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SÁBADO, 2 DE SETEMBRO 2006
TESTES GENÉTICOS PERMITEM DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO PRECOCES
O colesterol pode ser uma herança de família
Muito se tem falado dos nefastos efeitos do consumo excessivo de gorduras.
«Previna o colesterol», dizem muitas campanhas e anúncios publicitários. Mas,
para um significativo número de pessoas, escapar ao colesterol não é possível,
por muitos que sejam os cuidados adoptados, simplesmente porque se trata
de um problema hereditário.
Madalena Barbosa
A
s pessoas que não ingerem alimentos ricos em gorduras e que não têm uma vida
sedentária também podem ser vítimas do
colesterol. Parece contraditório, mas não é. A explicação é simples: é que o colesterol em excesso
pode ser herdado dos familiares e a esta situação
chama-se hipercolesterolemia familiar (HF), doença que afecta uma em cada 500 pessoas.
Importa, então, explicar o que é a hipercolesterolemia familiar e o que distingue este tipo
de colesterol daquele que vai sendo adquirido
ao longo da vida como consequência de hábitos
(principalmente alimentares) menos saudáveis.
«A HF é uma doença genética que consiste numa
alteração do gene dos receptores do colesterol
LDL (conhecido como o mau colesterol)», refere
o Prof. Ovídio Costa, cardiologista e professor da
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
nua em circulação». Para além disso, «o fígado não
“toma conhecimento” de que o colesterol circula
em quantidade normal ou elevada, porque não o
recebe, e continua a produzi-lo. Desta forma, o organismo das pessoas que nascem com HF apresenta níveis elevadíssimos de colesterol em circulação
que chegam a ser duas, três ou mais vezes superiores ao normal», explica este cardiologista.
Os portadores da hipercolesterolemia familiar
vão ter, desde muito cedo, níveis elevados de colesterol, o que resulta no aparecimento, também
muito precoce, de complicações cardiovasculares
graves. E isto acontece porque o colesterol (a gordura) vai depositar-se nas paredes das artérias,
originando a formação de placas lipídicas que impedem a livre passagem do sangue e promovem
a doença aterosclerótica (formação de placas de
Em Portugal, os laboratórios da Genetest são,
actualmente, os únicos a disponiblizar estes testes
genéticos que permitem diagnosticar a HF através
da análise da saliva. São testes que podem ser feitos em casa e pela própria pessoa. «O facto de
se poder fazer o teste genético em casa é uma
vantagem enorme. Só falta agora uma estratégia
de investimento, por parte dos Serviços de Saúde,
para a operacionalização desta metodologia que
produz efeitos benéficos que excedem, francamente, os seus custos (estes testes ainda não são
comparticipados pela Segurança Social, nem pelos seguros de saúde)», acredita o cardiologista.
Prof. Ovídio Costa
Os testes genéticos, que permitem diagnosticar a hipercolesterolemia familiar através da análise da saliva, podem ser feitos em casa e pela própria pessoa
Sinais de um colesterol herdado
– Mais de 300 miligramas de colesterol total
por decilitro de sangue ou mais de 200 mg
de colesterol LDL (mau colesterol);
– História familiar de doença cardiovascular
grave e precoce (antes dos 50 anos);
– Depósito de colesterol nos tendões, por
exemplo nos tornozelos e no dorso das
mãos (palpam-se e vêem-se algumas saliências em forma de nódulos).
O colesterol aparece no organismo de duas maneiras: através da alimentação (corresponde a cerca
de 30% do colesterol que circula no organismo) e a
maior parte é produzida pelo fígado que é também
o responsável por fazer a «reciclagem» do colesterol
circulante e, se detectar que este existe em excesso,
o fígado reduz a produção de colesterol.
Ora, quando existe um defeito genético nos receptores do colesterol LDL, «esta reciclagem não
se faz e, não sendo reciclado, o colesterol conti-
Testes genéticos para doenças cardíacas
Hoje em dia, já é possível fazer os testes
genéticos, no domicílio e de forma simples,
de modo a descartar ou confirmar a hipótese
de ser portador de uma doença genética. Em
Portugal, a Genetest, uma empresa nascida
nos laboratórios do Instituto de Patologia e
Imunologia Molecular da Universidade do
Porto (IPATIMUP) e incubada da BioCodex,
foi a pioneira no lançamento deste tipo de
testes, em Fevereiro passado.
Esta empresa, criada em Setembro de
2004, é, actualmente, a única a disponibilizar
um kit de recolha de saliva a partir do qual é
realizado o teste genético, garantindo uma
maior simplicidade, funcionalidade no processo e evitando a tradicional «picada» para colheita de sangue. Estes kits podem ser solicitados por telefone ou através da página electrónica da empresa (http://www.genetest.pt/).
Só na área da Cardiologia, a Genetest
disponibiliza testes genéticos para as seguintes patologias:
- Miocardiopatia hipertrófica e dilatada;
- Hipercolesterolemia familiar;
- Síndrome de Brugada;
- Síndrome QT-longo e QT-curto;
- Síndrome de Marfan;
- Enfarte do miocárdio e trombose venosa.
gordura no interior das artérias, levando à sua
oclusão).
«A aterosclerose cardiovascular evolui silenciosamente, ou seja, a pessoa que tenha desde a
infância níveis de colesterol muito altos não vai
sentir diferença nenhuma em relação a outras pessoas, mas vai desenvolver lesões cardiovasculares
críticas mais cedo e, em vez de sofrer um enfarte
aos 60/70 anos, vai sofrê-lo aos 40/50 anos ou até
muito mais cedo.»
Teste genético feito em casa
Nos casos de HF, é muito importante detectar
precocemente esta doença, se possível, logo na infância. «Para um diagnóstico definitivo, devemos realizar um estudo genético que pode ser feito através
da análise da saliva ou do sangue, até porque o diagnóstico clínico, sem recurso aos testes genéticos,
conduz, em 25% dos casos, a diagnósticos errados.
O grande interesse destes estudos genéticos
é permitirem a identificação muito precoce das
famílias e das pessoas que vão sofrer de doença
cardiovascular precoce e, assim, iniciar o tratamento o mais cedo possível, de preferência, em
criança», sustenta Ovídio Costa.
Se houver suspeita de hipercolesterolemia
familiar (ver caixa «Sinais de um colesterol herdado»), «o ideal é fazer-se os testes o mais precocemente possível para se passar ao tratamento
atempado». Embora o diagnóstico da HF possa
ser feito desde o nascimento, regra geral, não se
efectua antes dos 5 anos, até porque os bebés e
as crianças, salvo raras excepções, não devem ser
submetidos a restrições alimentares durante as
fases iniciais do crescimento.
«Na maioria dos casos, o diagnóstico tende a
fazer-se entre os 8 e os 18 anos de idade e o teste
genético para o receptor das LDL é o meio mais
eficaz para estabelecer o diagnóstico da HF, em
especial no rastreio dos familiares destes doentes», salienta Ovídio Costa.
E a questão surge: será a forma de tratar estas
pessoas com hipercolesterolemia familiar diferente
em relação a um doente com colesterol adquirido
com o passar dos anos? O cardiologista responde:
«A abordagem terapêutica é diferente. Por um lado,
a família está mais alerta para a importância de
evitar os maus hábitos alimentares das crianças
com HF. Para além disso, na maioria dos casos, vamos prescrever medicação logo na infância, pois
é muito difícil conseguir baixar o colesterol total
em mais de 20 ou 30% apenas com medidas de
alimentação e exercício físico.»
Como se fazem os testes?
Depois de solicitado por telefone ou através da página Internet, o kit de recolha de
saliva da Genetest contém todas as informações necessárias para a sua aplicação. O kit
inclui uma escova para recolha da saliva, um
termo de consentimento informado e instruções para o procedimento.
Depois de colhida a saliva – bastando
raspar a escova nas paredes da boca e língua durante um minuto – a escova deverá
ser colocada no tubo próprio, guardada no
invólucro que, por sua vez, será colocado no
envelope e enviado pelos CTT, juntamente
com toda a documentação devidamente preenchida. Posteriormente, o laboratório emite uma resposta, dando conta se existe ou
não mutação genética. Em caso afirmativo, a
pessoa deverá procurar um especialista.
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