PROJETOS DE GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA, UMA INSERÇÃO INFORMAL NO MERCADO, SOBRE POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO SOCIAL Luana Vianna dos Santos Maia Tatiane da Fonseca Cesar Resumo: O artigo apresentou uma reflexão sobre as estratégias de sobrevivência, através da implementação de projetos de geração de trabalho e renda, nas Organizações Nãogovernamentais Gerais das políticas de geração de trabalho e renda e sua importância para a população atendida. Estes tipos de estratégias começaram a se implementadas pelo governo brasileiro a partir dos anos de 1990 e são denominadas Plano Nacional de Formação Profissional e Plano Nacional de Qualificação. Tendo em vista os objetivos de inclusão social definidos no contexto destes projetos, a discussão aqui apresentada ressalta alguns questionamentos presentes na pesquisa que analisa a real contribuição do Projeto Investir para Gerar na auto-sustentabilidade das famílias atendidas pelo Programa Saúde Criança Reconstruir. Palavras-chave: Trabalho informal, capacitação profissional e sustentabilidade. INTRODUÇÃO As análises recentes sobre o processo de globalização no Brasil, que mostram as transformações no mundo do trabalho, têm como uma das expressões o crescimento da informalidade, do trabalho precário e da pobreza na sociedade brasileira de hoje. Nos anos de 1990, no Brasil, a reestruturação produtiva e a terceirização presentes no processo de globalização acompanhadas pelo enxugamento do Estado têm afetado fortemente o mundo do trabalho, trazendo a questão do desemprego à sociedade. Esta reflexão traz para o debate algumas questões relacionadas às políticas de geração de trabalho e renda como estratégia das organizações não-governamentais e do governo brasileiro no enfrentamento do desemprego. O que se pretende é procurar entender estas iniciativas no que se refere a suas possibilidades de inclusão social de desempregados diante da reestruturação produtiva e globalização excludente expressa pela crise estrutural do trabalho. DESENVOLVIMENTO Nas últimas décadas, na sociedade brasileira, tem ocorrido uma série de transformações no campo do trabalho, ocasionando práticas de fragmentação e exclusão de grandes segmentos da população, aprofundando com isto a pobreza e desigualdade social. O fenômeno da exclusão social tem permeado o cotidiano da vida social de diferentes segmentos da classe trabalhadora, submetidos a processos de precarização do trabalho, com crescimento do trabalho temporário e subcontratado e, conseqüentemente, a fragilização das condições de vida. Desta forma, a incerteza do trabalho aparece como um dado central que impacta o processo atual de formação e inserção no mundo do trabalho. A questão que se coloca é como pensar os programas e projetos que capacitem a qualificação e a geração de trabalho e renda em um cenário, em que o desemprego é crescente e as situações de trabalho tornam-se, cada vez mais, incertas. Levando em conta as propostas implementadas nas Organizações Nãogovernamentais e Governamentais para enfrentamento do desemprego, é possível identificar no amplo e diversificado campo da formação e inserção no mercado de trabalho um número crescente de experiências de trabalho no campo de informalidade. Neste contexto atual, a importância dessas iniciativas deve-se, por um lado, à necessidade de atenuarem os efeitos econômicos e sociais, decorrentes das mudanças em curso, e, ao mesmo tempo, oferecem contribuições ao debate em torno dos novos projetos sociais, projetos estes assentados em novas propostas de reinclusão social na afirmação do desenvolvimento com cidadania. Neste sentido, urge adotar um padrão de desenvolvimento que valorize as iniciativas locais, as suas especificidades e, sobretudo, que resgate as suas potencialidades como parte das estratégias de enfrentamento da pobreza e dos seus problemas decorrentes. A reinclusão se expressa na criatividade dos excluídos para reingressarem no plano econômico, ou melhor, busca-se uma maneira de reintegrar-se no mundo do trabalho através da criatividade. Entretanto, essa reinclusão se dá também na perspectiva do plano social, ou seja, através da sociabilidade que ultrapassa o rito da exclusão para a reinclusão. A exclusão social, aqui referida, é entendida como expulsão de grupos sociais do espaço da igualdade. 2 Em decorrência da desconstrução do assalariamento, a informalidade se expande, tornando-se, até certo ponto, sinônimo de “flexibilização” ou “desregulamentação” para usar a expressão de Machado da Silva (2002). Para alguns críticos, a noção de informalidade hoje é uma referência imprecisa e incapaz de subsidiar uma análise, porque este é um termo vago que se refere indistintamente a um segmento bastante diversificado de trabalhadores sem carteira (Machado da Silva, 2002). Para o autor, originalmente, a noção de “informal” tem sido usada para focar o “outro lado” do chamado trabalho formal. Temos assim uma visão da realidade do trabalho que permite sinalizar as dificuldades e distorções da incorporação da população ao processo produtivo, a sociedade salarial não chegou a se generalizar, como no Brasil. O que está em jogo, nesse enfoque, são os grupos vulneráveis desta população diante da profunda transformação econômica. Assim, o eixo da análise incide sobre as capacitações realizadas e suas chances de produtividade. Entretanto, as ambigüidades da noção de informalidade exigem um melhor entendimento de seus conteúdos atuais e seu papel na reflexão sobre os projetos que visam inclusão através das capacitações profissionais. Conforme a argumentação crítica do autor (Machado 2000), o termo empregabilidade associado ao sustentabilidade indica os requisitos funcionais da demanda atual do trabalho, isto é, os atributos subjetivos a serem desenvolvidos por parte da população usuária, compatíveis com as necessidades da produção “flexibilizada”. Lembra também o autor que o par empregabilidade/sustentabilidade apresenta uma dimensão simbólica-ideológica de “adesão/convencimento” que tem influência sobre a auto-imagem e a visão de mundo destes usuários. Nesse sentido, em torno da sustentabilidade vem sendo gestada uma cultura do trabalho muito distinta daquela que correspondeu, no passado, à construção do assalariamento. Nas palavras de Machado (2002), “(...) projeta-se a imagem do ‘novo trabalhador’ como um ser que substitui a carreira em um emprego assalariado de longo prazo pelo desenvolvimento individual, através da venda de sua força de trabalho ou da alocação de seu esforço como produtor direto, em uma série de atividades contingentes”. Esta visão, a resignificação recente da informalidade, vem promovendo um duplo deslocamento: 1) da análise dos processos econômicos, enfatizando a (des)regulação estatal das relações de trabalho; e 2) da compreensão de uma economia informal para processos de atividades informais diferenciadas. 3 Situando esta informalização como instrumento de articulação das propostas de enfrentamento, esta focaliza a questão do trabalho no campo da intervenção prática, através dos programas e projetos de formação e geração de trabalho e renda formulados e implementados pelas Organizações Não-governamentais e Governamentais, a partir dos anos 1990. O primeiro plano nacional nesse domínio a ser considerado pelo governo na última década foi o Plano Nacional de Formação Profissional, aqui, a formação profissional torna-se elemento constitutivo de uma política de emprego no Brasil, atraindo o interesse de diversas áreas de atuação. O desenvolvimento dessa proposta se faz com base na difusão da idéia de que estas capacitações profissionais seriam uma estratégia de combate ao desemprego. Nesse sentido, a idéia de sustentabilidade torna-se o eixo central na articulação das propostas de qualificação da população. No campo da intervenção prática, é possível identificar um amplo e diversificado conjunto de experiências de qualificação protagonizadas por ONGs em parceria com organismos estatais sob a perspectiva da sustentabilidade. Esta tese é, portanto, a base de sustentação da inclusão social através de capacitações. Em 2003, é instituído o Plano Nacional de Qualificação, cujo marco legal guarda muita semelhança com o Plano Nacional de Formação Profissional. O foco de atenção à questão é compreender o alcance e as ambigüidades dessas políticas e intervenções em nível local, visto que a mesma é apresentada como solução para o enfrentamento do desemprego e da pobreza. Segundo suas diretrizes, a qualificação profissional, no âmbito de cada demanda identificada no perfil da população, será o eixo articulador dos planos de implementação visando ao atendimento de públicos específicos através de especificações que respondam às necessidades do mercado informal. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS As experiências construídas a partir dessa orientação à sustentabilidade têm sido consideradas por alguns como vias inovadoras de incorporação produtiva da grande massa desempregada. Por outro lado, o debate sobre tais iniciativas aponta críticas contundentes sobre o tipo de inclusão social gerada através dessas formas de trabalho informal. Isto porque se, por um lado, essas organizações de trabalho atuam como motivação na busca de 4 uma nova atividade inclusiva, por outro lado, se caracterizam como promotoras de ocupações marcadas pela precarização e pela destituição dos direitos trabalhistas vigentes. Existem críticas às propostas de implementação dessas intervenções práticas, que vêem sendo construídas com base em três argumentos inter-relacionados. O primeiro e principal argumento crítico a essa orientação consiste no reconhecimento de que as propostas de intervenção no campo da qualificação para os usuários, seguindo a ideologia da sustentabilidade, transferem para o universo do próprio indivíduo as limitações no mundo do trabalho decorrentes das alterações marcantes no mercado de trabalho no Brasil (Baltar, Dedecca & Henrique, 1996). Contudo, há um deslocamento da responsabilidade social do Estado no enfrentamento do desemprego para o âmbito individual, na medida em que a responsabilidade pela inserção e permanência no mercado de trabalho recai exclusivamente nos “indivíduos empregáveis”. Outra ponto importante que merece destaque nesse enfoque é a que se refere à face assistencial das propostas a partir da mobilização de entidades assistenciais que atuam na capacitação profissional existente no país. Nestas, atribui-se, preferencialmente, às ONGs o desenvolvimento de ações formativas voltadas para o atendimento a, por exemplo, famílias monoparentais, chefiadas por mulheres, ou dependendo da demanda atendida pela instituição, mas que estejam em situação de risco, vulnerabilidade social e pobreza. Esse posicionamento não deixa dúvidas quanto ao incentivo às capacitações, para o acesso ao trabalho informal na perspectiva da sustentabilidade. Vale a pena comentar também sobre os questionamentos levantados por gestores sobre a relação trabalho-renda medida por essas experiências articuladas em torno da sustentabilidade. Destacaremos aqui as reflexões de Frigotto (1998) que sustenta, em primeiro lugar, o deslocamento do papel da capacitação profissional no sentido de sua utilização como “estratégia de alívio à pobreza”. Trata-se, segundo Frigotto, de um projeto de sustentação centrada nas perspectivas das habilidades técnicas e das competências para a sustentabilidade. Desta forma, apoiado na ideologia da empregabilidade/sustentabilidade, as oficinas de capacitação para usuários atendidos pelos programa e projetos são tidos como um passaporte para a reinserção nesse mercado restrito de trabalho ou para o trabalho autônomo. Na atual conjuntura, esses programas e projetos, focados na geração de trabalho e renda, enquanto estratégias de enfrentamento do desemprego, assumem configurações 5 diversas no chamado campo das políticas de inclusão social. Além da intervenção, também se expressa através de projetos o fomento à criação de estudos para realimentação destas propostas a fim de melhorar cada vez mais as intervenções. Pesquisas revelam que o universo da informalização do trabalho nos dias de hoje mostra-se muito diversificado e extremamente carente de efetividade em suas propostas de qualificação profissional. Para o alcance de suas propostas como solução para pobreza, seus conteúdos se mantêm nos limites das atividades laborativas de sobrevivência. Estas observações podem ser discutidas através da sistematização de cada intervenção, até para avaliação desta enquanto contribuição dos mesmos, pois estas qualificações sociais e profissionais, no âmbito de cada programa ou projeto, será o eixo articulador das propostas visando atender às necessidades do mercado de trabalho. Quando examina-se as diferentes categorias de capacitações profissionais consideradas para inclusão, percebemos com clareza a ênfase da proposta no trabalho informal voltada para as necessidades de sobrevivência dos envolvidos. Para finalizar, desenha-se através desses programas e projetos uma nova forma de promover a sustentabilidadde, marcada por ações fragmentadas e em desacordo com o modelo de seguridade social público previsto na Constituição Brasileira de 1988. Essas ações pontuais integram o conjunto de estratégias de sobrevivências de combate à pobreza, conhecidas como medidas emergenciais. Desta forma, reafirma-se através dessas tendências o caráter compensatório, eventual e fragmentário das ações assistenciais promovidas onde não há dúvida em se afirmar que as práticas desenvolvidas sob essas diretrizes se opõem às políticas sociais regidas por princípios universais de direitos e de cidadania. Entretanto, cabe registrar aqui que esses programas de combate à pobreza revelam-se contraditórios, na medida em que não se percebe na prática a distinção entre o campo de afirmação de direitos e o campo de ações emergenciais. É preciso explicitar, portanto, que esta análise não significa uma crítica aos programas de geração de trabalho e renda em si mesmos. Reconhecemos que estes programas têm o mérito de atender às necessidades imediatas de sobrevivência de trabalhadores sem emprego buscando criar condições para sua integração ao mundo do trabalho. Porém, essas propostas, que têm caráter provisório de alívio à situação de pobreza, quando não acompanhadas de outras medidas estruturais, tornam-se permanentes 6 sem, contudo, alterar os processos que produzem a situação de pobreza. Trata-se, portanto, de intervenções focalizadas que se traduzem em atividades apenas de reparação, sendo o desafio que se coloca é superar o imediatismo dessas estratégias de inclusão social e buscar alternativas mais duradouras de intervenção que retomem o paradigma de proteção social, segundo o marco constitucional, no qual as condições de vida e trabalho dos usuários passem a ser vistas como um problema público, de modo a reafirmar a universalização e a integração desses programas de combate à pobreza com outras esferas da seguridade social. REFERÊNCIAS BALTAR, P. E. de A. Dedecca & W. Henrique. “Mercado de Trabalho e Exclusão Social no Brasil”. Pp. 55-108. In: OLIVEIRA, C. A. B. de & MATTOSO. Crise e Trabalho no Brasil. Modernidade ou volta ao passado?. São Paulo: Scritta Editora, 1996. BRASIL. MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Plano Nacional de Qualificação: 2003- 2007. Brasília: Documentos MTE: Departamento de Qualificação, 2004 FRIGOTTO, G. “Educação, crise do trabalho assalariado e do desenvolvimento: Teorias em conflito”. In: G. FRIGOTTO, G. Educação e Crise do Trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. MACHADO DA SILVA, L. A. Mercado de trabalho, ontem e hoje: informalidade e sustentabilidade como categorias de entendimento. Pp. 140-178. In: SANTANA, M. A.. 7