Jovens Aprendizes Uma análise a partir da experiência de jovens egressos e instituições formadoras Relatório Final de pesquisa São Paulo, novembro de 2011 2 Ficha Técnica Ação Educativa Vera Masagão Ribeiro Coordenadora geral Maria Virgínia de Freitas Coordenadora de Juventude Maria Carla Corrochano Coordenadora do Programa Juventude e Trabalho Pesquisadora Responsável Natália Bouças do Lago Uvanderson Silva Pesquisadores Fernando Guarnieri Lara Mesquita Coordenação da pesquisa em São Paulo e Fortaleza – via Cebrap 3 Apresentação O presente Relatório apresenta uma análise dos dados coletados no âmbito do projeto Jovens Aprendizes, realizada pela Ação Educativa em parceria com o Instituto Unibanco. A pesquisa foi estruturada com o objetivo de identificar os avanços e desafios trazidos pela Lei da Aprendizagem a partir das experiências e percepções de adolescentes e jovens que experimentaram a condição de aprendizes. Partindo da sua perspectiva, buscamos traçar um perfil geral desses jovens e identificar os fatores que os mobilizaram a buscar uma inserção formal no mercado de trabalho por meio da aprendizagem. Além dos egressos, também foram ouvidos jovens e profissionais atualmente vinculados a instituições formadoras de aprendizes. Dessa forma, buscamos construir um olhar ampliado sobre a aprendizagem, equilibrando uma descrição das atividades desenvolvidas pelas instituições visitadas às análises das práticas observadas. Espera-se que a reflexão produzida possa fornecer subsídios à avaliação das ações hoje instituídas no âmbito da aprendizagem e fomentar o debate em torno dessa lei junto ao poder público, entidades da sociedade civil e pesquisadores das temáticas de juventude, educação e trabalho. Ainda, esperamos possibilitar a reflexão acerca das contribuições possíveis para que o jovem, respaldado por uma formação de qualidade, se insira em ocupações e práticas que valorizem seus direitos, sonhos e projetos. Desejamos a todas e a todos uma boa leitura. 4 Índice Apresentação ............................................................................................................... 4 Agradecimentos ............................................................................................................ 7 Introdução..................................................................................................................... 8 Política de Aprendizagem Profissional e os Programas de formação profissional para jovens: o que há de novo? ...................................................................................... 10 Procedimentos Metodológicos .................................................................................... 17 |1| A Lei de Aprendizagem: um olhar a partir dos jovens aprendizes egressos ........... 20 Introdução ............................................................................................................... 20 1.1. Perfil social ....................................................................................................... 21 1.2. A experiência com a Lei da Aprendizagem....................................................... 32 1. 3. Impacto da participação no programa de aprendizagem ................................. 46 Inserção no mercado de trabalho ........................................................................ 49 |2| Um olhar para o presente: as instituições formadoras............................................ 61 2.1. Informações sobre as organizações visitadas .................................................. 61 2.2. As organizações no mundo da aprendizagem .................................................. 64 2.3. Recrutamento e seleção dos jovens ................................................................. 65 2.4. Metodologias de trabalho ................................................................................ 71 2.5. O diálogo com as empresas ............................................................................. 78 2.6. O diálogo com os jovens aprendizes ................................................................ 82 2.7. Impressões sobre o "sistema 'S'"...................................................................... 87 2.8. Uma análise da política .................................................................................... 89 |3| Um olhar para o presente: os jovens aprendizes ................................................... 93 3.1. Quem são estes jovens? .................................................................................. 93 3.2. Como chegam às instituições? ......................................................................... 94 3.3. A experiência na aprendizagem ....................................................................... 96 3.4. Projetos de futuro ........................................................................................... 105 5 Conclusões e recomendações .................................................................................. 108 Referências Bibliográficas ........................................................................................ 112 6 Agradecimentos Gostaríamos de agradecer às pessoas e instituições que foram fundamentais na realização dessa pesquisa por terem colaborado com o desenvolvimento das suas atividades. Em primeiro lugar, agradecemos a todos os jovens entrevistados pela sua disponibilidade em conversar com a equipe de pesquisa sobre sua experiência como aprendizes. A Ana Lucia Alencastro, do Ministério do Trabalho e Emprego, pela disponibilidade em dialogar com a equipe de pesquisa e, sobretudo, a gentileza em conceder o acesso às informações dos jovens egressos de programas de aprendizagem que constituíram a amostra da pesquisa. Cabe também um agradecimento especial à abertura e à disposição das instituições formadoras de jovens aprendizes (Senai, Colmeia, CIEE-SP e Fundação Pró-Cerrado) em receber a equipe ao longo dos dias de pesquisa e compartilhar as experiências com a aprendizagem. As interlocuções proporcionadas pela Rede Pró-Aprendiz e pela Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo, na figura do coordenador do Fórum Paulista de Aprendizagem, foram fundamentais para a problematização das informações sobre a aprendizagem e um melhor entendimento dos processos que envolvem essa política pública. Agradecemos, por fim, às especialistas Gisela Tartuce e Raquel Souza, cujas leituras da versão preliminar deste Relatório foram fundamentais para um maior aprofundamento das questões e uma melhor organização das ideias. Equipe da pesquisa 7 Introdução A partir de meados dos anos 1990 assistiu-se no Brasil ao surgimento de várias ações públicas, governamentais e da sociedade civil, dirigidas à juventude. Em um contexto marcado pelo baixo desempenho da economia, abertura comercial, reestruturação produtiva das empresas, flexibilização das relações de trabalho, o desemprego juvenil despontou como um dos grandes problemas sociais sobre os quais se organizou boa parte da agenda das políticas públicas de juventude. A centralidade dessa forma de desemprego no âmbito de tais políticas e nas pesquisas sobre o universo juvenil justifica-se em parte pelo impacto negativo que a ausência de trabalho causa nas condições de vida dos jovens, em particular daqueles pertencentes a famílias de baixa renda, e em parte devido à novidade dessa forma de desemprego no mercado de trabalho. Até os anos 1980, os jovens brasileiros não encontravam grandes dificuldades de inserção no mercado de trabalho, ainda que as condições de exercício de suas atividades fossem estruturalmente precárias. Diversos estudos sobre o padrão da transição da escola para o universo profissional apontaram que, diferentemente do que se passava na época nos países desenvolvidos, no Brasil os jovens entravam no mercado de trabalho com pouca idade, baixa ou nenhuma escolaridade e em ocupações precarizadas. Aqueles que conseguiam prolongar o período de escolarização e postergar o início da vida profissional geralmente eram oriundos das classes médias e altas que, ao ingressarem no mundo de trabalho, ocupavam os postos mais seguros e rentáveis do mercado. Transformações No entanto, nas últimas décadas, em função de intensas transformações produtivas e sociais, ocorreram mudanças nas condições de transição da escola para o trabalho. As tendências recentes do mundo do trabalho, bem como a evolução dos sistemas educacionais e de formação profissional, têm colocado os jovens diante de um complexo paradoxo: por um lado, os níveis 8 educacionais alcançados por eles são mais elevados do que os das gerações anteriores; por outro, os jovens encontram sérias dificuldades de inserção no mercado de trabalho, principalmente para a obtenção do primeiro emprego, dado o aumento da competitividade e da demanda por experiência e por qualificação no mercado de trabalho. No que diz respeito à educação, nas últimas duas décadas houve uma expansão da escolaridade no país – aproximando-se da universalização no Ensino Fundamental e dobrando o número de atendidos nos anos 2000 no Ensino Médio – que alterou o tempo de permanência dos alunos no sistema escolar e a média de escolaridade dos jovens brasileiros (Carbucci et al, 2009). Entretanto, a relação entre escolaridade e posição no mercado de trabalho tornou-se mais complexa. Num contexto marcado pela oferta limitada de emprego formal, pelas constantes mudanças tecnológicas nos processos de trabalho, por um elevado número de pessoas à procura de emprego, as credenciais escolares são cada vez mais importantes na trajetória dos trabalhadores. Se antes a conclusão do Ensino Médio (antigo 2° grau) funcionava quase como um passaporte para as ocupações técnicas e/ou de mando, hoje esse nível de escolaridade torna-se cada vez mais um prérequisito para disputar qualquer vaga no mercado. Nesse contexto, as possibilidades de mobilidade social tornaram-se mais restritas, e as condições de trabalho das pessoas com baixa escolaridade, cada vez mais precárias. No que se refere ao mundo do trabalho, as reformas econômicas ocorridas durante os anos 1990 (privatizações de estatais, abertura para mercado internacional, estabilização monetária) alteraram consideravelmente a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro. As novas regras de competitividade das empresas aliadas à introdução de novas tecnologias nos processos de produção resultaram na elevação da taxa de desemprego (decorrente da redução dos postos de trabalho) e no aumento das exigências de formação escolar e profissional dos novos trabalhadores. Mesmo considerando a primeira década dos anos 2000, período marcado por uma relativa recuperação do desempenho econômico e de crescimento do mercado de trabalho formal, os jovens ainda apresentam taxas de desemprego 9 mais elevadas do que as dos adultos. Em 2007, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad, o desemprego juvenil era 2,9 vezes maior que o dos adultos – a taxa de desemprego juvenil chegava a 14%, enquanto a taxa de desemprego dos adultos era de 4,8% (Andrade, 2008). A propósito das novas condições dos trabalhadores jovens no mercado de trabalho, vale a síntese de Camarano (2001): “O mercado de trabalho encontrado pelos jovens hoje é muito diferente do mercado de trabalho encontrado pelos seus pais. Os contratos são piores, expandiram-se os contratos de temporários e a informalidade aumentou. De forma geral, os jovens de hoje recebem salários mais baixos e estão mais desprotegidos, não contando com o acesso aos benefícios de uma rede de proteção social – como, por exemplo, os benefícios previdenciários, de saúde e seguro desemprego. Por outro lado, observam-se crescentes obstáculos para a obtenção do primeiro emprego." (Camarano, 2001, p.34) Diante do quadro de altas taxas de desemprego juvenil e da precariedade das ocupações produtivas atualmente disponíveis aos jovens, as políticas de juventude se veem diante de três opções de intervenção no que se refere ao trabalho. A primeira é preparar o jovem para fazer a transição escola-trabalho, procurando facilitar sua contratação e oferecer a ele melhores oportunidades de trabalho. A segunda é, em vez disso, prolongar sua escolarização, o que eventualmente redunda em retardar sua entrada no mercado de trabalho. O terceiro tipo de intervenção é aquele que visa regulamentar a participação dos jovens no mercado de trabalho e conciliá-la com a continuidade dos estudos. A política atual de Aprendizagem Profissional insere-se nesse terceiro modelo. Política de Aprendizagem Profissional e os Programas de formação profissional para jovens: o que há de novo? Durante a década de 1990 surgiu uma série de programas públicos dirigidos aos jovens de baixa renda com o objetivo de combater o desemprego e conter a violência que grassava nos grandes centros urbanos do país. Na maior parte dos casos, eram programas oferecidos pelo poder público em parceria com organizações da sociedade civil, de caráter socioeducativo, articulados a uma proposta de transferência de renda e, em alguns casos, visavam facilitar a 10 inserção dos jovens no mundo do trabalho por meio de cursos de qualificação profissional. Como destacou Sposito (2007), as avaliações sobre esses programas ainda não são exaustivas, nem mesmo conclusivas, porém trazem elementos que sinalizam para alguns limites dessas iniciativas. Dentre as críticas podemos destacar: (i) a falta de articulação entre formação profissional e escolarização; (ii) a curta duração do processo formativo; (iii) a distância entre as proposta pedagógica dos cursos profissionalizantes e os conhecimentos e competências demandados pelo mercado de trabalho; (iv) a falta de envolvimento do setor produtivo no processo de construção das políticas de qualificação profissional. Nesse contexto, a política de aprendizagem profissional – desenhada na primeira metade do século XX e formulada, em sua versão atual, pela Lei nº 10.097/2000 – é apresentada pelos seus proponentes e apoiadores (com destaque para o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE) como uma alternativa no quadro das políticas públicas de juventude. A política de aprendizagem profissional, tal como na atual proposta do MTE, tem como principais objetivos: capacitação profissional adequada às demandas e às diversidades dos aprendizes, do mercado de trabalho e da sociedade; promoção da flexibilidade e da mobilidade no mercado de trabalho pela aquisição de competências básicas e contínuas, compreendendo conhecimentos, habilidades, atitudes e valores; elevação do nível de escolaridade do aprendiz; articulação de esforços das áreas de educação, do trabalho e emprego, da ciência e tecnologia, da assistência social e da saúde. 11 A Aprendizagem Profissional é uma política pública de caráter permanente, que reúne a qualificação e a inserção em uma única ação. Embora conste na legislação brasileira desde a década de 1940, foi modificada pela Lei da Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000) e está regulamentada pelo Decreto nº 5.598/2005, estabelecendo a obrigatoriedade de estabelecimentos de médio e grande porte de contratar jovens entre 14 e 24 anos como trabalhadores aprendizes. O trabalho dos aprendizes com idade inferior a 18 anos deve ser realizado de acordo com as normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que impede que os adolescentes atuem em locais prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, e preconiza que o trabalho seja realizado em horários e locais que permitam a frequência à escola. Do ponto de vista da inserção no mercado de trabalho, a Lei da Aprendizagem visa minimizar as atividades informais e aumentar as possibilidades de empregos legalizados para jovens ingressantes no mercado de trabalho. A proposta é de que enquanto o jovem aprende uma profissão e o funcionamento da vida corporativa, a organização se compromete em oferecer qualificação profissional a um iniciante, que ao final de um ou dois anos deverá estar apto a ingressar definitivamente no seu quadro de pessoal. Vários estudos apontam que a falta de experiência é o principal entrave para que os jovens consigam ingressar no mercado de trabalho. A Lei da Aprendizagem propõe superar esse problema por meio de um contrato especial de trabalho que possibilite aos jovens compatibilizar formação profissional teórica e experiência prática de trabalho. Além disso, a política de aprendizagem visa resolver um dos principais dilemas das políticas de inserção social de jovens de baixa renda, que seria garantir ao jovem a obtenção de renda sem comprometer a possibilidade de continuar seu processo formativo. O contrato de aprendiz possibilita que o jovem tenha um salário sem recorrer ao mercado informal e, o mais importante, sem abandonar os estudos. Uma das principais alterações na nova Lei da Aprendizagem foi a ampliação dos modelos de instituições habilitadas a realizar os cursos de qualificação e 12 acompanhar as atividades formativas dos jovens no espaço de trabalho. Desde a sua promulgação em 1943, a Lei da Aprendizagem previa que a formação dos adolescentes e jovens fosse conduzida pelos Serviços Nacionais de Aprendizagem, conjunto também conhecido como "sistema 'S'" (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai, Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio – Senac, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Senar, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – Senat e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop). Com a alteração da legislação em 2000, por meio da Lei nº 10.097, as escolas técnicas e organizações não-governamentais ganharam condições de oferecer programas de aprendizagem desde que devidamente registradas no Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente – CMDCA e certificadas pelo MTE. No entanto, há uma demanda por uma maior fiscalização com relação às condições de funcionamento das instituições formadoras, bem como da qualidade pedagógica dos cursos profissionalizantes ofertados. Todas as empresas de médio e grande porte (com receita bruta anual superior a R$ 1.200.000,00) devem contratar um número de aprendizes correspondente a no mínimo 5% e, no máximo, 15%, de seu quadro de funcionários. No entanto, a cota mínima está longe de ser atingida em todas as regiões do país. Aliás, o cumprimento da cota mínima é um dos principais esforços do MTE no que se refere à implementação dessa política. As empresas contratantes estabelecem parceria com entidades formadoras autorizadas a oferecer esse tipo de formação profissional. A carga horária máxima deve ser de 6 horas de trabalho por dia, podendo chegar até a 8 horas se o jovem tiver completado o Ensino Fundamental. Esse é um ponto controverso da Lei, pois na contramão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que prevê a “extensiva obrigatoriedade e gratuidade” do Ensino Médio, a Lei da Aprendizagem define que o jovem que concluiu o Ensino Fundamental pode atuar durante 8 horas diárias na empresa. Ainda no que se refere à relação entre aprendizagem e escolarização, a legislação não deixa claro se a frequência no Ensino Médio é obrigatória ou não, no caso do adolescente que já concluiu o Ensino Fundamental. Observe: 13 “Art. 428 - § 1o A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica”. A carga horária do jovem aprendiz deve ser dividida entre a empresa e uma instituição de qualificação que ministrará o curso de aprendizagem. A aprendizagem profissional consiste em formação técnico-profissional metódica, aliando conhecimento teórico com experiência prática, permitindo ao jovem aprender uma profissão e obter sua primeira experiência como trabalhador. Por se tratar de uma modalidade de formação no processo de trabalho, um funcionário da própria empresa deverá acompanhar o processo de “aprendizagem”, aliado ao “acompanhamento” de instituições do Sistema Nacional de Aprendizagem, escolas técnicas ou organizações da sociedade civil. No entanto, como observaremos com mais detalhe ao longo do relatório, esse processo de acompanhamento formativo no local de trabalho de trabalho nem sempre acontece. Na maioria das vezes, as instituições contratantes não têm um plano pedagógico e de trabalho preparado para os jovens aprendizes. A construção de estratégias pedagógicas que visem atender à proposta de compatibilizar a dinâmica de trabalho e o processo formativo no espaço de trabalho é um desafio de primeira de ordem da política de aprendizagem profissional. A alíquota de recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS sobre os contratos de aprendizagem cai de 8% para 2%. Por se tratar de um contrato de aprendizagem por tempo determinado (até dois anos), não há previsão nesta espécie de contrato – ainda que com registro formal em Carteira de Trabalho – de benefícios como pagamento de Aviso Prévio ou SeguroDesemprego. O salário mínimo pago será o salário mínimo/hora, “salvo condição mais favorável”; portanto, uma carga horária de 4 horas diárias corresponde à metade do salário mínimo, e assim sucessivamente. Outro órgão envolvido nesses programas é a Delegacia Regional do Trabalho – DRT, vinculada ao MTE, a qual é responsável por fiscalizar tanto o 14 cumprimento da Lei da Aprendizagem pelas empresas, como a execução do programa pelas entidades de formação profissional. O MTE também é responsável, de acordo com o Decreto nº 5.598/2005, por editar, em parceria com o Ministério da Educação, normas para avaliação da competência das entidades responsáveis pela formação técnico-profissional dos aprendizes. Lei da Aprendizagem Características Lei nº 10.097/2000 ampliada pelo Decreto Federal nº A lei 5.598/2005. Jovens de 14 a 24 anos de idade que estejam cursando o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio. No caso de pessoa com deficiência é permitida a contratação de jovens maiores O aprendiz de 24 anos de idade. Estabelecimentos de qualquer natureza. É facultativa a A empresa contratação de aprendizes pelas microempresas, bem como contratante pelas Entidades sem Fins Lucrativos. Remuneração Salário mínimo/hora. Até 6 horas diárias para aprendizes que cursam o Ensino Jornada de Fundamental. trabalho Até 8 horas para os que estão no Ensino Médio. Cota de aprendizes na empresa 5% a 15% das vagas do quadro de pessoal. Direitos trabalhistas 13º salário, vale-transporte e férias. Por tempo determinado, com duração de, no máximo, dois Contrato anos. Vínculo Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com registro 15 na carteira de trabalho (CTPS). Incentivos fiscais e 2% de FGTS, dispensa de aviso prévio, isenção de multa tributários rescisória. Órgão responsável pela fiscalização da lei Superintendência Regional do Trabalho 16 Procedimentos Metodológicos A pesquisa coletou informações sobre a Lei da Aprendizagem a partir de duas etapas, que serão descritas separadamente: i) Pesquisa com jovens que participaram de programas de aprendizagem; e ii) Pesquisa em instituições formadoras de aprendizes. O caráter complementar das duas frentes da pesquisa motivou a constituição desse desenho de pesquisa. A etapa quantitativa pode oferecer informações relacionadas a experiências de aprendizagem vivenciadas por jovens, assim como apontar os caminhos percorridos por estes mesmos jovens após a participação na aprendizagem. As visitas e entrevistas qualitativas permitiram, por sua vez, uma análise sobre a lei por jovens que atualmente são aprendizes, mas também por profissionais que atuam desde a fiscalização até a concepção e aplicação da política no cotidiano das instituições. Da pesquisa com jovens egressos de programas de aprendizagem Nessa etapa da pesquisa foi entrevistado um total de 448 jovens, sendo 142 em Fortaleza e 306 em São Paulo. A amostra foi construída a partir do cadastro de jovens aprendizes disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. A escolha das duas cidades deveu-se à presença significativa de jovens contratados como aprendizes no mercado de trabalho local. A primeira, São Paulo, é a cidade com o maior número de jovens contratados como aprendizes. Esse resultado deve-se, em parte, à proporção do mercado de trabalho dessa região, mas também à articulação entre diversos atores estratégicos: poder público, empresários, instituições do Sistema Nacional da Aprendizagem Profissional, organizações da sociedade civil, entre outros. Fortaleza, por sua vez, apresenta um caso bem-sucedido de implementação dos programas de aprendizagem. Essa cidade representa quase 20% dos jovens aprendizes contratados na região Nordeste. 17 A maior parte das entrevistas foi realizada presencialmente. Entretanto, diante de algumas dificuldades de localização dos jovens1, uma parcela das entrevistas foi feita a partir de contatos telefônicos. A realização das entrevistas foi orientada por um questionário estruturado 2 e as perguntas do instrumento relacionaram-se às vivências do jovem com a aprendizagem e às atuais experiências de trabalho e estudos. Buscou-se, assim, investigar se o jovem entrevistado entendia a experiência de aprendizagem como potencializadora de novas trajetórias profissionais e educacionais. Ainda, foram realizadas 10 entrevistas em profundidade, sendo 6 em São Paulo e 4 em Fortaleza, orientadas por um roteiro3, com jovens egressos que se dispuseram a contar com mais detalhamento as experiências do período em que foram aprendizes. Tais conversas auxiliaram na análise dos dados por possibilitar um olhar mais aprofundado sobre determinadas questões levantadas pela etapa quantitativa. Da pesquisa nas instituições formadoras A etapa qualitativa pesquisou quatro instituições formadoras de jovens aprendizes: CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), São Paulo-SP; Colmeia, São Paulo-SP; Escola Senai Mariano Ferraz, São Paulo-SP; e Fundação Pró-Cerrado, Aparecida de Goiânia-GO. As organizações visitadas não serão diretamente identificadas na apresentação e análise de suas falas a respeito da aprendizagem. Para tanto, a distinção entre elas será feita a partir das expressões Org1, Org2, Og3 e Org4. Para a definição das iniciativas pesquisadas buscou-se uma diversidade no que concerne à localidade, tipos de público e tamanho das organizações, fatores aliados à disponibilidade das instituições em receber a equipe de 1 Sobretudo relacionadas à localização dos jovens nos horários das entrevistas e à existência de endereços desatualizados no banco de dados. 2 Anexo a esse relatório. 3 Anexo a esse relatório. 18 pesquisa. Ainda que o foco da pesquisa qualitativa tenha sido o estado de São Paulo, sobretudo em decorrência das limitações de deslocamento da equipe de pesquisa, a Fundação Pró-Cerrado foi procurada tendo em vista a sua localização (em uma tentativa de observar a aprendizagem para além do território paulista) e a quantidade significativa de jovens atendidos. Essa etapa estruturou-se a partir da observação das atividades executadas pelas entidades e também pela realização de entrevistas com coordenadores, educadores (ou instrutores) e jovens aprendizes. Todas as conversas foram orientadas por roteiros cujas questões versavam sobre as experiências com a aprendizagem4. Em caráter complementar, foram ouvidos outros atores inseridos em processos relacionados à Aprendizagem: o articulador da Rede Pró-Aprendiz5, voltada às organizações que executam programas de aprendizagem; e um profissional da Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo6, que também é responsável pela coordenação do Fórum Paulista de Aprendizagem – Fopap7. Optou-se por realizar tais diálogos como forma de entrar em contato com diferentes olhares e formas de trabalho que promovem a articulação e a fiscalização das práticas de aprendizagem. 4 Anexos a esse relatório. 5 A Rede Pró-Aprendiz é uma iniciativa coordenada pela Fundação Pró-Cerrado que articula organizações diversas no sentido de promover a Lei da Aprendizagem enquanto política pública para a juventude no Brasil. Mais informações: http://aprendizagem.org.br/. Acesso em 07/10/2011. 6 A Superintendência Regional do Trabalho tem a função de fiscalizar o cumprimento da Lei da Aprendizagem no que concerne às práticas relacionadas às empresas e às instituições formadoras. 7 O Fórum Paulista de Aprendizagem é mandatário de uma política mais ampla que instituiu o Fórum Nacional e os Fóruns Estaduais de Aprendizagem. A atribuição desses órgãos é articular governo, instituições formadoras e empresas em torno da pauta da aprendizagem. Mais informações: http://www.mte.gov.br/eventos/forum_aprendizagem_sp/default.asp. Acesso em 07/10/2011. 19 |1| A Lei de Aprendizagem: um olhar a partir dos jovens aprendizes egressos Introdução Neste capítulo apresentaremos o resultado da investigação realizada com jovens egressos de programas de aprendizagem profissional entrevistados em duas cidades: Fortaleza, no Ceará, e São Paulo, capital. Nessa etapa da pesquisa foi entrevistado um total de 448 jovens, sendo 142 em Fortaleza e 306 em São Paulo. A amostra foi construída a partir do cadastro de jovens aprendizes disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. A escolha das duas cidades deveu-se à presença significativa de jovens contratados como aprendizes no mercado de trabalho local. A primeira, São Paulo, é a cidade com o maior número de jovens contratados como aprendizes. Esse resultado deve-se, em parte, à proporção do mercado de trabalho dessa região, mas também à articulação entre diversos atores estratégicos: poder público, empresários, instituições do Sistema Nacional da Aprendizagem Profissional, organizações da sociedade civil, entre outros. Fortaleza, por sua vez, apresenta um caso bem-sucedido de implementação dos programas de aprendizagem. Essa cidade representa quase 20% dos jovens aprendizes contratados na região Nordeste. Vale registrar que, de um modo geral, a adesão à Lei da Aprendizagem Profissional por parte dos empregadores ainda é bastante restrita. No esforço para ampliar o número de jovens contratados como aprendizes foi assinado, durante a Primeira Conferência Nacional da Aprendizagem Profissional, em 2008, uma carta de compromisso que tinha por meta atingir a marca de 800 mil jovens aprendizes contratados até 2010. Em 2011, o número de aprendizes contratados foi de 200 mil. 20 Tabela 1 – Jovens aprendizes contratados por região em 2011 Região Aprendizes contratados Brasil 231.050 Sudeste 116.340 Sul 41.705 Nordeste 35.998 Norte 13.743 Centro-Oeste 23.264 São Paulo 19.205 Fortaleza 7.118 Fonte: MTE/SISAPRENDIZAGEM O capítulo está dividido em três partes. No primeiro momento, apresentaremos o perfil social dos jovens entrevistados. Em seguida, discutiremos alguns aspectos da experiência dos jovens nos programas de aprendizagem profissional. Por fim, trataremos dos impactos dos programas de aprendizagem nas condições de inserção no mercado de trabalho. 1.1. Perfil social A pesquisa identificou uma maioria de mulheres entre os jovens egressos dos programas de aprendizagem: 198 homens e 247 mulheres. São 75 mulheres (53%) em Fortaleza contra 67 homens (47%). Em São Paulo os números são: 172 mulheres (57%) e 131 homens (43%). De acordo com os dados, não há muita diferença entre os sexos nos estados investigados com relação à participação nos programas, porém se mantém uma maioria de mulheres. 21 Tabela 2 – Distribuição dos entrevistados por sexo e município Masculino Feminino Total Geral Freq. 198 247 445 % 0.44 0.56 1 CE Freq. 67 75 142 % 0.47 0.53 1 SP Freq. 131 172 303 % 0.43 0.57 1 A Lei da Aprendizagem limita a idade dos aprendizes entre 14 e 24 anos, mas cabe lembrar que esse limite de idade pode ser estendido no caso das pessoas com deficiência. Na Figura 1 vê-se a distribuição etária dos jovens contatados pela pesquisa. Nota-se uma aproximação entre as médias de idade dos jovens das duas cidades: enquanto em Fortaleza os jovens têm em média 20 anos, em São Paulo a média é de pouco menos de 19 anos. Considerando que se trata de jovens egressos que concluíram a formação profissional entre os anos de 2007 e 2009, o que se pode apreender desse resultado é que a maioria dos jovens entrou nos programas de aprendizagem antes de alcançar a maioridade. Esse resultado parece indicar uma tendência nacional. Gonzalez (2009), analisando os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2008, identificou que mais de 70% dos aprendizes contratados naquele ano eram jovens de até 17 anos de idade. * Figura 1– Distribuição da idade dos entrevistados por município 22 A distribuição da raça/cor dos entrevistados é referida na Figura 2. Vemos que enquanto 42% se declaram brancos, 54% se definem como pretos e pardos. Figura 2 – Distribuição dos entrevistados por raça/cor Ao observarmos a distribuição da raça/cor por município, vemos que em Fortaleza há preponderância de pardos enquanto em São Paulo predominam os que se declaram brancos, conforme a figura abaixo. Figura 3 – Distribuição da cor dos entrevistados por município 23 Os dados sobre o perfil familiar dos jovens aprendizes egressos são instigantes. A Tabela 3, abaixo, indica que a maior parte dos entrevistados mora com o pai e a mãe: são 265 ou cerca de 60% dos jovens. Também é grande a proporção dos entrevistados que moram apenas com a mãe, quase 30%. Em São Paulo, a proporção dos aprendizes egressos que moram com seu pai e sua mãe – 64% – é bem maior que em Fortaleza – 48% –, onde é bem mais frequente que o jovem more apenas com a mãe: 37%. Tabela 3 – Distribuição dos entrevistados conforme com quem mora e município Com quem mora Pai e mãe Mãe Pai Outros Total Geral Freq 265 132 16 35 448 % 0.59 0.29 0.04 0.08 1.00 São Paulo Freq % 197 0.64 79 0.26 13 0.04 17 0.06 306 1.00 Fortaleza Freq % 68 0.48 53 0.37 3 0.02 18 0.13 142 1.00 Um dado surpreendente foi o número relativamente baixo de jovens com filhos, considerando inclusive a ampliação da faixa etária da política de aprendizagem para os jovens de até 24 anos. Apenas 26 dos 463 entrevistados disseram ter filhos, conforme a Figura 4, referida a seguir. A proporção dos que têm filhos (6%) é praticamente a mesma em São Paulo e Fortaleza. A maior parte dos entrevistados que têm filhos (20 em 26) são mulheres. Esse resultado está abaixo da média nacional. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad 2007, feita pelo IBGE, o número das jovens entre 15 e 19 anos que já tiveram filho corresponde a 10,7% da população nessa faixa etária. Quando considerado o diferencial de renda esses números tornam-se mais expressivos: 44,2 % das jovens entre 15 e 19 anos com filhos pertencem à faixa de renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. 24 Figura 4 – Distribuição dos entrevistados conforme tem filho ou não A maior parte dos entrevistados (80%) tem renda familiar entre um e cinco salários mínimos. A figura abaixo aponta diferenças significativas na distribuição da renda entre Fortaleza e São Paulo. Enquanto em São Paulo cerca de 10% ganham mais de cinco salários mínimos, em Fortaleza apenas 3% recebem o mesmo valor. Figura 5 – Distribuição da renda dos entrevistados por município 25 Na Figura 6 vemos que a maior parte dos entrevistados declarou que duas a três pessoas contribuem com a renda familiar. Mais uma vez há diferenças entre Fortaleza e São Paulo. Na capital paulista o número de pessoas que contribuem para renda familiar costuma ser maior que em Fortaleza. Figura 6 – Distribuição do número de pessoas que contribui com a renda familiar A maior parte dos entrevistados (60%) contribui com a renda familiar. 55% contribuem com metade ou menos da renda familiar. 38% não contribuem com a renda familiar. A Figura 7 mostra que nesse ponto não há grandes diferenças entre São Paulo e Fortaleza. 26 Figura 7 – Distribuição dos entrevistados conforme a participação na renda familiar. No que se refere à escolaridade, os dados apresentados sugerem que, para a maioria dos jovens profissionalização egressos coincide dos com o programas de aprendizagem, investimento na formação a escolar. Aproximadamente 60% dos entrevistados estavam estudando no momento da entrevista, enquanto cerca de 40% não estudavam. Dos que deixaram de estudar, quase a totalidade – 178 ou 97% – parou no Ensino Médio. Do restante, dois entrevistados pararam no primeiro ciclo do Ensino Fundamental, um parou no segundo ciclo do Ensino Fundamental, um evadiu do curso Superior e outro deixou de estudar quando cursava EJA (Educação de Jovens e Adultos). Quando observamos a situação por município, vemos que a amostra em Fortaleza se divide quase ao meio, enquanto em São Paulo a maior parte estava estudando. 27 Figura 8 – Distribuição dos entrevistados pela situação de estudo e município A grande maioria dos entrevistados que estava estudando cursava o nível superior. Eram 160 jovens, ou 61% do total. Em seguida vinham o Ensino Médio, com 60 entrevistados ou 23%, e o Ensino Técnico, com cerca de 10% dos entrevistados. A tabela abaixo registra a distribuição dos entrevistados pela série que cursavam. Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados pela série que estavam cursando Série 6 -9 EF 1 -3 EM Técnico Superior EJA Pré-Vestibular Total Freq. 1 60 25 160 3 15 264 % 0.00 0.23 0.09 0.61 0.01 0.06 1.00 A distribuição por município não é muito diferente da distribuição da amostra como um todo. A figura abaixo mostra que enquanto os aprendizes egressos de Fortaleza estavam menos presentes no Ensino Médio e em cursos técnicos, eles se encontravam em maior proporção no Ensino Superior. Também vemos 28 que há bem mais fortalezenses fazendo cursos pré-vestibulares do que paulistanos. Resultado que reflete, em grande medida, uma maior média de idade entre aprendizes egressos de Fortaleza. Figura 9 – Distribuição dos entrevistados por série e município A Tabela 5 registra que 80% dos jovens da amostra estudam à noite. A Figura 10 refere que a distribuição dos entrevistados por período e município segue a distribuição da amostra mais geral. Há mais jovens de Fortaleza estudando nos períodos de manhã e tarde do que em São Paulo. Tabela 5 – Distribuição da amostra por período de estudo Período Manhã Tarde Noite Total Freq 38 15 207 260 % 0.15 0.05 0.80 1.00 29 Figura 10 – Distribuição dos entrevistados por período de estudo e município A maior parte dos aprendizes egressos – 162 ou 63% – estudava em escolas/ faculdades privadas. A figura abaixo expressa que não há muita diferença quando levamos o município em consideração, a não ser a maior presença de escolas/faculdades públicas federais na amostra de Fortaleza. Figura 11 – Distribuição da amostra por tipo de escola/faculdade e por município A maior parte dos entrevistados não frequenta outros cursos. Em São Paulo, apenas 78 ou 25% dos jovens declararam fazer algum curso; esse número é de 41 ou 29% dos entrevistados em Fortaleza. Nesta cidade os jovens dividem30 se entre cursos de línguas e de informática, enquanto em São Paulo prevalece o curso de línguas. A figura abaixo evidencia a diferença entre São Paulo e Fortaleza nesta variável. Figura 12 – Distribuição dos entrevistados por tipo de curso que frequenta e município Os dados apresentados sugerem que os jovens atendidos pelos programas de aprendizagem profissional têm uma média de escolaridade superior à da maioria dos jovens brasileiros – 76% dos entrevistados completaram o Ensino Médio. De acordo com a Pnad 2009, a média de escolaridade dos brasileiros acima dos 15 anos de idade é de apenas 7,5 anos de estudo. No caso dos jovens de 18 a 24 anos, apenas 37% conseguem completar o Ensino Médio. Nesse sentido, um dos desafios da implementação da Lei da Aprendizagem é criar estratégias que estimulem o ingresso de jovens com baixa escolaridade – e consequentemente com maiores dificuldade de inserção laboral – nos programas de aprendizagem. A articulação com os programas de Educação de Jovens e Adultos – EJA pode ser um possível caminho. De acordo com os dados da pesquisa acima apresentados, podemos dizer que os jovens atendidos pelos programas de aprendizagem profissional, em sua maioria, moram com os pais, não têm filhos, pertencem a famílias com renda mensal próxima da média nacional, trabalham, mas não assumem a 31 responsabilidade de comporem sozinhos a renda familiar e apresentam um perfil escolar acima da média nacional. Enfim, trata-se de um jovem que tem por objetivo sua inserção no mercado de trabalho, mas, ao mesmo tempo reconhece a importância do formação escolar e da experiência no mercado formal de trabalho como credenciais importantes para acessar os postos de trabalho mais qualificados e rentáveis. No entanto, jovens egressos entrevistados não estão entre os grupos mais vulneráveis da juventude brasileira. Diante disso, um dos desafios para a política pública de Aprendizagem Profissional é construir estratégias de atendimento que viabilize o acesso dos jovens de menores renda e com baixa escolaridade nos programas. 1.2. A experiência com a Lei da Aprendizagem Ainda que a Lei da Aprendizagem adquira relativa centralidade no contexto das políticas de trabalho para a juventude e o número de contratos nessa modalidade de vínculo tenha crescido exponencialmente nos últimos anos (Gonzalez, 2009), os canais de informação sobre a existência da referida política ainda são bastante informais. A maior parte dos jovens soube da Lei da Aprendizagem por meio de amigos. A Figura 13 mostra que depois dos amigos vem o item “Outros Familiares” como fonte principal de informação sobre a Lei. Em Fortaleza, os "familiares" perdem um pouco para a “Escola/Professores” como fonte de informação da lei. Por sua vez, em São Paulo a escola e os professores não aparecem como uma fonte relevante de informação sobre a Lei da Aprendizagem. Nesta cidade a terceira fonte mais citada são as ONGs. A Internet aparece em quarto lugar nas duas cidades. 32 Figura 13 – Distribuição dos entrevistados pelo modo como ficaram sabendo da Lei da Aprendizagem8 A baixa presença de instâncias públicas no processo de divulgação da política de aprendizagem pode limitar o acesso dos jovens mais pobres e menos escolarizados aos programas profissionalizantes. A figura a seguir registra que o principal motivo que levou o jovem a procurar se inserir no mercado de trabalho por meio da Lei da Aprendizagem foi a vontade de trabalhar, seguido de perto pelo desejo de aprender uma profissão e pelo desejo de ter o próprio dinheiro. Em quarto lugar aparece a necessidade de trabalhar. Mais uma vez, fica claro que o acesso ao trabalho é um fator fundamental na construção da identidade juvenil por estar fortemente ligado ao desejo de autonomização social e econômica. Daí a importância de se pensar o trabalho como algo que não seja apenas um atenuante da pobreza ou alternativa à marginalidade e à exclusão. Trata-se de pensar o trabalho como direito e um componente essencial da formação do jovem como indivíduo e cidadão (Leite, 2003). 8 Lembramos que as barras na cor cinza referem-se à cidade de São Paulo. 33 Figura 14 – Distribuição dos entrevistados conforme o motivo que os levou a aderir à Lei da Aprendizagem Como já foi dito, a Lei do Aprendiz determina que os jovens que não tenham concluído o Ensino Fundamental devam realizar uma jornada de trabalho de até 20 horas semanais. No caso do jovem que esteja cursando ou tenha finalizado o Ensino Médio, sua jornada de trabalho pode chegar a até 40 horas semanais. A Figura 15 mostra que, em média, os jovens de Fortaleza tinham uma jornada de trabalho média menor que a dos jovens de São Paulo. Chama atenção que nessa última cidade 60% dos jovens aprendizes tenham 30 horas de trabalho semanal. 34 Figura 15 – Distribuição dos entrevistados conforme a duração média da jornada de trabalho A maior parte dos entrevistados, 310 ou 69%, recebe entre ½ e um salário mínimo. Essa faixa salarial é bem mais comum em São Paulo, onde foi citada por cerca de 80% dos jovens. Em Fortaleza metade dos jovens recebe ½ salário mínimo e a outra metade recebe entre ½ e um salário mínimo. 35 Figura 16 – Distribuição dos entrevistados conforme o salário que recebiam A quase totalidade dos jovens, 444 em 448, estava registrada em carteira. Dos três jovens que disseram não estarem registrados, dois trabalhavam em empresas onde outros aprendizes disseram ter registro, o que pode indicar algum tipo de erro. Do mesmo modo, a grande maioria dos jovens – 357 ou 80% – teve direito a férias durante a aprendizagem. Dos 91 que não tiveram férias, 71 trabalharam menos de um ano. Dos 20 que não tiveram férias, mas trabalharam mais de um ano, 13 eram de Fortaleza e sete de São Paulo, conforme a tabela abaixo. Em geral, a proporção de aprendizes que tiveram férias em Fortaleza era menor que a de São Paulo; isso é em parte explicado pela maior proporção de aprendizes com menos de um ano de trabalho naquela cidade. 36 Tabela 6 – Distribuição dos entrevistados conforme tiveram ou não férias por município Teve Férias Sim Não, mas trabal hou menos de um ano Não Total Fortaleza Freq. % 97 0.68 São Paulo Freq. % 260 0.85 Geral Freq. 357 % 0.80 32 0.23 39 0.13 71 0.16 13 142 0.09 1.00 7 306 0.02 1.00 20 448 0.04 1.00 O aspecto que os entrevistados apontaram como o mais importante no trabalho foi a possibilidade de aprender uma profissão9. Em seguida veio a relação com os colegas de trabalho e a oportunidade de ter o primeiro emprego. Não há diferenças significativas entre Fortaleza e São Paulo, conforme a Figura 17. Nessas respostas percebemos a importância do local de trabalho como um espaço significativo de aprendizagem e socialização. 9 Foi pedido aos entrevistados que ordenassem o que consideravam mais importante no trabalho. O gráfico apresenta os fatores mais citados, independentemente da ordem. Isso se justifica por não haver muita diferença na distribuição dos fatores nos diferentes rankings. 37 Figura 17 – Distribuição dos entrevistados conforme o que acham mais importante no trabalho No entanto, os jovens, em sua maioria, identificam o trabalho do aprendiz como pouco rentável e precário do ponto de vista da organização e das condições de trabalho. Além disso, os jovens egressos levantaram uma questão importante ao dizer que o vínculo como aprendiz, de algum modo, limita as possibilidades de mobilidade dentro da empresa em comparação com os jovens que não são aprendizes. Na contramão do que prevê a política de aprendizagem profissional. Conforme a Figura 18, a principal queixa dos entrevistados se referia ao salário: 138 jovens citaram o salário como a "pior coisa do trabalho", seguida por "não ter as mesmas oportunidades que os colegas de trabalho que não eram aprendizes". A terceira pior coisa era realizar tarefas que não foram previamente combinadas. O horário de trabalho e a dificuldade em realizar as tarefas foram queixas mais comuns em Fortaleza do que em São Paulo. 38 Figura 18 – Distribuição dos entrevistados conforme o que achavam pior no trabalho A Tabela 7 registra que a quase totalidade dos aprendizes fez curso profissionalizante enquanto estava na aprendizagem: 379 (85%) jovens fizeram cursos enquanto 69 (15%) não o fizeram10. Em Fortaleza, a proporção dos que fizeram cursos é maior do que em São Paulo, chegando a 95%. Não se deve ignorar que a existência dos cursos profissionalizantes é uma das condições legais para a efetuação do contrato de aprendiz. 10 Esses dados podem estar subestimando o número de pessoas que fizeram curso, pois 40 entrevistados que disseram não fazer curso afirmaram que sua avaliação positiva da Lei da Aprendizagem se devia à qualidade da formação recebida pela instituição, como será visto mais à frente. 39 Tabela 7 – Distribuição dos entrevistados conforme frequência a cursos durante a aprendizagem Fortaleza Fez curso durante aprendizado Sim Não Total São Paulo Geral Freq. % Freq. % Freq. % 135 7 142 0.95 0.05 1.00 244 62 306 0.80 0.20 1.00 379 69 448 0.85 0.15 1.00 Dos 379 que fizeram cursos profissionalizante durante a aprendizagem, 370 ou 98% fizeram curso presencial. Os únicos dois casos de curso totalmente à distância foram encontrados em Fortaleza. Ao serem perguntados sobre as contribuições do curso, a maior parte dos aprendizes egressos respondeu que ele contribuiu para o trabalho em equipe (186 citações ou 26% do total), resposta seguida de perto por "melhorou a comunicação interpessoal" (183 citações ou 25% do total). Figura 19 – Distribuição dos entrevistados conforme a sua opinião sobre a contribuição do curso 40 No que se refere à escolarização, a pesquisa revelou que na maioria dos casos o trabalho como aprendiz coincidiu com a frequência escolar. 324 entrevistados, 73% do total, disseram ter continuado a estudar durante todo o período da aprendizagem, e 48 declararam que não continuaram a estudar neste período. Dos 119 que ou não estudaram ou deixaram de estudar durante o período, 94 (79%) o fizeram porque concluíram o Ensino Médio. A Figura 20 torna claro que nesse aspecto não há grandes diferenças entre Fortaleza e São Paulo. Figura 20 – Distribuição dos entrevistados conforme frequência à escola durante o período de aprendizagem A maior parte dos entrevistados, 62%, disse ter concluído o programa de aprendizagem e 38% não o fizeram. A proporção de concluintes em São Paulo é cerca de 10% maior do que em Fortaleza, conforme a Figura 21. 41 Figura 21 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de conclusão do programa de aprendizagem e por município A Tabela 8 expressa a relação entre o tempo de aprendizagem e a situação de conclusão do programa. Vemos que, embora a maior parte dos que disseram ter concluído o fez em até dois anos, existem 53 casos de entrevistados que disseram ter concluído sem terem completado os dois anos estipulados pela lei. Dos que não concluíram, 72 chegaram a fazer mais de um ano e meio do programa. 42 Tabela 8 – Distribuição dos entrevistados por tempo de aprendizagem e ao situação de conclusão do programa concluiu Sim Não Total Até 6 meses 6 29 35 Tempo de Aprendizagem 7 a 18 meses 18 a 24 meses 47 223 65 72 112 295 Total 276 166 442 A Figura 22 mostra que a proporção de homens que concluiu o programa de aprendizagem é um pouco menor que a de mulheres concluintes. Figura 22 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de conclusão do programa de aprendizagem e por sexo O principal motivo para a não conclusão do programa de aprendizagem foi terem encontrado uma oportunidade melhor de trabalho. Em seguida vem a falta de tempo e em terceiro lugar a insatisfação com as atividades. Muitos entrevistados deram outros motivos para terem deixado o programa. O mais citado desses outros motivos foi terem sido demitidos. Enquanto os entrevistados de Fortaleza distribuíram-se de modo quase uniforme por todos os motivos, em São Paulo houve a preponderância de oportunidades melhores 43 de trabalho como motivo para terem deixado o programa. É o que mostra a Figura 23. Figura 23 – Distribuição dos entrevistados que não concluíram o programa de aprendizagem por motivo de saída e por município 44 A Figura 24 aponta que há um número significativo de jovens que concluiu o programa de aprendizagem e não recebeu o certificado. Foram 186 jovens certificados contra 91 que não foram certificados. Como pode ser visto na figura, não há diferenças significativas entre Fortaleza e São Paulo a esse respeito. Esse dado é um forte indicativo de que existem problemas na fiscalização da qualidade dos cursos profissionalizantes oferecidos pelas entidades formadoras. Figura 24 – Distribuição dos entrevistados conforme recebimento de certificado e por município 45 1. 3. Impacto da participação no programa de aprendizagem Ao serem perguntados se acreditavam que a sua participação nos programas de aprendizagem modificou a inserção no mercado de trabalho e o modo pelo qual isso teria acontecido, 166 jovens (38%) disseram que houve modificação, pois a experiência no mercado de trabalho como aprendiz aumentou a chance de conseguir um trabalho. Já 118 jovens (27%) responderam que houve modificação, pois aprenderam uma profissão. E 78 (18%) deles declararam que houve modificação, pois a aprendizagem ajudou a ter um emprego formal. Apenas 25 jovens (6%) afirmaram que a participação nos programas de aprendizagem não causou nenhuma modificação na sua inserção no mercado de trabalho. A Figura 25 explicita que enquanto em São Paulo a chance de conseguir trabalho foi o impacto mais citado da Lei da Aprendizagem, em Fortaleza esse impacto ficou atrás de aprender uma profissão. Em ambas as cidades a terceira colocação ficou com a ajuda em obter um emprego formal. 46 Figura 25 – Distribuição dos entrevistados conforme opinião acerca da participação no programa de aprendizagem O programa de aprendizagem foi avaliado como ótimo por 274 jovens (61%). Outros 147 (33%) julgaram o programa bom. Apenas 26 jovens consideraram o programa regular, ruim ou péssimo. Os entrevistados de Fortaleza avaliaram bem mais positivamente o programa do que os de São Paulo. Em Fortaleza 74% qualificaram o programa como ótimo, enquanto em São Paulo essa proporção caiu para 55%, conforme a Figura 26. 47 Figura 26 – Distribuição dos entrevistados conforme avaliação que fazem da Lei da Aprendizagem e por município O principal motivo que levou os entrevistados a avaliar positivamente o programa foi a qualidade dos tutores/supervisores na empresa, item citado por 307 jovens (cerca de 70% do total). O segundo motivo foi a qualidade da formação na instituição de ensino profissional, aspecto indicado por 288 jovens (64% do total). 48 Figura 27 – Distribuição dos entrevistados pelo motivo para avaliar o programa da maneira como o fizeram, por município Inserção no mercado de trabalho A maior parte dos jovens egressos dos programas de aprendizagem estava trabalhando no momento da entrevista: eram 287 contra 159 que não estavam trabalhando. No entanto, o número de jovens desempregados é bastante significativo, ultrapassando a marca dos 30% dos entrevistados. A proporção dos que trabalhavam era um pouco maior em São Paulo do que em Fortaleza, conforme a Figura 28. 49 Figura 28 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de ocupação e município A proporção de mulheres trabalhando é um pouco maior do que a de homens, como consta da Figura 29. 50 Figura 29 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de ocupação e sexo Dos que estavam trabalhando, 124 (44%) jovens aprendizes foram efetivados na empresa em que trabalhavam como aprendiz contra 155 (56%) que não o foram. Dos que foram efetivados, 34% permaneceram no mesmo cargo e 65% foram promovidos para um cargo melhor – e um jovem disse ter ido para um cargo pior. A Figura 30 mostra que a proporção dos efetivados em São Paulo (47%) é maior do que em Fortaleza (39%). 51 Figura 30 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam conforme situação de efetivação, por município Em geral as mulheres – apesar de trabalharem em maior proporção do que os homens – são menos efetivadas do que eles. Enquanto aproximadamente 50% dos homens foram efetivados, o mesmo aconteceu com 41% das mulheres, conforme a Figura 31. 52 Figura 31 – Distribuição dos entrevistados que estavam trabalhando conforme situação de efetivação, por sexo A menor proporção de mulheres efetivadas em relação aos homens demonstra um elemento que outras pesquisas sobre o mercado de trabalho já identificaram: elas encontram mais dificuldades para assumir postos de trabalho formais. Dos 155 jovens que não foram efetivados, apenas 24 (15%) foram encaminhados para outro trabalho. Destes, a metade continuou a atuar na mesma área em que atuava no programa de aprendizagem e, da outra metade, a totalidade menos um foi para cargos melhores. Dos 131 jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, a maior parte declarou ter conseguido trabalho por indicação de amigos (24%) seguido de agência de empregos (21%), a Internet (18%) e indicação de parentes (12%). A Figura 32 revela que em Fortaleza o recurso a agências de empregos e a indicação de parentes prevalecem sobre a indicação de amigos e a Internet, que são os fatores mais citados pelos paulistanos. 53 Figura 32 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme o modo como conseguiram trabalho e por município Dos jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, 43 (32%) atuavam na mesma área em que atuaram quando na aprendizagem. A Figura 33 mostra que em relação a esse ponto não há muita diferença entre Fortaleza e São Paulo. 54 Figura 33 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme situação de trabalho na mesma área de quando estavam na aprendizagem por município O setor de serviços é a principal porta de entrada para os jovens egressos que não foram contratados pelas empresas nas quais realizaram a aprendizagem. A maior parte dos jovens (53%) estava trabalhando no setor de serviços, seguido pelo comércio (19%) e pelos setores da saúde e da indústria (8% e 7% respectivamente). A Figura 34 mostra que enquanto em São Paulo a indústria ocupa a terceira posição entre os setores em que estes jovens atuam, em Fortaleza a terceira colocação é do setor de saúde. 55 Figura 34 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme o setor em que trabalhavam e por município Dos jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, 44% trabalhavam no atendimento ao público e 27% na área administrativa. Embora em São Paulo prevaleça o atendimento ao público, a distribuição nas duas cidades é similar, conforme a Figura 35. 56 Figura 35 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme a área em que trabalhavam e por município A esmagadora maioria dos entrevistados (236 ou 82%) que estava trabalhando, independentemente de terem sido efetivados, encaminhados ou não, tinha registro em carteira. 28 deles (10%) disseram que atuavam como estagiários, mas esse número pode ser bem maior, já que muitos estagiários se declararam como CLT. 14 jovens declararam ser autônomos. A distribuição em Fortaleza e em São Paulo é muito similar, com uma pequena preponderância de estagiários em Fortaleza, como pode ser visto na tabela abaixo. Tabela 9 – Distribuição dos entrevistados por tipo de vínculo empregatício Vínculo CLT Autônomo Estagiário Outros Total Fortaleza Freq. 63 4 13 2 82 % 0.77 0.05 0.16 0.02 1.00 São Paulo Freq. 173 10 15 6 204 % 0.85 0.05 0.07 0.03 1.00 Geral Freq. 236 14 28 8 286 % 0.83 0.05 0.10 0.03 1.00 57 Os jovens entrevistados começaram a trabalhar, em média, com 16 anos. 28 jovens declararam que começaram a trabalhar antes dos 14 anos e mais de um quarto da amostra (27%) começou a trabalhar com 14 ou 15 anos. A Figura 36, abaixo, torna claro que os jovens de Fortaleza começaram a trabalhar depois dos jovens de São Paulo. Figura 36 – Distribuição dos entrevistados pela idade com que começaram a trabalhar Aproximadamente 70% dos jovens começaram a trabalhar porque buscavam independência. 12% deles começaram a trabalhar para ajudar a família, mesma quantidade dos que começaram a trabalhar por necessidade, conforme a figura abaixo. Não há diferença entre as cidades de Fortaleza e São Paulo. 58 Figura 37 – Distribuição dos entrevistados conforme o motivo de terem começado a trabalhar A tabela a seguir refere que 87% dos jovens estavam estudando quando começaram a trabalhar. Essa quantidade é bem maior em São Paulo, onde 92% estudavam, do que em Fortaleza, onde 76% estudavam. Tabela 10 – Distribuição dos entrevistados conforme estavam ou não estudando quando começaram a trabalhar Estudava Sim Não Fortaleza São Paulo 0.76 0.92 0.24 0.08 Geral 0.87 0.13 Como vimos anteriormente, duas características marcam a transição da escola para o trabalho no Brasil: a maioria dos jovens entra no mercado de trabalho 59 antes de finalizar a educação básica obrigatória e é comum, para um número grande de jovens, conciliar trabalho com frequência à escola. Os dados da pesquisa confirmam esse padrão e sugerem que nem sempre a inserção no mercado de trabalho está associada à carência das condições de vida; a entrada no mundo do trabalho constitui um momento importante da experiência juvenil. 60 |2| Um olhar para o presente: as instituições formadoras Para compreender algumas das práticas relacionadas à execução da Lei da Aprendizagem, a pesquisa buscou acompanhar as experiências de instituições formadoras de aprendizes. Tais experiências foram discutidas à luz de diferentes olhares: as opiniões de coordenadores (e gestores ou supervisores); educadores ou instrutores; e jovens que, no período da pesquisa, estavam participando das atividades. As diferentes impressões contribuíram para a problematização das questões em comum apresentadas pelos entrevistados e levantaram outros debates que não teriam sido desvelados sem a contribuição das falas, percepções e conclusões de quem vivencia essa política. O presente capítulo propõe-se a expor os elementos levantados pelos profissionais vinculados às instituições, ou seja, gestores, coordenadores e instrutores. Além disso, apresentamos breves considerações coletadas junto ao órgão responsável pela fiscalização do cumprimento da Lei da Aprendizagem, a Superintendência Regional do Trabalho. 2.1. Informações sobre as organizações visitadas As quatro instituições visitadas possuem diferentes trajetórias no trabalho com a formação de aprendizes. Tais distinções são reveladas pelo cotidiano dos projetos, a forma de contratação de aprendizes, a estruturação das atividades, e também pela consolidação de cada instituição no campo da aprendizagem. Para facilitar a comparação entre as quatro organizações investigadas, formulamos um quadro com os critérios que foram considerados relevantes para a análise. Sua elaboração foi baseada nas informações concedidas pelos profissionais entrevistados ao longo da pesquisa. Foram levantados elementos tais como o método de seleção de aprendizes, a média de idade dos jovens, os materiais e atividades desenvolvidas no âmbito do curso de formação de aprendizes. 61 Instituição Org 1 Localização São Paulo-SP; Unidades descentralizadas Cursos oferecidos Ocupações administrativas (mais procurado); auxiliar de alimentação: preparo e serviços; auxiliar de produção industrial; comércio e varejo; conservação, limpeza e sustentabilidade ambiental; gestão pública; logística; práticas bancárias; telesserviços; turismo. Método de seleção Média de idade dos aprendizes Cadastro na instituição ou encaminhamento pelas próprias empresas contratantes 16 a 18 anos Org 2 São Paulo-SP; Jardim Europa Assistente administrativo, informática. Cadastro na instituição 16 a 20 anos (com grande presença de jovens de 17 e 18 anos) Org 3 Aparecida de Goiânia-GO Auxiliar administrativo; práticas bancárias (curso vinculado à Caixa). Cadastro na instituição; aceitam jovens não vinculados a empresas 16 a 18 anos Encaminhamento pelas empresas contratantes; se sobram vagas, abre-se cadastro para a comunidade; aceitam jovens não vinculados a empresas 14 a 18 anos Org 4 São Paulo-SP; Caldeiraria, eletricista de manutenção, Unidades mecânica de usinagem, ferramentaria, descentralizadas mecânica automobilística. 62 Instituição Org 1 Org 2 Org 3 Org 4 Duração da Carga horária aprendizagem semanal Metodologia e materiais Principais atividades Avaliação 24 meses 6 horas Material produzido pela Fundação Roberto Marinho; a metodologia é cíclica, permite que novos aprendizes sejam integrados a turmas já formadas. Aulas expositivas, discussões em sala, exibição de filmes, visitas a museus e monumentos da cidade. A avaliação é contínua e ocorre a partir das atividades realizadas. 8 horas Os conteúdos trabalhados são definidos pela instituição e organizados pelo instrutor; a metodologia é cíclica, permite que novos aprendizes sejam integrados a turmas já formadas. Aulas expositivas, discussões em sala, produção de conteúdos (textos, apresentações etc.). A avaliação é contínua e ocorre a partir das atividades realizadas. De 4 a 6 horas* Material da própria instituição; há três módulos principais: a metodologia é cíclica, permite que novos aprendizes sejam integrados a turmas já formadas. Aulas expositivas, discussões em sala, produção de conteúdos (textos, apresentações etc.), exibição de filmes. Todas as atividades são avaliadas e arquivadas em uma pasta, para que o jovem possa acompanhar seu desenvolvimento. 20 horas Material da própria instituição; o curso é dividido em quatro módulos com a duração de um semestre cada; as turmas são fechadas (não há possibilidade de integração de novos aprendizes no meio do processo). Aulas expositivas e práticas; olimpíadas entre os jovens (aprendizes ou não) de escolas vinculadas à mesma instituição. Os jovens são avaliados a cada fim de semestre por meio de provas. 12 meses Entre 18 e 24 meses 24 meses * A depender da carga horária de trabalho nas empresas (20 ou 30 horas). 63 2.2. As organizações no mundo da aprendizagem Todas as quatro instituições pesquisadas justificam o envolvimento com práticas relacionadas à Lei da Aprendizagem como tentativa de desenvolver uma atividade que proporcione a inserção juvenil no mercado de trabalho. No entanto, as organizações possuem tempos distintos no mundo da qualificação e inserção profissional de jovens. Das quatro, três delas são relativamente recentes no âmbito da Lei da Aprendizagem, ainda que as instituições sejam antigas e reconhecidas por outros tipos de intervenções dirigidas à juventude. A Org111 surgiu em 1964 e desde o início das suas atividades promove o encaminhamento de jovens por meio de estágios. Em 2003, a organização expandiu as possibilidades de formação de jovens para o trabalho a partir de um programa para a formação de aprendizes, primeiramente executado em Brasília para depois ser expandido para todo o país. Em 2005, houve a estruturação de um projeto mais amplo de aprendizagem, com diversas modalidades de formação, e em 2007 a instituição firmou uma parceria com a Fundação Roberto Marinho com o objetivo de intensificar a construção de programas e metodologias de aprendizagem, além de promover uma formação mais uniforme aos instrutores contratados para acompanhar as atividades dos jovens aprendizes. A Org212, por sua vez, foi fundada em 1942 e atua com atividades voltadas a crianças, adolescentes e jovens, sobretudo relacionadas a esportes, cultura e formação para o trabalho. A aprendizagem é algo relativamente novo na instituição, que trabalha com a questão desde o ano de 2006. Ainda que a prática seja recente e as turmas de aprendizes pequenas, a aprendizagem ganhou espaço na Org2 porque é encarada pelos coordenadores como possibilidade de inserção de adolescentes e jovens no mercado formal de trabalho, uma das propostas da instituição. 11 Os entrevistados na Org1 foram: Gerente do Programa Aprendiz; Analista técnica; Instrutora; dois jovens (moça e rapaz). 12 Na Org2, os entrevistados foram: Coordenadora da Aprendizagem; dois instrutores; dois jovens (moça e rapaz). 64 A Org313 atua com a aprendizagem desde a sua fundação, em 1994. Hoje, as atividades da instituição são voltadas à contratação, formação e encaminhamento dos jovens aprendizes, sendo que todas as suas ações compõem o programa de aprendizagem; há, inclusive, uma organização para garantir um atendimento socioassistencial inicial para jovens aprendizes que enfrentam dificuldades (relacionadas à família, saúde, condições econômicas etc.). A Org414 trabalha desde a sua fundação, também em 1942, com a formação de profissionais para o trabalho na indústria a partir da aprendizagem. A instituição ainda atua na área da formação oferecendo cursos técnicos e a atualização de profissionais já inseridos no mercado de trabalho. Além dessas três possibilidades de formação existentes, há hoje o oferecimento de cursos superiores de tecnologia. 2.3. Recrutamento e seleção dos jovens A vinculação dos jovens à Org1 por meio da aprendizagem pode ocorrer a partir de duas possibilidades. Ou os jovens já contratados pelas empresas são encaminhados pelos seus empregadores à formação na instituição, ou os jovens buscam a entidade e preenchem um cadastro, que fica à disposição das empresas para os processos de seleção de aprendizes. Segundo uma das profissionais que atuam na instituição: É que isso pode acontecer de diversas formas, por exemplo, um funcionário pode saber que a empresa tem vagas de aprendizes e indica um filho, sobrinho e aí ele primeiro faz a entrevista na empresa e depois ele é cadastrado pelo [Org1]. É uma das situações. Mas também tem muitos jovens que se cadastram primeiro no [Org1] e depois são encaminhados pra empresa. (Funcionária, Org1) Há casos relacionados à atuação da Org1 em que a instituição é não apenas a entidade formadora, mas também a contratante dos jovens aprendizes; ou seja, a empresa que faz o registro na carteira de trabalho do jovem é a própria Org1. De acordo com a coordenadora entrevistada, esses casos existem como estratégia para 13 Os entrevistados na Org3 foram: Gestora do Programa Aprendiz; Coordenadora da aprendizagem; duas instrutoras; três jovens (moça e dois rapazes). 14 Na Org4, foram entrevistados: Supervisor de avaliação educacional; Coordenador técnico de aprendizagem; Instrutor; Professora; dois jovens (moça e rapaz). 65 viabilizar a contratação de aprendizes por órgãos públicos, que não podem realizar contratações para além das viabilizadas por concursos públicos. O jovem que participa da formação de aprendizes realizada pela Org2 pode inserirse nesse processo a partir de uma inscrição na instituição. Diante de uma vaga para aprendiz em aberto, a coordenação do programa avalia o perfil dos jovens disponíveis em comparação ao perfil solicitado pela empresa (sobretudo em relação à idade, capacidade de comunicação verbal e escrita etc.) e indica os jovens para a realização de uma entrevista na contratante, que define quem será contratado. Do todo modo, a maior parte dos jovens aprendizes é ligada à instituição antes da experiência de aprendizagem, ou pela participação nas atividades de complementação ou por terem sido alunos dos cursos de capacitação profissional. A coordenadora ressaltou que a instituição busca encaminhar à aprendizagem os jovens já conhecidos da instituição, ou então solicita aos participantes indicações de colegas e amigos que tenham interesse em atuar como aprendizes: Antes a gente pegava só os que eram da capacitação nossa, porque a gente já tinha várias avaliações e já percebia durante esse processo todos os destaques que eles tinham (...). Agora, aí vem um perfil de quem está contratando e a gente bate com o perfil que a gente tem aqui (...). Eles passam o perfil pra gente e dentro dos critérios a gente seleciona o jovem com esse perfil. Envio dois ou três para eles escolherem. Como às vezes não calha o curso de capacitação para aquilo que vai pedir, eu peço indicação para os ex-aprendizes (...) que normalmente indicam gente legal. (Coordenadora, Org2) Uma questão diretamente relacionada às práticas de seleção e recrutamento dos jovens aprendizes refere-se a uma perspectiva, assumida pela instituição, de preferência por turmas pequenas de jovens aprendizes já conhecidos pelos profissionais que ali atuam: A gente aqui não se interessa muito por quantidade, a gente se interessa por qualidade. Quando a gente opta por isso, a gente também paga um preço; porque eu conheço o menino, sei a história de vida, ele já vem do meu projeto de capacitação anterior, entendeu? (...) Eu não lido com ele como número. (Coordenadora, Org2) A coordenadora esclarece que essa proximidade anterior com os jovens aprendizes facilita o diálogo durante o período de aprendizagem. Os jovens sentem-se mais confortáveis para apresentar suas impressões e queixas, muitas vezes relacionadas 66 a desvios de função e à realização de atividades não permitidas a aprendizes (sobretudo quando adolescentes): Ele devolve pra mim muitas vezes o que ele sofre na empresa. É um vínculo direto. Ele devolve pra mim muitas vezes que ele faz hora extra, que não pode. Ele devolve pra mim, por exemplo, que ele carrega peso, que ele ficou substituindo alguém em férias; eu estou falando de coisas que acontecem, que é o dia a dia da empresa, não estou dizendo nada de diferente. Não estou nem apontando uma empresa ou outra, é um processo. Só que existe um processo por parte mais da ONG, que tem ainda um olhar, porque ela que está indicando o jovem e já está habituada a lidar com esse processo educacional. (Coordenadora, Org2) As organizações não levantaram, em suas análises, os procedimentos realizados para os casos relatados de jovens que executam tarefas não previstas pelo plano de trabalho. Já o jovem que pretende tornar-se um aprendiz na Org3 tem duas possibilidades para inscrição na instituição: via página na internet ou pessoalmente, na Secretaria Estadual de Cidadania e Trabalho. Nesse momento, ele preenche um cadastro que fica no banco de dados da instituição e que será consultado quando alguma empresa solicitar o encaminhamento de jovens. Para realizar esse encaminhamento, a equipe de Recursos Humanos da instituição faz uma primeira triagem de candidatos com base no cadastro preenchido pelo jovem em comparação ao perfil solicitado pela empresa. Feita essa primeira seleção, a instituição encaminha o jovem para uma entrevista na empresa, que é quem define qual pessoa será contratada. A contratação, por sua vez, é feita via instituição; em outras palavras, o jovem aprendiz é registrado como funcionário da instituição e cedido à empresa para a prestação de serviços. As empresas repassam à instituição determinado valor por jovem aprendiz empregado em suas atividades. A Org3 foi a única instituição formadora visitada que identificou um processo seletivo – ainda que velado – dos jovens participantes dos processos de formação de aprendizes. Uma das entrevistadas informou que as empresas privadas parceiras da instituição preferem que seus aprendizes realizem a formação semanal aos sábados, fator que possibilitaria uma maior presença do aprendiz na empresa ao longo de toda a semana15. Dessa forma, o curso aos sábados concentra um número 15 A própria organização pesquisada faz essa escolha para os jovens que contrata como aprendizes e que atuam no setor administrativo da instituição. 67 maior de aprendizes vinculados a empresas privadas. Segundo uma entrevistada, essa concentração faz com que o sábado seja o dia mais trabalhoso para coordenadores e instrutores, e não apenas pela grande quantidade de aprendizes. Ela conta que esses jovens contratados por empresas privadas são mais “espertos”, têm mais estudo, mais conhecimento, e por isso “sugam” mais dos instrutores16. A entrevistada analisa que esse perfil mais “qualificado” dos jovens aprendizes nas empresas privadas não é coincidência. Ela afirma que no processo de seleção e contratação de jovens para as vagas de aprendizagem, as empresas solicitam pessoas com um perfil determinado, ao passo que os jovens com maiores dificuldades (sobretudo para a comunicação falada e escrita) são geralmente encaminhados às instituições públicas parceiras da Org3. Percebe-se que a despeito de a aprendizagem ser, em princípio, um momento de formação do jovem e uma primeira experiência de trabalho, há uma seleção inicial que indica a existência de certo recorte no tipo de jovem inserido na política; mesmo entre os sem experiência, há critérios outros que servem à classificação de eventuais candidatos. Um aspecto unicamente citado pela Org3 é o recebimento de jovens aprendizes em cumprimento de medidas socioeducativas (MSE). Segundo uma das funcionárias ouvidas, a organização recebe adolescentes autores de atos infracionais para participação nas atividades de aprendizagem, encaminhados por meio de uma determinação judicial e, geralmente, indicados para a experiência de aprendizagem em órgãos públicos, não passando por nenhum tipo de processo seletivo – obrigatório para os jovens que não cumprem MSE. Assim como a instituição formadora, os órgãos que recebem os aprendizes sabem que os jovens estão em cumprimento de MSE. Uma última questão relacionada ao recrutamento e seleção dos jovens foi encontrada nessa instituição17 e merece destaque: a integração de jovens que não atuam como aprendizes no programa de aprendizagem. Algumas pessoas que já se inscreveram no site da instituição e ainda não foram contratadas por empresas têm 16 Esse momento específico da conversa entre pesquisadora e funcionária ocorreu em uma etapa posterior à entrevista, que foi gravada. Diante da inexistência do áudio para manter a fidedignidade da fala da entrevistada, não há o uso de citações. 17 Assim como na Org4. 68 a opção de participar do curso de formação como se fossem aprendizes. No entanto, estes jovens não recebem apoio para custear o transporte até a sede da organização, tampouco o uniforme – que é obrigatório a todos os outros, não apenas nas dependências da instituição, mas também durante as atividades no local de trabalho. A participação nas atividades de formação no caráter de não-aprendizes os torna preferenciais em eventuais indicações posteriores para vagas em aberto que solicitem jovens com os seus perfis. Ainda que essa possa ser considerada uma forma de possibilitar um acesso dos jovens à formação profissional à revelia de um aparente déficit de vagas para a experiência da aprendizagem nas empresas, é necessário problematizar essa escolha da instituição. O primeiro aspecto é o recorte que se faz ao aceitar os jovens que se dispõem a custear o seu transporte até a instituição. Dessa forma, cria-se um filtro que impossibilita aos jovens que não tenham essa possibilidade financeira o acesso a uma formação prévia, formação essa que facilita, em alguma medida, a colocação em uma vaga de aprendizagem posterior. O segundo aspecto a ser problematizado decorre dessa facilitação para colocações posteriores enquanto jovens aprendizes. Se aqueles que participam da formação antes da conquista de uma vaga são preferenciais no momento de encaminhamento para oportunidades de aprendizagem, há um tratamento desigual dado pela instituição às moças e rapazes que se inscrevem em busca de uma primeira experiência profissional. Afinal, os que podem e se propõem a participar de uma préformação estão em vantagem se comparados ao universo de jovens que não se inserem nessa etapa. Cria-se, assim, uma espécie de “fila dupla” para o recrutamento e encaminhamento de aprendizes a empresas e órgãos públicos. Na Org4, há duas formas de ingresso de jovens aprendizes para as atividades de formação. As primeiras vagas são destinadas às pessoas encaminhadas pelas empresas. Em outras palavras, as empresas que contratam os jovens para o trabalho na condição de aprendizes são as responsáveis pela sua seleção. Caso esse primeiro processo seja concluído e ainda existam vagas para o curso de formação, a Org4 abre à comunidade a possibilidade de inscrição de jovens interessados. Se a demanda for maior do que as vagas em aberto, essa segunda 69 turma de jovens passa por uma prova de seleção18. Cabe dizer que esses jovens que acessam a formação de aprendizes por meio das vagas abertas à comunidade não possuem vinculação com nenhuma empresa no início da formação, e podem ser (ou não) contratados ao longo do curso cuja duração é de dois anos 19. Um dos instrutores entrevistados afirmou que a Org4 possui uma meta de aprendizes contratados que deve ser cumprida. Para tanto a organização, além de receber a demanda de aprendizes diretamente das empresas, procura outras empresas para que possam incluir mais jovens: Instrutor: Porque nós temos uma meta a atingir de alunos empregados. Como a gente tem o índice dentro do ISO 9001, se não atingir essa meta, eles são obrigados a correr atrás de empresas para que a gente possa atingir nossa meta. Pesquisadora: Então existe uma meta a ser atingida... I: Sim, existe uma meta a ser atingida semestralmente. Não é nem anual, é semestral. (Instrutor, Org4) A meta a ser alcançada na contratação de aprendizes pode não ser algo exclusivo da organização em questão, mas não apareceu no momento da pesquisa em outras instituições – que, sem dúvida, podem se orientar por um parâmetro semelhante. A carga horária do curso de formação foi outro aspecto questionado por outras instituições que apareceu de forma explícita e demarcada na Org4. Os dois instrutores entrevistados apontaram que gostariam que o tempo que o jovem passa na escola de formação fosse expandido20. Lembrando que a Org4 é a única que recebe os jovens aprendizes durante todos os dias da semana: Acredito que se conseguíssemos aumentar um pouco da carga horária seria melhor. Haja vista que antigamente os alunos ficavam tempo integral no [Org4]. Hoje é meio período, com isso todos os componentes curriculares, todas as matérias acabaram sendo reduzidas. (Instrutor, Org4) Seria o ideal que eles ficassem mais tempo aqui. (Instrutora, Org4) 18 Essa prova cobra conhecimentos de disciplinas como Matemática e Português. 19 Todos os cursos de formação de aprendizes dessa organização têm seus conteúdos distribuídos ao longo de dois anos. 20 Em sentido contrário, um dos entrevistados na Org2 manifestou seu interesse em diminuir a carga horária do curso de formação, argumentando que os jovens não conseguem se concentrar e manter uma boa participação em 8 horas de formação (período utilizado pela instituição para a formação, que ocorre em um dia). 70 A vontade dos instrutores de que os jovens permaneçam na instituição por um tempo maior do que o meio período diário denota certa concepção do espaço da escola formadora como local de socialização e aprendizagem em um sentido mais amplo. 2.4. Metodologias de trabalho (materiais utilizados, período de formação dos jovens) As organizações possuem diferentes materiais que sistematizam a metodologia orientadora do trabalho de formação dos jovens aprendizes. A despeito dessa distinção, pode-se perceber que alguns aspectos são recorrentes nos processos formativos – a orientação mais geral e voltada para o comportamento dos jovens no mercado de trabalho, por exemplo. A metodologia utilizada pela Org1 na formação dos aprendizes foi desenvolvida pela Fundação Roberto Marinho e, aparentemente, não é exclusiva da instituição pesquisada21. Há materiais distintos para os períodos de formação geral e específica dos aprendizes – os últimos são separados entre os tipos de cursos oferecidos. O período de formação de um jovem aprendiz é distribuído em dois anos de curso: no primeiro ano, são oferecidos conteúdos básicos a todas as turmas de aprendizes, que discutem temas relacionados à cidadania multicultural; de acordo com duas funcionárias entrevistadas, esse primeiro ciclo debate questões como trabalho, linguagem e identidade. As atividades realizadas são visitas externas (a museus, por exemplo), filmes22, jogos23 e palestras – foram citadas palestras de representantes 21 Questionados sobre a possibilidade de cessão de alguns materiais para análise na pesquisa, uma entrevistada afirmou que não seria possível, mas que esses materiais estariam à venda na Livraria Saraiva (e seriam utilizados por uma miríade de instituições para a formação de jovens). No entanto, a equipe de pesquisa não conseguiu localizar os materiais na referida livraria. 22 “Não mais que uma vez por mês”, segundo uma funcionária entrevistada. 23 O jogo Banco Imobiliário foi citado como exemplo. 71 da Bayer, sobre sexualidade; DSOP24, sobre educação financeira; Procon, sobre direitos do consumidor; e CADS25, sobre homofobia. No segundo ano, a formação é específica na área experimentada pelo aprendiz no cotidiano da empresa. A formação mais antiga e mais pedida pelas empresas é, segundo a coordenadora entrevistada, a de “ocupações administrativas”. Num aparte à discussão sobre os cursos já oferecidos pela Org1 no período da pesquisa, foram citadas duas novas formações que estão sendo desenvolvidas no âmbito da aprendizagem: auxiliar de cozinha e auxiliar de limpeza. A justificativa apresentada para a implementação de tais cursos na aprendizagem é que se buscará uma formação que valorize uma percepção de utilização sustentável de recursos e preservação do meio ambiente: “o diferencial deles é um foco no meio ambiente”. Percebe-se que há certa apropriação de um discurso e um proceder que têm conquistado espaço (a discussão relacionada ao meio ambiente) para a valorização de duas formações que geralmente estão associadas a ocupações de baixa qualificação e baixa remuneração. Já sobre as práticas hoje realizadas pela instituição no âmbito da aprendizagem, a orientação do que deve ser realizado é a mesma para todo o Brasil, mas há espaço para certa intervenção do instrutor no cotidiano das atividades voltadas à formação dos aprendizes, conforme duas das profissionais ouvidas: - Aí vai muito da criatividade do instrutor... - E que são muito criativos, tá? (Diálogo entre duas funcionárias do administrativo, Org1) Os conteúdos debatidos pelo curso de formação são cíclicos, ou seja, os jovens podem ingressar na formação da aprendizagem com o curso em andamento, uma vez que a metodologia prevê certa maleabilidade nos conteúdos. Além disso, duas das profissionais ouvidas reforçaram que o curso de formação não se estrutura em torno de conteúdos, mas busca desenvolver as competências dos jovens: 24 O Instituto DSOP de Educação Financeira apresenta-se como “dedicado à disseminação da educação financeira no Brasil e no mundo”. Para saber mais: <www.dsop.com.br>. Acesso em: 29 ago. 2011. 25 CADS é a Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual, ligada à Prefeitura Municipal de São Paulo. Para saber mais: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/participacao_parceria/coordenadorias/cads/>. em: 29 ago. 2011. Acesso 72 Não é conteudista, né, é foco nas competências (Funcionária do administrativo, Org1) É interessante notar o uso de uma linguagem advinda da Pedagogia para explicar a metodologia aplicada aos jovens aprendizes. A recorrência da afirmação de que há o uso de “competências” em detrimento de uma linguagem “conteudista” reflete um debate mandatário da produção de conhecimento na área da Educação que não necessariamente é amadurecido pelas instituições. Tem-se, assim, uma apropriação do discurso sem uma consequente apropriação da prática. Uma recente pesquisa realizada pelo Centro Ruth Cardoso e Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural e de Ação Comunitária – Ideca26 apontou essa mesma apropriação livre de elementos e discursos da pedagogia em projetos voltados à formação de jovens para o mercado de trabalho, muitas vezes não dialogáveis entre si e não necessariamente apropriados à prática da instituição: Dentre as referências teóricas citadas pelos entrevistados nas ONGs como lastro para suas propostas formativas estão autores como Paulo Freire, Antonio Carlos Gomes da Costa, Edgar Morin, Célestin Freinet, Korchak, Pedro Demo e Lev Vigotski. Vale notar que em muitos casos as referências convivem em uma única proposta, em que pesem as possíveis distinções teóricas entre eles. Além destes, foram frequentemente citados os documentos Quatro Pilares da Educação (Unesco, Jacques Delors), o Código da Modernidade (Bernardo Toro) e Classificação Brasileira de Ocupações. São também destacados pela maioria princípios gerais, como respeito à autonomia dos jovens; a importância da formação em cidadania, ética e valores; conceitos acerca do protagonismo e empreendedorismo juvenil; bem como o conjunto [de] conhecimentos, habilidades e atitudes como estruturantes para a prática didática. (Relatório da pesquisa Juventude e Mercado de Trabalho. Centro Ruth Cardoso, 2010). Na Org2, a maior parte dos jovens aprendizes vivencia experiências de aprendizagem na área administrativa. No entanto, a metodologia da instituição traz conteúdos que não versam apenas sobre as questões técnicas relacionadas à prática da aprendizagem, mas trabalham elementos como valores, ética e comportamento, além de promover atividades externas – tais como passeios culturais e visitas a atividades sobre a aprendizagem. A discussão sobre comportamento é mandatária de certa lógica de adequar o jovem a determinadas formas de agir que sejam aceitáveis ao que se convenciona a 26 Pesquisa Juventude e Mercado de Trabalho. Cadernos Ruth Cardoso 2/2011. Disponível em: <http://www.centroruthcardoso.org.br/anx/Juventude_e_mercado_de_trabalho.pdf>. 73 respeito do mundo do trabalho. Dessa forma, parte do curso se debruça sobre certa preparação do jovem para identificar e manejar as vivências no trabalho, também relacionadas ao convívio com outros profissionais. Há, ademais, uma tentativa de adequação desse mesmo aprendiz no que concerne aos comportamentos tidos como aceitáveis para o espaço do trabalho, desde a entrevista de emprego até a convivência cotidiana: A gente também aprendeu que existe aquele módulo básico que trata da questão pessoal, do desenvolvimento pessoal: quem é ele, que tipo de identidade ele tem, como ele lida com as pessoas, como ele encara o trabalho em equipe, cidadania, respeito para com os outros. Isso é fundamental em qualquer curso de capacitação, porque um bom profissional não é só aquele que tem a técnica, a âncora do projeto ou do curso; ele tem que também ter todo esse respaldo, não só do básico, mas também da gestão que é o profissional, que mercado é esse que ele está escolhendo, que características tem que ter a pessoa para trabalhar nessa área, para ele começar a se identificar com coisas, fazer um bom currículo, como se comportar em uma entrevista de emprego. (Coordenadora, Org2) Outro elemento relacionado à necessidade de proporcionar ao jovem a discussão de conteúdos mais gerais e não exclusivamente relacionados à atividade de aprendizagem faz referência a uma necessidade dos jovens, identificada pela coordenação, de acesso a conteúdos e debates até então desconhecidos: Mas o que de interessante e de diferente eu posso aliar a isso e somar na questão profissional e pessoal dele. Porque a gente sabe que como eles são algumas vezes carentes – e carente eu digo em conceito, não é só economicamente. (Coordenadora, Org2) A metodologia de trabalho da Org2 não está sistematizada, mas a fala dos coordenadores e instrutores indica a existência de um conhecimento comum e compartilhado sobre as práticas relacionadas à etapa teórica da aprendizagem ali desenvolvida. Percebe-se que a despeito de a metodologia não ter sido organizada em um determinado documento, os profissionais a conhecem e compartilham da proposta da organização na execução das atividades. Além das discussões relacionadas a comportamento, supracitadas, a metodologia abrange aulas de computação, discussões sobre ética (não apenas relacionada ao trabalho) e questões específicas relacionadas ao tipo de atividade desenvolvida pelos jovens na aprendizagem. 74 Nas atividades acompanhadas pela equipe de pesquisa, a discussão dos temas com os jovens estruturou-se a partir de provocações e comentários levantados pelo instrutor a respeito de determinado tema e a posterior discussão entre os jovens aliada à elaboração de um “produto” da discussão27. Outro aspecto da metodologia, para além dos conteúdos abordados, relaciona-se à possibilidade de inserção de novos aprendizes em turmas já formadas ao longo de todo o processo de aprendizagem. De acordo com a coordenadora, o conteúdo é proposto de forma que os instrutores sempre façam referência às discussões anteriormente realizadas para retomar os conteúdos com os jovens que já estavam em processo de formação e inserir no debate aqueles recém-chegados na condição de aprendizes. A política da Org2 é assinar contratos de aprendizagem que tenham a duração de um ano. Tais contratos geralmente não são prorrogados justamente por conta do esforço da coordenação em buscar a efetivação dos jovens tão logo o período de aprendizagem tenha fim. E diante dessa prática instituída na organização, há certa opinião de que não são necessários dois anos para a formação de um jovem aprendiz. De acordo com uma das instrutoras entrevistadas, um ano é suficiente para que o jovem se “adapte” à lógica do trabalho e possa desenvolver, a partir daí e inserido no trabalho formal, atividades não mais vinculadas à aprendizagem: Eu acho que o essencial ai é realmente o fator da gente conseguir acompanhar (...), mas um ano é o suficiente pra fazer isso, mais do que isso eu acho muito. (Instrutora, Org2) Vale dizer que essa visão acerca do tempo ideal para a permanência do jovem como aprendiz não se coaduna com a opinião de gestores e funcionários de outros programas visitados; em geral, identificou-se a defesa de que o jovem permaneça como aprendiz por um período de dois anos. Em duas das instituições visitadas, o conteúdo do programa é instituído diante da perspectiva que o jovem permaneça como aprendiz por um período de dois anos; na terceira organização visitada, o período de dois anos não é o orientador dos conteúdos, ainda que as aulas de formação permitam que um jovem permaneça no programa durante esse tempo. 27 No dia da pesquisa, os produtos elaborados pelos jovens foram uma folha com respostas individuais e uma apresentação de power point, feita coletivamente. 75 No tocante à Org3, a grande maioria dos aprendizes que se encontram em processo de formação exercem atividades na área administrativa – tanto em empresas privadas quanto no setor público. Segundo a coordenação, este último é o principal parceiro da organização para a contratação de aprendizes. Essa é, inclusive, uma das justificativas para o esquema de contratação dos jovens aplicado pela organização28. O curso de formação oferecido é dividido em três principais etapas: a primeira delas, um módulo básico, consiste em uma formação sobre o mercado de trabalho, cuja duração é de 15 dias corridos. Nessa etapa, o jovem ainda não desenvolve atividades nas empresas, ficando apenas na unidade da instituição. Após essa primeira formação, o jovem passa a frequentar a instituição semanalmente para participar da formação sob o módulo profissionalizante, que possui uma série de encontros, e dá início ao trabalho no local que o contratou, onde fica nos outros dias da semana. O dia de participação dos jovens nas atividades do núcleo é variável, podendo acontecer desde a segunda-feira até o sábado. O aprendiz passa a frequentar a instituição semanalmente assim que ingressa no módulo básico; após a conclusão dessa etapa, iniciam-se as aulas sobre conteúdos específicos, cuja quantidade de encontros é variável de acordo com o tipo de formação oferecida. É apenas nessa fase que há uma especialização da formação de acordo com o setor que contrata o jovem aprendiz. Todos os módulos têm aulas cuja duração é de cerca de 4 horas. Assim, a instituição recebe aprendizes em dois períodos do dia, com aulas de manhã e à tarde. Segundo as coordenadoras ouvidas, as aulas independem umas das outras para serem acompanhadas pelos jovens. A metodologia foi criada para que os encontros fossem efetivamente independentes, tendo em vista que os jovens ingressam e concluem suas etapas de formação em momentos diferentes. Seria, assim, impraticável esperar a formação de turmas fechadas e a aplicação de um módulo que presumisse uma continuidade na apresentação dos conteúdos. 28 Em entrevista, o coordenador do Fórum Paulista de Aprendizagem apontou essa forma de contratação como uma saída plausível para a inserção de aprendizes no serviço público, prática ainda muito pouco aplicada. 76 Ainda que coordenadores e instrutores tenham elogios à metodologia, houve ponderações voltadas à sua recente sistematização e, consequentemente, a questões que precisam ser mais bem trabalhadas: A gente até conversou com a [responsável pela metodologia], ela está até ciente já que eu acho que a metodologia está se esbarrando muito. Não no conteúdo em si, que ele é muito bom, mas o que se esbarra, que a gente tem a dificuldade ainda é na questão dos recursos [filmes e músicas], que tem a sugestão, mas que ainda a gente não tem os materiais para aplicar. (Instrutora, Org3) Outra questão notável foi a presença de uma religiosidade mais aguçada do que nas outras instituições visitadas (ainda que na Org4, por exemplo, pudéssemos ver crucifixos nas paredes). Na Org3, antes do início das aulas dos dois períodos, há uma espécie de “mística” realizada como atividade inicial. Todos os jovens e instrutores se reúnem no auditório e há um espaço para a socialização de informes e recados29. Após essa primeira etapa, uma das funcionárias lê o trecho de um livro que parece conter uma série de excertos voltados a certa reflexão e, depois da leitura, solicita que os jovens abaixem a cabeça para que se faça uma oração. Ao final da oração, os jovens saem do auditório de acordo com as salas que frequentam e orientados pelas suas respectivas instrutoras. De acordo com os profissionais entrevistados, a oração não faz referência a nenhuma religião em específico e há respeito caso o jovem não queira tomar parte dela. Contudo, não se viu nenhum jovem deixando de participar dessa atividade inicial, a despeito do caráter opcional evocado por uma funcionária. Diferentemente de todas as outras instituições, os aprendizes vão todos os dias à Org4, no período matutino ou vespertino. Para aqueles que já estão inseridos em alguma empresa, os horários de trabalho são dispostos no período em que não estão na Org4, mas há casos em que os aprendizes participam da formação ao longo do semestre e trabalham na empresa apenas durante o período de férias escolares, ainda que recebam o salário da aprendizagem durante todo o processo de formação. A utilização desse esquema que permite ao jovem o trabalho apenas durante o mês de férias atende à necessidade de continuidade dos estudos 29 Em um dos dias de visita, esse momento inicial de informes foi utilizado para uma “bronca” coletiva direcionada aos jovens para que tomassem cuidado ao chegar à unidade da instituição, tendo em vista o perigo de atropelamentos. 77 regulares, sobretudo porque instrutores e coordenadores explicitam que a maior parte das pessoas inseridas na aprendizagem tem até 18 anos – período que compreende a formação relativa ao Ensino Médio. A Org4 tem, por fim, um discurso que valoriza constantemente a estrutura que proporciona aos jovens e a gratuidade dos cursos de aprendizagem oferecidos. Um exemplo é a constante referência a uma máquina que custou mais de um milhão de reais e fica à disposição dos jovens nas atividades de aprendizagem; isso foi comentado tanto pelo coordenador entrevistado quanto por um dos instrutores que nos recebeu30. 2.5. O diálogo com as empresas A relação da Org1 com as empresas contratantes apresenta certas dificuldades, sobretudo relacionadas à comunicação com os responsáveis pela aprendizagem na empresa. O diagnóstico da entrevistada indica que os profissionais que respondem a essa política nas empresas geralmente desconhecem a legislação relacionada à aprendizagem, elemento que demonstra a necessidade de formulação de medidas para trabalhar junto às empresas: A gente cuida do jovem, mas tem que dar suporte para o gestor. (Coordenadora, Org1) Somada à problematização acerca do pouco preparo do setor empresarial para o trabalho com os jovens aprendizes31, tem-se a visão de que há dificuldades de fiscalização da aplicação da aprendizagem nas empresas. A entrevistada conta que não há uma padronização do entendimento sobre a política entre os fiscais do trabalho, fator que dificultaria a consolidação da aprendizagem. 30 É curioso lembrar que, em ambos os discursos, a analogia utilizada para explicar à pesquisadora a importância da concessão da máquina aos jovens aprendizes foi a mesma: a pesquisadora foi questionada se emprestaria um carro zero quilômetro para um irmão mais novo aprender a dirigir; a resposta dada pelos funcionários da instituição é que a Org4 oferece uma máquina cara (análoga ao carro) para adolescentes de 14 a 16 anos aprenderem a trabalhar. 31 O Fórum Paulista de Aprendizagem se propõe a ser um espaço que permite congregar os diversos atores envolvidos com a aprendizagem, tais como as instituições formadoras e as empresas que recebem os jovens. No entanto, a fala de um dos responsáveis pela coordenação do Fórum torna claro que a participação das empresas é menos significativa do que poderia – ou deveria – ser. 78 Na Org2, ainda que se constate a existência de práticas no interior das empresas que provoquem os jovens para a realização de atividades não acordadas ou estabelecidas no período de assinatura do contrato, a coordenadora aponta que este não é um problema específico de determinada empresa, mas já é parte do processo da aprendizagem – uma relativização do fato de as empresas não cumprirem com o estabelecido pela legislação. Pode-se dizer que o não cumprimento da legislação por parte das empresas é motivado por dois fatores, que não necessariamente são excludentes: o primeiro refere-se a um eventual desconhecimento da lei e das disposições que estabelecem os princípios orientadores da aprendizagem; o segundo fator é a percepção existente nas empresas, indicada por alguns dos entrevistados, de que o jovem aprendiz é um funcionário “tapa-buraco”, que pode ser utilizado para a resolução de qualquer pendência existente no âmbito da empresa. Outro aspecto associado à relação com as empresas, referido pela coordenadora da Org2, diz respeito à dificuldade que os jovens rapazes de 17 anos enfrentam para inserirem-se na aprendizagem em decorrência do período de alistamento militar. As empresas optam por contratar ou jovens mais novos ou aqueles com 18 anos que já possuem o certificado de reservista. Sobre a contratação dos aprendizes como funcionários regulares das empresas após a conclusão do contrato, a coordenadora da Org2 afirma que 80% dos jovens são efetivados. Ainda de acordo com a entrevistada, a proporção de efetivados tem origem no contato cotidiano que a instituição estabelece com as empresas, que possibilita a discussão do desempenho do jovem e das perspectivas possíveis de contratação. A coordenação da mesma organização também conta que um empecilho à expansão de vagas do projeto é, ainda, a dificuldade em articular parcerias junto a empresas, prática que poderia produzir mais vagas. Aliada a essa dificuldade somam-se os dois elementos já citados e relacionados a desafios na aprendizagem: as deficiências da fiscalização do cumprimento das cotas empresariais e a preferência que a própria norma exprime pela formação concedida por organizações do “sistema „S‟”. 79 Com relação à Org3, são muitas as empresas parceiras e variadas as áreas de atuação, ainda que predominem as instituições públicas na oferta de vagas para aprendizes. De acordo com os profissionais entrevistados, a organização firma parcerias com as empresas a partir de um contato inicial realizado por uma equipe de prospecção, que visita empresas justamente para propor a contratação de aprendizes. Definida a parceria, os jovens aprendizes são selecionados e encaminhados para a experiência. A instituição mantém o contato com essas organizações parceiras por meio de uma visita trimestral, realizada por uma instrutora. Nesse momento, a profissional da Org3 conversa com o responsável pela orientação do jovem na empresa visando à coleta de informações sobre o andamento do trabalho do aprendiz. Segundo uma das instrutoras entrevistadas, há um cuidado para não passar a impressão de que a visita é para fiscalização da empresa ou do tratamento concedido ao jovem; no entanto, há casos em que o jovem relata determinada questão (como desvio de função, má relação com supervisores etc.) e a visita serve à confirmação (ou não) do que foi contado pelo aprendiz. No período da pesquisa de campo, uma das instrutoras realizou visita a uma empresa parceira, atividade acompanhada pela pesquisadora. Na empresa, uma metalúrgica, havia um jovem aprendiz na área de serviços administrativos. A responsável direta pelas atividades do aprendiz não estava presente, tampouco o jovem. Dessa forma, a conversa ocorreu com outra pessoa que também estava listada como um eventual contato da Org3 para diálogo sobre a aprendizagem e foi bastante breve, limitando-se a questionamentos relacionados ao andamento do trabalho do jovem. A visita às empresas parceiras onde os aprendizes desenvolvem seu trabalho parece ser uma ferramenta interessante para o acompanhamento das práticas e a fiscalização – ainda que latente – das condições de trabalho vivenciadas pelos jovens. No entanto, cabe dizer que a carência de uma metodologia mais estruturada para a realização dessa visita minimiza a capacidade de fiscalização e avaliação desse instrumento, na medida em que as informações coletadas, pelo menos na visita acompanhada pela pesquisa, pareceram insuficientes para a conformação 80 desse mecanismo. De todo modo, seria interessante desenvolver essa prática como forma de acompanhamento da aprendizagem. A Org4, por sua vez, não levantou dificuldades relacionadas ao diálogo com as empresas. A boa relação presumida pelos relatos dos entrevistados pode decorrer do fato de a organização voltar o seu trabalho a responder às demandas das empresas desde os processos de seleção e formação de aprendizes – posto que as vagas são prioritariamente preenchidas por jovens indicados pelas empresas. *** Ao longo das conversas realizadas com as pessoas ligadas às instituições pesquisadas, as falas dos funcionários evocaram alguns elementos comuns, sobretudo relacionados aos aspectos da política de aprendizagem, que merecem ser destacados. O primeiro deles relaciona-se às deficiências da fiscalização da aprendizagem. A dificuldade em fiscalizar o cumprimento das cotas de aprendizes nas empresas foi apontada como um empecilho à ampliação de vagas e, consequentemente, dos programas de formação de aprendizes. Há um reconhecimento de todas as instituições de que o potencial de contratação de aprendizes é muito pouco explorado no país e que a reticência das empresas em cumprir a cota mínima de 5% e utilizar a cota máxima de 15% de profissionais aprendizes é um fator que colabora para a manutenção desse quadro. Tal situação não existe apenas pela citada deficiência na fiscalização, mas também por uma falta de interesse e vontade das empresas em contratar aprendizes. Alguns entrevistados citaram, inclusive, que algumas empresas preferem pagar a multa a contratar aprendizes. De acordo com os relatos, essa “preferência” das empresas decorre de preconceito contra os aprendizes, que seriam dispendiosos e contribuiriam pouco do ponto de vista da produtividade. O referido desinteresse das empresas é importante para pensarmos não apenas o descumprimento das cotas de aprendizagem, mas outra questão também citada por mais de uma organização entrevistada: o desvio de função dos jovens aprendizes. As organizações indicam que as empresas invariavelmente se utilizam da mão de obra da aprendizagem para atividades outras que não as diretamente relacionadas 81 ao que seria tarefa do aprendiz, partindo de uma concepção que toma o jovem como “faz tudo” ou, no limite, como office boy. Um dos elementos que pode agudizar essa frequente prática de desvio de função dos aprendizes é o desconhecimento das empresas acerca da legislação da aprendizagem. O funcionário da Superintendência do Trabalho em São Paulo observa que as empresas não sabem quais devem ser as atribuições dos aprendizes e os colocam onde é mais simples – na execução de serviços pontuais ou pouco especializados em detrimento da formação do aprendiz em uma atividade específica. 2.6. O diálogo com os jovens aprendizes Os representantes das organizações que foram entrevistados mencionaram, em suas falas, algumas impressões sobre os jovens aprendizes vinculados aos seus programas. Ainda, a observação de algumas atividades ao longo da pesquisa de campo permitiu a problematização de alguns aspectos da relação das instituições com os jovens aprendizes. Vale lembrar que as impressões da aprendizagem a partir do ponto de vista dos jovens serão relatadas no próximo capítulo. Na visita à Org1 pudemos observar um diálogo entre a analista técnica e uma turma de aprendizes em que transpareceu uma tensão (ainda que latente) na relação entre instituição e jovens. Para fomentar tal análise, serão destacados alguns excertos do diário de campo da pesquisadora que realizou a visita a essa instituição. Entramos em uma sala de aula que estava iniciando o intervalo (a turma era de aprendizes de assistente administrativo). A analista cumprimentou a classe e pediu que eu me apresentasse. Falei brevemente sobre a pesquisa e ela começou a perguntar aos jovens as suas impressões sobre as atividades da aprendizagem, pedindo que cada um falasse uma palavra que expressasse uma competência que aprendeu ao longo do ano (aquela turma estava no segundo ano de formação). As palavras citadas foram criatividade, comunicação, persuasão, planejamento, conhecimentos, trabalho em equipe, paciência etc. Após falarem as competências apreendidas, os jovens foram estimulados pela analista a comentar algumas atividades que realizaram durante a aprendizagem. Aqui, vale lembrar que os jovens vão ao [instituição] uma vez por semana, exceto na última semana do mês, quando fazem o curso duas vezes em uma mesma semana. As atividades citadas foram assistir a filmes (citaram o “Desafiando Gigantes”, também visto pelos jovens de outra instituição) e a realização de passeios externos a museus (como o Masp e o Museu da Língua Portuguesa) e ao centro da cidade. Os jovens contaram que, na visita ao Mercado Municipal, eles conheceram tanto o lado de dentro como o 82 entorno do prédio – que concentra muitas caçambas de lixo e moradores de rua – a instrutora quis que eles “vissem as diferenças”. Uma jovem falou que eles também participaram de uma palestra “que era golpe”. Visivelmente incomodada com o direcionamento da discussão, a analista comentou “mas vocês aprenderam muito com isso, não?”. Eu perguntei o que aquilo significava e a jovem explicou que a palestra tinha a intenção final de vender um livro. A analista cortou a jovem mais uma vez, apontando que a compra ou não do livro era uma decisão que cabia ao livre arbítrio. (Diário de campo de Natália, 24.05.2011) Percebe-se que, em alguma medida, o estímulo à análise dos jovens sobre as atividades desenvolvidas no âmbito da aprendizagem é interrompido no momento em que há a formulação de uma crítica sobre determinada ação realizada. Nesse sentido, a reflexão produzida pelos próprios jovens acerca das atividades que constituem sua formação como aprendizes não nos parece ser estimulada pela instituição; ao contrário, à sombra de uma primeira ponderação sobre determinada palestra há, de pronto, uma tentativa de reverter a situação para um aprendizado positivo diante de uma atividade a princípio qualificada como ruim. Nesse mesmo dia surgiram outras questões relacionadas a críticas ao programa de aprendizagem, assim como a menção ao livre arbítrio dos aprendizes em estarem ali: Um dos jovens pediu que eu explicasse com mais detalhes a pesquisa que estávamos fazendo. Aproveitei para falar um pouco sobre os nossos objetivos: avaliar a Lei da Aprendizagem a partir dos jovens que participavam das atividades, ressaltando que tínhamos interesse em saber o que os jovens fazem, se eles continuam nas áreas de aprendizagem, se gostam ou não do que fazem... Nesse momento, uma jovem fez um “não” incisivo com a cabeça, apontando que não quer continuar fazendo o que faz hoje. Diante da sua negativa, eu comentei, em tom de brincadeira “olha só, tem gente que não quer continuar a fazer o que faz”. A analista respondeu que “só é aprendiz quem quer”, dizendo que as pessoas têm o livre arbítrio para decidir se querem ou não ser aprendizes. A jovem que havia insinuado que não continuaria a fazer a mesma coisa que estava fazendo respondeu dizendo que gostava de ser aprendiz, mas não queria prosseguir naquela mesma profissão. A analista retrucou dizendo: “Eu não estou dizendo isso para você, estou dizendo isso para todo mundo. Porque se você é aprendiz e não gosta do que faz você está fazendo uma agressão com você mesma”. O caminho da discussão criou uma tensão latente entre a analista e os jovens aprendizes. Nesse momento, a instrutora não estava na sala. Acredito que a postura incisiva da analista diante das discordâncias ou mesmo das ponderações dos jovens aprendizes não seja incomum. Logo após termos saído da sala, a analista comentou comigo: “Eu falei aquilo praquele menino que deve odiar ser aprendiz... Você viu a postura dele?”. O “menino” em questão era um jovem que não estava na sala quando chegamos e não estava usando o uniforme, obrigatório para todos. 83 Quando a analista perguntou sobre as atividades realizadas, ele disse que tinha participado de uma palestra que não tinha servido para nada, pois não havia ouvido nada de interessante. (Diário de campo de Natália, 24.05.2011) É oportuno notar a lógica de livre arbítrio que a analista sugere diante de qualquer discordância apresentada pelos jovens aprendizes. Em outras palavras, tem-se a impressão de que os elogios são bem-vindos e as críticas, por sua vez, imediatamente refutadas com colocações que afirmam aos jovens que eles devem estar ali no programa por opção, e teriam a escolha de sair se assim o quisessem. Na Org2, não foram observadas situações de tensão entre jovens e profissionais da instituição. Há, contudo, nas falas da coordenação, uma referência a questões relacionadas aos jovens no tocante a deficiências de formação. Aliado a esse aspecto, haveria certa indisposição dos jovens para aprender coisas novas, questão indispensável à aprendizagem: Não sei, o jovem hoje está bem difícil. O perfil dele mesmo com a capacitação é muito fraco, sem iniciativa, não a fim. (Coordenadora, Org2) Bom, uma coisa que dificulta a contratação dos jovens é eles falarem errado em entrevista, não tem como (...). Não dá, a pessoa escreve muito errado, fala errado; difícil, muito difícil. (Idem) Não vou analisar... mas acho que está ficando cada vez pior. Acho que as empresas estão atrás de pessoas com vontade, curiosas, que tenham brilhinho no olhar. “Eu não sei, mas estou pronto pra fazer”. É diferente, entendeu? “Eu não sei, mas me ensina que eu tento fazer”. Essa frase diz muito, tem gente que diz “não sei, não vou conseguir, acho que não dá pra adaptar”. Isso já acabou, não tem como. Mesmo com o curso não demonstram vontade, interesse; embora precise, não estou nem dizendo de precisar, estou dizendo da questão de não vai, não vai, a empresa não quer esse tipo de pessoa. (Idem) No entanto, essa mesma percepção relacionada à falta de iniciativa dos jovens é modificada caso se avalie que a aprendizagem é um fator que estimula os jovens na busca de alternativas e na constituição de projetos de futuro: Quando ele vem aqui, ele também vai para os estudos. Normalmente isso. Quando ele não estuda mais e dentro do projeto de vida – o plano de carreira, a gente faz ele ter esse plano, o que ele quer, o que ele pretende, o que ele gosta – ele vai atrás, porque na realidade ele está ganhando uma bolsa entre aspas, pouco, mas ele sabe que dá pra investir nele. Então, ele aproveita também o que ele ganha não só pra ajudar a família, mas pra fazer um curso aqui ou lá, fazer um Enem, prestar um terceiro grau. Ele tem uma iniciativa dele e muitos deles – que eu já presenciei – saem do Programa Aprendiz já matriculados no terceiro grau. Isso é uma coisa interessantíssima. (Coordenadora, Org2) 84 Em alguma medida, os profissionais que atuam nas organizações percebem a aprendizagem como forma de reorientar as construções dos jovens relacionadas não apenas ao seu trabalho, mas também à continuidade dos estudos. Dessa forma, eles identificam as fragilidades dos aprendizes ao mesmo tempo que percebem aspectos positivamente ligados a esses jovens antes criticados. Ainda na relação – e na percepção – das organizações com os jovens, um tema bastante trabalhado não apenas pelos profissionais que atuam na execução da formação dos aprendizes, mas também por um gestor, foi a visão da aprendizagem como iniciação na vida adulta ou, ainda, um rito de passagem. A despeito de observar que essa não é necessariamente uma concepção da instituição, o gestor formula apontamentos que percebem a aprendizagem a partir deste olhar: O [Org4] tem atuado como agente social que resgata uma coisa que as sociedades contemporâneas perderam que é a do rito de passagem. Onde a principal função desse rito de passagem, uma das, é tirar o jovem do mundo da criança, do adolescente e colocá-lo no mundo adulto. A sociedade hoje perdeu um pouco os ritos. E o [Org4], por meio da colocação do jovem no mundo do trabalho, ele sai daquele mundo da criança, do estudante. Ele vai para aquele mundo do trabalho onde é um mundo prioritariamente do adulto, então de uma forma quase que indireta, ele coloca o jovem, tira o jovem do mundo da criança e do adolescente e coloca no mundo do adulto, que é o mundo do trabalho. (Gestor, Org4) Esse discurso é mais meu, mas pelo que já conversei com alguns colegas de São Paulo e de outros estados, eles também veem isso. Não com esse discurso, não nesses termos, mas todos percebem isso. A contribuição do [Org4] de estar tirando esse jovem da fase criança e colocando-o no mundo adulto. Que é um mundo de responsabilidades, não é mais um mundo de faz-de-conta, agora tem contrato de trabalho, tem a carteira profissional assinada, tem dinheiro, com esse dinheiro ele tem poderes, e o que ele vai fazer com esses poderes... Então ele tem poder de estar melhorando a alimentação da casa dele ou tem o poder de comprar uma droga mais cara que ele não tinha acesso antes. (Idem) Com relação ao jovem também é trabalhado, além da formação teórica e prática daquela habilitação e qualificação específica, o [Org4] tem uma preocupação do cidadão. Antes então de formar um profissional, o [Org4] tem essa preocupação de formá-lo como um cidadão interveniente, alguém que possa estar interferindo na sociedade, transformando. E claro que nosso foco principal é transformando por meio do trabalho, que é onde a gente vai estar investindo na formação. (Idem) Por um lado, há a percepção de que a experiência de aprendizagem ajuda o jovem a construir outros projetos de vida e produz novas formas de compreensão acerca das relações inerentes à vida profissional. A dimensão subjetiva da participação do 85 jovem nos programas da aprendizagem estaria, assim, relacionada não apenas a uma ampliação de uma visão de mundo, mas vinculada a um estímulo indireto a construir planos que incluem, a partir daí, a continuidade dos estudos, por exemplo: Instrutora: Acho que é assim: essa convivência, participação, organização, tudo isso que eles vivem, vivenciam aqui, faz a diferença na vida deles. É um aprendizado a mais. De relacionamento, isso é muito importante. Pesquisadora: E com relação à escola. Você vê que, não só fazer o Ensino Médio, mas fazer curso técnico, superior, ajuda a construir um plano de perspectiva para a educação? I: Ajuda bastante sim. Um incentiva o outro. A gente está sempre falando isso, acho que é mais fácil para eles do que para quem só faz o Ensino Médio. Uma escola normal. P: Por que você acha? I: Porque eles criam o hábito de estudo, é mais fácil para eles darem continuidade. Alguns deles já estão visando o mercado de trabalho, eles têm consciência de que não podem parar por aqui. Se está na empresa às vezes a própria empresa estimula, paga uma parte do curso superior. Ou às vezes ele volta a fazer outro curso aqui no próprio [Org4]. Acho que é mais fácil. (Instrutora, Org4) De outro lado há a afirmativa de que a aprendizagem é, objetivamente, uma forma de inserção do jovem no mercado de trabalho formal. Esta última percepção valoriza o caráter de política pública que a aprendizagem tem e, em certa medida, facilita a reflexão acerca das práticas executadas no processo enquanto parte de uma política mais ampla que pode ser objeto de avaliação e controle social. Um último aspecto que chamou a atenção da equipe de pesquisa e foi encontrado em mais de uma instituição é a formação de “aprendizes” que não estão vinculados a uma empresa. A legislação determina que a aprendizagem é configurada pela vinculação a um determinado local de trabalho concomitantemente a uma formação teórica a ser oferecida pelas organizações do “sistema „S‟” ou por entidades assistenciais. Dessa forma, a aceitação nos programas de formação de jovens não vinculados a empresas, ainda que não se configure como um descumprimento explícito da legislação, seria uma forma de criar nichos para o encaminhamento de aprendizes à medida que privilegia a inserção de jovens que têm condições de participar de processos formativos sem a necessidade de ajudas de custo. Uma questão que se coloca é como a fiscalização do Ministério do Trabalho deve lidar com esse tipo de situação – e, ainda, se deve lidar com a prática que pareceu bastante introjetada nas instituições. 86 2.7. Impressões sobre o "sistema 'S'" Em todas as etapas da pesquisa de campo, percebeu-se a presença constante das organizações do “sistema „S‟” ao longo das entrevistas e observações. Ainda que apenas uma das quatro instituições pesquisadas seja vinculada a esse sistema, todas as organizações abordavam aspectos relacionados à presença dos Senais e Senacs na formação de aprendizes. Em geral, a análise dos entrevistados era crítica à preferência da legislação pela formação de aprendizes por organizações "S"; o questionamento acerca dessa preferência vinha acompanhado da valorização do trabalho e da qualidade de formação oferecida pelas organizações socioassistenciais, recentemente incorporadas na política de aprendizagem para a formação dos jovens. É importante levantar que o coordenador entrevistado em uma escola do Senai defende que não se utilize o termo “sistema „S‟” para fazer referência ao conjunto de instituições apoiadas pelos setores produtivos (indústria, comércio, agricultura, transportes e cooperativas). A análise do entrevistado baseia-se na lógica de que se as organizações "S" fossem um sistema efetivo, compartilhariam práticas comuns e teriam uma comunicação entre si – coisas que não fazem parte da realidade da sua atuação, segundo o coordenador32. Uma das profissionais entrevistadas na Org1 afirmou que há predileção dos fiscalizadores pela execução da aprendizagem por organizações do “sistema „S‟”. A despeito de reconhecer a importância desse sistema para a aplicação da aprendizagem, a coordenadora observou que estas mesmas instituições não têm capacidade para atender a toda a demanda. E, no entanto, segundo a entrevistada, a fiscalização em São Paulo desencorajaria as empresas a procurar alternativas ao “sistema „S‟” quando há falta de vagas para a formação dos aprendizes. A Org2 também apontou em suas falas a prevalência do “sistema 'S'” na formação da aprendizagem. Segundo a entrevistada, a capacidade de atuação da instituição é 32 Para saber mais sobre o “Sistema ‘S’”: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Carga_Fiscal/1999/SistemaS.htm>. Acesso em: 31 ago. 2011. 87 tolhida diante da proposta, prevista em lei, de que as empresas optem de início pelas instituições “S” e passem a procurar parcerias com outras entidades apenas quando as primeiras não conseguirem atender a demanda: Hoje em dia acaba acontecendo o quê? Com essa história da oferta primeiro nos cinco “S”, que é uma questão da legislação; primeiro vai para os cinco “S”, se os cinco “S” não tiverem capacidade de estar absorvendo esses jovens, aí você vai podendo falar com as outras ONGs. Então isso diminui muito nosso poder de ação. (Coordenadora, Org2) (...) acaba acontecendo que chega até nós muito pouco essa questão. (...) ainda o sistema de fiscalização não está a contento, dá uma margem muito grande para a empresa não ter essa obrigatoriedade; ela não se vê na obrigação de contratação. (Idem) A análise que a própria coordenação da instituição faz sobre essa prevalência das organizações “S” em detrimento das organizações sem fins lucrativos para a formação de aprendizes é que tal obrigatoriedade contribui para a proporção de empresas que não obedecem à porcentagem mínima de jovens aprendizes entre seus funcionários. Há, ainda, a percepção de que as dificuldades de fiscalização do cumprimento das cotas mínimas de aprendizes nas empresas (5%) agravam o déficit de vagas reservadas a esses jovens. Por fim, é fundamental ressaltar a relevância que o “sistema „S‟” toma nos discursos de todas as instituições. Enquanto a instituição ressalta a qualidade da sua formação e a gratuidade dos seus cursos (em comparação a outras organizações do mesmo sistema), as entidades assistenciais que oferecem atividades de formação reafirmam que a preferência da legislação e fiscalização pelo “sistema „S‟” é prejudicial à aprendizagem, na medida em que essa preferência seria materializada em orientações a empresas para que não procurassem cursos de formação que não os vinculados às organizações "S". Por outro lado, o funcionário vinculado ao órgão do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE em São Paulo refere que os cursos de formação oferecidos pelo “sistema „S‟” têm grande qualidade nos conteúdos e metodologia, em detrimento da incerteza que permeia os cursos de formação oferecidos por organizações sociais. Equilibrar a demanda de jovens aprendizes entre esses dois tipos de organização, bem como construir estratégias de recrudescimento da fiscalização dos cursos oferecidos pelas inúmeras organizações habilitadas são desafios impostos à política de aprendizagem. 88 2.8. Uma análise da política Ao longo da coleta de dados para a elaboração da presente pesquisa, foi possível levantar informações mais amplas sobre as formas de articulação existentes e a política de aprendizagem junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, a instituição responsável pela coordenação do Fórum Paulista da Aprendizagem Profissional – Fopap, que vem se reunindo há dois anos. Ainda que as atividades do Fórum não tenham sido acompanhadas33, é interessante trazer ao debate algumas informações acerca dessa forma de organização das inúmeras entidades ligadas à aplicação da aprendizagem no estado, em particular, e no país, em geral. Segundo o profissional entrevistado, a instalação de fóruns seria resultado de uma política mais recente do MTE. Há cerca de dois anos, a aprendizagem teria sido efetivamente alçada a uma categoria de política pública. Até então a política ficaria restrita ao cumprimento das diretrizes dentro das instituições formadoras, à fiscalização34 das condições de trabalho a que eram submetidos os jovens aprendizes e ao controle das cotas de aprendizagem. Os fóruns, por sua vez, teriam a intenção de congregar os diversos setores envolvidos com a aprendizagem – instituições formadoras, “sistema „s‟”, empresas, governo –, ainda que a representação de empresas seja bastante tímida. Especificamente no Fórum do Estado de São Paulo, são muitas as entidades participantes. O entrevistado informou que os fóruns buscam a utilização de uma metodologia participativa para dinamizar a aprendizagem para além da fiscalização do cumprimento da lei; ou seja, há uma busca por pensar a aprendizagem como uma política que possibilita a formação de mão de obra qualificada. Além disso, a 33 O coordenador do Fórum foi bastante aberto à pesquisa, mas ponderou que para acompanhar as reuniões do Fopap seria necessário definir uma proposta de participação mais sistemática da Ação Educativa no Fórum, para além das necessidades da pesquisa. 34 O coordenador do Fórum aponta que, mais recentemente, o MTE adotou a fiscalização indireta: o ministério convoca as empresas a prestar contas por meio de uma notificação. Essas empresas comparecem até a gerência do Trabalho em dias determinados e participam de atividades coletivas sobre a aprendizagem, tais como palestras. Após essa primeira atividade, inicia-se a fiscalização efetiva. A empresa leva à gerência os documentos relacionados ao número de empregados e à contratação de aprendizes para que um fiscal do Trabalho os analise. Caso sejam identificadas irregularidades, a empresa é notificada (ainda sem a necessidade de pagamento de multa) e é estabelecido um prazo para os rearranjos necessários à adequação à legislação da aprendizagem. 89 articulação em torno de fóruns possibilitaria, na opinião do coordenador, uma propagação do ideal de aprendizagem profissional e poderia atuar para que as empresas percebessem as vantagens econômicas existentes na contratação de aprendizes. O entrevistado acrescentou que a nova legislação, além de transformar as formas de fiscalização da aprendizagem, extinguiu o monopólio do “sistema „s‟” sobre a formação dos jovens aprendizes. A partir de então, foram criadas condições para que organizações assistenciais também desempenhassem essa função. Com relação à participação desse sistema e de instituições outras na formação de aprendizes, o coordenador ressaltou que o “sistema „S‟” tem tradição, "é consagrado pela excelência dos seus cursos". Já as organizações assistenciais, em sua opinião, não possuiriam esse reconhecimento e necessitariam de maior estruturação. Além disso, ele observou que essas instituições, ainda que tenham um caráter social, tendem a tratar a aprendizagem na perspectiva de um relacionamento de mercado. O coordenador valorizou a perspectiva que encara a aprendizagem como possibilidade de iniciação paulatina do jovem no mercado de trabalho, tendo em vista que essa vivência congrega conhecimentos teóricos e práticos, além de caracterizar-se pelo caráter de experiência. Relacionado a isso, ele ressaltou o imediatismo das empresas diante de um processo de qualificação de mão de obra: Já querem botar o menino pra produzir. Ele pode ter 16, 17, 18 anos... as empresas não querem saber. (Funcionário da SRTE-SP) Esse imediatismo seria um dos responsáveis pelo que foi definido como “apagão da mão de obra”: as empresas não se preocuparam em formar novos trabalhadores e hoje enfrentariam dificuldades para a obtenção de profissionais qualificados. O funcionário da Superintendência Regional do Trabalho também listou questões interessantes concernentes ao olhar das instituições formadoras para os jovens aprendizes. Em primeiro lugar, o entrevistado comentou que um dos aspectos sempre citados pelas instituições formadoras é relacionado ao nível ruim dos jovens. Essa dificuldade educacional dos aprendizes é um elemento que dificulta a motivação do jovem para os espaços de discussão dos conteúdos teóricos. Segundo o entrevistado, o jovem se desinteressa pelos conteúdos que a entidade ministra, sobretudo a partir do momento em que passa a desenvolver atividades práticas: 90 Depois de um tempo, o jovem perde o interesse e quer simplesmente trabalhar. (Funcionário da SRTE-SP) Esse desinteresse pelas atividades realizadas nas instituições formadoras pode ser reflexo da reprodução da forma escolar nos espaços das organizações. Outros estudos já apontaram que essa prática é comum em programas e projetos voltados a jovens e impulsiona o processo de não-adesão dos participantes às atividades (Dayrell et al, 2007). Segundo seu relato, as instituições formadoras afirmam que a base educacional dos aprendizes é fraca, o que requer maior esforço para elevar o nível desse jovem de modo que a experiência como aprendiz seja mais profícua. Aprendizagem no poder público Um aspecto realçado pelo entrevistado como prioritário para o Fopap seria a aceleração da expansão da contratação de aprendizes para a administração pública. Parte dos membros do Fórum tem estudado a questão para elaborar propostas voltadas a essa prioridade tendo em vista que a contratação por órgãos públicos deve ocorrer via concurso, fator dificultador para a consolidação de atividades de aprendizagem nesse setor. Essa também seria a atual prioridade do Fórum Nacional da Aprendizagem Profissional. Uma estratégia possível para equacionar a contratação de aprendizes por órgãos públicos seria efetivar a contratação em nome das instituições formadoras, tal como ocorre na Org1 e na Org3. No entanto, o funcionário entrevistado afirmou que muitas instituições se utilizam desse recurso como forma de baratear os custos de contratação para as empresas, na medida em que entidades sociais geralmente são isentas de determinadas taxas e impostos que seriam obrigatórias se o jovem fosse contratado diretamente pela empresa que de fato o emprega. 91 Deficiência de informações Uma pergunta direcionada ao profissional entrevistado questionava a existência de informações sobre qual seria o maior gargalo da aprendizagem: as empresas não contratam aprendizes ou não há instituições formadoras suficientes? Ele destacou a inexistência de informações precisas relacionadas à questão e ressaltou que há um terceiro elemento geralmente desconsiderado nas discussões sobre a aprendizagem: a demanda dos adolescentes. Em sua opinião, não se pode pressupor que a demanda pela aprendizagem seja igual à quantidade de jovens existentes. 92 |3| Um olhar para o presente: os jovens aprendizes Ao longo da etapa de pesquisa nas instituições formadoras de aprendizes foram entrevistados jovens moças e rapazes que estavam, no momento, participando das atividades de aprendizagem. As entrevistas possibilitaram o contato com diferentes propostas de inserção e práticas da aprendizagem e relatam experiências – e memórias – distintas entre aqueles que vivenciaram a condição de aprendizes. Enquanto os jovens atualmente vinculados a um programa estabelecem críticas mais circunscritas e objetivas acerca dos limites da aprendizagem, aqueles que já não estão vinculados à aprendizagem referem questões ligadas à experiência nos projetos, mas tendem a obscurecer as análises negativas em favor das lembranças positivas trazidas pela aprendizagem. A diversidade de experiências com a aprendizagem pode ser percebida também entre aqueles jovens que eram aprendizes no momento da coleta de informações: foram ouvidos não apenas aprendizes regulares, mas também alguns jovens cujo contato com a aprendizagem se dá pela participação no curso de formação; em outras palavras, esses aprendizes não estão vinculados a empresas e não exercem atividade remunerada. Após uma breve descrição dos jovens entrevistados, buscaremos retomar as estratégias que levaram os aprendizes até os programas de formação e as principais questões levantadas que se relacionam às dinâmicas da formação teórica e da experiência prática na aprendizagem. Por fim, serão apresentadas as perspectivas de futuro dos jovens – aprendizes e egressos – diante dessa primeira experiência com o mercado formal de trabalho. 3.1. Quem são estes jovens? Ainda que as entrevistas realizadas na etapa qualitativa da pesquisa não representem uma amostra fidedigna dos jovens aprendizes no país, buscamos apresentar alguns aspectos relacionados a eles tendo em vista que essas informações podem dar pistas de um perfil mais amplo e dialogar, em alguma 93 medida, com os dados da pesquisa realizada junto aos egressos dos municípios de São Paulo e Fortaleza. Os jovens das quatro instituições pesquisadas apresentavam um perfil relativamente parecido e, se tinham experiências anteriores de trabalho, haviam vivenciado situações de emprego informal. Os aprendizes ouvidos podem ser classificados como “jovens adolescentes”. Ou seja, têm entre 15 e 18 anos. Essa média de idade reflete as falas dos gestores e funcionários das instituições, que já haviam indicado uma presença mais significativa de aprendizes mais novos do que o limite estabelecido pela legislação, que é 24 anos. Com relação à educação, vê-se que os aprendizes entrevistados ou estavam cursando ou haviam concluído o Ensino Médio. E à exceção de uma entrevistada que assumiu enfrentar dificuldades para concluir essa etapa dos estudos35, os jovens aprendizes participantes da pesquisa não apresentavam questões de defasagem idade-série. 3.2. Como chegam às instituições? Os jovens entrevistados geralmente chegaram às instituições por meio de indicações de amigos e familiares a respeito da oportunidade de aprendizagem. Essa indicação funciona não apenas quando as organizações são a porta de entrada para a aprendizagem, mas também quando são as empresas as responsáveis pela indicação das turmas de aprendizes – caso corrente na Org4. Mesmo quando a empresa é responsável por encaminhar o jovem, as indicações de família e amigos funcionam como estratégia para acesso à aprendizagem. Percebe-se, assim, que as redes de sociabilidade desses jovens são mais operantes para que ingressem em programas de aprendizagem e tenham acesso a oportunidades de emprego do que outras possibilidades de contato com a temática – escola ou internet, por exemplo. Essa constatação reforça, de certa forma, o modo privilegiado para acesso a empregos no Brasil. Ainda, percebe-se que a indicação prevalece sobre outras formas de acesso à informação sobre empregos, a despeito da maior utilização de outras estratégias nos últimos anos. (Guimarães, 2008). 35 A jovem entrevistada comentou que cursa o 1º ano do Ensino Médio pela quarta vez. 94 Os relatos sugerem que as redes de familiares e amigos são fundamentais para o acesso à informação sobre a aprendizagem por indicar aos jovens o caminho seja das instituições formadoras, seja das empresas. A escola, que poderia ser uma interlocutora privilegiada das instituições formadoras de aprendizes e dos jovens interessados em uma experiência de emprego, aparece em apenas uma indicação, e as agências e centros públicos de informação sobre emprego não foram citados. Ainda que os dados coletados nas entrevistas aqui descritas não representem um universo de jovens aprendizes, vale reafirmar o potencial disseminador de informações que a escola pode ter. Como já referido, algumas organizações possibilitam a inserção de jovens aprendizes vinculados a empresas (indicados para a formação pelas próprias ou recrutados pela instituição formadora) e, caso sobrem vagas, aceitam jovens da comunidade que se interessam pela formação. Dessa maneira, há jovens que não possuem vinculo com empresas e ainda assim são considerados “aprendizes” pela instituição. Na Org4, os jovens que se interessam pela formação e não são indicados pelas empresas fazem uma prova de conhecimentos gerais que os habilita a cursar a aprendizagem na instituição. Os dois entrevistados da organização buscaram o curso de formação de aprendizes sem estar vinculados a empresas. O que os motivou a se matricular e seguir com o curso a despeito de não exercerem uma atividade remunerada foi a possibilidade de trabalhos futuros diante de uma experiência formativa prévia e o respaldo da instituição no mercado de trabalho de maneira mais geral: Pergunta: E porque você procurou fazer o curso de aprendizagem? Resposta: Primeiramente, para ser bem sincera, por causa do nome do [Org4], o [Org4] tem muito peso lá fora. Porque a maioria dos cursos são seis meses e alguns são meio desvalorizados, eu sabia que o [Org4] é bem reconhecido. (Jovem moça, Org4) Pergunta: E porque você resolveu se inscrever no [Org4]? Resposta: Por causa do nome do [Org4] mesmo. Queria trabalhar... e é mais fácil, mais rápido para conseguir emprego. (Jovem rapaz, Org4) Percebe-se que o reconhecimento das instituições em um escopo mais amplo do que a própria política de aprendizagem pode ser um elemento impulsionador da procura por oportunidades de aprendizagem pelos jovens. E mais, esse 95 reconhecimento público das instituições passa aos jovens a segurança de que a experiência com a aprendizagem não se limita ao período do contrato e abre outras possibilidades profissionais. 3.3. A experiência na aprendizagem Os jovens entrevistados apresentaram suas impressões acerca da aprendizagem no que concerne não apenas aos cursos de formação das Orgs 1, 2, 3 e 4, mas também às atividades vivenciadas nas empresas e às percepções de alterações mais gerais em sua vida, que seriam, em sua opinião, decorrentes da experiência como aprendizes. Pode-se dizer que, em geral, os jovens eram simpáticos às práticas da aprendizagem a despeito das críticas formuladas a aspectos do trabalho e da formação nas instituições. Eles também reconheciam que a inserção na aprendizagem havia provocado mudanças de vida, geralmente consideradas positivas e relacionadas a processos de amadurecimento. Nesse sentido, a discussão sobre o impacto da aprendizagem na vida dos jovens apresenta correlações com o discurso apreendido nas entrevistas realizadas com os profissionais que atuam nas instituições: a aprendizagem seria um momento de transição para a vida adulta. Em outras palavras, tornar-se aprendiz é parte de um processo maior que inclui a necessidade de adquirir responsabilidades, ter o seu próprio dinheiro e constituir planos de futuro mais definidos. A fala de algumas entrevistadas repercute essa construção: Pergunta: Você acha que participar da aprendizagem provocou alguma mudança na sua vida? Resposta: Total. As pessoas que eu conheci a maneira de pensar, agir. Me tornei muito mais responsável, com muito mais certeza do que antes. O [Org4] te amadurece muito, faz você crescer muito. P: E foi para melhor, para pior? R: Não sei se consigo julgar se foi para melhor, ou para pior. Eu confesso que fiquei mais mal humorada. A minha paciência diminuiu bastante. Mas acho que foi para melhor sim. Vi que as coisas não são tão fáceis, que a gente tem que lidar, correr atrás. (Jovem moça, Org4) Acho que amadureci bem mais, eu era bem criancinha, até 17 anos eu era muito bobinha. Então... acho que amadureci bastante, tem muita coisa que a gente passa quando a gente trabalha, então, a gente tem que tolerar... quando você é mais novo, você não está nem aí e xinga todo mundo. Eu 96 aprendi a me controlar, a tolerar as coisas que as pessoas falam pra mim. Eu acho que eu amadureci muito mais. (Jovem moça, Org1) Aprendi a dar mais valor pro dinheiro. Assim, eu gasto, mas aprendi a me controlar nas coisas e aprendi a ter mais responsabilidade do que eu era antes. (Idem). É interessante notar certa ambiguidade no discurso da jovem aprendiz. Se, por um lado, ela reconhece que a vida mudou para melhor após a experiência na formação para aprendizagem, ela completa que ficou mais “mal-humorada”. Nesse sentido há, ainda, certa visão sobre a juventude que é compartilhada não apenas pelos jovens, mas também pelos gestores e funcionários dos projetos, que responsabilizam a experiência com a aprendizagem por certa mudança de postura diante da vida. Tais mudanças de postura deixariam de lado elementos como rebeldia ou despreocupação para dar lugar à seriedade exigida entre aqueles que estão inseridos no mercado de trabalho – e, de certa forma, no mundo adulto. (...) é porque eu acho assim, que hoje em dia muitas jovens não pensam da mesma maneira. Eu penso, eu acho que eu penso totalmente diferente de todos da minha escola. Porque eles pensam mais em, (...) eles ficam mais em festa, mais essas coisas, balada, isso, aquilo. Eu não, já não penso muito nisso, penso mais em estudar, fazer faculdade, tentar conseguir um bom emprego, essas coisas. (Jovem mulher, Org2) Porque eu tinha a visão igual a dos meus colegas, assim, eu já pensava em trabalhar, essas coisas, mas também gostava muito de passear, sabe? (Idem). Outros estudos afirmam a lógica que se inscreve na fala dessa jovem: diferenciar-se dos “outros” jovens dando um maior sentido de responsabilidade para a sua própria vida em detrimento do que seria o comportamento típico da juventude 36. A relação com o tempo também pareceu bastante modificada diante da experiência de trabalho formal; muitos dos jovens apontaram que as relações com familiares, amigos e a escola foram transformadas diante da diminuição do tempo livre em decorrência do trabalho e da formação teórica nas instituições. Em alguma medida, a questão do tempo despendido nas atividades de formação teórica e prática reduz os espaços de convivência familiar e transforma a relação com a escola. Uma das entrevistadas da Org4 deixa essa questão explícita em sua fala: 36 Uma análise mais aprofundada dessa questão pode ser encontrada em Corrochano, 2008. 97 Pergunta: E depois que você começou a fazer esse curso, como ficou sua relação com a família? Teve alguma alteração? Resposta: Fiquei bem mais distante. Antigamente eu ficava bem mais em casa, não era tão ocupada, não tenho tempo. Principalmente agora, no final do quarto termo, não tenho tempo de sair, nem quando meus pais me chamam não posso mais. Estou sempre trancada no quarto fazendo trabalho, ou dormindo, porque chego morta de cansaço. E me afastei. P: E com a escola, teve alteração? R: Total. Eu era bem mais aplicada na escola. Eu ainda tiro notas azuis, mas não são as mesmas que tirava quando eu não fazia [aprendizagem]. E como são as duas coisas, a gente tem que priorizar alguma coisa e acabou priorizando o [Org4], não tem jeito. Acabo me dedicando mais ao [Org4] e deixando a escola meio de lado. (Jovem moça, Org4) Percebe-se que há uma extensão significativa na jornada dos jovens que participam de atividades de formação de aprendizes. Os relatos que relacionam a inserção na aprendizagem à mudança das relações não apenas com a escola formal, mas também com familiares, levantam a discussão sobre o direito à vivência familiar e à Agenda Nacional para o Trabalho Decente da Juventude (MTE, 2010). Os jovens têm o direito ao trabalho e esse direito deve ser garantido e articulado aos outros âmbitos de sua vida – a família e o acesso à educação formal são dois desses elementos. Um dos entrevistados da Org2 enfatizou que a sua família foi importante para decidir sobre o ingresso na aprendizagem. Ele já trabalhava antes da inserção no projeto, mas buscou a aprendizagem porque o seu antigo emprego não oferecia possibilidades de crescimento profissional. No entanto, tornar-se aprendiz representou uma diminuição da sua renda mensal e o apoio da família foi fundamental para que ele decidisse arcar com o ônus de receber um salário um pouco mais baixo para ter oportunidades futuras de emprego. De certa forma, essa preocupação com oportunidades futuras que está presente nas falas dos jovens aprendizes apresenta uma perspectiva diferente daquela geralmente associada à juventude, que os enxerga como excessivamente preocupados com o presente (Tartuce, 2007). Relatos sobre formação e trabalho As informações coletadas especificamente sobre a formação realizada pelas instituições pesquisadas apontam para diferentes propostas de trabalho que se 98 materializam em análises distintas dos jovens sobre cada uma das experiências. No entanto, há aspectos que podem ser apresentados como comuns a todas as entrevistas com os aprendizes, sobretudo aqueles relacionados às queixas dirigidas às práticas formativas. A jovem entrevistada na Org1 declarou preferir o conteúdo do curso ao trabalho realizado na empresa que a contrata. Se a princípio ela havia pensado que as atividades do curso seriam parecidas com as da escola (que, em sua opinião, seriam desestimulantes), as práticas concretas a agradaram: Do [Org1], na verdade, eu não esperava muito... Eu esperava que fosse um curso mais de ter apostila, fazer lição de casa... E foi totalmente diferente, uma coisa que a gente faz aqui na sala mesmo, acaba na sala e poucas vezes tem algum trabalho que você tem que fazer e depois trazer (...). Achava que ia ser aquela coisa de apostila, fazer lição de casa, que nem escola. Não foi, foi bem melhor. (Jovem mulher, Org1) O curso de formação da Org2 foi definido pelo jovem rapaz como um “complemento” para aprender o que se pode fazer ou não no mercado de trabalho. Seja para conhecer como se portar seja para saber como deveria ser a comunicação oral e escrita. Já a jovem entrevistada na organização destacou a possibilidade de diálogo entre os jovens e a instituição. Segundo ela, há abertura para que os jovens aprendizes indiquem as questões que os desagradam para que sejam feitas mudanças no processo de formação: A gente deu várias opiniões, sabe? Muita gente se juntou e a gente falou que poderia ter aulas mais dinâmicas, poderia ter passeios, aí tudo isso eles forneceram pra gente, a gente já foi em museus, em vários lugares. (Jovem mulher, Org2). O pequeno número de aprendizes nessa organização e a relação anterior estabelecida com a maioria das moças e rapazes na aprendizagem ajudam a construir certa percepção de que o programa de aprendizagem da instituição tem, em alguma medida, um ambiente que permite aos jovens maior familiaridade com a instituição – relação que não foi percebida nas outras organizações visitadas. Essa percepção é explicitada não só pela coordenadora e educadores ouvidos, mas também pelos jovens: Eu acho que foi essencial o curso no [Org2] pra mim, acho que me ajudou muito, muito. Eu só tenho a agradecer. (Jovem mulher, Org2) 99 Isso parte da gente né, pensar em coisas pra melhorar. Eles dizem isso, muito pra gente. Que a gente pode dar nossa opinião para estar melhorando o [Org2] cada vez mais. (Idem) Já fazia outros cursos aqui do [Org2] que é curso da instituição. Minha mãe também, que é conhecida do [Org2]. (Jovem rapaz, Org2) Os jovens ouvidos na Org3 afirmam que as atividades de formação que mais os agradam são aquelas que proporcionam o uso de metodologias para além da aula expositiva; a jovem moça afirmou que as gincanas sobre conhecimentos gerais eram as atividades mais divertidas e produtivas. A exibição de filmes também foi considerada um aspecto louvável das atividades de formação. O jovem rapaz, por sua vez, valorizou o curso e a experiência na Org3 enquanto espaço de sociabilidade e convivência com outros jovens. Alguns entrevistados declaram que há a possibilidade de participação em atividades que não concernem diretamente à experiência da aprendizagem. Na Org4, um dos jovens participa de um processo de treinamento para as “Olimpíadas” da instituição, que tem etapas estaduais e nacional e congrega competições relacionadas aos cursos de formação da instituição. O treinamento é diário e ocorre no período oposto ao do curso de aprendizagem. Vale dizer que a participação do jovem na formação para as Olimpíadas só é possível porque o seu contrato de trabalho prevê a experiência prática, na empresa, apenas durante o período de férias escolares. Ainda, a entrevistada da Org4 elogia os professores e valoriza o contato frequente e a cooperação entre professores e aprendizes que ocorre no cotidiano da aprendizagem. Ao que parece, essa organização se propõe a estruturar as atividades da aprendizagem a partir de uma dinâmica bastante parecida com a da escola – não apenas pela divisão dos dois anos de aprendizagem em módulos, mas também pelas formas de avaliação dos jovens, que são diferenciadas daquelas das outras instituições e remetem a processos avaliativos do ensino regular (provas com conteúdos estudados ao longo do semestre). Se há aspectos relacionados aos cursos de formação que são considerados positivos pelos jovens, eles problematizam outras questões também relacionadas às atividades executadas pelas organizações. 100 A exibição de filmes parece ser algo comum nas atividades de formação dos aprendizes37 e não é necessariamente mal avaliado pelos aprendizes. No entanto, uma das críticas de um jovem vinculado à Org1 é a utilização de filmes como “tapaburaco” do programa de formação: na maior parte das vezes, eles assistem aos filmes quando as turmas de aprendizes ficam sem instrutores. É interessante notar que essa foi uma percepção apresentada pelos jovens; ou seja, eles não apenas estão atentos às atividades como se preocupam com as questões debatidas no âmbito da aprendizagem. Outro aspecto levantado é o fato de um curso de formação não discutir questões diretamente relacionadas ao trabalho desenvolvido nas empresas. Se a formação da Org2 é, segundo um jovem entrevistado, uma complementação à vivência no mundo do trabalho, a outra entrevistada indica que essa complementação não inclui aspectos mais objetivos da formação: Eu acho que colocaria alguma coisa mais relacionada à administração, alguma coisa que focasse a área de trabalho que a gente tá mesmo. (Jovem mulher, Org2) Os dois entrevistados da Org4 informam que as atividades teóricas da aprendizagem são as partes menos interessantes da formação de aprendizes; o jovem rapaz entrevistado contemporiza diante da constatação que a parte teórica do curso instrumentaliza os aprendizados práticos adquiridos na oficina da instituição. A jovem moça ainda critica o excesso de regras estabelecidas pela instituição que ordenam o cotidiano dos aprendizes. Podiam fazer uma análise das regras, ver o que a gente realmente usa e tirar o que a gente está só perdendo tempo. (Jovem mulher, Org4) Para além das questões relacionadas aos conteúdos debatidos na formação e às estratégias de trabalho desses mesmos conteúdos pelas organizações, alguns jovens levantaram críticas a questões de ordem estrutural. O aprendiz da Org2 observou que o horário da formação, que se realiza em período integral (das 8h às 17h), é cansativo e poderia ser dividido em duas etapas para um melhor aproveitamento das discussões. 37 A utilização de filmes é bastante comum e chega a ser coincidente entre as instituições formadoras: nas visitas de campo pudemos observar duas organizações, que trabalhavam com materiais de apoio distintos, discutirem o mesmo filme com os jovens aprendizes. 101 A despeito dos questionamentos, a experiência com a aprendizagem parece ser superior às expectativas dos jovens antes de iniciada a experiência: Olha, eu encontrei o que eu esperava. Eu acho que foi melhor do que eu esperava, porque eu não sabia que eu ia ser efetivada. Isso é muito legal pra todo mundo eu acho que todo mundo entra aqui e diz, ai eu quero ser efetivado, eu quero ser efetivado, alguns acabam não sendo e outros acabam sendo. Mas eu fiquei muito feliz quando eu soube e eu gostei, eu acho que pra mim foi ótimo porque, antes eu era bem mais tímida. Eu não falava muito a minha opinião. Agora eu comecei a expor ela a falar sobre o que eu penso. (Jovem moça, Org2) Eu acho que é bem melhor [do que esperava]. Eu imaginava que o Org4 fosse bem mais chato, rigoroso. Na verdade a gente que está lá fora como aluno vê isso aqui como colégio militar. Org4, jamais. Mas depois que eu entrei você vê que não, que é só seguir umas coisas básicas... Você tem que se esforçar bastante, mas dá para passar. (Jovem moça, Org4) Eu achei que não ia entender muita coisa, e acabei entendendo bastante. Quando você está no primeiro, segundo, terceiro termo [semestre], você acha que não está entendendo nada. Mas quando você chega no quarto termo e usa tudo aquilo você vê que você aprendeu sim. Deu pra entender tudo. (Idem) Ainda, as práticas de avaliação relatadas pelos jovens indicam que as instituições formadoras têm a preocupação em informar a eles as impressões acercas do seu aproveitamento no curso, utilizando-se das atividades realizadas em todos os encontros ou por meio de avaliações mais tradicionais. E se há a preocupação em avaliar o comportamento e o aproveitamento do jovem por parte da instituição formadora, os jovens não relatam momentos em que podem avaliar o seu próprio trabalho ou apresentar suas impressões sobre o curso de formação. Na prática – percepções sobre as experiências nos locais de trabalho As experiências contadas pelos jovens relacionadas às atividades que realizam em seus respectivos locais de trabalho são distintas, assim como as impressões sobre os cursos de formação. O jovem rapaz entrevistado na Org1 afirmou gostar do seu trabalho e relatou que a sua experiência como aprendiz tem influenciado a escolha do curso superior que ele pretende cursar. Há ainda, por parte desse aprendiz, uma expectativa de efetivação após o cumprimento do contrato de aprendizagem. Já a jovem da mesma organização contou que esperava mais do que efetivamente aprendeu em sua experiência de trabalho. Ao longo dos quase dois anos em que 102 atuava como aprendiz, ela informou ter exercido praticamente as mesmas atividades: (...) Pra mim não tem por que você ficar dois anos fazendo uma coisa só, sendo que tem outras coisas pra você conhecer. Então, foi o que eu desanimei no meu trabalho. (Jjovem moça, Org1) Os jovens entrevistados na Org2 mostraram-se satisfeitos com as atividades realizadas em seus respectivos espaços de trabalho. A moça entrevistada havia sido efetivada no período da pesquisa e o rapaz tinha esperanças de ser efetivado em breve. Ele ainda ressaltou que a empresa onde é aprendiz “trabalha certinho”: paga os funcionários em dia. A preocupação com esse tipo de questão pode revelar que os tipos de contratos a que estavam submetidos esses jovens nas experiências anteriores de trabalho, informais, não garantiam uma regularidade salarial. A Org4 estabelece possibilidades distintas para a experiência da aprendizagem nas empresas. A formação oferecida pela instituição é diária. Alguns jovens articulam a formação diária a idas diárias às empresas que os contrataram, mas isso geralmente ocorre com aqueles que já concluíram o Ensino Médio. Dos dois entrevistados nessa organização, a moça não havia conseguido uma empresa para trabalhar como aprendiz, participando apenas da formação na instituição, e o rapaz era contratado pela empresa e trabalhava em suas instalações apenas durante as férias escolares – ao longo do ano letivo, ele recebia o salário e participava da formação na instituição. Esse mesmo jovem declarou que trabalhar na empresa era interessante por proporcionar o convívio com experiências diferentes das vivenciadas na instituição formadora: Aqui seria mais um aprendizado, lá já você pega a experiência das pessoas. (Jovem rapaz, Org4) Um aspecto citado pelos profissionais que atuam nas instituições formadoras, o desvio de função, não apareceu nos relatos dos jovens quando incitados a comentar as experiências nas empresas. Isso não significa que essa seja uma questão perceptível apenas aos olhos dos gestores, ou que os jovens efetivamente não se queixem de momentos em que são orientados a desempenhar atividades que não correspondem às atribuições estabelecidas no contrato de aprendizagem. Mas indica que os jovens podem construir relatos diferentes quando incitados a contar 103 suas percepções sobre a aprendizagem para os coordenadores das instituições formadoras e para uma pesquisadora. Uma questão de gênero Um relato que chamou a atenção foi concedido por uma das jovens entrevistadas na Org4, que estava no último período do curso de formação e não havia tido nenhuma experiência com empresas. Especificamente no caso dela, uma das dificuldades em conseguir uma colocação foi o fato de ser mulher; aluna do curso de eletricista de manutenção, ela aponta que são poucas as oportunidades para mulheres na área: Pesquisadora: - E você chegou a ser colocada em alguma empresa nesse período em que estava aqui ou você quis só fazer o curso? Entrevistada: - Eu fui numa entrevista, mas depois que passou um certo tempo eu vi que realmente era muito pesado. Para menina é muito mais complicado ir para uma empresa do que para os meninos. A maioria das empresas não tem instalações femininas. - Não tem banheiro feminino? - Isso. - Então as meninas têm mais dificuldade de arrumar emprego nessa área? - Sim. - E isso que você está falando é uma coisa que você vê ou alguém te falou? - Não, isso é uma coisa que a gente vê a todo tempo, vivenciou, e que em todo termo [semestre] a gente vê isso. Que a cada 10 meninos que conseguem uma empresa, uma menina consegue. É isso, mais ou menos. (Diálogo entre pesquisadora e entrevistada, Org4) Ainda com relação às distinções entre as oportunidades de emprego para homens e mulheres nas áreas trabalhadas pela instituição, vale ressaltar a fala de um dos instrutores entrevistados. Questionado se havia mais homens ou mulheres na escola, o educador informou a existência de uma maior presença masculina e a justificou a partir das áreas trabalhadas pela instituição: Por causa dos cursos que são voltados mais para a área de eletroeletrônica e mecânica. [...] a escola que eu estava no interior de São Paulo está na capital do alimento: Marília. Então a maioria dos alunos são meninas. Por quê? Porque era voltado para a área do alimento. Agora, aqui, como é voltado para a área industrial, temos mais meninos do que meninas. (Instrutor, Org4) O instrutor parte de uma perspectiva que divide as áreas de conhecimento e atuação profissional entre aquelas que seriam mais propícias a mulheres e outras que seriam mais favoráveis aos homens. Ainda que esse mesmo ponto de vista seja 104 amplamente aceito e até mesmo constitua um articulador de uma menor demanda de mulheres e homens por determinadas áreas de conhecimento 38, é importante ressaltar que existe, já há algum tempo, uma rica produção teórica que busca desnaturalizar as distinções entre o que se percebe como “masculino” e “feminino”. Em outras palavras, há a defesa de que as diferenças apontadas como inatas entre mulheres e homens são construções culturais39. 3.4. Projetos de futuro Os jovens inseridos em processos de formação de aprendizes apresentam a intenção de permanecer no mercado de trabalho após a experiência com a aprendizagem e dar continuidade à educação – seja concluindo o Ensino Médio, seja ingressando na universidade. Essa tentativa de conciliar os estudos ao trabalho apareceu como uma tendência também entre os jovens egressos entrevistados na etapa da pesquisa realizada em São Paulo e Fortaleza. Os dados referem que a maior parte dos egressos trabalha e possui carteira assinada, o que indica uma inserção no mercado formal de trabalho, e estuda – boa parte deles em escolas particulares de ensino superior. O jovem entrevistado na Org2 observa que a aprendizagem estimulou o planejamento para o ingresso no ensino superior. Nessa mesma fala, ele levanta aspectos também relacionados à aprendizagem e mais subjetivos – sentir-se importante, por exemplo: Eu me senti mais importante sabe? Você entra de [roupa] social (...). Dar valor a uma profissão, pegar uma profissão antigamente se falava “ah, quero dinheiro”, agora eu só quero uma profissão, fazer o curso superior que eu acho que é bastante importante hoje em dia tem que ter, o que mudou pra mim foi isso, eu dei mais valor ao curso superior e à profissão. (Jovem rapaz, Org2) 38 Cabe ressaltar que não realizamos uma investigação sobre uma eventual menor demanda feminina à aprendizagem na Org4. Sabe-se apenas que a presença de mulheres é inferior à participação dos homens nas atividades de formação. Tendo em vista que a maior parte dos jovens é encaminhada para a aprendizagem pela própria empresa que os contratou, o gargalo à entrada das jovens moças nas atividades ligadas a este setor pode ser não a falta de demanda das mulheres, mas o próprio processo de contratação no interior das empresas. 39 Ver: Rubin, 1975; Franchetto et al, 1981; Scott, 1986. 105 A aprendizagem seria uma experiência que proporciona alteração da visão de mundo e ampliação de perspectivas relacionadas não apenas a oportunidades outras de trabalho, mas também a acesso ao ensino superior: O meu modo de ver o mundo era diferente porque eu não me preocupava muito com relação à sociedade em si, em relação a todo mundo. Eu me preocupava mais com a minha vida, achava que o meu mundo era só aquele. Aí eu descobri que tem esse negócio de trabalhar, de fazer faculdade, essas coisas assim, eu nunca tinha muito contato com esse tipo de coisa. (Jovem moça, Org2) Uma das entrevistadas na Org4 descreve os seus planos de futuro posteriores ao curso da aprendizagem e já indica caminhos para a consecução desses mesmos planos – por exemplo, o Enem, que é possibilidade de acesso ao ensino superior: Vou tentar arrumar um emprego, pretendo prestar uma faculdade, vou estudar bastante para o Enem, prestar o vestibular... (Jovem moça, Org4) Outro entrevistado da mesma organização pretende ser efetivado pela empresa e fazer um curso técnico após a experiência de aprendizagem. No entanto, esse curso é uma etapa anterior à universidade, que também está nos planos do entrevistado. Esse mesmo percurso – emprego, curso técnico e faculdade – foi delimitado por uma das entrevistadas na Org3, que vê nesse caminho a possibilidade de criar condições para acessar o ensino superior: Trabalhar muito, estudar muito, fazer cursos profissionalizantes até chegar onde você quer, fazer faculdade, ganhar um salário bom pra fazer uma faculdade (...). Pra mim é por aí. (Jovem mulher, Org3) Em pesquisa anterior com jovens40, identificamos que o curso técnico é muitas vezes entendido como estratégia para conseguir uma melhor colocação no mercado de trabalho e, a partir daí, acessar a universidade. Além disso, a universidade que está nos planos é sempre a vinculada ao ensino privado, tendo em vista que é relacionada à procura por empregos que ofereçam melhores salários – e proporcionem, assim, o pagamento de mensalidades. Percebe-se que a fala dos jovens remete à presença de uma expectativa positiva diante do futuro que se articula à experiência com a aprendizagem, mesmo quando o jovem não sabe, objetivamente, de que maneira a aprendizagem pode ajudar: 40 Pró-Menino: trajetos e projetos. Relatório de pesquisa. São Paulo, Ação Educativa e Fundação Telefônica, 2011. 106 Pergunta: Você acha que sua participação aqui no [Org1] provocou alguma mudança na sua vida em alguma coisa ou você acha que foi igual? Resposta: Continuou igual, mas vai mudar mais pra frente, vai ser uma coisa que vai evoluir, vai ser pro futuro, o futuro vai mudar muito, vai mudar muito. (Jovem rapaz, Org1) Abramo (2005) já apontava que os jovens são bastante otimistas com relação ao seu futuro, questão que pode ser observada na fala do entrevistado. Se por um lado há certa dificuldade em formular os aspectos que sofreram mudanças após a experiência como aprendiz, em outros momentos é possível perceber um discurso que explicita a elaboração de projetos de futuro diante de perspectivas criadas com a participação no programa de aprendizagem. O mesmo jovem apontou que está em vias de ser efetivado na empresa onde é contratado como aprendiz. Em sua fala, a efetivação e o consequente aumento de salário seriam essenciais para o acesso ao seu projeto de futuro mais urgente, o ensino superior: Se não me efetivarem vou ter que procurar outra coisa, porque eu quero começar a faculdade logo; sem o dinheiro da efetivação, um dinheiro bom, não vai ter como eu começar a faculdade. Você pode até começar a faculdade, mas não vai ter dinheiro mais pra nada. (Jovem rapaz, Org1) Diante da constatação que a busca pelo acesso ao ensino superior está presente no planejamento dos jovens e chega a ser uma das motivações para que permaneçam empregados, vale dar atenção a esse aspecto em eventuais análises futuras com egressas e egressos das políticas de aprendizagem, questionando se a elaboração de um plano para o acesso ao ensino superior significa um acesso efetivo. A pesquisa realizada com jovens egressos em São Paulo e Fortaleza indica uma quantidade significativa de jovens que afirmaram estar matriculados em faculdades. 107 Conclusões e recomendações A investigação com os jovens egressos de programas de aprendizagem teve como objetivos analisar o perfil social dos jovens atendidos pela Política de Aprendizagem Profissional, identificar a experiência formativa dos jovens aprendizes tanto na empresa como nas instituições formadoras durante a vigência do contrato e, por fim, investigar as condições de inserção dos aprendizes egressos no mercado de trabalho. A coleta de dados nas organizações formadoras de jovens aprendizes levantou questões que foram recorrentes e possuem relevância se procuramos pensar a Lei da Aprendizagem enquanto política pública para a inserção de jovens no mundo do trabalho. A seguir apresentaremos os principais resultados e recomendações sobre o aprimoramento da política de aprendizagem para delimitar as questões que merecem maior cuidado em futuras intervenções e projetos de pesquisa. Recrutamento e seleção de jovens aprendizes Ampliar os canais de divulgação da política em espaço públicos como escolas, centros de juventude e centros públicos de emprego e renda. Na pesquisa identificamos que os principais canais de informação sobre a Lei do Aprendiz são as redes informais compostas por familiares e amigos; instituições como escolas e programas sociais são poucos citados pelos jovens entrevistados; Ainda com relação ao recrutamento e seleção de aprendizes, os relatos apontaram que mesmo dentro das contratações realizadas por meio da Lei da Aprendizagem funcionam mecanismos informais de seleção, seja por meio de indicação de parentes e amigos, seja pela facilitação no processo a jovens já vinculados às organizações. Sobretudo nesse último caso, observa-se a formação de uma “fila dupla” para as vagas da aprendizagem, constituída por jovens que não são aprendizes e não recebem ajudas de custo, mas participam das atividades de formação e, assim, têm preferência para futuras 108 vagas. A utilização de mecanismos informais de seleção e a constituição dessa dupla forma de seleção, que contempla jovens que se dispõem a participar dos processos de formação sem um posto efetivo de aprendiz, demonstra que essa política – que deveria ser universalizada – tem espaço para discricionariedade e limitação de público. É fundamental problematizar essas questões tendo em vista a necessidade de buscar uma efetiva universalidade da política garantindo o seu acesso por outros meios que não as redes familiares e de sociabilidade. Empresas O número de jovens contratados como aprendizes no Brasil ainda está abaixo do potencial de contratação estabelecido pela cota mínima de 5% do quadro funcional das empresas. Aumentar os mecanismos de fiscalização nas empresas, instituir um processo mais amplo e qualificado de credenciamento das instituições formadoras e diversificar as estratégias de divulgação da política de aprendizagem são medidas fundamentais para aumentar o número de jovens aprendizes. Diante do relato de que algumas empresas preferem pagar a multa por não terem um mínimo de 5% de funcionários aprendizes do que contratarem jovens em situação de aprendizagem, é fundamental garantir a essas empresas um maior acesso a informações relacionadas à aprendizagem – por meio de palestras e materiais de formação. A visão refratária diante da inclusão de jovens aprendizes pode ser resultante de falta de informação sobre essa modalidade de contratação. Uma das coordenadoras entrevistadas na visita às entidades formadoras considerou um fato da própria aprendizagem o descumprimento, por parte das empresas, de acordos previamente estabelecidos entre empresas e entidades formadoras e embasados por lei. Podemos supor que a relativização do descumprimento da lei resulta da sua recorrência na relação entre empresas e organizações formadoras. É importante procurar maneiras de trabalhar junto às empresas, por um lado, para buscar a reafirmação da normativa relacionada à aprendizagem e também atuar com as organizações 109 formadoras tendo em vista a necessidade de articular a relação entre estas e as empresas que contratam os aprendizes. O desvio de função de jovens aprendizes se insere na necessidade de repensar as relações entre empresas e organizações formadoras. Ainda que não tenham sido apontadas pelos jovens entrevistados, funcionários e coordenadores das organizações relataram situações em que aprendizes são encaminhados para desempenhar funções que não as previamente estabelecidas pelos contratos. No entanto, observou-se que não há um procedimento padrão para lidar com esses casos. Nesse sentido, cabe debater o desvio de função com as organizações formadoras visando construir protocolos de procedimento que articulem o diálogo com as empresas à necessidade de manutenção de uma boa relação entre formadoras e empregadores. Ainda, a flexibilização das atividades dos jovens aprendizes parece ser uma questão relevante a ser trabalhada junto às próprias empresas – não apenas pelas organizações formadoras, mas também pelos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização da aprendizagem. Entidades formadoras Há um problema com relação à fiscalização da qualidade da formação profissional ofertada pelas entidades formadoras. Indicativo da ausência de fiscalização é o fato de que, dos 277 jovens entrevistados que concluíram o programa de aprendizagem, 30% deles não receberam certificado. Diante da limitação do “sistema „S‟” em absorver a demanda de jovens aprendizes, as entidades assistenciais têm construído uma participação cada vez mais significativa nas etapas de formação na aprendizagem. Assim, é necessário garantir um referencial comum mínimo entre os diferentes processos de formação – vinculados ou não ao “sistema „S‟”. 110 Condições de trabalho O baixo valor do salário foi indicado pelos jovens entrevistados como o aspecto mais negativo da Lei da Aprendizagem. O valor médio recebido pelos jovens aprendizes varia entre meio e um salário mínimo, pouco atrativo para manter o jovem durante um ou dois anos no processo formativo. Tanto é verdade que a maioria dos jovens que saíram do programa de aprendizagem o fizeram devido a uma oportunidade melhor de trabalho. A aprendizagem aparece, em suas falas, como um momento altamente transitório não apenas pelo seu tempo – que é limitado pela normativa – mas também pela sua condição de limitadora de projetos futuros ligados à necessidade de uma melhor remuneração. O ensino superior, por exemplo, é vinculado à efetivação ou procura por outro emprego – haja vista que o acesso à faculdade se limita, para esses jovens, ao ensino superior privado; a universidade pública não aparece nos relatos. Os relatos dos jovens ouvidos nas visitas às organizações formadoras referem uma longa duração das jornadas de trabalho, muitas vezes aliadas à educação formal e ao curso de formação. Se a experiência com a aprendizagem deve garantir ao jovem uma articulação entre escola e trabalho e assegurar o direito à vida familiar, é necessário problematizar a elevada jornada de trabalho na aprendizagem – que não parece promover essa mesma articulação de forma razoável e não prejudicial a nenhuma das partes. Inserção no mercado de trabalho Ainda que os jovens avaliassem os programas de aprendizagem profissional como uma experiência que facilita a inserção no mercado de trabalho, 30% dos egressos contatados não estavam trabalhando no momento da pesquisa, o que parece sinalizar a importância do desenvolvimento de uma política mais ampla de geração de emprego e renda para as jovens gerações. 111 Referências Bibliográficas ABRAMO, Helena W. e BRANCO, Pedro Paulo M. (orgs.). Retratos da Juventude Brasileira: análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania e Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. AÇÃO EDUCATIVA e FUNDAÇÃO TELEFÔNICA. Pró-Menino: trajetos e projetos. Relatório de pesquisa. São Paulo, 2011. CAMARANO, A. et. al. Os jovens brasileiros no mercado de trabalho. In: Boletim Mercado de Trabalho: conjuntura e análise, vol.6, n.17, 2001. CORROCHANO, Maria Carla. O trabalho e sua ausência: narrativas de jovens do Programa Bolsa Trabalho no município de São Paulo. 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