LIBERDADE DE NADA POSSUIR
“Salva-me, ó Deus, da dor do amor não satisfeito,
e da dor muito maior do amor satisfeito” (T.S.Eliot)
“Havia, outrora, num país distante, um rei que todos amavam.
Os sábios o amavam por sua sabedoria. As mulheres o amavam por sua beleza e suas
palavras de poesia. Os soldados o amavam por sua coragem e bravura. O povo o amava
por sua justiça.
E todos o amavam porque sua face tinha a alegria do rosto de uma criança. Passou o
tempo. Imperceptivelmente ele colocou no rosto do rei as marcas da velhice. Olhando-se no
espelho e contemplando seu rosto marcado pelo tempo, ele disse para si mesmo:
“Quero que o meu povo se lembre sempre do meu rosto de menino.
Não quero que, olhando para mim, as pessoas digam com tristeza: ‘Como ele era belo quando jovem!”
Assim, ordenou que se construisse para ele, num lugar alto e solitário de uma montanha,
uma cabana simples, onde passaria o resto dos seus dias, longe dos olhos de todos. Terminada a construção, despediu-se dos que o amavam, da sua esposa e dos seus filhos, despediu-se dos seus palácios e jardins, do seu cão e dos seus cavalos, para nunca mais voltar.
Depois de muito caminhar chegou ao topo da montanha onde sua cabana fora construída.
Olhou em volta e viu os cenários que se estendiam à sua volta, sem fim. Respirou o ar frio.
Escutou o silêncio marcado pelo sopro do vento e o pio dos pássaros.
Examinou sua cabana tosca. Experimentou, então, algo que nunca havia experimentado
em sua vida: a indescritível liberdade de nada possuir” (Conto oriental de Marguerite
Yourcenar).
Essa é a hora da “pureza de coração”, quando todos os supérfluos têm de ser deixados de lado.
“Pureza de coração é desejar uma só coisa” (Kierkegaard).
Há momentos na vida em que o coração é como o vôo dos pássaros durante o dia: oscila em todas as
direções, sem saber direito o que quer, ao sabor das dez mil coisas que o fascinam, tão desejáveis, cada
uma delas uma taça de prazer.
Chega um momento, entretanto, em que é preciso escolher uma direção – é preciso descobrir aquela
palavra, aquele valor, aquela consigna, aquele projeto... para sabermos por onde ir. Não existe nada que
satisfaça o coração. As pessoas pensam que existe algo que, se elas tiverem, as fará felizes.
“Dá-me lírios, lírios, e rosas também. Dá-me rosas, rosas, e lírios também.
Crisântemos, dálias, violetas, e os girassóis acima de todas as flores.
Dá-me às mancheias, por cima da alma, dá-me rosas, rosas e lírios também.
Mas por mais rosas e lírios que me dês, eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa, sobrar-me-á sempre o que desejar” (Álvaro de Campos).
Nos Exercícios Espirituais, S. Inácio apresenta uma meditação típica – “três classes de pessoas”- com
o objetivo de provar a sinceridade do nosso querer e verificar se estamos dispostos a renunciar tudo
aquilo que aprisiona a liberdade, não desejando nenhuma coisa a não ser o maior serviço e glória de
Deus. Liberdade total.
“O terceiro tipo de pessoas quer proceder como quem deixa tudo afetivamente, esforçando-se em não querer
aquilo ou outra qualquer coisa, a não ser movido somente pelo serviço de Deus Nosso Senhor, e assim que o
desejo de melhor poder servir a Deus Nosso Senhor o mova a tomar uma “coisa” ou deixá-la” (EE. 155)
Textos bíblicos: Mc l0,17-22
Lc 10,38-42
Na oração: “Teus sentidos e faculdades ficariam frustrados por falta de algo ao qual agarrar-se, e te
repreenderão por não fazer nada. Mas não te preocupes. Continue com este “nada”, movido
somente por teu amor a Deus. Não o deixes nunca; persevera firme e fixamente neste “nada”, ansiando vivamente possuir sempre a Deus por amor”. (Anônimo do sec. XIV).
A sabedoria que este texto encerra, valoriza um despojamento essencial, que coloca o
ser na lógica da Providência.
- Meu coração está livre?
- Meus afetos são retos e ordenados? Estou na legítima liberdade?
FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana
Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050
[email protected] / www.ceijesuitas.org.br
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