Leilões de Linhas de Transmissão e o Modelo de Parceria Estratégica Pública – Privada. (*) Nivalde J. de Castro (**) Daniel Bueno (***) As mudanças na estrutura do Setor Elétrico Brasileiro (SEB), iniciadas na década de 1990, tiveram como objetivo central a construção de um modelo com a participação e hegemonia de agentes econômicos privados. Este modelo de privatização pretendia colocar sob a responsabilidade de empresas e grupos privados as decisões de planejamento e investimento. A crise de oferta de 2001 mostrou que os pressupostos básicos deste novo modelo eram incapazes de garantir a expansão do Sistema Interligado Nacional (SIN) de forma consistente e equilibrada. Estudos indicaram que a falha central foi a diminuição drástica da participação dos agentes públicos setoriais, restringindo a atuação do Estado a uma função reguladora. No entanto, a utilização de leilões como instrumento de política setorial para ampliar a capacidade instalada mostrou-se extremante eficiente e passou a ser um dos pilares do processo de reestruturação do SEB, definido como modelo de parceria estratégica pública – privada (PEPP), iniciado em 2003. O objetivo deste artigo é analisar as características, especificidades e resultados dos leilões realizados no segmento produtivo das instalações de transmissão e o seu papel no modelo PEPP. O modelo de privatização concebido a partir dos anos 90 como forma de superar a crise econômico-financeira das empresas públicas tinha como um de seus objetivos a criação de um mercado de energia elétrica competitivo, no qual o equilíbrio entre oferta e demanda de toda a cadeia produtiva – geração, transmissão e distribuição – seria obtida através de leilões. Como o pressuposto fundamental do novo modelo era a privatização dos ativos públicos, foram definidas estratégias de curto e médio prazo. No curto prazo foram privatizados os ativos do segmento mais rentável – as empresas de distribuição – garantindo ao governo federal a obtenção de ágios elevados que ajudaram a redução das contas públicas e a obtenção de divisas para minimizar o déficit crônico no Balanço de Pagamentos. A privatização dos ativos de geração e sistemas de transmissão, compostos por linhas e subestações, dependia da liberalização do segmento de distribuição, na qual prevalece uma estrutura de mercado monopolista. Além disto, destacam-se dois fatores limitadores. O primeiro era que a privatização das empresas geradoras envolvia valores monetários significativamente maiores, correndo-se o risco de faltarem interessados, em especial frente às instabilidades conjunturais no mercado financeiro internacional. O segundo fator era a necessidade de desverticalizar as empresas nos seus segmentos de geração e transmissão. O processo de desverticalização envolvia variáveis de amplo espectro - jurídico, econômico-financeiro, interesses políticos regionais, pressão do corpo técnico, etc. – todos indicando que o processo não se resolveria no curto prazo, como se pode observar até hoje. Como resultado destas limitações, o governo optou pela privatização marginal, e não pela privatização total. Desta forma, o governo colocou em leilão unidades de operação, ou seja, usinas e, principalmente, lotes de subestações e linhas de transmissão. A análise, a ser desenvolvida a seguir, será centrada nos leilões de empreendimentos de transmissão, pois foi neste segmento que o 1 instrumento do leilão mostrou-se mais eficiente na ampliação da capacidade instalada em concomitância com a formação de um mercado mais competitivo. O modelo brasileiro de licitação para a contratação das concessões para a prestação do serviço público de transmissão de energia elétrica, incluindo a construção, a operação e a manutenção de novas linhas de transmissão e subestações ou ampliações das existentes, através de leilão de linhas de transmissão (LLT), foi iniciado em 1999. O objetivo era ampliar a Rede Básica do SIN, dentro da premissa de privatização. Pretendia-se assim evitar possíveis gargalos na transmissão de energia das unidades geradoras para os centros de consumo e nas interligações de subsistemas. A mecânica do leilão é a seguinte. A ANEEL com base em estudos formulados pelo ONS - Operador Nacional do Sistema – define o novo empreendimento de transmissão necessário para a ampliação da Rede Básica e o um valor anual - Receita Anual Permitida (RAP) - a ser pago para o vencedor do leilão, durante o prazo de concessão de trinta anos, incidindo sobre este valor um índice anual de correção monetária. Assim, para cada novo trecho é realizado um leilão. As empresas interessadas em participar do leilão qualificam-se previamente na ANEEL, determinando se pretendem participar de forma isolada ou através de consórcio. No caso de consórcio será formada necessariamente uma SPE – Sociedade de Propósito Específico-, uma das formas legais de constituição de uma sociedade comercial. (SPC - Special Purpose Company) – estabelecendo qual a participação de cada agente na sociedade. Como o novo modelo tinha por premissa básica a privatização total do SEB, foram impostos critérios para evitar a predominância de empresas públicas nas novas instalações de transmissão. O acesso às linhas de financiamento ofertadas pelo BNDES, só é dado às empresas privadas atuando isoladamente ou em consórcios com controle superior a 51%. Como a economia brasileira apresenta deficiência estrutural no mercado de capitais para financiamento de longo prazo, o custo do capital é muito alto. Assim, o acesso ao BNDES determina uma vantagem relativa expressiva na definição dos custos do investimento. Desta forma, as empresas privadas nacionais ou estrangeiras participam dos LLT com uma vantagem comparativa frente às empresas públicas, construtoras e detentoras das linhas e subestações construídas no país até 1999. Estas regras valiam também para os leilões de usinas geradoras novas. A única e crucial diferença era que ganhava o leilão de energia nova quem pagasse mais pela concessão, enquanto no LLT vence quem oferta maior desconto (deságio) sobre o valor definido para a RAP. A explicação desta diferença é que o governo utilizou os leilões de geração (e distribuição) para obter recursos para aumentar o superávit primário e ingresso de divisas. O problema é que este objetivo mais macroeconômico do que setorial, derivava uma tendência à aceleração do crescimento futuro das tarifas, provocando impactos macroeconômicos no médio e longo prazo. Entre 1999 e 2005 foram realizados 11 LLT, conforme dados apresentados na Tabela n.º 1. Foram ofertado 101 trechos resultando na construção de 16,5 mil km de LT, num total de R$ 1.783 milhões de Receita Anual Permitida, envolvendo 168 participações de 9 empresas estatais, 28 privadas nacionais e 9 estrangeiras (sendo 6 da Espanha). 2 Tabela n.º 1 Brasil - Empresas Participantes dos Leilões de Empreendimentos de Transmissão por Tipo de Propriedade: 1999-2005. (em número absoluto) Ano do Leilão Empresas Estrangeiras Nacionais Públicas Total 1999 2 14 3 19 2000 8 8 1 17 2001 4 7 3 14 2002 6 14 2 22 2003 6 29 6 41 2004 5 15 5 25 2005 6 19 5 30 Total 37 106 25 168 Fonte: Elaboração do GESEL - IE – UFRJ com base em dados da ANEEL Os resultados indicam que esses leilões conseguiram ampliar a capacidade instalada e atrair novas empresas e grupos nacionais e estrangeiros para o SEB. Os resultados do leilão de 2002, ano que ainda sofria os impactos da crise de oferta, dão uma clara dimensão da consolidação dos leilões como instrumento de ampliação da capacidade instalada. E principalmente como elemento determinante para a reestruturação do SEB, pós 2003, que irá ter como premissa as parcerias estratégicas entre agentes públicos e privados. Com a crescente participação das empresas estrangeiras e o conseqüente aumento na competitividade nos leilões, tornou-se fundamental para as empresas nacionais privadas a formação de consórcios – via SPE - para a disputa de lotes nos LLT. Neste sentido, foi importante o papel das empresas estatais Chesf, Eletronorte, Eletrosul e Furnas. Essas empresas públicas, por possuírem experiência técnica e operacional com ativos de Transmissão, garantem maior credibilidade e menor risco aos consórcios, possibilitando redução dos custos do financiamento, alavancagem de recursos de terceiros e aplicação de recursos próprios. Por exemplo, empresas de engenharia, como a Schahin e Alusa, formaram inúmeros consórcios com as empresas estatais, estabelecendo-se uma divisão de trabalho elas ficaram responsáveis pela construção das linhas e a partir da entrada em operação comercial, as empresas estatais ficam com a operação e manutenção das instalações. Neste sentido, os LLT, têm demonstrado sua eficiência e tem se mostrado instrumento estratégico das PEPP. Na Tabela n.º 2, observa-se que dos 27 consórcios que venceram os LLT, 10 foram formadas por parceria entre empresas nacionais privadas e empresas públicas, envolvendo 14 associações de empresas públicas e 24 de empresas nacionais privadas. 3 Tabela n.º 2 Brasil - Leilão de Empreendimentos de Transmissão: Composição dos Consórcios Vencedores por Tipo de Propriedade - 1999-2005 (em número absoluto) Composição do Consórcio por tipo de Empresa N. º de Empresas N. º de Consórcios Estatais Nacionais Estrangeiras 2 10 2 4 7 2 27 3 14 4 21 2 24 5 15 46 2 8 6 16 - 8 3 - 9 - 50 95 41 Consórcios Estatal + Nacional + Estrangeira Estatal + Nacional Estatal + Estrangeira Só Estatal Nacional + Estrangeira Só Nacional Só Estrangeira Sub-Total Empresas Isoladas Estrangeira Nacional Estatal Total Fonte: Aneel, elaboração do GESEL - IE - UFRJ Obs: O número de empresas é cumulativo para mostrar quantas vezes uma empresa participou de um consórcio Em termos de extensão das LT por propriedade do capital, levando-se em conta a atuação das empresas isoladas e a participação percentual nos consórcios, as empresas estrangeiras e nacionais privadas praticamente empatam, com 6.992 km e 6.598 km de LT, respectivamente. Para as empresas nacionais 6,3 mil km foram arrematados por consórcio, enquanto somente 2,1 mil km por consórcio de empresas estrangeiras. As empresas públicas ficaram com 2.929 km (1,7 mil km por consórcio). No entanto, a participação das empresas públicas tem importância estratégica na medida em que, via os LLT, elas viabilizam uma maior participação das empresas nacionais na reestruturação do SEB. Desta forma, os LLT vêm possibilitando a expansão da Rede Básica de Transmissão, ampliando o grau de segurança e confiabilidade do SIN. Este instrumento permitiu também a consolidação de um padrão de financiamento que canaliza recursos de diferentes fontes, tendo como base as linhas de financiamento ofertadas pelo BNDES. A contratação de longo prazo, via RAP, dá mais segurança e menor risco para os investimentos em Transmissão e também na ampliação da capacidade geradora, já que foram os LLT que, em função dos resultados positivos obtidos, serviram de modelo para todo o SEB. Desta forma, o uso dos leilões, está possibilitando que a reestruturação do SEB avance minimizando os riscos e tendendo à auto-sustentação. 4 (*) Artigo publicado na Revista GTD, nº 15, agosto de 2006.. (**) Professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico < [email protected] > (***) Pesquisador do GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico – Instituto de Economia da UFRJ <[email protected]> 5