ESTADO DE SAÚDE E NÍVEL DE ESTRESSE DOS MOTORISTAS DE
TRANSPORTE COLETIVO: ESTUDO DE CASO DA COMPANHIA CARRIS
PORTO-ALEGRENSE
Maria Ivete Gallas
Universidade Federal de Pelotas
Clara Natalia Steigleder Walter
Universidade Federal de Pelotas
Eduardo Wilk
Universidade Federal de Pelotas
Letícia Dexheimer
Universidade Federal de Pelotas
Maria Cristina Molina Ladeira
Prefeitura Municipal de Porto Alegre
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa realizada em Porto Alegre, que buscou compreender as causas
dos problemas de saúde e os principais fatores que influenciam na qualidade de vida dos profissionais do
transporte coletivo, segundo a visão dos trabalhadores da empresa Cia Carris Porto-Alegrense. Esse estudo partiu
da necessidade de caracterizar os principais fatores que influenciam nas condições de trabalho, estresse e saúde
de motoristas da companhia. A investigação baseou-se em informações da empresa e em entrevistas realizadas
com 123 motoristas, com questões abertas e fechadas sobre situações diárias vivenciadas pelos mesmos. Os
resultados demonstraram que a atividade de dirigir é desgastante, causa fadiga, e está relacionada tanto a fatores
internos quanto externos do trabalho, entre eles, o compartilhamento do espaço público com os demais
integrantes do trânsito.
ABSTRACT
This article presents the results of a survey conducted in Porto Alegre, which sought to understand the causes of
health problems and the main factors that influence the quality of life of those working in public transport,
according to the vision of the company's workers Cia Carris Porto-Alegrense. This study stemmed from the need
to characterize the main factors that influence working conditions, stress and health of the company's drivers.
The research was based on the company's information and on interviews with 123 drivers, with open and closed
questions about everyday situations experienced by them. The results showed that the activity of driving is
exhausting, causes fatigue and is relation the internal and external factors at work, including the sharing of public
space with other traffic participants.
PALAVRAS CHAVE
Transporte coletivo, Estresse, Saúde.
1
INTRODUÇÃO
Estar no trânsito, compartilhar o espaço de circulação e relacionar-se com os outros de
forma a estabelecer um convívio harmonioso é uma tarefa cada vez mais difícil para a maioria
da população brasileira. Isto resulta, em parte, do número cada vez maior de veículos em
circulação. O trânsito tem sido apontado pela imprensa como um dos maiores estressores da
vida moderna. Para aqueles que cotidianamente desenvolvem seu trabalho nesse meio, o
trânsito tem repercutido de forma negativa em suas condições de saúde (Battiston, 2006). No
caso do transporte coletivo, o alto número de assaltos e envolvimento em sinistros, aliado aos
congestionamentos e risco constante de atropelamento de pedestres tem contribuído para um
impacto negativo no dia-a-dia de seus profissionais. São fatores que deixam o motorista
sempre em estado de alerta, vigilante durante toda a sua jornada de trabalho.
Tomando como base estas preocupações, este artigo apresenta o resultado de uma
pesquisa realizada em Porto Alegre, que buscou compreender as causas dos problemas de
saúde e os principais fatores que influenciam na qualidade de vida dos profissionais do
transporte coletivo, segundo a visão dos trabalhadores da empresa Cia Carris Porto-Alegrense.
A empresa conta atualmente com 715 motoristas ativos e registra um número considerável de
afastamentos e aposentadorias precoces, sem contar o alto índice de absenteísmo diário
(CARRIS, 2015). Apesar dessa realidade, verificou-se a ausência de um estudo mais amplo
junto aos profissionais para saber deles o que pensam sobre sua atividade no trânsito e as
dificuldades encontradas no seu trabalho. Estudos, pesquisas, artigos e teses foram
desenvolvidos, com foco nas consequências resultantes da profissão, entretanto, não foram
encontradas pesquisas específicas na cidade de Porto Alegre, e principalmente numa empresa
pública, com características diferenciadas das empresas privadas como é o caso da Cia Carris.
A pesquisa visou, portanto, encontrar subsídios que permitissem propor soluções para
os problemas existentes, incentivando a criação de programas para minimizar os efeitos
causados pelas atividades da profissão, a partir da compreensão da visão do profissional em
relação à interferência dos fatores externos e internos no desenvolvimento ou complicação
dos seus problemas de saúde. Pode, além disso, ser base para pesquisas e projetos futuros, que
visem a desenvolver o tema em questão e contribuir para a empresa Carris na formulação de
programas de auxílio aos profissionais do transporte, uma vez que com a análise dos
resultados obtidos ficaram mais visíveis os problemas diários e sua influência na qualidade de
vida desses profissionais.
2
TRANSPORTE COLETIVO EM PORTO ALEGRE: CONTEXTO ATUAL
Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, Brasil conta com uma
população de 1.472.482 habitantes (IBGE, 2014). O sistema de transporte por ônibus em
Porto Alegre é operado por uma empresa pública, a Companhia Carris e por três Consórcios
Operacionais Privados, distribuídos geograficamente na cidade, constituídos por doze
empresas privadas. Os consórcios privados operam linhas radiais e alimentadoras do sistema.
A Companhia Carris opera as linhas transversais e algumas radiais. A frota total do sistema é
de 1704 ônibus. O sistema transporta diariamente 1.090.370 de passageiros em 25.000
viagens, em um conjunto de 400 linhas. A tarifa possui preço único de R$ 3,25 com direito a
uma integração totalmente gratuita dentro de um intervalo de 30min a partir do desembarque,
(EPTC, 2015). Em Porto Alegre o sistema de transporte público coletivo é composto pelo
sistema ônibus e lotação (seletivo) além do transporte individual o táxi.
O uso do automóvel, que vem crescendo a cada dia, tem provocado sérios problemas
de congestionamentos. Em Porto Alegre, a taxa de motorização é de 1 veículo para cada 1,8
habitantes (DETRAN, 2015). O sistema de transporte público não recebe nenhum subsídio,
embora possua um alto índice de isenção, inflacionando o valor da tarifa, pois o sistema é
mantido pelo percentual de passageiros pagantes. Além de fatores como o valor da tarifa a
população acaba optando pelo uso do automóvel e as motocicletas, que além do conforto,
proporcionam maior acessibilidade. E assim é alimentado o ciclo perverso do transporte, no
qual acaba priorizada a perspectiva do transporte individual (Vasconcellos, 1996).
Nos últimos anos a Cia Carris têm sido responsável por 21,07% do deslocamento
diário da população da capital, com seus 377 ônibus, e 4.398 viagens por dia (CARRIS,
2015). Suas características são diferentes das outras empresas da capital. Sendo uma empresa
de economia mista, é administrada pelo seu sócio majoritário, a Prefeitura Municipal de Porto
Alegre. A administração exige que todos seus funcionários sejam contratados por concurso
público. Ser motorista da Cia Carris é um desejo de muitos profissionais. Entretanto,
atualmente a empresa vem enfrentando sérios problemas de absenteísmo, alto número de
profissionais afastados por problemas de saúde, ou aposentados por invalidez, quando não
readaptados em outra função.
3
ESTRESSE E SAÚDE DO MOTORISTA
Um dos fatores que contribui negativamente para a qualidade de vida urbana são os
congestionamentos. Eles se tornaram realidade não só nas capitais e grandes cidades.
Atualmente as pequenas cidades já enfrentam essa situação, o que está influenciando na
mudança de comportamento da população, aumentando o estresse nas pessoas residentes
especialmente em áreas urbanas. Se os moradores estão estressados, é possível pensar o
quanto tudo isso interfere na saúde e vida do motorista de ônibus, que realiza uma jornada
diária de sete horas e dez minutos, com escalonamento de até 4 horas de intervalo, ou seja,
seis dias da semana no meio desse caos. As consequências desse convívio diário não podem
ser as melhores, interferindo na qualidade de vida deste profissional.
Uma das principais questões que contribui para o estresse dos motoristas profissionais
é o cumprimento da tabela horária. Ao iniciar sua jornada de trabalho o motorista tem uma
escala de viagens com horários pré-estabelecidos, que deverá cumprir independentemente das
condições do trânsito, do tempo ou qualquer outro obstáculo que possa interferir no
cumprimento dessa escala. O crescimento da frota particular, o aumento acelerado do uso das
motocicletas, as bicicletas, as motonetas, as bicicletas elétricas, os skates, tudo acaba
influenciando diretamente no cumprimento ou não dessa tabela. Entretanto a cobrança é por
horários pontuais, uma vez que o passageiro tem pressa e quer chegar logo, mas não entende e
não reconhece os obstáculos presentes nas viagens, gerando muitas reclamações e
desentendimentos, agressões que a cada dia se tornam mais frequentes.
Estas questões podem ser consideradas pressões às quais os motoristas estão sujeitos.
Hoffmann (2000), em seu estudo de psicologia do trânsito, afirma que estas pressões têm
origens externas e internas. Em relação aos fatores internos, Almeida (2002) destaca que: os
mesmo alteram o comportamento do motorista de coletivo, sendo muitas vezes a origem dos
acidentes ou contribuem para a sua consumação, ou ainda para torná-los inevitáveis, ou
aumentando a gravidade (Almeida, 2002, p. 10). Segundo Dejours (2001), responsável pela
evolução da psicopatologia do trabalho, a organização do trabalho muitas vezes impacta
negativamente o trabalhador uma vez que ocorre um choque no aparelho psíquico do
trabalhador, decorrente das contradições entre as expectativas construídas por sua história de
vida pessoal (projetos, esperanças e desejos) e a realidade cotidiana. O trabalhador
desenvolve, assim, no seu labor alguns mecanismos de adaptação e estratégias individuais que
acabam afetando ainda mais a saúde física e mental do trabalhado, como a organização do
trabalho que anula os comportamentos livres e criativos empobrece a atividade mental e
expõe o corpo a conversões somáticas e a sofrimento psíquico (Dejours, 1992, p. 25). Neste
sentido é importante considerar que algumas doenças tornaram-se comuns nos motoristas de
ônibus urbanos pela característica da profissão, como: estresse, ansiedade, problemas
gastrointestinais, pressão alta, angústia, problemas osteomusculares, depressão, obesidade,
pânico, agressividade, problemas respiratórios, problemas auditivos, tendinites nos membros
superiores, problemas circulatórios, entre outros (Almeida, 2002).
As origens externas das pressões que os profissionais desta área sofrem seriam aquelas
relacionadas ao ambiente trânsito, às exigências em cumprir as normas e regras, o nível do
tráfego, os congestionamentos, bem como as demais situações adversas como, por exemplo, o
próprio clima e a conservação das vias. Os outros participantes que compõem o trânsito
também podem ser considerados um fator externo de estresse que, junto com todos os outros
obstáculos que os motoristas de ônibus enfrentam para cumprir sua jornada, aumentam
problemas como ter que dividir o espaço público com pedestres, ciclistas, motociclistas,
automóveis particulares, táxis, lotação e outros ônibus. O pedestre que não respeita os locais
adequados para a travessia, os ciclistas que cresceram muito em número em Porto Alegre, por
causa do sistema BIKE PoA, que incentiva o uso da bicicleta como meio de locomoção,
disponibilizando bicicletas de aluguel e facilitando o uso que ocorre em ciclo faixas ou ciclo
vias em algumas ruas e avenidas, mas na sua grande maioria, compartilhada com o trânsito
normal. Os automóveis particulares, a cada dia em maior número, provocam
congestionamentos que diminuem a mobilidade da cidade. A motocicleta se tornou o meio
mais ágil de locomoção e de entrega de pequenos materiais, tendo um crescimento acelerado.
As lotações tentam competir por passageiros entre elas mesmas, e com a liberação de parar
onde são solicitadas, acabam influenciando na mobilidade da via e se tornando um obstáculo.
Os táxis, igualmente nessa disputa por passageiros e espaço no trânsito, desrespeitam muitas
vezes as sinalizações para ganhar agilidade e tempo. Enfim, o trânsito se tornou uma
competição por espaço físico por todos os usuários.
Do ponto de vista sócio cultural, DaMatta (2010) analisa que o comportamento do
brasileiro no trânsito reflete sua relação histórica e cultural com o espaço público e, claro,
com os outros públicos. Ou seja, a dificuldade de reconhecer a existência do direito do outro
num espaço que é público, de todos em igual condição. Comportamo-nos no trânsito, segundo
o autor, como se estivéssemos em nossa casa, no espaço privado, reproduzindo a hierarquia
que caracteriza a sociedade brasileira até os dias atuais. Esse dilema entre espaço público e
privado vivido pelo brasileiro, para DaMatta, está no cerne dos conflitos de trânsito e provoca
as mais diversas reações quando estamos no espaço público de circulação.
4
METODOLOGIA
Foi realizada uma pesquisa quali-quantitativa com aproximadamente 20% dos
motoristas ativos da empresa que considerou alguns dos parâmetros que, segundo a literatura,
mais influenciam no desenvolvimento do estresse durante a jornada de trabalho, como faixa
horária de trabalho, tipos de linhas, tempo de profissão, idade, renda da família e modelos de
ônibus. Além desses parâmetros foram analisadas questões referentes ao ambiente trânsito e
os demais usuários da via. Esses dados foram comparados posteriormente, e analisado o
quanto podem ser prejudiciais para a saúde do profissional.
A coleta dos dados foi realizada a partir da aplicação de questionário aos motoristas da
empresa entre 16 de março de 2015 a 15 de abril de 2015, sendo aplicado no início da sua
jornada, ou nos intervalos. Com os motoristas de linha foi realizada a coleta entre 5 horas e 7
horas e nos intervalos entre 9 horas e 13 horas, os do horário coruja entre 14 horas e 17 horas
e no intervalo entre 20 horas e 22h 30 min. A pesquisa foi realizada na garagem da empresa e
nos terminais Barra Shopping, Peri Machado, Praça Alberto Ramos e Triângulo. A questão
mais importante foi que ficasse clara para o entrevistado a pergunta, no sentido do objetivo do
pesquisador. Considerando que as perguntas anteriores exercem efeito sobre as que seguem,
foi fundamental o cuidado na formulação e sequência das questões.
O instrumento foi elaborado com a primeira parte sendo a identificação do perfil do
entrevistado e contendo perguntas fechadas de múltipla escolha e algumas perguntas abertas.
Foram perguntadas questões sobre, sexo, etnia, escolaridade, turno de trabalho, estado civil,
tempo de profissão, tempo de empresa, renda familiar, número de filhos e dependentes, se
paga pensão alimentícia. O que costuma fazer nas férias se costuma viajar, visitar familiares,
arrumar pendências na sua casa, ficar em casa, ou trabalhar em “bicos” e, ainda, se
desenvolve atividades para se livrar do estresse diário. Interessou saber também os motivos
pelos quais escolheu a profissão. Sobre os problemas de saúdes, buscou-se saber se toma
alguma medicação e qual. Também foi questionado em relação à frequência que realiza
consultas médicas, se está satisfeito com a sua saúde e considera sua alimentação saudável.
A segunda parte do questionário foi em relação a estresse na profissão. Foi
questionado o quanto os itens a seguir estressam durante a jornada de trabalho: trânsito;
passageiros; ônibus lotado; pressão, cobrança por pontualidade e cumprimento de tabela
horária; risco de assaltos. Buscou-se saber também suas percepções quanto a trabalhar em
corredor de ônibus e em trabalhar em via compartilhada. Foi Por fim, foi perguntado se sente
irritação em sua jornada de trabalho, tendo como alternativas de resposta: no início; durante;
no final; o período todo ou nunca. Esta segunda parte contou com questões relacionadas aos
fatores internos de estresse, como condições de trabalho e ergonomia dos veículos de
trabalho, que como não serão analisadas neste artigo, não serão detalhadas.
5
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Os dados estão apresentados conforme foram dispostos no questionário utilizado para
a coleta, iniciando com a identificação do perfil do entrevistado, passando para os fatores
estressantes na execução do trabalho, a importância da empresa em disponibilizar atividades
físicas, sociais e treinamentos, até a visão do motorista na divisão do espaço público, com os
outros participantes que formam o trânsito, encerrando com questões abertas. Também são
apresentados os dados referentes a atestados médicos dos últimos 4 meses e os afastamentos
para tratamento de saúde dos últimos 5 anos da empresa.
5.1 Perfil do Entrevistado
Foram entrevistados 123 motoristas, o que corresponde a 17,20% dos motoristas
ativos da empresa. A idade dos entrevistados varia entre 28 e 70 anos, e atuam na profissão de
2 a 45 anos, variando o tempo de empresa entre 9 meses e 35 anos. Estes 123 motoristas
foram distribuídos percentualmente nas linhas transversais, radiais, circulares e os motoristas
reservas. Em termos de etnia, cerca de 69% considera-se de etnia branca, 20% negra e 10%
parda. Em relação à escolaridade a maioria dos entrevistados possui nível médio conforme
pode ser observado na Figura 1.
.
Figura 1: Escolaridade dos Motoristas
Dentre os motivos pelos quais o profissional optou pela profissão, destaca-se que 62%
escolheram por identificação, sendo que apenas 15% por questões financeiras e 13% por
questões familiares. Em relação à renda familiar, em torno de 39%dos entrevistados declarou
que possui renda familiar entre 2 e 3 mil reais, 29% renda entre 3 e 4 mil reais e 32% acima
de 4 mil reais.
Sobre a qualidade do local de descanso dos entrevistados, a questão seguinte abordou
qual o destino de descanso nas férias. Um pouco mais da metade, 55%destacou que viaja pelo
menos durante 7 dias das férias, mas ficar em casa é a opção de 18% dos profissionais,
enquanto que 14% costumam visitar familiares,8% aproveitam as férias para arrumar
pendências, 3% trabalha em outros “bicos” e 2% optou por outros.
Questionados sobre a realização de alguma atividade para aliviar o estresse diário,
43% responderam que não fazem nenhuma atividade para amenizar este fator, mas 57%
realizam atividades diversas, como futebol, caminhadas, academia, andar a cavalo, andar de
bicicleta, música, capoeira, karatê, muaytai, dança de salão, participação em obras
voluntárias, jogar sinuca, natação, alguns têm o hábito da leitura, pintam, trabalham em horta
etc. Alguns ainda afirmaram fazer uma segunda jornada de trabalho. 14% trabalham em
atividade profissional fora da empresa com média de 3 horas de jornada. Na composição
familiar 86% possuem filhos, 68% possuem até dois filhos e 32% mais de dois filhos, desses
16% pagam pensão alimentícia.
Sobre o uso de medicação, 61% não utilizam periodicamente nenhum tipo de
medicação sendo utilizado por 39%, conforme mostra Figura 2. Dos que utilizam medicação
40% tomam remédio para hipertensão, 25% para depressão e 35% outros motivos nos quais se
destacam a diabetes e triglicerídeos.
Figura 2: Medicamentos periódicos
No quesito consultas médicas anuais, 51% realizam consulta anual, não por vontade
própria, mas por causa do exame periódico que a empresa realiza anualmente, observação que
ficou bem evidente durante a resposta do questionário. 25% realizam consultas semestrais,
14% mensais e 7% quando necessário, sendo, semanalmente, 3% dos entrevistados.
Figura 3: Frequência de Consultas Médicas
Foi solicitado que avaliassem seu estado de saúde e 65% se consideram satisfeitos no
estado em que se encontram, enquanto 35% não estão satisfeitos com sua saúde. A respeito da
alimentação 55% consideram sua alimentação ideal enquanto que 45% não a consideram
ideal. Foram relacionados alguns fatores que auxiliam ou dificultam a manutenção de uma
boa saúde, como, por exemplo, o horário das refeições, o almoço às 08h 30min da manhã,
falta de opção de refeições mais saudáveis, maus hábitos, principalmente ingestão de carnes
gordas. No quesito duração do horário de intervalo, 77 % acham o horário de intervalo bom,
17% consideram longo e 7% muito curto.
A última questão relacionada à identificação do perfil do entrevistado foi se o mesmo
trocaria de profissão caso tivesse oportunidade, conforme Figura 4.
Figura 4: Troca de Profissão
Considera-se esta resposta preocupante, pois 59% responderam que sim, que trocariam de
profissão caso fosse possível. Entende-se que este percentual na resposta pode estar
relacionado aos outros fatores, tanto internos, como externos, que estão afetando esses
profissionais no desenvolvimento de seu trabalho.
5.2 Fatores de Estresse
Quanto à irritabilidade durante a jornada de trabalho, 6% dos entrevistados afirma que em
algum momento durante a jornada se irritam ou se estressam com algo, 29% nunca sentem
irritação durante a jornada e 6% se sentem estressados durante todo o período da jornada, 6%
afirmaram o mesmo mais no final da jornada, e 1% no início. Para compreender melhor como
diferentes fatores estressam durante a jornada de trabalho, foi aplicada uma pergunta com
resposta de escala de frequência de -5 a 5, tendo o 0 como ponto neutro. Foi perguntado o que
mais estressa na profissão, enumerando-se de acordo com sua percepção na escala de -5 a 5.
Como pode ser observado na Figura 5.
Figura 5: Elementos que mais estressam na profissão
Conforme os entrevistados, o trânsito e a falta de ergometria nos veículos são os
fatores de maior índice de estresse, 22%, enquanto que a troca do carro efetivo atinge 18%. O
risco de assaltos, trabalhar em outra linha, trabalhar ao final de semana e conflitos com os
passageiros ficaram entre 7%, e 12%, trânsito compartilhado aparece como algo neutro e
trabalhar em corredor exclusivo como um ponto positivo para os motoristas.
Foi perguntado ao motorista se é feliz na profissão, se ele se sente realizado. Como opção de
resposta, o entrevistado tinha que escolher uma nota de 1 a 10 para sua realização. A média da
nota dada foi de 7,9, ocorrendo uma diferença mínima entre os motoristas das linhas
transversais de turno linha (manhã) 8,0 e do turno da coruja (noite) de 7,7 de média de
realização.
5.3 Afastamentos
O Departamento de Unidade Pessoal e Departamento Médico da Cia Carris para
melhor entender os motivos do alto índice de atestados iniciou, em Janeiro de 2014, um
processo de entrevistas junto ao funcionário, que ao apresentar o atestado ao médico do
trabalho, preenche um questionário sobre os motivos do afastamento. Com esta informação
mais detalhada, fica mais fácil identificar os problemas mais frequentes. Esse novo processo
foi aperfeiçoado em outubro do mesmo ano, no qual os dados coletados são separados por
área e função. No caso do motorista, os dados dos meses de outubro de 2014 a março
2015somaram 954 atestados, conforme é apresentado na Figura 6.
Figura 6: Motivo dos atestados dos motoristas de outubro14 a março-15
Fonte: Departamento Médico Cia Carris, 2015
O interessante é observar que cinco consequências diretas dos assuntos abordados na
pesquisa realizada neste estudo aparecem significativamente nos dados levantados pela
empresa. Os maiores sendo os problemas osteomusculares com aproximadamente 29% dos
atestados e problemas psiquiátricos com aproximadamente 11%.
Outro dado que preocupa é o aumento de motoristas que se afastam da profissão para
tratamento de saúde, conforme mostra a Figura 7. No ano de 2015 foram utilizados como
parâmetros os 4 primeiros meses do ano, e utilizado como média anual.
Figura 7: Afastamento de motoristas para tratamento de saúde
Fonte: Departamento Psicossocial da Cia Carris, 2015
Os motoristas correspondem a 36% dos funcionários da empresa, com percentual
médio de 40% do total de afastamentos para tratamento de saúde da empresa nos últimos 6
anos, com um aumento preocupante. Dos 47 motoristas afastados em 2013, 21 ainda não
retornaram ao trabalho, dos 123 do ano de 2014, 57 ainda não retornaram, em2015, dos 29
afastados, 22 ainda não retornaram às suas atividades.
6
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O estudo mostrou que o trabalho é fundamental no desencadeamento e evolução de
doenças. Entretanto, para identificar e analisar os problemas de saúde e condições de trabalho
dos motoristas de ônibus da Cia Carris foi necessário conhecer algumas situações de trabalho,
compreender as condições e organizações do mesmo, onde as cargas de trabalho provocam
danos à saúde do motorista.
Foi identificado ao longo que a psicopatologia do trabalho e a ergonomia são áreas do
conhecimento que auxiliam numa análise mais profunda deste tipo de situação. Especialmente
a psicopatologia do trabalho, contribui por discutir questões relacionadas à relação prazer,
sofrimento e trabalho, envolvendo os processos psicossociais que interferem nos indivíduos e
nas organizações, e torna-se fundamental para a compreensão dos mecanismos utilizados
pelos trabalhadores para resistir aos ataques ao seu funcionamento psíquico provocado pelo
seu trabalho e o que fazem para não se estressar. Os resultados da pesquisa mostram os
aspectos relativos às diferentes maneiras de reagir às dificuldades das situações de trabalho,
pois cada trabalhador tem sua individualidade, o seu histórico de vida pessoal, cada um reage
de maneira particular a cada situação, dependendo da sua personalidade e de sua condição
psicológica.
Os problemas psíquicos estão claramente presentes no cotidiano da profissão dos
motoristas de ônibus. Atualmente na empresa representam 11% dos atestados de saúde. A
origem desse sofrimento pode estar nas pressões exercidas constantemente sobre o
funcionário, tanto as internas como as externas. O trânsito e a falta de ergometria nos carros
são os fatores de maior índice de estresse, representando 22% das respostas, enquanto que a
troca do carro efetivo atinge 18%, o risco de assaltos, trabalhar em outra linha, trabalhar ao
final de semana e estresse com os passageiros ficou entre 7% e 12%. O trabalhador exposto a
estas pressões transparece esse sentimento de várias maneiras, entre elas por meio de atitudes
agressivas e falta de relacionamento e interação com os colegas. Essa situação ficou bem clara
nas respostas das questões abertas, onde a falta de coleguismo foi mencionada por
aproximadamente 40% dos profissionais nas questões abertas, considerando um dos fatores
negativos da profissão.
O risco de assalto não incomoda muito este profissional, mas o estresse gera ansiedade
e problemas neurológicos. Outro fator é a fadiga representada pelo cansaço permanente.
Foram identificados vários problemas crônicos de saúde, entre eles a hipertensão, que pode
ser desencadeada pela alimentação na rua com pouca qualidade e gordurosa e pelo estresse
das viagens. A hipertensão representa cerca de 6% dos atestados por afastamento ao serviço e
também representa 40% dos motoristas que tomam medicação periódica.
Além das questões físicas e psíquicas, deve-se considerar a questão do convívio no
espaço de circulação. O trânsito é um espaço público constituído pelos próprios participantes,
sendo regulamentado por normas e leis que definem as condutas e regras a serem cumpridas.
O trânsito no Brasil é considerado caótico, com uma alta carga de agressividade e violação
das leis, o que causa um grande número de acidentes e mortes. No contexto brasileiro fica
bem clara a posição do motorista de ônibus, que percebe os outros participantes do trânsito
como um problema, um obstáculo a ser vencido, como se fosse um intruso andando na “sua”
rua, atrapalhando o cumprimento da sua jornada dentro do horário programado. Essa questão
ficou evidente na pesquisa onde o ciclista representa 29% do problema, o motociclista 27%, o
pedestre 22%, os carros particulares 19% e os outros ônibus 2%, quer dizer, todos estão no
lugar errado, andando na “minha” rua. Segundo DaMatta (2010, p.35) tal atitude revela a
tendência inconsciente ou implícita ao uso pessoal da rua e a uma concepção arraigada da
mesma como sendo propriedade ora dos veículos, ora dos pedestres que tentam dela
apropriar-se como podem. Nesse caso, o ônibus se apropriando.
Por último, é importante ressaltar que a carga de trabalho à qual um profissional está
submetido atualmente demonstra também tudo que pesa sobre o trabalhador na execução das
tarefas que lhe são atribuídas. Portanto, suportar as pressões psíquicas exercidas pelos fatores
internos e externos torna-se um desafio cotidiano na busca constante de processos de
adaptação às pressões.
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou compreender as causas dos problemas de saúde desenvolvidos
pelos profissionais do transporte coletivo da Companhia Carris da Prefeitura Municipal de
Porto Alegre, identificando as características relacionadas com seu trabalho que estão
contribuindo diretamente para os seus problemas de saúde. Para isso buscou-se compreender a
visão do profissional sobre a atual situação vivenciada no dia-a-dia, analisando-se as
percepções dos mesmos a respeito de causas rotineiras e que são interpretadas de diferentes
maneiras pelos profissionais. Além de conhecer a realidade da qualidade e das condições de
trabalho, o estudo permitiu apontar causas pontuais, obtendo-se dados estatísticos que podem
auxiliar na criação de programas, projetos e campanhas de prevenção e de auxílio aos
profissionais do transporte coletivo.
Entende-se que este estudo contribuiu para ressaltar a importância do serviço que os
motoristas de ônibus prestam à sociedade e a necessidade do resgate desta profissão por parte
das empresas públicas e privadas. Verificou-se a partir das respostas que se faz necessário
criar programas que possam diminuir os efeitos negativos da profissão, como os impactos da
interferência dos fatores externos. Entende-se que sobre o contexto trânsito a realização de
cursos e treinamentos que contribuam para os profissionais compreenderem melhor a sua
participação no trânsito, interagindo com os demais participantes, pode contribuir para
entender a problemática de cada categoria, e assim os fatores externos não os estressem tanto.
Por último, entende-se que esta pesquisa também possa servir de base para pesquisas e
projetos futuros, que visem desenvolver o tema em questão, contribuindo para a qualificação
dos sistemas de transporte público e dos profissionais nele envolvidos.
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