A instrução como processo
Amândio GRAÇA
Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Portugal
Introdução
O termo instrução aparece frequentemente confinado às
intervenções verbais do professor (treinador) relativas à
transmissão de informação, às explicações, directivas,
chamadas de atenção, acompanhadas ou não de
demonstração. Porém numa definição mais ampla e mais
compreensiva, a instrução é melhor entendida, não como
uma acção discreta, mas antes como um processo interactivo
entre professores (treinadores), alunos (atletas), ao longo do
tempo, em torno de um determinado conteúdo, num contexto
social concreto (C OHEN , R AUDENBUSH & B ALL , 2003;
KANSANEN, 2003).
O processo instrucional tem como incumbência específica o
desenvolvimento da competência num determinado domínio de
conteúdo, que se consubstancia na apropriação de conhecimentos e
habilidades e no desenvolvimento capacidades e disposições ou
atitudes relacionados com o conteúdo de instrução. Nesta medida, a
capacidade instrucional de um programa diz respeito à capacidade
de gerar aprendizagem e de promover o desenvolvimento dos sujeitos
que nele participam. A capacidade instrucional não resulta
unilateralmente da acção do professor, da qualidade intrínseca dos
modelos de instrução, materiais e tarefas seleccionados para a aula
ou da capacidade e acção dos alunos, mas na optimização da
coordenação destes elementos.
Os modelos instrucionais
Deixando para trás as pelejas pelo melhor método de ensino e o
inventário de comportamentos discretos associados à eficácia de
ensino, a literatura pedagógica e a investigação no ensino da educação
física tem dado maior atenção aos modelos instrucionais (DYSON et
al., 2004; ESEP, 2005; LIGHT, 2005; METZLER, 2000; SIEDENTOP, 2002).
No nosso caso (GRAÇA, 2003; GRAÇA & PINTO, 2005), temos
sustentado as potencialidades do modelo de educação desportiva,
do modelo do ensino dos jogos para a compreensão e do modelo de
competência nos jogos de invasão. Os modelos instrucionais
apresentam-se como propostas para a concepção e organização dos
propósitos educativos, da interacção pedagógica, da relação didáctica
professor-aluno-matéria.
METZLER (2000) enumera as vantagens de o professor receber
formação, adquirir conhecimento e desenvolver competências na
aplicação de modelos instrucionais:
Um modelo instrucional
1 constrói-se em torno de uma ideia central para o ensino
2. faculta um plano global coerente para o processo de instrução.
3.clarifica as prioridades e as interacções entre os diferentes
domínios de aprendizagem
4.permite que o professor e os alunos percebam a lógica do que
está a acontecer e do que virá a seguir
5.apoia-se num quadro teórico consistente
6.apoia-se na investigação.
7.fornece uma linguagem técnica aos professores
8.permite tornar verificável a relação entre instrução e
aprendizagem.
9.permite uma avaliação mais válida da aprendizagem.
10.facilita a tomada de decisão do professor dentro de uma
estrutura de trabalho conhecida.
Melhores programas de ensino, mais precisas e detalhadas
orientações curriculares, e mais fundamentados e exequíveis modelos
de instrução podem, porque é essa a sua finalidade, contribuir
decisivamente para a melhoria do ensino, mas não podem trazer
consigo a garantia do seu sucesso, tanto no que diz respeito aos
efeitos pretendidos, quanto à implementação dos conteúdos e
processos estipulados. É demasiada ingenuidade confundir o
currículo preconizado num modelo instrucional com o currículo
implementado. O grau de sobreposição entre os dois pode ser muito
variável, quer na quantidade do material coberto, quer na qualidade
do respectivo tratamento (TOBIN &MCROBBIE, 1990).
Mesa Redonda
Pedagogia do Esporte / Atividade Física
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa
O professor
O primeiro e mais importante filtro que se coloca à viabilidade
de qualquer modelo instrucional é o professor, com as suas
crenças sobre o que os alunos podem e devem aprender, as suas
concepções e preferências relacionadas com a matéria e a
pedagogia, a sua atitude profissional, o seu conhecimento e a
sua capacidade didáctica. Enquanto mediador entre os materiais
curriculares e o aluno, o professor ocupa uma posição de
charneira na construção da capacidade instrucional de um
programa. O acolhimento que dá e o modo como interpreta as
orientações para o ensino prescritas nos programas oficiais ou
Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.169-70, set. 2006. Suplemento n.5. • 169
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dos países de língua portuguesa
sugeridas nos modelos instrucionais vão influenciar o trabalho
na aula, as oportunidades de aprendizagem dos alunos (COHEN
& BALL, 1999).
No processo de instrução, o professor avalia as necessidades,
os interesses e as capacidades dos alunos; concebe, selecciona e
adapta actividades, tarefas e exercícios para concretizar os
objectivos de aprendizagem, optimizando os recursos
disponíveis; apresenta tarefas, dá explicações, comunica
expectativas e exigências sobre o que deve ser feito e como deve
ser feito; apoia o confronto dos alunos com as tarefas de
aprendizagem; estimula, supervisiona, orienta, regula, avalia o
empenhamento na actividade e o rendimento dos alunos.
Os alunos
No processo de instrução, os alunos não são elementos
passivos no direccionamento ou no desenvolvimento das
actividades de aprendizagem; trazem consigo conhecimentos,
capacidades e disposições, expectativas e motivações que
condicionam o que se pode passar e o que efectivamente se
passa na aula; interpretam e respondem às intervenções e
solicitações dos professores, às exigências das tarefas de um modo
concreto que vai condicionar a acção pedagógica e a qualidade
da aula. Os alunos são também co-autores da instrução, que, em
certa medida, é uma construção conjunta de professores e alunos,
na medida em que partilham conhecimentos entre si, não
dependem apenas de uma única fonte de informação, e os alunos
mais experientes modelam comportamentos e habilidades e
fornecem feedback e apoio aos colegas menos experientes.
Os papéis de instrução
Nos diferentes modelos curriculares os professores e os alunos
desempenham de forma predominante ou transitória diferentes
papéis que conferem uma ordem e estrutura ao processo instrucional,
facilitando e inibindo diferentes possibilidades de interacção do
professor com os alunos, dos alunos entre si e de uns e de outros
conteúdos e formas de ensino e aprendizagem.
Em termos muito esquemáticos podemos tipificar o papel de
transmissor, mais marcadamente associado ao modelo de instrução
directa, no qual o professor dirige activamente e passo a passo a
actividade de instrução. Ao papel de transmissor do professor
corresponde o papel de assimilador do aluno, com especial ênfase
na sua actividade de recepção da informação, exercitação e replicação
do modelo correcto predefinido.
O papel de tutor aparece mais associado aos modelos instrucionais
que favorecem a descoberta guiada. Neste caso, o professor deixa de
fornecer o conhecimento como um dado para estimular e apoiar o
processo de aquisição do conhecimento, conforme o conhecido
ditado: “em vez do peixe dá a cana para o pescar”. O processo de
descoberta, até porque é guiado, consubstancia-se
predominantemente na busca de soluções convergentes com a ajuda
do professor.
O papel de coach é preconizado em ambientes de instrução
que valorizam a aprendizagem cooperativa, que se configuram
como comunidades de aprendizes e onde o professor tem um
papel de mentor e de apoio na busca de soluções para problemas
autênticos e de respostas não determinadas à partida. No papel
de coach, o professor não centra em si apenas as tarefas de ensino,
estimula outras fontes de ensino, estimula busca de soluções
produtivas em problemas reais, fomenta o trabalho cooperativo
pequenos grupos e o trabalho de pares e procura criar um clima
de trabalho responsabilizante, procura que os alunos assumam
os objectivos e as tarefas de ensino e aprendizagem.
Referências
COHEN,D.K.; BALL,D.L. Instruction, capacity, and improvement (No. CPRE-RR-43).Philadelphia:Consortium Policy Research Education, 1999.
COHEN, D.K.; RAUDENBUSH, S.W.; BALL, D.L. Resources, instruction, and research. Educational Evaluation and Policy Analysis, v.25, n.2,
p.119-42, 2003.
DYSON, B.; GRIFFIN, L.L.; HASTIE, P. Sport education, tactical games, and cooperative learning: theoretical and pedagogical considerations. Quest,
v.56, p.226-40, 2004.
ESEP. New didactics in teaching invasion games with applications to basketball and team handball. [S.l.]:Macromedia, 2005. 1CD-ROM.
GRAÇA, A. O modelo de competência nos jogos de invasão. In: FERRAZ, O.; DANTAS, L. (Eds.). Anais do VII Seminário de Educação Física
Escolar: Educação física e o ensino fundamental.São Paulo: EEFE-USP, 2003. p.17-24.
GRAÇA, A.; PINTO, D. Modelo de competência nos jogos de invasão aplicado ao ensino do basquetebol. In: SANTOS, R.M.; IBÁÑEZ, S.J.; SAUTU,
L.M. (Eds.). III Congreso Ibérico de Baloncesto Vitoria- Gasteiz, 1,2 y 3 de diciembre de 2005: Propuestas para un baloncesto de calidad. Vitoria:
Avafiep-Fiepzaleak, 2005. 1 CD-ROM, p.45-56.
METZLER, M.W. Instructional models for physical education. Boston: Allyn & Bacon, 2000.
SIEDENTOP, D. Sport education: a retrospective. Journal of Teaching in Physical Education, v.21, n.4, p.409-18, 2002.
TOBIN,K.;MCROBBIE,C.J. Beliefs about the nature of science and the enacted science curriculum.Science & Education, v.6, n.4, p.355-71, 1997.
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