GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA NUM CONTEXTO EDUCATIVO: ALTERNATIVAS PARA INSERÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO MUNDO DO TRABALHO Júnio Adão Ribeiro Leite Cristiane Maria de Andrade Pollyanna Lúcia Vieira Simone Neves da Silva Maria Lucia Monteiro Guimarães A geração de trabalho e renda com jovens e adultos é uma das propostas de trabalho do Programa de Educação e Desenvolvimento Social. A proposta é desenvolver ações sócio-educativas em grupos comunitários voltadas para o trabalho a fim de estabelecer uma alternativa de desenvolvimento socioeconômico. As oficinas de cerâmica artesanal, bordados manuais e de papel reciclado conjugam em sua metodologia de trabalho o conhecimento de educadores e educandos participantes. As práticas educativas que se aplicam a esse contexto buscam estabelecer conexões entre as experiências de vida de diferentes sujeitos sociais e o conhecimento acadêmico na intenção de oferecer meios pelos quais os indivíduos possam aprimorar técnicas artesanais de produção no viés da Economia Solidária. Podemos observar uma maior socialização das técnicas de produção, bem como o compartilhamento de aspectos que ressaltem a identidade das comunidades, bem como, dos indivíduos envolvidos. O oferecimento de oficinas de formação e aperfeiçoamento, a difusão de técnicas que agregam valor aos artesanatos produzidos, bem como a valorização do diálogo como meio articulador dos saberes populares e técnico-acadêmico são importantes conquistas deste Programa. É hoje impossível discutir o trabalho desvinculado da cidadania, pois os trabalhadores participam de sistemas culturais e políticos da sociedade e esta participação produz inúmeros elementos que constituem visões de mundo, costumes, práticas sociais e saberes que perfazem o campo das relações entre educandos e educadores envolvidos numa experiência educativa que tem a formação do senso crítico e a afirmação de presenças como princípios pedagógicos. Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos, Educação e Trabalho, Economia Solidária. INTRODUÇÃO Inicialmente as ações voltadas para a geração de trabalho e renda foram propostas com o intuito de amenizar as desigualdades sociais nas comunidades rurais de Águas Santas e César de Pina, localizada no município de Tiradentes/MG, por meio de alternativas de geração de renda familiar a partir do viés da economia solidária. Iniciado com ações do Projeto Clarear com apoio da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), desde 2003, por meio do Projeto de Formação Continuada de Professores de Educação de Jovens Adultos. O Projeto Clarear, teve origem em 2001, quando a pedagoga aposentada, Dalva Signorelli, então residente na comunidade de Águas Santas, desde 1995, sensibilizada pela condição de analfabetismo de sua empregada doméstica começou a alfabetizá-la. A partir dessa primeira experiência e da constatação de que a maioria de pessoas dessas comunidades rurais possuía baixa escolaridade e recebia pouca assistência social, o Projeto foi sendo construído. Ao mesmo tempo, as idéias dessa pedagoga foram compartilhadas com outras pessoas também preocupadas com as questões de cidadania e demonstravam um forte desejo de contribuir com o Projeto, concretizado no empenho e na busca de alternativas para a transformação das condições sociais daqueles moradores, proporcionando-lhes formas de (re)conhecimento como indivíduos e como pessoas constitutivas de um grupo social. Assim, pelo viés sócio educativo, considerando o ponto chave para mudanças, buscaram-se amenizar as desigualdades sociais naquelas comunidades e o desenvolvimento de atitudes autônomas desses moradores. O inicio da formação do grupo de voluntários dispostos a trabalhar no referido projeto foi marcado por diversas ações: aconteceram vários encontros para refletir qual a concepção de educação a ser trabalhada, tendo em vista a realidade daqueles moradores e escolheu-se como suporte teórico a visão libertadora freiriana que consiste em ter a alfabetização, “como ato de reconhecimento, como ato criador e como ato político” num real “esforço de leitura do mundo e da palavra”. Foram realizadas no ano de 2002, várias oficinas de trabalho propostas pela comunidade e oferecidas pela Universidade, com financiamento da Unitrabalho e do Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). Constituindo a partir dessas ações um grupo de ceramistas, orientados pelo artista plástico Demostenes Vargas, denominado Presépio Casa de Olguinha, que com argila transmitiam a religiosidade de sua comunidade. Incentivadas com o reconhecimento do grupo de ceramistas, algumas mulheres passaram a se reunir a fim de constituir um grupo de artesãos capazes de resgatar as atividades de suas avós, produzindo bordados manuais. Constituindo-se efetivamente no ano de 2005 com apoio da Superintendência de Artesanato e da Incubadora Tecnólogica de Coletivos Populares (ITCP-UFSJ). Intitulado como Bordados Clareart o grupo produz bordados antigos em produtos de cama, mesa e banho que garantem incremento na renda familiar. A partir dessa experiência, tais ações são também desenvolvidas junto a um grupo de mulheres pertencentes ao município de Ritápolis/MG, denominado “Gabirobinhas” que buscam por meio dos bordados manuais mudar a realidade de trabalho do município a que pertencem, alcançando condições melhores de vida. Outro foco de nosso trabalho, localiza-se na comunidade do Tijuco, pertencente ao município de São João del-Rei, através de uma proposta alternativa a partir de oficinas de papel reciclado com alunos e professores de EJA da Escola Municipal Doutor Kleber Vasques Filgueiras. Ambas as propostas visam o alcance de sua sustentabilidade bem como sua constituição legal. METODOLOGIA As ações destinadas à geração de trabalho e renda buscam estabelecer conexões entre experiências de vida de diferentes sujeitos sociais e o conhecimento acadêmico na intenção de oferecer meios pelos quais os indivíduos possam aprimorar técnicas, em sua grande maioria, artesanais, de produção no viés da Economia Solidária tendo sempre por base os princípios da Solidariedade. Técnicas de produção são passadas em oficinas para aprendizado e aperfeiçoamento onde se discute e aprende o fazer e suas diversas possibilidades. Conceitos de grupo, sua constituição e formalização, bem como seus tipos e atribuições são discutidos em encontros de formação conforme disponibilidade dos grupos. Todas as ações levam em consideração os princípios do coletivo a fim de se constituir redes colaborativas apoiadas no respeito à individualidade combinado com intenções em comum, com ajuda mútua e com valores coletivos, compartilhados por todos. O trabalho inicial voltado para o enfoque da Economia Solidária foi realizado em conjunto com alunos estagiários dos cursos de Pedagogia e Administração visando à aprendizagem de levantamentos de custos dos produtos a serem utilizados e à inserção do grupo no mercado regional. Para isso, foram também realizados cursos de associativismo e cooperativismo, reuniões com eventos de letramentos em situações de registros escritos, início da formulação de um estatuto, e a criação de um plano administrativo. Viram-se minimizar algumas fragilidades do coletivo, como dificuldade de mercado, relações interpessoais, entendimento da cadeia produtiva que visasse ao fortalecimento do coletivo. Ao lado dos conhecimentos técnicos são socializadas informações sob os aspectos artísticos e práticos, destacando-se ações voltadas para a sensibilização para o desenvolvimento de padrões estéticos de qualidade mínimos e, se possível, universais, numa perspectivas de venda dos produtos. A proposta se faz dentro de uma visão de pesquisa participativa com intervenções pedagógicas no sentido da formação associativa desse grupo, visando assumirem a médio tempo sua autogestão. Para todas essas ações conta-se com apoio de diversos artesãos, artistas plásticos, técnicos e multiplicadores focados na disseminação de conhecimentos capazes de contribuir para a transformação mútua dos atores envolvidos. RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante a prática educativa vivenciada algumas questões puderam ser levantadas, no que diz respeito à EJA. Considerando as especificidades próprias dos jovens e adultos, e o pensar a educação com eles e para eles, de que maneira o trabalho da EJA poderia auxiliá-los na criação de estratégias que atendessem às suas demandas? Para fundamentar a busca de resposta a esta questão nos apoiamos nos fundamentos teóricos de Ireland (2005). De acordo com esse autor, a EJA tem por princípio ser um espaço de reconhecimentos de sujeito torna-se um espaço privilegiado para exercitar a capacidade de pensar com o outro, reconhecendo-o como sujeito do aprendizado, numa educação de jovens e adultos e não para jovens e adultos. Os profissionais que atuam na EJA devem partir da realidade dos sujeitos para nortear a organização escolar. Para isso, torna-se então, imprescindível pensar pelo viés das políticas públicas, considerando os espaços e tempos adequados de ensino-aprendizagem referente ao jovem, ao adulto e ao educador. No dizer de Ireland (2005), existe hoje maior consciência sobre a importância de se conferir às pessoas jovens e adultas sem escolarização o direito de se alfabetizarem no sentido pleno do conceito. A grande maioria de alunos de EJA enfrenta uma jornada de mais de nove horas de trabalho no emprego informal seguido da necessidade de buscar sua escolarização num período noturno. A contradição que se observa neste fato é que “esse mesmo trabalho, que exige desse jovem e adulto cada vez mais qualificação para poder competir no mercado, faz com que esse aluno abandone a escola” (Ireland, 2005, p.97). Partindo de suas condições de vida e trabalho, e sabedores de que suas motivações para a educação estão vinculadas para além do desejo de “saber ler”, alcançando pretensões concretas de como trabalhar melhor, de como proporcionar melhores condições de vida para si e para sua família, pergunta-se como efetivar uma prática educativa que rompa com os padrões rígidos da escola regular e redefina e reestruture um sistema que responda a esses desafios? Numa concepção diferente de trabalho, a economia solidária surge como uma proposta de modo de produção idealizado para superar o capitalismo. Singer (2005, p.14) a concebe como “um modo de produção que torna impossível a divisão da sociedade em uma classe proprietária dominante e uma classe sem propriedade subalterna. Sua pedra de toque é a propriedade coletiva dos meios de produção”. Nesse tipo de empresa todos que nela trabalham são seus donos por igual, tendo os mesmos direitos de decisão sobre seu destino. Esse tipo de “empresa” tem a seu favor a legislação que considera a cooperativa como um empreendimento sem fins lucrativos e, por isso, isenta de imposto de renda. Arruda (2005, p.34) concebe a Economia Solidária como trabalho humano como ser, saber, criar e fazer, ou como toda ação transformadora do mundo da natureza em mundo humano, ou ainda como toda ação em que, ao transformar o mundo, o ser humano constrói a si mesmo. Cada trabalhador é responsável pelo que ocorre com a empresa, participando plenamente tanto das sobras quanto dos prejuízos. Com obras significativas, elas poderão ser investidas no coletivo, repartidas entre eles e/ou aplicadas em um fundo de reserva. Como todos teriam interesse no sucesso, não deveria haver problemas de disciplina. Considerando ainda que a inserção desses jovens e adultos no mundo do trabalho, na maioria das vezes, se faz através da economia informal, localizada quase sempre na periferia das cidades ou na zona rural, indaga-se como proporcionar uma educação que promova o empoderamento dessas pessoas para tornarem-se gestores competentes de seus empreendimentos? Abreu (2003) chama a atenção para o fato de que no interior dos aglomerados produtivos ou clusters definido por Reis (1992). Instaura-se ai uma relação de produção que contém influência do processo produtivo do modo capitalista industrial em suas condições históricas atuais. Consiste na desqualificação da mão de obra, relações de exploração, subcondições do trabalho e influência no regime de subcontratação. Tudo isso seria diferente se o trabalhador tivesse uma inserção pedagógica para o tipo de trabalho exigido ou uma formação básica mínima, já que a maior parte dos trabalhadores não é nem ao menos alfabetizados. A alfabetização e escolarização de pessoas adultas do Projeto Clarear, vinculadas às atividades produtivas, tornaram-se um desafio, no momento em que os alunos clamam por projetos em que se discutem também questões relacionadas à geração de trabalho e renda, sinalizada pelos alunos da EJA? Ao buscar possíveis respostas a esses questionamentos a equipe deparou-se com um universo educacional que não se esgota apenas em eventos de letramento, mas que o ultrapassa alcançando o mundo do trabalho e suas relações com a EJA. Arruda (2005) coloca ainda que “cada jovem e adulto possa chegar a ser estudante, professor, profissional, político, governante sem deixar de ser trabalhador” (p.32). A partir das ações do Programa foi inserido no Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Doutor Kleber Vasquez Filgueiras atividades que levam aos seua alunos assuntos ligados ao mundo do trabalho associados a preocupação ambiental contando com a colaboração de diferentes personalidades da comunidade externa (artesãos, artistas plásticos, civis, conselhos e ONG’s) sensibilizados com as condições de extrema poluição ambiental nas quais se localiza a comunidade do Tijuco, onde está inserida. Dessa forma, os alunos de EJA, além de aprender a fazer todas as etapas do papel reciclado e a sua posterior otimização, transformando-o em produtos mais vendáveis, adquirem uma consciência ecológica numa busca de identidade local. Como um novo desafio de nossa proposta, pretende-se criar mais um grupo de geração de trabalho e renda que consiste na constituição de um coletivo de bordadeiras na comunidade do Tijuco aliado a sua realidade social, garantindo mais um possibilidade de mudança e incremento de renda. CONCLUSÕES A alfabetização e escolarização de pessoas jovens e adultas vinculadas a atividades produtivas tornaram-se um desafio no momento em que optou-se por estabelecer projetos em que se discutissem também questões relacionados ao mundo do trabalho e alternativas de geração de renda. Como conciliar o estudo desenvolvido com a demanda oriunda do desejo e necessidade de geração de renda sinalizada pelas condições sociais do público envolvido nas ações do Projeto/Programa? Com foco nas condições de vida das pessoas procura-se disseminar os modelos coletivos autogestionários aliado a preocupação com a educação desses sujeitos por meio da junção entre trabalho e educação pautados no diálogo sobre a questão do que ensinar numa perspectiva de Educação Libertadora. No momento, dois coletivos estão em processo de construção de um estatuto interno, e sua constituição legal, buscando espaços para a exposição de seus produtos bem como sua comercialização. Há ainda uma mobilização da UFSJ, juntamente com apoio da iniciativa privada, na tentativa de inserir todas elas na Educação de Jovens e Adultos com objetivo de desenvolver práticas de estímulos ao espírito empreendedor e ao exercício da cidadania. Já consegue-se perceber uma crença e uma grande esperança na educação. Os sujeitos das ações do Programa enxergam a educação como via de qualificação, de melhoria de condições sociais devido às relações que estes desenvolvem com o mercado de trabalho e com o mundo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Jânio Caetano de. Condições de trabalho e relações precárias nas atividades dos empreendimentos de base artesanal em aglomerados produtivos. In SALIN, Celso Amorim (et.al.). Saúde e segurança no trabalho: novos olhares e saberes. Belo Horizonte: Fundacentro/Universidade Federal de São João Del Rei, 2003.p.261-280. ARRUDA, Marcos. Redes, Educação e Economia Solidária: novas formas de pensar a educação de jovens e adultos. In KRUPPA, Sônia M. Portella (org). Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Inep/MEC, 2005. p.3140. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 8.ed. São Paulo: Autores Associados/ Cortez. 1984. _______. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1994. _______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. IRELAND, Timothy D; MACHADO, Maria Margarida; IRELAND, Vera Esther J. da Costa. Os desafios da educação de jovens e adultos. In KRUPPA, Sonia M. Portella (org). Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos. Brasilia: Inep/MEC, 2005. p.91-102. SINGER, Paul. A Economia Solidária como ato pedagógico. In KRUPPA, Sonia M Portella(org).Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Inep/MEC, 2005. p.13-20.