentro dos domínios da firma.
As estruturas híbridas são as formas intermediárias entre os mercados e as hierarquias,
combinando elementos desses dois extremos. Nessa estrutura, a integração vertical pura não é
eficiente, tampouco a estrutura de mercado pode governar as transações. Esta é a forma mais
comum de organização das empresas modernas. Os contratos, nesse caso, incluem formas
mais flexíveis e informais e possuem mais elementos adaptativos coordenados para contornar
distúrbios não antecipados do que os mercados.
A análise proposta por Williamson (1991) tem como variável principal a
especificidade dos ativos (K). A freqüência, a incerteza e as características do ambiente
institucional são parâmetros de deslocamento das funções, representados por q. As funções
que representam as formas organizacionais são: mercado, M(K, q); híbrida, X(K, q), e
hierárquica H(K, q). A especificidade dos ativos é a característica que determina a mudança
da coordenação via mercado para formas mais complexas de estruturas de governança. Na
Figura 1 é apresentada a relação entre custos de cada estrutura de governança e a
especificidade dos ativos; na situação K1, os agentes são indiferentes entre as formas híbridas
e de mercado. Em K2, os agentes são indiferentes entre as formas híbrida e hierárquica. A
curva formada pela junção entre os trechos das curvas de custo de mercado, híbrida e
hierárquica, representa a escolha ótima da forma organizacional para cada especificidade de
ativos.
Figura 1 – Custos de governança como função do ativo específico
Fonte: Williamson (1991, p. 284)
Podemos, a partir da revisão teórica realizada nas páginas acima, sintetizar os
conceitos que serão trabalhados na análise do caso na seqüência, como no Quadro 1.
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Teoria evolucionária
Inovação
Schumpeter (1942)
Processo produtivo que cria valor, por meio da socialização do
progresso técnico e da concorrência de novas mercadorias,
novas técnicas, novas fontes de suprimento e novos tipo de
organização.
Rotinas
Nelson e Winter (2005)
Formas de estocar e acumular conhecimentos específicos, a
partir da ligação com memórias individuais pelas experiências
compartilhadas no passado. As rotinas contêm em si mesmas o
conhecimento acumulado da organização ao longo de sua
história.
Gene
Nelson e Winter (2005)
Atributo da organização estabelecido pelas formas particulares
históricas de tentativas de inovar, bem como suas rotinas e
conhecimentos.
Paradigma
tecnológico
Dosi (1988)
É um padrão para solução de problemas técnico-econômicos
baseado em princípios altamente selecionados e derivados das
ciências naturais. Definem as oportunidades tecnológicas para
inovações, e os procedimentos básicos sobre como explorá-los.
Teoria dos custos de transação
Trajetória tecnológica
Dosi (1988)
É a atividade do progresso tecnológico ao longo do paradigma.
Custos de transação
(Williamson Apud
Zawislak, 2004)
É a conseqüência de um emaranhado de eventos institucionais,
como, por exemplo, posturas competitivas dos concorrentes,
perfil dos clientes, ritmo de desenvolvimento científico e
tecnológico, regras e legislação vigentes e cultura, aos quais os
ativos das empresas seriam mais ou menos adaptáveis. Quanto
menos adaptadas as firmas, maior é o custo de transação.
Estrutura de mercado
Williamson (1996)
A estrutura produtiva dos ativos específicos não está presente e
não há nenhuma relação de dependência entre os agentes, sendo
que cada firma pode estabelecer transações com novos
parceiros sem perdas econômicas.
Estrutura hierárquica
Williamson (1996)
A estrutura é mais eficiente quando os ativos são altamente
específicos. Nesse caso o mercado passa a não ser mais uma
solução eficiente, sendo necessário maior controle por meio de
um mecanismo de coordenação mais cooperativo,
proporcionado tanto pela integração vertical quanto pelo
desenho de contratos com salvaguardas específicas.
Estrutura híbrida
Williamson (1996)
É a forma mais comum de organização das empresas modernas.
Os contratos, nesse caso, incluem formas mais flexíveis e
informais e possuem mais elementos adaptativos coordenados
para contornar distúrbios não antecipados do que os mercados.
Quadro 1 – Síntese dos conceitos.
Fonte: elaborado pelos autores.
A partir dos conceitos revisados e listados no quadro acima, o objetivo deste trabalho
é evidenciar como a Cordoaria São Leopoldo se adapta, supera e define paradigmas
tecnológicos em um setor de baixa tecnologia.
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Método
Esta pesquisa é um estudo de caso caracterizado por três atributos: é um caso único,
ilustrativo e intrínseco. Seguindo a metodologia proposta por Siggelkow (2007), o caso único
proporciona a identificação, análise e comparação com o levantamento teórico realizado, pois
é um exemplo muito poderoso para tais atividades.
Além disso, segundo Siggelkow (2007), o caso ilustrativo permite realizar uma
contribuição conceitual, através da utilização dele como uma ilustração. Um trabalho com um
caso como ilustração deve apresentar o caso após a teoria e com isso realizar análises e
comparações com a mesma. Finalmente, o estudo foi realizado como um estudo de caso
intrínseco, quando se procura melhor entendimento de um caso particular. “O estudo não é
realizado primariamente porque o caso representa outros casos ou porque aborda um
problema particular, ao contrário, porque o caso em si é de interesse, em todas as suas
particularidades.” (STAKE, 2005, p. 445).
O caso abordado é a história da empresa Cordoaria São Leopoldo. Os dados foram
obtidos de fontes primárias e secundárias. Foram realizadas duas visitas técnicas, duas
entrevistas em profundidade – uma com o Diretor financeiro e outra com o Gerente de
pesquisa e desenvolvimento. Além disto, foi disponibilizado aos pesquisadores um
documento interno da empresa (Manual de cursos).
Os dados secundários analisados consistem de artigos científicos publicados por
membros da empresa e relacionados ao tema de estudo, bem como outros trabalhos
acadêmicos desenvolvidos na mesma temática.
A partir desses dados, foi construído um histórico da empresa com foco nos temas
desenvolvimento e inovação tecnológicos. Posteriormente, o histórico foi analisado à luz do
referencial construído no item anterior (teoria evolucionária e teoria dos custos de transação).
Esta análise compõe a sessão seguinte.
Análise dos dados
A Cordoaria São Leopoldo foi fundada em 1929, na cidade de São Leopoldo, RS,
Brasil. Inicialmente, a empresa fabricava somente cordas de fibra natural, como cânhamo e
sisal para a indústria calçadista, atendendo à demanda presente no Vale dos Sinos e também
produzindo cabos metálicos torcidos para companhias elétricas como a Companhia Estadual
de Energia Elétrica (CEEE). Segundo o entrevistado, “quando foi fundada em 29, a CSL
fabricava cordinhas, simples cordinhas de fibra natural, fibra vegetal, cânhamo, linho, sisal,
algodão. Fibras naturais foram muito utilizadas ainda até a década de 60”.
A tecnologia utilizada para a fabricação das cordas era a mesma conhecida há mais de
1000 anos – corda torcida. Só no final da década de 60, com a introdução das fibras sintéticas
(como poliamida, polietileno e polipropileno) no setor, o padrão de produção das cordas
começou a ser alterado. Em 1968, a CSL através da aquisição de uma máquina trançadeira
alemã passou a produzir cabos com uma nova forma construtiva: o cabo trançado de 8
pernasiii. A empresa então passou a fornecer também para a indústria naval.
A introdução de fibras sintéticas no mercado de cabos e cordas representou o
deslocamento do paradigma tecnológico que balizava a produção do setor, como explicado
por Dosi (1988).
Podemos considerar que a produção de cabos 8 pernas – possibilitada pela
socialização do progresso técnico manifestada na compra da máquina alemã – foi a primeira
inovação da CSL, o que permitiu a firma entrar no mercado naval. Para Schumpeter (1942), o
processo de inovação envolve a concorrência de novas mercadorias, novas técnicas e novas
10
fontes de suprimento. Na fala do entrevistado verificamos esse processo inovador da
Cordoaria.
No final da década de 60 a cordoaria resolveu inovar, tendo em vista que começou a
aparecer no mercado fibras sintéticas (poliéster, polipropileno,...). Dali em diante, o
mercado de corda natural ficou muito restrito, ou seja, a fibra sintética chegou para
promover essa revolução, e com ela, veio também a revolução industrial, ou seja, já
que a gente tem uma fibra mais nova, melhor, vamos também desenvolver
tecnologias mais novas para fazer cabos.
A tecnologia utilizada para a fabricação da corda não foi desenvolvida internamente
pela CSL, mas sim adquirida junto à empresa alemã Herzog. A CSL decidiu comprar a nova
máquina e não desenvolvê-la internamente. De acordo com a teoria dos custos de transação,
quando uma firma identifica ser mais barato adquirir uma tecnologia no mercado do que criála, ela decide por comprar. Além disso, no momento em que a Herzog concebeu uma nova
máquina para atender um novo mercado que estava se criando, deslocou o paradigma
tecnológico relativo à produção de cabos. Aquele momento, então, envolveu dois
deslocamentos de paradigmas tecnológicos que se relacionam: a introdução no mercado de
fibras sintéticas e da máquina trançadeira de 8 pernas.
Nos anos 70, mantendo o seu foco no setor naval, a CSL projetou uma máquina para a
fabricação de cabos de 12 pernasiv em 1979, tornando-se pioneira na América Latina no
desenvolvimento desse produto. A concepção deste cabo não foi um projeto original da
Cordoaria, mas novamente um projeto da alemã Herzog. Contudo, naquele momento, a CSL
adotou uma postura diferenciada, optando por aprender como se dava a fabricação da
máquina para construí-la internamente.
Para Dosi (1988) a inovação diz respeito à descoberta, experimentação,
desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, novos processos de produção e nova
organização. Percebemos naquele momento a criação de um ativo específico através
construção de uma máquina com novas tecnologias para o desenvolvimento de um novo
produto. Isso ocorreu através de conhecimentos internos e externos e através de ‘imitação’ de
tecnologia. O papel da CSL foi perceber a sinalização de novas tecnologias pela Herzog.
Quem vive no meio, sabe o que existe de tecnologia. O papel da Herzog é o papel de
vender máquina. Eu diria para ti que muito provavelmente o próprio fabricante da
máquina está sinalizando para o mundo o que ele está fazendo de novo. A Herzog
estava preocupada com a inovação, em oferecer melhor solução e a cordoaria
enxergou isso.
Na década de 1980, a CSL apresentou ao mercado naval um novo produto: o cabo
dupla-trançav. O conhecimento que a empresa detinha por estar no setor naval há mais de
vinte anos permitiu que, dessa vez, a Cordoaria não precisasse recorrer a nenhuma outra fonte
externa de tecnologia, desenvolvendo um produto resultante de uma combinação de matérias
primas que até então não existia.
O cabo dupla-trança é diferenciado por ter uma capa de poliéster envolvendo um cabo
interno que é feito de náilon. Para chegar a estas características foram realizados diversos
trabalhos de pesquisa e desenvolvimento e testadas várias matérias primas diferentes. O
entrevistado refere-se à criação do cabo dupla-trança como um momento de inovação
importante para a cordoaria, pois “esse produto é uma inovação por fazer uma combinação
que não existia, analisando as características de cada matéria disponível no mercado”.
O desenvolvimento deste cabo somente foi possível devido àquilo que Nelson e
Winter (2005) chamam de rotinas, uma vez que resultou de um conhecimento acumulado ao
longo da história e operacionalizado através das atividades de firma.
Entre as décadas de 60 e 80, então, percebe-se momentos de inovação tecnológica
através de transformações no produto, no sistema de produção, e da própria organização, uma
vez que a empresa teve que focar esforços na qualificação de pessoal, mudanças na estrutura,
11
etc. “Esses cabos foram o que teve de melhor em termos de inovação durante a década de 70
e parte de 80. Eles estão ali até hoje sendo líder de segmento no mercado.”
Com o passar dos anos o cenário nacional de exploração de petróleo sofreu uma
grande mudança. Na década de 90, prevendo o esgotamento das bacias de petróleo em águas
rasas, a Petrobrás passou a alocar grande parte dos seus investimentos na pesquisa e
desenvolvimento para extração em águas profundas. Junto a esta nova concepção de
exploração de petróleo estava a necessidade de adaptação e desenvolvimento de
equipamentos, incluindo os cabos navais. Em 1993, um engenheiro da Petrobrás defendeu
uma tese de doutorado afirmando ser possível prospectar petróleo em águas profundas e muito
profundas utilizando cabos de fibra sintética para ancoragem.
A descoberta do Campo de Roncador em 1996 trouxe uma nova perspectiva, porém
uma grande barreira atrapalhava a Petrobrás: a falta de tecnologia nacional. Já que naquela
época as únicas tecnologias existentes para tal eram advindas do exterior, a Petrobrás decidiu
estabelecer parcerias nacionais a fim de produzir materiais para as suas plataformas de
extração de petróleo. O entrevistado relata este momento na seguinte fala: “Este engenheiro
entrou em contato com a CSL e propôs: “vocês querem participar conosco desse
desenvolvimento? A CSL concordou e iniciou o desenvolvimento do Ultraseven”. Esse cabo é
formado por 7 almas (sub-cabos), sendo que cada alma é um cabo de 12 pernas. As 7 almas
são envoltas pro uma capa trançada que as une em um formato circular e as protege
principalmente da abrasão e dos raios ultravioleta.
A CSL responsabilizou-se pelo desenvolvimento de um tipo de cabo diferenciado, que
fosse mais leve e durável, pois com a tecnologia disponível no momento, seria inviável chegar
às águas profundas para a ancoragem das plataformas. Foi naquele contexto que, em 1996, a
CSL deu seu maior passo em termos de tecnologia e faturamento, com a criação de um
produto que viria a ficar conhecido no mundo todo: o cabo CSL Ultraseven (ABU-JAMRA,
2007).
A parceria com a Petrobrás não foi somente firmada porque a CSL era a única
empresa no mercado que possuía o cabo de 12 pernas, mas pelo fato da empresa possuir
rotinas de inovação em sua história e, portanto, capacidade para acompanhar a Petrobrás em
sua trajetória tecnológica, que deslocaria de vez o paradigma do setor de petróleo. Segundo o
entrevistado: “a diferença é que a gente usava ‘alma de cabo’ de 12 pernas, por que era mais
resistente. A gente consegue fazer um cabo mais fino com a mesma resistência. O nosso
diferencial foi fazer um cabo que atendesse a resistência mínima e com menos fios”. A CSL,
caminhando com a Petrobrás no desenvolvimento desse novo produto, beneficiou-se do
significativo desenvolvimento do setor de energia, especialmente petróleo e gás.
Fica evidente, naquele momento, o estoque e o acúmulo de conhecimentos específicos
expressos na capacidade da empresa em produzir cabos que acompanhassem e suprissem as
necessidades de uma empresa de um setor de tecnologia mais avançada, como é a Petrobrás.
Conforme ensina a teoria evolucionária, o comportamento das firmas não é função exclusiva
de suas rotinas. Quando o sistema evolui, o ambiente muda, e na mudança do ambiente as
organizações mudam tanto em função deste ambiente, como em função de suas rotinas. A
Cordoaria teve capacidade para acompanhar essas mudanças, que por sua vez acabaram
refletindo nas suas rotinas.
O acúmulo de conhecimentos da empresa ficou evidenciado e institucionalizado
quando, no inicio do ano 2000, um de seus membros apresentou um projeto alteração da
norma NBR 9790vi da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), proposta que foi
aceito na primeira reunião. Posteriormente, a empresa participou de um comitê para alteração
da norma ISO 2307vii da International Organization for Standardization (ISO). Essas duas
normas estão relacionadas com as características ou propriedades físicas e mecânicas de cabos
de fios sintéticos e naturais.
12
A partir de 2006, a Petrobrás começou a intensificar a exploração de petróleo em
águas profundas, em virtude das freqüentes descobertas de jazidas de petróleo na camada présal, realizadas daquele momento em diante. A demanda pelos produtos acessórios à
construção de plataformas petrolíferas, como cabos, aumentou significativamente. No mesmo
momento, a Cordoaria São Leopoldo vendeu suas instalações para o grupo Lupatechviii, que
ali permaneceu com o nome Lupatech CSL. Junto com a venda das instalações, foi vendida a
tecnologia e a carteira de clientes do cabo Ultraseven. Já a Cordoaria São Leopoldo construiu
uma nova unidade produtiva na mesma cidade, onde continua produzindo cordas e cabos
navais e de usos diversos. A negociação entre as duas empresas (Lupatech CSL e Cordoaria
São Leopoldo) foi realizada mediante um contrato de não concorrência, estabelecendo que a
Lupatech CSL produziria e comercializaria exclusivamente o Ultraseven; enquanto que a
Cordoaria continuaria produzindo os demais produtos de seu portfólio, dentre os quais os
cabos de 8 e 12 pernas, além do dupla-trança.
À luz da teoria dos custos de transação, podemos interpretar a aquisição da Cordoaria
São Leopoldo pelo grupo Lupatech, naquele contexto, da seguinte forma: as perspectivas de
demanda por parte da Petrobrás em virtude das explorações em águas ultra profundas
tornaram o Ultraseven um ativo ainda mais específico. Assim, a tendência era a de um
importante aumento nos custos de governança da empresa, custos estes que a Cordoaria não
teria condições de suportar.
Por parte do grupo Lupatech, podemos inferir que, analisando suas capacidades
internas e seu poder aquisitivo, decidiu adquirir um produto para cuja fabricação não possuía
conhecimento e tecnologia. A compra do produto envolveu a compra de tudo aquilo que nele
se concretizava: pessoal, processos, conhecimento, marca etc. Ou seja, a aquisição da CSL
pelo grupo Lupatech significou também a aquisição das rotinas da primeira, rotinas essas que
foram incorporadas em aspectos tecnológicos e organizativos também, uma vez que a parceria
com a Petrobrás está na história da empresa. Ou seja, ao adquirir seu principal ativo, a
Lupatech incorporou o gene da Cordoaria e seu histórico de inovações. A seguinte fala do
entrevistado ilustra esta argumentação:
uma coisa é tu ter o dinheiro, recursos, outra coisa é tu ter capacitação, expertise,
recursos humanos para fazer isso acontecer. Eu acho que comprar equipamentos é
uma coisa, é uma arte fazer cabo, tem soluções, que não só soluções técnicas,
depende da tua sensibilidade, da capacidade de analisar, não é como fazer uma
válvula, não é commodity [...].
A Lupatech CSL apresenta uma estrutura de governança hierárquica, pois seu ativo é
altamente específico, e a empresa não utiliza o mercado para desenvolver seu produto. Além
disso, utiliza um controle através de contratos com salvaguardas específicas, como a de
exclusividade, bem como controles por meio de mecanismos de coordenação mais
cooperativo, onde existem funcionários desempenhando atividades nas duas empresas, tanto
da Lupatech CSL quanto da Cordoaria São Leopoldo.
A partir do histórico construído, elaboramos um quadro com a síntese dos momentos
de inovação da CSL. Os momentos de inovação foram considerados a partir do conceito de
inovação de Schumpeter (1942) conforme apresentado no Quadro 1.
Data
1968
Momento de
inovação
Aquisição
máquina
trançadeira
pernas.
Análise
da O deslocamento de paradigmas tecnológicos que balizavam a
produção do setor – fibras sintéticas e máquinas – permitiu à CSL se
de 8 atualizar em relação a eles, o que fez pela compra de uma nova
máquina, para cuja fabricação não tinha conhecimentos.
13
Data
1979
Momento de
inovação
Desenvolvimento
da
máquina
trançadeira de 12
pernas.
Análise
Diante de um novo paradigma tecnológico e de posse de
conhecimentos internos rotinizados, e através de socialização do
progresso técnico por meio de ‘imitação’, a CSL se tornou pioneira
no fornecimento do mercado naval.
Desenvolvimento
O desenvolvimento de um novo produto resultou das rotinas de
Anos
do cabo dupla- inovação, ou seja, de um conhecimento acumulado ao longo da
1980
trança.
história e operacionalizado através das atividades de firma.
Novamente, o desenvolvimento de novo produto, desta vez em
Desenvolvimento
parceria com a Petrobrás, resultou de rotinas de inovação. A CSL,
1996
do cabo Ultraseven. empresa de um setor de baixa tecnologia, apresentou capacidade
para acompanhar a Petrobrás, empresa que utiliza alta tecnologia.
Aumento nos custos de governança da empresa. Estrutura de
governança hierárquica (Ultraseven - ativo específico;
Aquisição
da
exclusividade; cooperação). Aquisição da CSL pelo grupo Lupatech
2007 empresa pelo grupo
- aquisição das rotinas da CSL, rotinas essas que foram incorporadas
Lupatech.
em aspectos tecnológicos e organizativos. A Lupatech incorporou o
gene da Cordoaria e seu histórico de inovações.
Quadro 2 – Síntese dos momentos de inovação da CSL.
Fonte: elaborada pelos autores.
Considerações finais
O objetivo do trabalho de evidenciar como a Cordoaria São Leopoldo se adapta,
supera e define paradigmas tecnológicos em um setor de baixa tecnologia foi atingido a partir
das análises dos momentos históricos e utilizando como referência as teorias evolucionária e
dos custos de transação.
Apesar de já existirem vários estudos utilizando a CSL como objeto de análise com
foco técnico ou nos produtos da empresa (PELLEGRINI; ARAUJO, 2001; ABU-JAMRA,
2007; HAACH; WIKLICKY, 2007; HAACH, 2009), identificamos uma lacuna na literatura
para explicar a diferenciação da CSL no seu setor. Assim, teorias da firma, como a
evolucionária e a dos custos de transação foram utilizadas para analisar a história da empresa
e os atributos que capacitaram essa diferenciação.
A partir da utilização de fibras sintéticas ao invés de naturais, percebemos um perfil
inovador na firma ao responder a essa alteração no mercado, possibilitando a definição de um
novo paradigma tecnológico através da mudança da: matéria-prima, produção e produto em
si. Esse fato foi marcante, pois foi o inicio da acumulação de conhecimento que proporcionou
a criação de rotinas e o gene da empresa (NELSON; WINTER, 2005). Os momentos
históricos seguintes, como a criação dos novos produtos (cabo de 8 e 12 pernas, e o
Ultraseven), novas máquinas e novos processos só foram possíveis através dessa acumulação
e aplicação de novos conhecimentos. Isso ficou evidente também no momento em que
funcionários da firma envolvidos no setor de P&D conseguiram alterar normas internacionais
e nacionais como a ISO e a ANBT.
Assim, o setor têxtil usualmente caracterizado como de baixa tecnologia (OCDE,
2005), tem um caso, a CSL, de uma trajetória tecnológica diferenciada. No momento em que
a firma define oportunidades tecnológicas para inovações, e os procedimentos básicos para
explorá-los, a Cordoaria altera o paradigma tecnológico, evidenciando essas características da
utilização de tecnologias mais avançadas que as demais empresas do setor. Sendo assim, o
que determinou a capacidade tecnológica da firma, não foi somente a parceria com a
14
Petrobrás, mas sim sua trajetória tecnológica, evidenciada nos diversos momentos de
inovação apresentados no trabalho.
Além disso, na medida em que as prospecções de petróleo em águas profundas
crescem, utilizando novas tecnologias para a sua exploração, existe a necessidade de altos
investimentos em cabos mais específicos para desempenhar tal atividade. Foi neste momento
que a CSL vendeu seu produto específico, Ultraseven, para ancoragem em águas profundas
desenvolvidos internamente na firma. Junto com esse cabo, a o grupo Lupatech adquiriu o
gene e as rotinas de inovação da CSL acumulados ao longo de sua história.
Atualmente, a Lupathec CSL já está envolvida na superação de outro paradigma: o
desenvolvimento de um novo produto, através da utilização de uma nova matéria-prima, o
Vectram, uma fibra sintética que possui uma estrutura e desempenho melhor que o plástico
tradicional. Assim, a Lupatech CSL já nasceu com o gene de inovação da CSL e, portanto,
continua sua trajetória de definição e superação de paradigmas tecnológicos.
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Estudos Organizacionais: Ação e Análise Organizacional. São Paulo: Atlas, v.3, 2004.
i
A descoberta de petróleo e gás na camada pré-sal é um marco na indústria mundial do setor e no
desenvolvimento do Brasil. Os primeiros sinais de petróleo no pré-sal foram descobertos na Bacia de Santos em
2006. Os resultados desde então são muito promissores e a perspectiva futura é que os campos do pré-sal estejam
produzindo, a partir de 2017, mais de um milhão e 300 mil barris de petróleo por dia. Esse número corresponde a
quase 70% do que a Petrobrás produz por dia, hoje, no Brasil. (PETROBRÁS, 2010)
ii
A expressão offshore significa, na linguagem específica do setor analisado neste artigo, ‘localizado e operado
no mar’, enquanto que onshore é ‘localizado e operado em terra’ (PETROBRÁS, 2010).
iii
A expressão “perna” significa em um cabo torcido a quantidade de cordas utilizadas para fazer a trança. O
cabo naval trançado de 8 pernas é extremamente flexível e de fácil manuseio; tem ótima resistência a abrasão
(ato ou efeito de raspar ou desgastar por atrito); ótima vida útil com excelente resistência à fadiga; mantém sua
resiliência (retorna à forma original dissipando a energia acumulada), mesmo após longos períodos de trabalho.
Porém, em virtude de seu formato quadrado, o cabo 8 pernas sofre maior atrito quando em contato com quinas.
iv
O cabo trançado de 12 pernas é extremamente flexível e de fácil manuseio; maior contato com a superfície
quando comparado com cabos comuns de 3 e 8 pernas; excelente resistência a abrasão; ótima vida útil; mantém
sua resiliência quando seco ou molhado, mesmo após longos períodos de trabalho. Assim como o de 8 pernas, o
cabo de 12 pernas também tem algumas limitações; em virtude de seu formato redondo, sofre menos atrito
quando em contato com quinas, porém apresenta maior complexidade na confecção da emenda de mão; além
disso, o alongamento e resistência à fadiga menor que o cabo de 8 pernas e a carga de ruptura é maior que o cabo
de 8 pernas para um mesmo diâmetro e mesmo material, porém apresenta menor resistência a fadiga.
v
O cabo dupla-trança é formado por um cabo de náilon trançado interno revestido por uma capa de poliéster.
Este produto tem várias vantagens, como: elevada resistência a abrasão; flexibilidade tanto no estado úmido
quanto seco; excelente capacidade de absorção de choque; além de poderem ser fornecidos com comprimento
ilimitado.
vi NBR 9790 - http://www.abntcatalogo.com.br/norma.aspx?ID=2232
vii ISO 2307 - http://www.iso.org/iso/catalogue_detail.htm?csnumber=36586
viii
O grupo Lupatech é líder nacional na produção e comercialização de válvulas industriais, principalmente para
as indústrias de petróleo e gás, química, farmacêutica, de papel e celulose e construção civil. Além disso, fabrica
autopeças utilizando processos de fundição de precisão e injeção de aço (BOVESPA, 2010). Recentemente, o
grupo fechou dois contratos no valor de US$ 779 milhões com a Petrobrás (EXAME, 2010). Estes contratos são
16
de cinco anos, podendo ser prorrogados por outros cinco anos e envolvem o afretamento de duas plataformas
semi-submersíveis para poços em lâmina de água de 1.100 e 2.500 metros, profundidades que podem ser
atendidas pelo Ultraseven. A Lupatech deverá investir cerca de US$ 100 milhões na aquisição de equipamentos
para a execução dos serviços (EXAME, 2010).
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1 Da corda de sisal ao cabo Ultraseven: uma análise da