Jovens Aprendizes
Uma análise a partir da experiência de
jovens egressos e instituições formadoras
Relatório Final de pesquisa
São Paulo, novembro de 2011
2
Ficha Técnica
Ação Educativa
Vera Masagão Ribeiro
Coordenadora geral
Maria Virgínia de Freitas
Coordenadora de Juventude
Maria Carla Corrochano
Coordenadora do Programa Juventude e Trabalho
Pesquisadora Responsável
Natália Bouças do Lago
Uvanderson Silva
Pesquisadores
Fernando Guarnieri
Lara Mesquita
Coordenação da pesquisa em
São Paulo e Fortaleza – via Cebrap
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Apresentação
O presente Relatório apresenta uma análise dos dados coletados no âmbito do
projeto Jovens Aprendizes, realizada pela Ação Educativa em parceria com o
Instituto Unibanco.
A pesquisa foi estruturada com o objetivo de identificar os avanços e desafios
trazidos pela Lei da Aprendizagem a partir das experiências e percepções de
adolescentes e jovens que experimentaram a condição de aprendizes. Partindo
da sua perspectiva, buscamos traçar um perfil geral desses jovens e identificar
os fatores que os mobilizaram a buscar uma inserção formal no mercado de
trabalho por meio da aprendizagem.
Além dos egressos, também foram ouvidos jovens e profissionais atualmente
vinculados a instituições formadoras de aprendizes. Dessa forma, buscamos
construir um olhar ampliado sobre a aprendizagem, equilibrando uma descrição
das atividades desenvolvidas pelas instituições visitadas às análises das
práticas observadas.
Espera-se que a reflexão produzida possa fornecer subsídios à avaliação das
ações hoje instituídas no âmbito da aprendizagem e fomentar o debate em
torno dessa lei junto ao poder público, entidades da sociedade civil e
pesquisadores das temáticas de juventude, educação e trabalho. Ainda,
esperamos possibilitar a reflexão acerca das contribuições possíveis para que
o jovem, respaldado por uma formação de qualidade, se insira em ocupações e
práticas que valorizem seus direitos, sonhos e projetos.
Desejamos a todas e a todos uma boa leitura.
4
Índice
Apresentação ............................................................................................................... 4
Agradecimentos ............................................................................................................ 7
Introdução..................................................................................................................... 8
Política de Aprendizagem Profissional e os Programas de formação profissional para
jovens: o que há de novo? ...................................................................................... 10
Procedimentos Metodológicos .................................................................................... 17
|1| A Lei de Aprendizagem: um olhar a partir dos jovens aprendizes egressos ........... 20
Introdução ............................................................................................................... 20
1.1. Perfil social ....................................................................................................... 21
1.2. A experiência com a Lei da Aprendizagem....................................................... 32
1. 3. Impacto da participação no programa de aprendizagem ................................. 46
Inserção no mercado de trabalho ........................................................................ 49
|2| Um olhar para o presente: as instituições formadoras............................................ 61
2.1. Informações sobre as organizações visitadas .................................................. 61
2.2. As organizações no mundo da aprendizagem .................................................. 64
2.3. Recrutamento e seleção dos jovens ................................................................. 65
2.4. Metodologias de trabalho ................................................................................ 71
2.5. O diálogo com as empresas ............................................................................. 78
2.6. O diálogo com os jovens aprendizes ................................................................ 82
2.7. Impressões sobre o "sistema 'S'"...................................................................... 87
2.8. Uma análise da política .................................................................................... 89
|3| Um olhar para o presente: os jovens aprendizes ................................................... 93
3.1. Quem são estes jovens? .................................................................................. 93
3.2. Como chegam às instituições? ......................................................................... 94
3.3. A experiência na aprendizagem ....................................................................... 96
3.4. Projetos de futuro ........................................................................................... 105
5
Conclusões e recomendações .................................................................................. 108
Referências Bibliográficas ........................................................................................ 112
6
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer às pessoas e instituições que foram fundamentais
na realização dessa pesquisa por terem colaborado com o desenvolvimento
das suas atividades.
Em primeiro lugar, agradecemos a todos os jovens entrevistados pela sua
disponibilidade em conversar com a equipe de pesquisa sobre sua experiência
como aprendizes.
A Ana Lucia Alencastro, do Ministério do Trabalho e Emprego, pela
disponibilidade em dialogar com a equipe de pesquisa e, sobretudo, a gentileza
em conceder o acesso às informações dos jovens egressos de programas de
aprendizagem que constituíram a amostra da pesquisa.
Cabe também um agradecimento especial à abertura e à disposição das
instituições formadoras de jovens aprendizes (Senai, Colmeia, CIEE-SP e
Fundação Pró-Cerrado) em receber a equipe ao longo dos dias de pesquisa e
compartilhar as experiências com a aprendizagem.
As
interlocuções
proporcionadas
pela
Rede
Pró-Aprendiz
e
pela
Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo, na figura do
coordenador do Fórum Paulista de Aprendizagem, foram fundamentais para a
problematização das informações sobre a aprendizagem e um melhor
entendimento dos processos que envolvem essa política pública.
Agradecemos, por fim, às especialistas Gisela Tartuce e Raquel Souza, cujas
leituras da versão preliminar deste Relatório foram fundamentais para um maior
aprofundamento das questões e uma melhor organização das ideias.
Equipe da pesquisa
7
Introdução
A partir de meados dos anos 1990 assistiu-se no Brasil ao surgimento de várias
ações públicas, governamentais e da sociedade civil, dirigidas à juventude.
Em um contexto marcado pelo baixo desempenho da economia, abertura
comercial, reestruturação produtiva das empresas, flexibilização das relações
de trabalho, o desemprego juvenil despontou como um dos grandes problemas
sociais sobre os quais se organizou boa parte da agenda das políticas públicas
de juventude. A centralidade dessa forma de desemprego no âmbito de tais
políticas e nas pesquisas sobre o universo juvenil justifica-se em parte pelo
impacto negativo que a ausência de trabalho causa nas condições de vida dos
jovens, em particular daqueles pertencentes a famílias de baixa renda, e em
parte devido à novidade dessa forma de desemprego no mercado de trabalho.
Até os anos 1980, os jovens brasileiros não encontravam grandes dificuldades
de inserção no mercado de trabalho, ainda que as condições de exercício de
suas atividades fossem estruturalmente precárias. Diversos estudos sobre o
padrão da transição da escola para o universo profissional apontaram que,
diferentemente do que se passava na época nos países desenvolvidos, no
Brasil os jovens entravam no mercado de trabalho com pouca idade, baixa ou
nenhuma
escolaridade
e
em
ocupações
precarizadas.
Aqueles
que
conseguiam prolongar o período de escolarização e postergar o início da vida
profissional geralmente eram oriundos das classes médias e altas que, ao
ingressarem no mundo de trabalho, ocupavam os postos mais seguros e
rentáveis do mercado.
Transformações
No entanto, nas últimas décadas, em função de intensas transformações
produtivas e sociais, ocorreram mudanças nas condições de transição da
escola para o trabalho. As tendências recentes do mundo do trabalho, bem
como a evolução dos sistemas educacionais e de formação profissional, têm
colocado os jovens diante de um complexo paradoxo: por um lado, os níveis
8
educacionais alcançados por eles são mais elevados do que os das gerações
anteriores; por outro, os jovens encontram sérias dificuldades de inserção no
mercado de trabalho, principalmente para a obtenção do primeiro emprego,
dado o aumento da competitividade e da demanda por experiência e por
qualificação no mercado de trabalho.
No que diz respeito à educação, nas últimas duas décadas houve uma
expansão da escolaridade no país – aproximando-se da universalização no
Ensino Fundamental e dobrando o número de atendidos nos anos 2000 no
Ensino Médio – que alterou o tempo de permanência dos alunos no sistema
escolar e a média de escolaridade dos jovens brasileiros (Carbucci et al, 2009).
Entretanto, a relação entre escolaridade e posição no mercado de trabalho
tornou-se mais complexa. Num contexto marcado pela oferta limitada de
emprego formal, pelas constantes mudanças tecnológicas nos processos de
trabalho, por um elevado número de pessoas à procura de emprego, as
credenciais escolares são cada vez mais importantes na trajetória dos
trabalhadores. Se antes a conclusão do Ensino Médio (antigo 2° grau)
funcionava quase como um passaporte para as ocupações técnicas e/ou de
mando, hoje esse nível de escolaridade torna-se cada vez mais um prérequisito para disputar qualquer vaga no mercado. Nesse contexto, as
possibilidades de mobilidade social tornaram-se mais restritas, e as condições
de trabalho das pessoas com baixa escolaridade, cada vez mais precárias.
No que se refere ao mundo do trabalho, as reformas econômicas ocorridas
durante os anos 1990 (privatizações de estatais, abertura para mercado
internacional, estabilização monetária) alteraram consideravelmente a dinâmica
do mercado de trabalho brasileiro. As novas regras de competitividade das
empresas aliadas à introdução de novas tecnologias nos processos de
produção resultaram na elevação da taxa de desemprego (decorrente da
redução dos postos de trabalho) e no aumento das exigências de formação
escolar e profissional dos novos trabalhadores.
Mesmo considerando a primeira década dos anos 2000, período marcado por
uma relativa recuperação do desempenho econômico e de crescimento do
mercado de trabalho formal, os jovens ainda apresentam taxas de desemprego
9
mais elevadas do que as dos adultos. Em 2007, segundo a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios – Pnad, o desemprego juvenil era 2,9 vezes maior
que o dos adultos – a taxa de desemprego juvenil chegava a 14%, enquanto a
taxa de desemprego dos adultos era de 4,8% (Andrade, 2008).
A propósito das novas condições dos trabalhadores jovens no mercado de
trabalho, vale a síntese de Camarano (2001):
“O mercado de trabalho encontrado pelos jovens hoje é muito
diferente do mercado de trabalho encontrado pelos seus pais. Os
contratos são piores, expandiram-se os contratos de temporários e a
informalidade aumentou. De forma geral, os jovens de hoje recebem
salários mais baixos e estão mais desprotegidos, não contando com
o acesso aos benefícios de uma rede de proteção social – como, por
exemplo, os benefícios previdenciários, de saúde e seguro
desemprego. Por outro lado, observam-se crescentes obstáculos
para a obtenção do primeiro emprego." (Camarano, 2001, p.34)
Diante do quadro de altas taxas de desemprego juvenil e da precariedade das
ocupações produtivas atualmente disponíveis aos jovens, as políticas de
juventude se veem diante de três opções de intervenção no que se refere ao
trabalho. A primeira é preparar o jovem para fazer a transição escola-trabalho,
procurando facilitar sua contratação e oferecer a ele melhores oportunidades
de trabalho. A segunda é, em vez disso, prolongar sua escolarização, o que
eventualmente redunda em retardar sua entrada no mercado de trabalho. O
terceiro tipo de intervenção é aquele que visa regulamentar a participação dos
jovens no mercado de trabalho e conciliá-la com a continuidade dos estudos. A
política atual de Aprendizagem Profissional insere-se nesse terceiro modelo.
Política de Aprendizagem Profissional e os Programas de formação
profissional para jovens: o que há de novo?
Durante a década de 1990 surgiu uma série de programas públicos dirigidos
aos jovens de baixa renda com o objetivo de combater o desemprego e conter
a violência que grassava nos grandes centros urbanos do país. Na maior parte
dos casos, eram programas oferecidos pelo poder público em parceria com
organizações da sociedade civil, de caráter socioeducativo, articulados a uma
proposta de transferência de renda e, em alguns casos, visavam facilitar a
10
inserção dos jovens no mundo do trabalho por meio de cursos de qualificação
profissional. Como destacou Sposito (2007), as avaliações sobre esses
programas ainda não são exaustivas, nem mesmo conclusivas, porém trazem
elementos que sinalizam para alguns limites dessas iniciativas. Dentre as
críticas podemos destacar:
(i) a falta de articulação entre formação profissional e escolarização;
(ii) a curta duração do processo formativo;
(iii) a distância entre as proposta pedagógica dos cursos profissionalizantes
e os conhecimentos e competências demandados pelo mercado de
trabalho;
(iv) a falta de envolvimento do setor produtivo no processo de construção
das políticas de qualificação profissional.
Nesse contexto, a política de aprendizagem profissional – desenhada na
primeira metade do século XX e formulada, em sua versão atual, pela Lei nº
10.097/2000 – é apresentada pelos seus proponentes e apoiadores (com
destaque para o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE) como uma
alternativa no quadro das políticas públicas de juventude. A política de
aprendizagem profissional, tal como na atual proposta do MTE, tem como
principais objetivos:

capacitação profissional adequada às demandas e às diversidades dos
aprendizes, do mercado de trabalho e da sociedade;

promoção da flexibilidade e da mobilidade no mercado de trabalho pela
aquisição
de
competências
básicas
e
contínuas,
compreendendo
conhecimentos, habilidades, atitudes e valores;

elevação do nível de escolaridade do aprendiz;

articulação de esforços das áreas de educação, do trabalho e emprego, da
ciência e tecnologia, da assistência social e da saúde.
11
A Aprendizagem Profissional é uma política pública de caráter permanente, que
reúne a qualificação e a inserção em uma única ação. Embora conste na
legislação brasileira desde a década de 1940, foi modificada pela Lei da
Aprendizagem (Lei nº 10.097/2000) e está regulamentada pelo Decreto nº
5.598/2005, estabelecendo a obrigatoriedade de estabelecimentos de médio e
grande porte de contratar jovens entre 14 e 24 anos como trabalhadores
aprendizes.
O trabalho dos aprendizes com idade inferior a 18 anos deve ser realizado de
acordo com as normas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, que impede que os adolescentes atuem em locais
prejudiciais à sua formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social,
e preconiza que o trabalho seja realizado em horários e locais que permitam a
frequência à escola.
Do ponto de vista da inserção no mercado de trabalho, a Lei da Aprendizagem
visa minimizar as atividades informais e aumentar as possibilidades de
empregos legalizados para jovens ingressantes no mercado de trabalho. A
proposta é de que enquanto o jovem aprende uma profissão e o funcionamento
da vida corporativa, a organização se compromete em oferecer qualificação
profissional a um iniciante, que ao final de um ou dois anos deverá estar apto a
ingressar definitivamente no seu quadro de pessoal.
Vários estudos apontam que a falta de experiência é o principal entrave para
que os jovens consigam ingressar no mercado de trabalho. A Lei da
Aprendizagem propõe superar esse problema por meio de um contrato especial
de trabalho que possibilite aos jovens compatibilizar formação profissional
teórica e experiência prática de trabalho. Além disso, a política de
aprendizagem visa resolver um dos principais dilemas das políticas de inserção
social de jovens de baixa renda, que seria garantir ao jovem a obtenção de
renda sem comprometer a possibilidade de continuar seu processo formativo.
O contrato de aprendiz possibilita que o jovem tenha um salário sem recorrer
ao mercado informal e, o mais importante, sem abandonar os estudos.
Uma das principais alterações na nova Lei da Aprendizagem foi a ampliação
dos modelos de instituições habilitadas a realizar os cursos de qualificação e
12
acompanhar as atividades formativas dos jovens no espaço de trabalho. Desde
a sua promulgação em 1943, a Lei da Aprendizagem previa que a formação
dos adolescentes e jovens fosse conduzida pelos Serviços Nacionais de
Aprendizagem, conjunto também conhecido como "sistema 'S'" (Serviço
Nacional
de
Aprendizagem
Industrial
–
Senai,
Serviço
Nacional
de
Aprendizagem do Comércio – Senac, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
– Senar, Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – Senat e Serviço
Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop). Com a alteração da
legislação em 2000, por meio da Lei nº 10.097, as escolas técnicas e
organizações não-governamentais ganharam condições de oferecer programas
de aprendizagem desde que devidamente registradas no Conselho Municipal
de Direitos da Criança e Adolescente – CMDCA e certificadas pelo MTE. No
entanto, há uma demanda por uma maior fiscalização com relação às
condições de funcionamento das instituições formadoras, bem como da
qualidade pedagógica dos cursos profissionalizantes ofertados.
Todas as empresas de médio e grande porte (com receita bruta anual superior
a R$ 1.200.000,00) devem contratar um número de aprendizes correspondente
a no mínimo 5% e, no máximo, 15%, de seu quadro de funcionários. No
entanto, a cota mínima está longe de ser atingida em todas as regiões do país.
Aliás, o cumprimento da cota mínima é um dos principais esforços do MTE no
que se refere à implementação dessa política.
As empresas contratantes estabelecem parceria com entidades formadoras
autorizadas a oferecer esse tipo de formação profissional. A carga horária
máxima deve ser de 6 horas de trabalho por dia, podendo chegar até a 8 horas
se o jovem tiver completado o Ensino Fundamental. Esse é um ponto
controverso da Lei, pois na contramão da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que prevê a “extensiva obrigatoriedade e
gratuidade” do Ensino Médio, a Lei da Aprendizagem define que o jovem que
concluiu o Ensino Fundamental pode atuar durante 8 horas diárias na empresa.
Ainda no que se refere à relação entre aprendizagem e escolarização, a
legislação não deixa claro se a frequência no Ensino Médio é obrigatória ou
não, no caso do adolescente que já concluiu o Ensino Fundamental. Observe:
13
“Art. 428 - § 1o A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação
na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e frequência do
aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição
em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade
qualificada em formação técnico-profissional metódica”.
A carga horária do jovem aprendiz deve ser dividida entre a empresa e uma
instituição de qualificação que ministrará o curso de aprendizagem. A
aprendizagem profissional consiste em formação técnico-profissional metódica,
aliando conhecimento teórico com experiência prática, permitindo ao jovem
aprender uma profissão e obter sua primeira experiência como trabalhador.
Por se tratar de uma modalidade de formação no processo de trabalho, um
funcionário
da
própria
empresa
deverá
acompanhar
o
processo
de
“aprendizagem”, aliado ao “acompanhamento” de instituições do Sistema
Nacional de Aprendizagem, escolas técnicas ou organizações da sociedade
civil. No entanto, como observaremos com mais detalhe ao longo do relatório,
esse processo de acompanhamento formativo no local de trabalho de trabalho
nem sempre acontece. Na maioria das vezes, as instituições contratantes não
têm um plano pedagógico e de trabalho preparado para os jovens aprendizes.
A construção de estratégias pedagógicas que visem atender à proposta de
compatibilizar a dinâmica de trabalho e o processo formativo no espaço de
trabalho é um desafio de primeira de ordem da política de aprendizagem
profissional.
A alíquota de recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço –
FGTS sobre os contratos de aprendizagem cai de 8% para 2%. Por se tratar de
um contrato de aprendizagem por tempo determinado (até dois anos), não há
previsão nesta espécie de contrato – ainda que com registro formal em Carteira
de Trabalho – de benefícios como pagamento de Aviso Prévio ou SeguroDesemprego. O salário mínimo pago será o salário mínimo/hora, “salvo
condição mais favorável”; portanto, uma carga horária de 4 horas diárias
corresponde à metade do salário mínimo, e assim sucessivamente.
Outro órgão envolvido nesses programas é a Delegacia Regional do Trabalho –
DRT, vinculada ao MTE, a qual é responsável por fiscalizar tanto o
14
cumprimento da Lei da Aprendizagem pelas empresas, como a execução do
programa pelas entidades de formação profissional. O MTE também é
responsável, de acordo com o Decreto nº 5.598/2005, por editar, em parceria
com o Ministério da Educação, normas para avaliação da competência das
entidades responsáveis pela formação técnico-profissional dos aprendizes.
Lei da
Aprendizagem
Características
Lei nº 10.097/2000 ampliada pelo Decreto Federal nº
A lei
5.598/2005.
Jovens de 14 a 24 anos de idade que estejam cursando o
Ensino Fundamental ou o Ensino Médio. No caso de pessoa
com deficiência é permitida a contratação de jovens maiores
O aprendiz
de 24 anos de idade.
Estabelecimentos de qualquer natureza. É facultativa a
A empresa
contratação de aprendizes pelas microempresas, bem como
contratante
pelas Entidades sem Fins Lucrativos.
Remuneração
Salário mínimo/hora.
Até 6 horas diárias para aprendizes que cursam o Ensino
Jornada de
Fundamental.
trabalho
Até 8 horas para os que estão no Ensino Médio.
Cota de
aprendizes na
empresa
5% a 15% das vagas do quadro de pessoal.
Direitos
trabalhistas
13º salário, vale-transporte e férias.
Por tempo determinado, com duração de, no máximo, dois
Contrato
anos.
Vínculo
Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com registro
15
na carteira de trabalho (CTPS).
Incentivos fiscais e
2% de FGTS, dispensa de aviso prévio, isenção de multa
tributários
rescisória.
Órgão responsável
pela fiscalização
da lei
Superintendência Regional do Trabalho
16
Procedimentos Metodológicos
A pesquisa coletou informações sobre a Lei da Aprendizagem a partir de duas
etapas, que serão descritas separadamente: i) Pesquisa com jovens que
participaram de programas de aprendizagem; e ii) Pesquisa em instituições
formadoras de aprendizes.
O caráter complementar das duas frentes da pesquisa motivou a constituição
desse desenho de pesquisa. A etapa quantitativa pode oferecer informações
relacionadas a experiências de aprendizagem vivenciadas por jovens, assim
como apontar os caminhos percorridos por estes mesmos jovens após a
participação na aprendizagem. As visitas e entrevistas qualitativas permitiram,
por sua vez, uma análise sobre a lei por jovens que atualmente são aprendizes,
mas também por profissionais que atuam desde a fiscalização até a concepção
e aplicação da política no cotidiano das instituições.
Da pesquisa com jovens egressos de programas de aprendizagem
Nessa etapa da pesquisa foi entrevistado um total de 448 jovens, sendo 142
em Fortaleza e 306 em São Paulo. A amostra foi construída a partir do
cadastro de jovens aprendizes disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e
Emprego – MTE. A escolha das duas cidades deveu-se à presença significativa
de jovens contratados como aprendizes no mercado de trabalho local. A
primeira, São Paulo, é a cidade com o maior número de jovens contratados
como aprendizes. Esse resultado deve-se, em parte, à proporção do mercado
de trabalho dessa região, mas também à articulação entre diversos atores
estratégicos: poder público, empresários, instituições do Sistema Nacional da
Aprendizagem Profissional, organizações da sociedade civil, entre outros.
Fortaleza, por sua vez, apresenta um caso bem-sucedido de implementação
dos programas de aprendizagem. Essa cidade representa quase 20% dos
jovens aprendizes contratados na região Nordeste.
17
A maior parte das entrevistas foi realizada presencialmente. Entretanto, diante
de algumas dificuldades de localização dos jovens1, uma parcela das
entrevistas foi feita a partir de contatos telefônicos.
A realização das entrevistas foi orientada por um questionário estruturado 2 e as
perguntas do instrumento relacionaram-se às vivências do jovem com a
aprendizagem e às atuais experiências de trabalho e estudos. Buscou-se,
assim, investigar se o jovem entrevistado entendia a experiência de
aprendizagem como potencializadora de novas trajetórias profissionais e
educacionais.
Ainda, foram realizadas 10 entrevistas em profundidade, sendo 6 em São
Paulo e 4 em Fortaleza, orientadas por um roteiro3, com jovens egressos que
se dispuseram a contar com mais detalhamento as experiências do período em
que foram aprendizes. Tais conversas auxiliaram na análise dos dados por
possibilitar um olhar mais aprofundado sobre determinadas questões
levantadas pela etapa quantitativa.
Da pesquisa nas instituições formadoras
A etapa qualitativa pesquisou quatro instituições formadoras de jovens
aprendizes: CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), São Paulo-SP;
Colmeia, São Paulo-SP; Escola Senai Mariano Ferraz, São Paulo-SP; e
Fundação Pró-Cerrado, Aparecida de Goiânia-GO. As organizações visitadas
não serão diretamente identificadas na apresentação e análise de suas falas a
respeito da aprendizagem. Para tanto, a distinção entre elas será feita a partir
das expressões Org1, Org2, Og3 e Org4.
Para a definição das iniciativas pesquisadas buscou-se uma diversidade no
que concerne à localidade, tipos de público e tamanho das organizações,
fatores aliados à disponibilidade das instituições em receber a equipe de
1
Sobretudo relacionadas à localização dos jovens nos horários das entrevistas e à existência de
endereços desatualizados no banco de dados.
2
Anexo a esse relatório.
3
Anexo a esse relatório.
18
pesquisa. Ainda que o foco da pesquisa qualitativa tenha sido o estado de São
Paulo, sobretudo em decorrência das limitações de deslocamento da equipe de
pesquisa, a Fundação Pró-Cerrado foi procurada tendo em vista a sua
localização (em uma tentativa de observar a aprendizagem para além do
território paulista) e a quantidade significativa de jovens atendidos.
Essa etapa estruturou-se a partir da observação das atividades executadas
pelas entidades e também pela realização de entrevistas com coordenadores,
educadores (ou instrutores) e jovens aprendizes. Todas as conversas foram
orientadas por roteiros cujas questões versavam sobre as experiências com a
aprendizagem4.
Em caráter complementar, foram ouvidos outros atores inseridos em processos
relacionados à Aprendizagem: o articulador da Rede Pró-Aprendiz5, voltada às
organizações que executam programas de aprendizagem; e um profissional da
Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo6, que também é
responsável pela coordenação do Fórum Paulista de Aprendizagem – Fopap7.
Optou-se por realizar tais diálogos como forma de entrar em contato com
diferentes olhares e formas de trabalho que promovem a articulação e a
fiscalização das práticas de aprendizagem.
4
Anexos a esse relatório.
5
A Rede Pró-Aprendiz é uma iniciativa coordenada pela Fundação Pró-Cerrado que articula
organizações diversas no sentido de promover a Lei da Aprendizagem enquanto política pública para a
juventude no Brasil. Mais informações: http://aprendizagem.org.br/. Acesso em 07/10/2011.
6
A Superintendência Regional do Trabalho tem a função de fiscalizar o cumprimento da Lei da
Aprendizagem no que concerne às práticas relacionadas às empresas e às instituições formadoras.
7
O Fórum Paulista de Aprendizagem é mandatário de uma política mais ampla que instituiu o Fórum
Nacional e os Fóruns Estaduais de Aprendizagem. A atribuição desses órgãos é articular governo,
instituições formadoras e empresas em torno da pauta da aprendizagem. Mais informações:
http://www.mte.gov.br/eventos/forum_aprendizagem_sp/default.asp. Acesso em 07/10/2011.
19
|1| A Lei de Aprendizagem: um olhar a partir dos jovens
aprendizes egressos
Introdução
Neste capítulo apresentaremos o resultado da investigação realizada com
jovens egressos de programas de aprendizagem profissional entrevistados em
duas cidades: Fortaleza, no Ceará, e São Paulo, capital.
Nessa etapa da pesquisa foi entrevistado um total de 448 jovens, sendo 142
em Fortaleza e 306 em São Paulo. A amostra foi construída a partir do
cadastro de jovens aprendizes disponibilizado pelo Ministério do Trabalho e
Emprego – MTE. A escolha das duas cidades deveu-se à presença significativa
de jovens contratados como aprendizes no mercado de trabalho local. A
primeira, São Paulo, é a cidade com o maior número de jovens contratados
como aprendizes. Esse resultado deve-se, em parte, à proporção do mercado
de trabalho dessa região, mas também à articulação entre diversos atores
estratégicos: poder público, empresários, instituições do Sistema Nacional da
Aprendizagem Profissional, organizações da sociedade civil, entre outros.
Fortaleza, por sua vez, apresenta um caso bem-sucedido de implementação
dos programas de aprendizagem. Essa cidade representa quase 20% dos
jovens aprendizes contratados na região Nordeste.
Vale registrar que, de um modo geral, a adesão à Lei da Aprendizagem
Profissional por parte dos empregadores ainda é bastante restrita. No esforço
para ampliar o número de jovens contratados como aprendizes foi assinado,
durante a Primeira Conferência Nacional da Aprendizagem Profissional, em
2008, uma carta de compromisso que tinha por meta atingir a marca de 800 mil
jovens aprendizes contratados até 2010. Em 2011, o número de aprendizes
contratados foi de 200 mil.
20
Tabela 1 – Jovens aprendizes contratados por região em 2011
Região
Aprendizes contratados
Brasil
231.050
Sudeste
116.340
Sul
41.705
Nordeste
35.998
Norte
13.743
Centro-Oeste
23.264
São Paulo
19.205
Fortaleza
7.118
Fonte: MTE/SISAPRENDIZAGEM
O capítulo está dividido em três partes. No primeiro momento, apresentaremos
o perfil social dos jovens entrevistados. Em seguida, discutiremos alguns
aspectos da experiência dos jovens nos programas de aprendizagem
profissional. Por fim, trataremos dos impactos dos programas de aprendizagem
nas condições de inserção no mercado de trabalho.
1.1. Perfil social
A pesquisa identificou uma maioria de mulheres entre os jovens egressos dos
programas de aprendizagem: 198 homens e 247 mulheres. São 75 mulheres
(53%) em Fortaleza contra 67 homens (47%). Em São Paulo os números são:
172 mulheres (57%) e 131 homens (43%). De acordo com os dados, não há
muita diferença entre os sexos nos estados investigados com relação à
participação nos programas, porém se mantém uma maioria de mulheres.
21
Tabela 2 – Distribuição dos entrevistados por sexo e município
Masculino
Feminino
Total
Geral
Freq.
198
247
445
%
0.44
0.56
1
CE
Freq.
67
75
142
%
0.47
0.53
1
SP
Freq.
131
172
303
%
0.43
0.57
1
A Lei da Aprendizagem limita a idade dos aprendizes entre 14 e 24 anos, mas
cabe lembrar que esse limite de idade pode ser estendido no caso das pessoas
com deficiência. Na Figura 1 vê-se a distribuição etária dos jovens contatados
pela pesquisa. Nota-se uma aproximação entre as médias de idade dos jovens
das duas cidades: enquanto em Fortaleza os jovens têm em média 20 anos,
em São Paulo a média é de pouco menos de 19 anos. Considerando que se
trata de jovens egressos que concluíram a formação profissional entre os anos
de 2007 e 2009, o que se pode apreender desse resultado é que a maioria dos
jovens entrou nos programas de aprendizagem antes de alcançar a
maioridade. Esse resultado parece indicar uma tendência nacional. Gonzalez
(2009), analisando os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais)
de 2008, identificou que mais de 70% dos aprendizes contratados naquele ano
eram jovens de até 17 anos de idade.
*
Figura 1– Distribuição da idade dos entrevistados por município
22
A distribuição da raça/cor dos entrevistados é referida na Figura 2. Vemos que
enquanto 42% se declaram brancos, 54% se definem como pretos e pardos.
Figura 2 – Distribuição dos entrevistados por raça/cor
Ao observarmos a distribuição da raça/cor por município, vemos que em
Fortaleza há preponderância de pardos enquanto em São Paulo predominam
os que se declaram brancos, conforme a figura abaixo.
Figura 3 – Distribuição da cor dos entrevistados por município
23
Os dados sobre o perfil familiar dos jovens aprendizes egressos são
instigantes. A Tabela 3, abaixo, indica que a maior parte dos entrevistados
mora com o pai e a mãe: são 265 ou cerca de 60% dos jovens. Também é
grande a proporção dos entrevistados que moram apenas com a mãe, quase
30%. Em São Paulo, a proporção dos aprendizes egressos que moram com
seu pai e sua mãe – 64% – é bem maior que em Fortaleza – 48% –, onde é
bem mais frequente que o jovem more apenas com a mãe: 37%.
Tabela 3 – Distribuição dos entrevistados conforme com quem mora e município
Com quem mora
Pai e mãe
Mãe
Pai
Outros
Total
Geral
Freq
265
132
16
35
448
%
0.59
0.29
0.04
0.08
1.00
São Paulo
Freq
%
197
0.64
79
0.26
13
0.04
17
0.06
306
1.00
Fortaleza
Freq
%
68
0.48
53
0.37
3
0.02
18
0.13
142
1.00
Um dado surpreendente foi o número relativamente baixo de jovens com filhos,
considerando inclusive a ampliação da faixa etária da política de aprendizagem
para os jovens de até 24 anos. Apenas 26 dos 463 entrevistados disseram ter
filhos, conforme a Figura 4, referida a seguir. A proporção dos que têm filhos
(6%) é praticamente a mesma em São Paulo e Fortaleza. A maior parte dos
entrevistados que têm filhos (20 em 26) são mulheres. Esse resultado está
abaixo da média nacional. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – Pnad 2007, feita pelo IBGE, o número das jovens
entre 15 e 19 anos que já tiveram filho corresponde a 10,7% da população
nessa faixa etária. Quando considerado o diferencial de renda esses números
tornam-se mais expressivos: 44,2 % das jovens entre 15 e 19 anos com filhos
pertencem à faixa de renda familiar per capita de até ½ salário mínimo.
24
Figura 4 – Distribuição dos entrevistados conforme tem filho ou não
A maior parte dos entrevistados (80%) tem renda familiar entre um e cinco
salários mínimos. A figura abaixo aponta diferenças significativas na
distribuição da renda entre Fortaleza e São Paulo. Enquanto em São Paulo
cerca de 10% ganham mais de cinco salários mínimos, em Fortaleza apenas
3% recebem o mesmo valor.
Figura 5 – Distribuição da renda dos entrevistados por município
25
Na Figura 6 vemos que a maior parte dos entrevistados declarou que duas a
três pessoas contribuem com a renda familiar. Mais uma vez há diferenças
entre Fortaleza e São Paulo. Na capital paulista o número de pessoas que
contribuem para renda familiar costuma ser maior que em Fortaleza.
Figura 6 – Distribuição do número de pessoas que contribui com a renda
familiar
A maior parte dos entrevistados (60%) contribui com a renda familiar. 55%
contribuem com metade ou menos da renda familiar. 38% não contribuem com
a renda familiar. A Figura 7 mostra que nesse ponto não há grandes diferenças
entre São Paulo e Fortaleza.
26
Figura 7 – Distribuição dos entrevistados conforme a participação na renda
familiar.
No que se refere à escolaridade, os dados apresentados sugerem que, para a
maioria
dos
jovens
profissionalização
egressos
coincide
dos
com o
programas
de
aprendizagem,
investimento na formação
a
escolar.
Aproximadamente 60% dos entrevistados estavam estudando no momento da
entrevista, enquanto cerca de 40% não estudavam. Dos que deixaram de
estudar, quase a totalidade – 178 ou 97% – parou no Ensino Médio. Do
restante, dois entrevistados pararam no primeiro ciclo do Ensino Fundamental,
um parou no segundo ciclo do Ensino Fundamental, um evadiu do curso
Superior e outro deixou de estudar quando cursava EJA (Educação de Jovens
e Adultos).
Quando observamos a situação por município, vemos que a amostra em
Fortaleza se divide quase ao meio, enquanto em São Paulo a maior parte
estava estudando.
27
Figura 8 – Distribuição dos entrevistados pela situação de estudo e município
A grande maioria dos entrevistados que estava estudando cursava o nível
superior. Eram 160 jovens, ou 61% do total. Em seguida vinham o Ensino
Médio, com 60 entrevistados ou 23%, e o Ensino Técnico, com cerca de 10%
dos entrevistados. A tabela abaixo registra a distribuição dos entrevistados pela
série que cursavam.
Tabela 4 – Distribuição dos entrevistados pela série que estavam cursando
Série
6 -9 EF
1 -3 EM
Técnico
Superior
EJA
Pré-Vestibular
Total
Freq.
1
60
25
160
3
15
264
%
0.00
0.23
0.09
0.61
0.01
0.06
1.00
A distribuição por município não é muito diferente da distribuição da amostra
como um todo. A figura abaixo mostra que enquanto os aprendizes egressos
de Fortaleza estavam menos presentes no Ensino Médio e em cursos técnicos,
eles se encontravam em maior proporção no Ensino Superior. Também vemos
28
que há bem mais fortalezenses fazendo cursos pré-vestibulares do que
paulistanos. Resultado que reflete, em grande medida, uma maior média de
idade entre aprendizes egressos de Fortaleza.
Figura 9 – Distribuição dos entrevistados por série e município
A Tabela 5 registra que 80% dos jovens da amostra estudam à noite. A Figura
10 refere que a distribuição dos entrevistados por período e município segue a
distribuição da amostra mais geral. Há mais jovens de Fortaleza estudando nos
períodos de manhã e tarde do que em São Paulo.
Tabela 5 – Distribuição da amostra por período de estudo
Período
Manhã
Tarde
Noite
Total
Freq
38
15
207
260
%
0.15
0.05
0.80
1.00
29
Figura 10 – Distribuição dos entrevistados por período de estudo e município
A maior parte dos aprendizes egressos – 162 ou 63% – estudava em
escolas/ faculdades privadas. A figura abaixo expressa que não há muita
diferença quando levamos o município em consideração, a não ser a
maior presença de escolas/faculdades públicas federais na amostra de
Fortaleza.
Figura 11 – Distribuição da amostra por tipo de escola/faculdade e por município
A maior parte dos entrevistados não frequenta outros cursos. Em São Paulo,
apenas 78 ou 25% dos jovens declararam fazer algum curso; esse número é
de 41 ou 29% dos entrevistados em Fortaleza. Nesta cidade os jovens dividem30
se entre cursos de línguas e de informática, enquanto em São Paulo prevalece
o curso de línguas. A figura abaixo evidencia a diferença entre São Paulo e
Fortaleza nesta variável.
Figura 12 – Distribuição dos entrevistados por tipo de curso que
frequenta e município
Os dados apresentados sugerem que os jovens atendidos pelos programas de
aprendizagem profissional têm uma média de escolaridade superior à da
maioria dos jovens brasileiros – 76% dos entrevistados completaram o Ensino
Médio. De acordo com a Pnad 2009, a média de escolaridade dos brasileiros
acima dos 15 anos de idade é de apenas 7,5 anos de estudo. No caso dos
jovens de 18 a 24 anos, apenas 37% conseguem completar o Ensino Médio.
Nesse sentido, um dos desafios da implementação da Lei da Aprendizagem é
criar estratégias que estimulem o ingresso de jovens com baixa escolaridade –
e consequentemente com maiores dificuldade de inserção laboral – nos
programas de aprendizagem. A articulação com os programas de Educação de
Jovens e Adultos – EJA pode ser um possível caminho.
De acordo com os dados da pesquisa acima apresentados, podemos dizer que
os jovens atendidos pelos programas de aprendizagem profissional, em sua
maioria, moram com os pais, não têm filhos, pertencem a famílias com renda
mensal próxima da média nacional, trabalham, mas não assumem a
31
responsabilidade de comporem sozinhos a renda familiar e apresentam um
perfil escolar acima da média nacional. Enfim, trata-se de um jovem que tem
por objetivo sua inserção no mercado de trabalho, mas, ao mesmo tempo
reconhece a importância do formação escolar e da experiência no mercado
formal de trabalho como credenciais importantes para acessar os postos de
trabalho mais qualificados e rentáveis.
No entanto, jovens egressos
entrevistados não estão entre os grupos mais vulneráveis da juventude
brasileira. Diante disso, um dos desafios
para a política pública de
Aprendizagem Profissional é construir estratégias de atendimento que viabilize
o acesso dos jovens de menores renda e com baixa escolaridade nos
programas.
1.2. A experiência com a Lei da Aprendizagem
Ainda que a Lei da Aprendizagem adquira relativa centralidade no contexto das
políticas de trabalho para a juventude e o número de contratos nessa
modalidade de vínculo tenha crescido exponencialmente nos últimos anos
(Gonzalez, 2009), os canais de informação sobre a existência da referida
política ainda são bastante informais. A maior parte dos jovens soube da Lei
da Aprendizagem por meio de amigos. A Figura 13 mostra que depois dos
amigos vem o item “Outros Familiares” como fonte principal de informação
sobre a Lei. Em Fortaleza, os "familiares" perdem um pouco para a
“Escola/Professores” como fonte de informação da lei. Por sua vez, em São
Paulo a escola e os professores não aparecem como uma fonte relevante de
informação sobre a Lei da Aprendizagem. Nesta cidade a terceira fonte mais
citada são as ONGs. A Internet aparece em quarto lugar nas duas cidades.
32
Figura 13 – Distribuição dos entrevistados pelo modo como ficaram
sabendo da Lei da Aprendizagem8
A baixa presença de instâncias públicas no processo de divulgação da política
de aprendizagem pode limitar o acesso dos jovens mais pobres e menos
escolarizados aos programas profissionalizantes.
A figura a seguir registra que o principal motivo que levou o jovem a procurar
se inserir no mercado de trabalho por meio da Lei da Aprendizagem foi a
vontade de trabalhar, seguido de perto pelo desejo de aprender uma profissão
e pelo desejo de ter o próprio dinheiro. Em quarto lugar aparece a necessidade
de trabalhar. Mais uma vez, fica claro que o acesso ao trabalho é um fator
fundamental na construção da identidade juvenil por estar fortemente ligado ao
desejo de autonomização social e econômica. Daí a importância de se pensar
o trabalho como algo que não seja apenas um atenuante da pobreza ou
alternativa à marginalidade e à exclusão. Trata-se de pensar o trabalho como
direito e um componente essencial da formação do jovem como indivíduo e
cidadão (Leite, 2003).
8
Lembramos que as barras na cor cinza referem-se à cidade de São Paulo.
33
Figura 14 – Distribuição dos entrevistados conforme o motivo que os
levou a aderir à Lei da Aprendizagem
Como já foi dito, a Lei do Aprendiz determina que os jovens que não tenham
concluído o Ensino Fundamental devam realizar uma jornada de trabalho de
até 20 horas semanais. No caso do jovem que esteja cursando ou tenha
finalizado o Ensino Médio, sua jornada de trabalho pode chegar a até 40 horas
semanais. A Figura 15 mostra que, em média, os jovens de Fortaleza tinham
uma jornada de trabalho média menor que a dos jovens de São Paulo. Chama
atenção que nessa última cidade 60% dos jovens aprendizes tenham 30 horas
de trabalho semanal.
34
Figura 15 – Distribuição dos entrevistados conforme a duração média da
jornada de trabalho
A maior parte dos entrevistados, 310 ou 69%, recebe entre ½ e um salário
mínimo. Essa faixa salarial é bem mais comum em São Paulo, onde foi citada
por cerca de 80% dos jovens. Em Fortaleza metade dos jovens recebe ½
salário mínimo e a outra metade recebe entre ½ e um salário mínimo.
35
Figura 16 – Distribuição dos entrevistados conforme o salário que
recebiam
A quase totalidade dos jovens, 444 em 448, estava registrada em carteira. Dos
três jovens que disseram não estarem registrados, dois trabalhavam em
empresas onde outros aprendizes disseram ter registro, o que pode indicar
algum tipo de erro.
Do mesmo modo, a grande maioria dos jovens – 357 ou 80% – teve direito a
férias durante a aprendizagem. Dos 91 que não tiveram férias, 71 trabalharam
menos de um ano. Dos 20 que não tiveram férias, mas trabalharam mais de um
ano, 13 eram de Fortaleza e sete de São Paulo, conforme a tabela abaixo. Em
geral, a proporção de aprendizes que tiveram férias em Fortaleza era menor
que a de São Paulo; isso é em parte explicado pela maior proporção de
aprendizes com menos de um ano de trabalho naquela cidade.
36
Tabela 6 – Distribuição dos entrevistados conforme tiveram ou não férias
por município
Teve Férias
Sim
Não, mas trabal hou menos
de um ano
Não
Total
Fortaleza
Freq.
%
97
0.68
São Paulo
Freq.
%
260
0.85
Geral
Freq.
357
%
0.80
32
0.23
39
0.13
71
0.16
13
142
0.09
1.00
7
306
0.02
1.00
20
448
0.04
1.00
O aspecto que os entrevistados apontaram como o mais importante no trabalho
foi a possibilidade de aprender uma profissão9. Em seguida veio a relação com
os colegas de trabalho e a oportunidade de ter o primeiro emprego. Não há
diferenças significativas entre Fortaleza e São Paulo, conforme a Figura 17.
Nessas respostas percebemos a importância do local de trabalho como um
espaço significativo de aprendizagem e socialização.
9
Foi pedido aos entrevistados que ordenassem o que consideravam mais importante no trabalho. O
gráfico apresenta os fatores mais citados, independentemente da ordem. Isso se justifica por não haver
muita diferença na distribuição dos fatores nos diferentes rankings.
37
Figura 17 – Distribuição dos entrevistados conforme o que acham mais
importante no trabalho
No entanto, os jovens, em sua maioria, identificam o trabalho do aprendiz como
pouco rentável e precário do ponto de vista da organização e das condições de
trabalho. Além disso, os jovens egressos levantaram uma questão importante
ao dizer que o vínculo como aprendiz, de algum modo, limita as possibilidades
de mobilidade dentro da empresa em comparação com os jovens que não são
aprendizes. Na contramão do que prevê a política de aprendizagem
profissional.
Conforme a Figura 18, a principal queixa dos entrevistados se referia ao
salário: 138 jovens citaram o salário como a "pior coisa do trabalho", seguida
por "não ter as mesmas oportunidades que os colegas de trabalho que não
eram aprendizes". A terceira pior coisa era realizar tarefas que não foram
previamente combinadas. O horário de trabalho e a dificuldade em realizar as
tarefas foram queixas mais comuns em Fortaleza do que em São Paulo.
38
Figura 18 – Distribuição dos entrevistados conforme o que achavam pior no
trabalho
A Tabela 7 registra que a quase totalidade dos aprendizes fez curso
profissionalizante enquanto estava na aprendizagem: 379 (85%) jovens fizeram
cursos enquanto 69 (15%) não o fizeram10. Em Fortaleza, a proporção dos que
fizeram cursos é maior do que em São Paulo, chegando a 95%. Não se deve
ignorar que a existência dos cursos profissionalizantes é uma das condições
legais para a efetuação do contrato de aprendiz.
10
Esses dados podem estar subestimando o número de pessoas que fizeram curso, pois 40
entrevistados que disseram não fazer curso afirmaram que sua avaliação positiva da Lei da
Aprendizagem se devia à qualidade da formação recebida pela instituição, como será visto mais à
frente.
39
Tabela 7 – Distribuição dos entrevistados conforme frequência a cursos durante
a aprendizagem
Fortaleza
Fez curso durante
aprendizado
Sim
Não
Total
São Paulo
Geral
Freq.
%
Freq.
%
Freq.
%
135
7
142
0.95
0.05
1.00
244
62
306
0.80
0.20
1.00
379
69
448
0.85
0.15
1.00
Dos 379 que fizeram cursos profissionalizante durante a aprendizagem, 370 ou
98% fizeram curso presencial. Os únicos dois casos de curso totalmente à
distância foram encontrados em Fortaleza.
Ao serem perguntados sobre as contribuições do curso, a maior parte dos
aprendizes egressos respondeu que ele contribuiu para o trabalho em equipe
(186 citações ou 26% do total), resposta seguida de perto por "melhorou a
comunicação interpessoal" (183 citações ou 25% do total).
Figura 19 – Distribuição dos entrevistados conforme a sua opinião sobre a
contribuição do curso
40
No que se refere à escolarização, a pesquisa revelou que na maioria dos casos
o trabalho como aprendiz coincidiu com a frequência escolar. 324
entrevistados, 73% do total, disseram ter continuado a estudar durante todo o
período da aprendizagem, e 48 declararam que não continuaram a estudar
neste período. Dos 119 que ou não estudaram ou deixaram de estudar durante
o período, 94 (79%) o fizeram porque concluíram o Ensino Médio. A Figura 20
torna claro que nesse aspecto não há grandes diferenças entre Fortaleza e São
Paulo.
Figura 20 – Distribuição dos entrevistados conforme frequência à escola durante
o período de aprendizagem
A maior parte dos entrevistados, 62%, disse ter concluído o programa de
aprendizagem e 38% não o fizeram. A proporção de concluintes em São Paulo
é cerca de 10% maior do que em Fortaleza, conforme a Figura 21.
41
Figura 21 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de conclusão do
programa de aprendizagem e por município
A Tabela 8 expressa a relação entre o tempo de aprendizagem e a situação de
conclusão do programa. Vemos que, embora a maior parte dos que disseram
ter concluído o fez em até dois anos, existem 53 casos de entrevistados que
disseram ter concluído sem terem completado os dois anos estipulados pela
lei. Dos que não concluíram, 72 chegaram a fazer mais de um ano e meio do
programa.
42
Tabela 8 – Distribuição dos entrevistados por tempo de aprendizagem e ao
situação de conclusão do programa
concluiu
Sim
Não
Total
Até 6 meses
6
29
35
Tempo de Aprendizagem
7 a 18 meses 18 a 24 meses
47
223
65
72
112
295
Total
276
166
442
A Figura 22 mostra que a proporção de homens que concluiu o programa de
aprendizagem é um pouco menor que a de mulheres concluintes.
Figura 22 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de conclusão do
programa de aprendizagem e por sexo
O principal motivo para a não conclusão do programa de aprendizagem foi
terem encontrado uma oportunidade melhor de trabalho. Em seguida vem a
falta de tempo e em terceiro lugar a insatisfação com as atividades. Muitos
entrevistados deram outros motivos para terem deixado o programa. O mais
citado desses outros motivos foi terem sido demitidos. Enquanto os
entrevistados de Fortaleza distribuíram-se de modo quase uniforme por todos
os motivos, em São Paulo houve a preponderância de oportunidades melhores
43
de trabalho como motivo para terem deixado o programa. É o que mostra a
Figura 23.
Figura 23 – Distribuição dos entrevistados que não concluíram o programa de
aprendizagem por motivo de saída e por município
44
A Figura 24 aponta que há um número significativo de jovens que concluiu o
programa de aprendizagem e não recebeu o certificado. Foram 186 jovens
certificados contra 91 que não foram certificados. Como pode ser visto na
figura, não há diferenças significativas entre Fortaleza e São Paulo a esse
respeito. Esse dado é um forte indicativo de que existem problemas na
fiscalização da qualidade dos cursos profissionalizantes oferecidos pelas
entidades formadoras.
Figura 24 – Distribuição dos entrevistados conforme recebimento de certificado
e por município
45
1. 3. Impacto da participação no programa de aprendizagem
Ao serem perguntados se acreditavam que a sua participação nos programas
de aprendizagem modificou a inserção no mercado de trabalho e o modo pelo
qual isso teria acontecido, 166 jovens (38%) disseram que houve modificação,
pois a experiência no mercado de trabalho como aprendiz aumentou a chance
de conseguir um trabalho. Já 118 jovens (27%) responderam que houve
modificação, pois aprenderam uma profissão. E 78 (18%) deles declararam que
houve modificação, pois a aprendizagem ajudou a ter um emprego formal.
Apenas 25 jovens (6%) afirmaram que a participação nos programas de
aprendizagem não causou nenhuma modificação na sua inserção no mercado
de trabalho.
A Figura 25 explicita que enquanto em São Paulo a chance de conseguir
trabalho foi o impacto mais citado da Lei da Aprendizagem, em Fortaleza esse
impacto ficou atrás de aprender uma profissão. Em ambas as cidades a
terceira colocação ficou com a ajuda em obter um emprego formal.
46
Figura 25 – Distribuição dos entrevistados conforme opinião acerca da
participação no programa de aprendizagem
O programa de aprendizagem foi avaliado como ótimo por 274 jovens (61%).
Outros 147 (33%) julgaram o programa bom. Apenas 26 jovens consideraram o
programa regular, ruim ou péssimo. Os entrevistados de Fortaleza avaliaram
bem mais positivamente o programa do que os de São Paulo. Em Fortaleza
74% qualificaram o programa como ótimo, enquanto em São Paulo essa
proporção caiu para 55%, conforme a Figura 26.
47
Figura 26 – Distribuição dos entrevistados conforme avaliação que fazem da Lei
da Aprendizagem e por município
O principal motivo que levou os entrevistados a avaliar positivamente o
programa foi a qualidade dos tutores/supervisores na empresa, item citado por
307 jovens (cerca de 70% do total). O segundo motivo foi a qualidade da
formação na instituição de ensino profissional, aspecto indicado por 288 jovens
(64% do total).
48
Figura 27 – Distribuição dos entrevistados pelo motivo para avaliar o programa
da maneira como o fizeram, por município
Inserção no mercado de trabalho
A maior parte dos jovens egressos dos programas de aprendizagem estava
trabalhando no momento da entrevista: eram 287 contra 159 que não estavam
trabalhando. No entanto, o número de jovens desempregados é bastante
significativo, ultrapassando a marca dos 30% dos entrevistados. A proporção
dos que trabalhavam era um pouco maior em São Paulo do que em Fortaleza,
conforme a Figura 28.
49
Figura 28 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de ocupação e
município
A proporção de mulheres trabalhando é um pouco maior do que a de homens,
como consta da Figura 29.
50
Figura 29 – Distribuição dos entrevistados conforme situação de ocupação e
sexo
Dos que estavam trabalhando, 124 (44%) jovens aprendizes foram efetivados
na empresa em que trabalhavam como aprendiz contra 155 (56%) que não o
foram. Dos que foram efetivados, 34% permaneceram no mesmo cargo e 65%
foram promovidos para um cargo melhor – e um jovem disse ter ido para um
cargo pior. A Figura 30 mostra que a proporção dos efetivados em São Paulo
(47%) é maior do que em Fortaleza (39%).
51
Figura 30 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam conforme situação
de efetivação, por município
Em geral as mulheres – apesar de trabalharem em maior proporção do que os
homens – são menos efetivadas do que eles. Enquanto aproximadamente 50%
dos homens foram efetivados, o mesmo aconteceu com 41% das mulheres,
conforme a Figura 31.
52
Figura 31 – Distribuição dos entrevistados que estavam trabalhando conforme
situação de efetivação, por sexo
A menor proporção de mulheres efetivadas em relação aos homens demonstra
um elemento que outras pesquisas sobre o mercado de trabalho já
identificaram: elas encontram mais dificuldades para assumir postos de
trabalho formais.
Dos 155 jovens que não foram efetivados, apenas 24 (15%) foram
encaminhados para outro trabalho. Destes, a metade continuou a atuar na
mesma área em que atuava no programa de aprendizagem e, da outra metade,
a totalidade menos um foi para cargos melhores.
Dos 131 jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa
em que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, a maior
parte declarou ter conseguido trabalho por indicação de amigos (24%) seguido
de agência de empregos (21%), a Internet (18%) e indicação de parentes
(12%). A Figura 32 revela que em Fortaleza o recurso a agências de empregos
e a indicação de parentes prevalecem sobre a indicação de amigos e a
Internet, que são os fatores mais citados pelos paulistanos.
53
Figura 32 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido
efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme o modo como
conseguiram trabalho e por município
Dos jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em
que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, 43 (32%)
atuavam na mesma área em que atuaram quando na aprendizagem. A Figura
33 mostra que em relação a esse ponto não há muita diferença entre Fortaleza
e São Paulo.
54
Figura 33 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido
efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme situação de
trabalho na mesma área de quando estavam na aprendizagem por município
O setor de serviços é a principal porta de entrada para os jovens egressos que
não foram contratados pelas empresas nas quais realizaram a aprendizagem.
A maior parte dos jovens (53%) estava trabalhando no setor de serviços,
seguido pelo comércio (19%) e pelos setores da saúde e da indústria (8% e 7%
respectivamente). A Figura 34 mostra que enquanto em São Paulo a indústria
ocupa a terceira posição entre os setores em que estes jovens atuam, em
Fortaleza a terceira colocação é do setor de saúde.
55
Figura 34 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido
efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme o setor em que
trabalhavam e por município
Dos jovens que estavam trabalhando e não foram efetivados na empresa em
que eram aprendizes e nem encaminhados para outro trabalho, 44%
trabalhavam no atendimento ao público e 27% na área administrativa. Embora
em São Paulo prevaleça o atendimento ao público, a distribuição nas duas
cidades é similar, conforme a Figura 35.
56
Figura 35 – Distribuição dos entrevistados que trabalhavam e não tinham sido
efetivados e nem encaminhados para outro trabalho conforme a área em que
trabalhavam e por município
A esmagadora maioria dos entrevistados (236 ou 82%) que estava
trabalhando, independentemente de terem sido efetivados, encaminhados ou
não, tinha registro em carteira. 28 deles (10%) disseram que atuavam como
estagiários, mas esse número pode ser bem maior, já que muitos estagiários
se declararam como CLT. 14 jovens declararam ser autônomos. A distribuição
em Fortaleza e em São Paulo é muito similar, com uma pequena
preponderância de estagiários em Fortaleza, como pode ser visto na tabela
abaixo.
Tabela 9 – Distribuição dos entrevistados por tipo de vínculo empregatício
Vínculo
CLT
Autônomo
Estagiário
Outros
Total
Fortaleza
Freq.
63
4
13
2
82
%
0.77
0.05
0.16
0.02
1.00
São Paulo
Freq.
173
10
15
6
204
%
0.85
0.05
0.07
0.03
1.00
Geral
Freq.
236
14
28
8
286
%
0.83
0.05
0.10
0.03
1.00
57
Os jovens entrevistados começaram a trabalhar, em média, com 16 anos. 28
jovens declararam que começaram a trabalhar antes dos 14 anos e mais de um
quarto da amostra (27%) começou a trabalhar com 14 ou 15 anos. A Figura 36,
abaixo, torna claro que os jovens de Fortaleza começaram a trabalhar depois
dos jovens de São Paulo.
Figura 36 – Distribuição dos entrevistados pela idade com que começaram a
trabalhar
Aproximadamente 70% dos jovens começaram a trabalhar porque buscavam
independência. 12% deles começaram a trabalhar para ajudar a família,
mesma quantidade dos que começaram a trabalhar por necessidade, conforme
a figura abaixo. Não há diferença entre as cidades de Fortaleza e São Paulo.
58
Figura 37 – Distribuição dos entrevistados conforme o motivo de terem
começado a trabalhar
A tabela a seguir refere que 87% dos jovens estavam estudando quando
começaram a trabalhar. Essa quantidade é bem maior em São Paulo, onde
92% estudavam, do que em Fortaleza, onde 76% estudavam.
Tabela 10 – Distribuição dos entrevistados conforme estavam ou não estudando
quando começaram a trabalhar
Estudava
Sim
Não
Fortaleza São Paulo
0.76
0.92
0.24
0.08
Geral
0.87
0.13
Como vimos anteriormente, duas características marcam a transição da escola
para o trabalho no Brasil: a maioria dos jovens entra no mercado de trabalho
59
antes de finalizar a educação básica obrigatória e é comum, para um número
grande de jovens, conciliar trabalho com frequência à escola. Os dados da
pesquisa confirmam esse padrão e sugerem que nem sempre a inserção no
mercado de trabalho está associada à carência das condições de vida; a
entrada no mundo do trabalho constitui um momento importante da experiência
juvenil.
60
|2| Um olhar para o presente: as instituições formadoras
Para compreender algumas das práticas relacionadas à execução da Lei da
Aprendizagem, a pesquisa buscou acompanhar as experiências de instituições
formadoras de aprendizes. Tais experiências foram discutidas à luz de
diferentes olhares: as opiniões de coordenadores (e gestores ou supervisores);
educadores ou instrutores; e jovens que, no período da pesquisa, estavam
participando das atividades. As diferentes impressões contribuíram para a
problematização das questões em comum apresentadas pelos entrevistados e
levantaram outros debates que não teriam sido desvelados sem a contribuição
das falas, percepções e conclusões de quem vivencia essa política.
O presente capítulo propõe-se a expor os elementos levantados pelos
profissionais vinculados às instituições, ou seja, gestores, coordenadores e
instrutores. Além disso, apresentamos breves considerações coletadas junto ao
órgão responsável pela fiscalização do cumprimento da Lei da Aprendizagem,
a Superintendência Regional do Trabalho.
2.1. Informações sobre as organizações visitadas
As quatro instituições visitadas possuem diferentes trajetórias no trabalho com
a formação de aprendizes. Tais distinções são reveladas pelo cotidiano dos
projetos, a forma de contratação de aprendizes, a estruturação das atividades,
e também pela consolidação de cada instituição no campo da aprendizagem.
Para facilitar a comparação entre as quatro organizações investigadas,
formulamos um quadro com os critérios que foram considerados relevantes
para a análise. Sua elaboração foi baseada nas informações concedidas pelos
profissionais entrevistados ao longo da pesquisa. Foram levantados elementos
tais como o método de seleção de aprendizes, a média de idade dos jovens, os
materiais e atividades desenvolvidas no âmbito do curso de formação de
aprendizes.
61
Instituição
Org 1
Localização
São Paulo-SP;
Unidades
descentralizadas
Cursos oferecidos
Ocupações administrativas (mais
procurado); auxiliar de alimentação: preparo
e serviços; auxiliar de produção industrial;
comércio e varejo; conservação, limpeza e
sustentabilidade ambiental; gestão pública;
logística; práticas bancárias; telesserviços;
turismo.
Método de seleção
Média de idade
dos aprendizes
Cadastro na instituição ou
encaminhamento pelas
próprias empresas
contratantes
16 a 18 anos
Org 2
São Paulo-SP;
Jardim Europa
Assistente administrativo, informática.
Cadastro na instituição
16 a 20 anos
(com grande
presença de
jovens de 17 e 18
anos)
Org 3
Aparecida de
Goiânia-GO
Auxiliar administrativo; práticas bancárias
(curso vinculado à Caixa).
Cadastro na instituição;
aceitam jovens não
vinculados a empresas
16 a 18 anos
Encaminhamento pelas
empresas contratantes; se
sobram vagas, abre-se
cadastro para a
comunidade; aceitam
jovens não vinculados a
empresas
14 a 18 anos
Org 4
São Paulo-SP;
Caldeiraria, eletricista de manutenção,
Unidades
mecânica de usinagem, ferramentaria,
descentralizadas mecânica automobilística.
62
Instituição
Org 1
Org 2
Org 3
Org 4
Duração da
Carga horária
aprendizagem semanal
Metodologia e materiais
Principais atividades
Avaliação
24 meses
6 horas
Material produzido pela
Fundação Roberto Marinho; a
metodologia é cíclica, permite
que novos aprendizes sejam
integrados a turmas já
formadas.
Aulas expositivas,
discussões em sala,
exibição de filmes, visitas
a museus e monumentos
da cidade.
A avaliação é contínua e
ocorre a partir das
atividades realizadas.
8 horas
Os conteúdos trabalhados são
definidos pela instituição e
organizados pelo instrutor; a
metodologia é cíclica, permite
que novos aprendizes sejam
integrados a turmas já
formadas.
Aulas expositivas,
discussões em sala,
produção de conteúdos
(textos, apresentações
etc.).
A avaliação é contínua e
ocorre a partir das
atividades realizadas.
De 4 a 6
horas*
Material da própria instituição;
há três módulos principais: a
metodologia é cíclica, permite
que novos aprendizes sejam
integrados a turmas já
formadas.
Aulas expositivas,
discussões em sala,
produção de conteúdos
(textos, apresentações
etc.), exibição de filmes.
Todas as atividades são
avaliadas e arquivadas em
uma pasta, para que o
jovem possa acompanhar
seu desenvolvimento.
20 horas
Material da própria instituição;
o curso é dividido em quatro
módulos com a duração de
um semestre cada; as turmas
são fechadas (não há
possibilidade de integração de
novos aprendizes no meio do
processo).
Aulas expositivas e
práticas; olimpíadas entre
os jovens (aprendizes ou
não) de escolas
vinculadas à mesma
instituição.
Os jovens são avaliados a
cada fim de semestre por
meio de provas.
12 meses
Entre 18 e 24
meses
24 meses
* A depender da carga horária de trabalho nas empresas (20 ou 30 horas).
63
2.2. As organizações no mundo da aprendizagem
Todas as quatro instituições pesquisadas justificam o envolvimento com práticas
relacionadas à Lei da Aprendizagem como tentativa de desenvolver uma atividade
que proporcione a inserção juvenil no mercado de trabalho. No entanto, as
organizações possuem tempos distintos no mundo da qualificação e inserção
profissional de jovens. Das quatro, três delas são relativamente recentes no âmbito
da Lei da Aprendizagem, ainda que as instituições sejam antigas e reconhecidas por
outros tipos de intervenções dirigidas à juventude.
A Org111 surgiu em 1964 e desde o início das suas atividades promove o
encaminhamento de jovens por meio de estágios. Em 2003, a organização expandiu
as possibilidades de formação de jovens para o trabalho a partir de um programa
para a formação de aprendizes, primeiramente executado em Brasília para depois
ser expandido para todo o país. Em 2005, houve a estruturação de um projeto mais
amplo de aprendizagem, com diversas modalidades de formação, e em 2007 a
instituição firmou uma parceria com a Fundação Roberto Marinho com o objetivo de
intensificar a construção de programas e metodologias de aprendizagem, além de
promover uma formação
mais uniforme aos instrutores contratados
para
acompanhar as atividades dos jovens aprendizes.
A Org212, por sua vez, foi fundada em 1942 e atua com atividades voltadas a
crianças, adolescentes e jovens, sobretudo relacionadas a esportes, cultura e
formação para o trabalho. A aprendizagem é algo relativamente novo na instituição,
que trabalha com a questão desde o ano de 2006. Ainda que a prática seja recente
e as turmas de aprendizes pequenas, a aprendizagem ganhou espaço na Org2
porque é encarada pelos coordenadores como possibilidade de inserção de
adolescentes e jovens no mercado formal de trabalho, uma das propostas da
instituição.
11
Os entrevistados na Org1 foram: Gerente do Programa Aprendiz; Analista técnica; Instrutora; dois jovens
(moça e rapaz).
12
Na Org2, os entrevistados foram: Coordenadora da Aprendizagem; dois instrutores; dois jovens (moça e
rapaz).
64
A Org313 atua com a aprendizagem desde a sua fundação, em 1994. Hoje, as
atividades da instituição são voltadas à contratação, formação e encaminhamento
dos jovens aprendizes, sendo que todas as suas ações compõem o programa de
aprendizagem; há, inclusive, uma organização para garantir um atendimento
socioassistencial inicial para jovens aprendizes que enfrentam dificuldades
(relacionadas à família, saúde, condições econômicas etc.).
A Org414 trabalha desde a sua fundação, também em 1942, com a formação de
profissionais para o trabalho na indústria a partir da aprendizagem. A instituição
ainda atua na área da formação oferecendo cursos técnicos e a atualização de
profissionais já inseridos no mercado de trabalho. Além dessas três possibilidades
de formação existentes, há hoje o oferecimento de cursos superiores de tecnologia.
2.3. Recrutamento e seleção dos jovens
A vinculação dos jovens à Org1 por meio da aprendizagem pode ocorrer a partir de
duas possibilidades. Ou os jovens já contratados pelas empresas são encaminhados
pelos seus empregadores à formação na instituição, ou os jovens buscam a
entidade e preenchem um cadastro, que fica à disposição das empresas para os
processos de seleção de aprendizes. Segundo uma das profissionais que atuam na
instituição:
É que isso pode acontecer de diversas formas, por exemplo, um
funcionário pode saber que a empresa tem vagas de aprendizes e indica
um filho, sobrinho e aí ele primeiro faz a entrevista na empresa e depois
ele é cadastrado pelo [Org1]. É uma das situações. Mas também tem
muitos jovens que se cadastram primeiro no [Org1] e depois são
encaminhados pra empresa. (Funcionária, Org1)
Há casos relacionados à atuação da Org1 em que a instituição é não apenas a
entidade formadora, mas também a contratante dos jovens aprendizes; ou seja, a
empresa que faz o registro na carteira de trabalho do jovem é a própria Org1. De
acordo com a coordenadora entrevistada, esses casos existem como estratégia para
13
Os entrevistados na Org3 foram: Gestora do Programa Aprendiz; Coordenadora da aprendizagem; duas
instrutoras; três jovens (moça e dois rapazes).
14
Na Org4, foram entrevistados: Supervisor de avaliação educacional; Coordenador técnico de aprendizagem;
Instrutor; Professora; dois jovens (moça e rapaz).
65
viabilizar a contratação de aprendizes por órgãos públicos, que não podem realizar
contratações para além das viabilizadas por concursos públicos.
O jovem que participa da formação de aprendizes realizada pela Org2 pode inserirse nesse processo a partir de uma inscrição na instituição. Diante de uma vaga para
aprendiz em aberto, a coordenação do programa avalia o perfil dos jovens
disponíveis em comparação ao perfil solicitado pela empresa (sobretudo em relação
à idade, capacidade de comunicação verbal e escrita etc.) e indica os jovens para a
realização de uma entrevista na contratante, que define quem será contratado.
Do todo modo, a maior parte dos jovens aprendizes é ligada à instituição antes da
experiência
de
aprendizagem,
ou
pela
participação
nas
atividades
de
complementação ou por terem sido alunos dos cursos de capacitação profissional. A
coordenadora ressaltou que a instituição busca encaminhar à aprendizagem os
jovens já conhecidos da instituição, ou então solicita aos participantes indicações de
colegas e amigos que tenham interesse em atuar como aprendizes:
Antes a gente pegava só os que eram da capacitação nossa, porque a
gente já tinha várias avaliações e já percebia durante esse processo todos
os destaques que eles tinham (...). Agora, aí vem um perfil de quem está
contratando e a gente bate com o perfil que a gente tem aqui (...). Eles
passam o perfil pra gente e dentro dos critérios a gente seleciona o jovem
com esse perfil. Envio dois ou três para eles escolherem. Como às vezes
não calha o curso de capacitação para aquilo que vai pedir, eu peço
indicação para os ex-aprendizes (...) que normalmente indicam gente legal.
(Coordenadora, Org2)
Uma questão diretamente relacionada às práticas de seleção e recrutamento dos
jovens aprendizes refere-se a uma perspectiva, assumida pela instituição, de
preferência por turmas pequenas de jovens aprendizes já conhecidos pelos
profissionais que ali atuam:
A gente aqui não se interessa muito por quantidade, a gente se interessa
por qualidade. Quando a gente opta por isso, a gente também paga um
preço; porque eu conheço o menino, sei a história de vida, ele já vem do
meu projeto de capacitação anterior, entendeu? (...) Eu não lido com ele
como número. (Coordenadora, Org2)
A coordenadora esclarece que essa proximidade anterior com os jovens aprendizes
facilita o diálogo durante o período de aprendizagem. Os jovens sentem-se mais
confortáveis para apresentar suas impressões e queixas, muitas vezes relacionadas
66
a desvios de função e à realização de atividades não permitidas a aprendizes
(sobretudo quando adolescentes):
Ele devolve pra mim muitas vezes o que ele sofre na empresa. É um
vínculo direto. Ele devolve pra mim muitas vezes que ele faz hora extra,
que não pode. Ele devolve pra mim, por exemplo, que ele carrega peso,
que ele ficou substituindo alguém em férias; eu estou falando de coisas
que acontecem, que é o dia a dia da empresa, não estou dizendo nada de
diferente. Não estou nem apontando uma empresa ou outra, é um
processo. Só que existe um processo por parte mais da ONG, que tem
ainda um olhar, porque ela que está indicando o jovem e já está habituada
a lidar com esse processo educacional. (Coordenadora, Org2)
As organizações não levantaram, em suas análises, os procedimentos realizados
para os casos relatados de jovens que executam tarefas não previstas pelo plano de
trabalho.
Já o jovem que pretende tornar-se um aprendiz na Org3 tem duas possibilidades
para inscrição na instituição: via página na internet ou pessoalmente, na Secretaria
Estadual de Cidadania e Trabalho. Nesse momento, ele preenche um cadastro que
fica no banco de dados da instituição e que será consultado quando alguma
empresa solicitar o encaminhamento de jovens.
Para realizar esse encaminhamento, a equipe de Recursos Humanos da instituição
faz uma primeira triagem de candidatos com base no cadastro preenchido pelo
jovem em comparação ao perfil solicitado pela empresa. Feita essa primeira seleção,
a instituição encaminha o jovem para uma entrevista na empresa, que é quem define
qual pessoa será contratada. A contratação, por sua vez, é feita via instituição; em
outras palavras, o jovem aprendiz é registrado como funcionário da instituição e
cedido à empresa para a prestação de serviços. As empresas repassam à instituição
determinado valor por jovem aprendiz empregado em suas atividades.
A Org3 foi a única instituição formadora visitada que identificou um processo seletivo
– ainda que velado – dos jovens participantes dos processos de formação de
aprendizes. Uma das entrevistadas informou que as empresas privadas parceiras da
instituição preferem que seus aprendizes realizem a formação semanal aos
sábados, fator que possibilitaria uma maior presença do aprendiz na empresa ao
longo de toda a semana15. Dessa forma, o curso aos sábados concentra um número
15
A própria organização pesquisada faz essa escolha para os jovens que contrata como aprendizes e que atuam
no setor administrativo da instituição.
67
maior de aprendizes vinculados a empresas privadas. Segundo uma entrevistada,
essa concentração faz com que o sábado seja o dia mais trabalhoso para
coordenadores e instrutores, e não apenas pela grande quantidade de aprendizes.
Ela conta que esses jovens contratados por empresas privadas são mais “espertos”,
têm mais estudo, mais conhecimento, e por isso “sugam” mais dos instrutores16.
A entrevistada analisa que esse perfil mais “qualificado” dos jovens aprendizes nas
empresas privadas não é coincidência. Ela afirma que no processo de seleção e
contratação de jovens para as vagas de aprendizagem, as empresas solicitam
pessoas com um perfil determinado, ao passo que os jovens com maiores
dificuldades (sobretudo para a comunicação falada e escrita) são geralmente
encaminhados às instituições públicas parceiras da Org3. Percebe-se que a
despeito de a aprendizagem ser, em princípio, um momento de formação do jovem e
uma primeira experiência de trabalho, há uma seleção inicial que indica a existência
de certo recorte no tipo de jovem inserido na política; mesmo entre os sem
experiência, há critérios outros que servem à classificação de eventuais candidatos.
Um aspecto unicamente citado pela Org3 é o recebimento de jovens aprendizes em
cumprimento de medidas socioeducativas (MSE). Segundo uma das funcionárias
ouvidas, a organização recebe adolescentes autores de atos infracionais para
participação nas atividades de aprendizagem, encaminhados por meio de uma
determinação judicial e, geralmente, indicados para a experiência de aprendizagem
em órgãos públicos, não passando por nenhum tipo de processo seletivo –
obrigatório para os jovens que não cumprem MSE. Assim como a instituição
formadora, os órgãos que recebem os aprendizes sabem que os jovens estão em
cumprimento de MSE.
Uma última questão relacionada ao recrutamento e seleção dos jovens foi
encontrada nessa instituição17 e merece destaque: a integração de jovens que não
atuam como aprendizes no programa de aprendizagem. Algumas pessoas que já se
inscreveram no site da instituição e ainda não foram contratadas por empresas têm
16
Esse momento específico da conversa entre pesquisadora e funcionária ocorreu em uma etapa posterior à
entrevista, que foi gravada. Diante da inexistência do áudio para manter a fidedignidade da fala da
entrevistada, não há o uso de citações.
17
Assim como na Org4.
68
a opção de participar do curso de formação como se fossem aprendizes. No entanto,
estes jovens não recebem apoio para custear o transporte até a sede da
organização, tampouco o uniforme – que é obrigatório a todos os outros, não apenas
nas dependências da instituição, mas também durante as atividades no local de
trabalho. A participação nas atividades de formação no caráter de não-aprendizes os
torna preferenciais em eventuais indicações posteriores para vagas em aberto que
solicitem jovens com os seus perfis.
Ainda que essa possa ser considerada uma forma de possibilitar um acesso dos
jovens à formação profissional à revelia de um aparente déficit de vagas para a
experiência da aprendizagem nas empresas, é necessário problematizar essa
escolha da instituição. O primeiro aspecto é o recorte que se faz ao aceitar os jovens
que se dispõem a custear o seu transporte até a instituição. Dessa forma, cria-se um
filtro que impossibilita aos jovens que não tenham essa possibilidade financeira o
acesso a uma formação prévia, formação essa que facilita, em alguma medida, a
colocação em uma vaga de aprendizagem posterior.
O segundo aspecto a ser problematizado decorre dessa facilitação para colocações
posteriores enquanto jovens aprendizes. Se aqueles que participam da formação
antes da conquista de uma vaga são preferenciais no momento de encaminhamento
para oportunidades de aprendizagem, há um tratamento desigual dado pela
instituição às moças e rapazes que se inscrevem em busca de uma primeira
experiência profissional. Afinal, os que podem e se propõem a participar de uma préformação estão em vantagem se comparados ao universo de jovens que não se
inserem nessa etapa. Cria-se, assim, uma espécie de “fila dupla” para o
recrutamento e encaminhamento de aprendizes a empresas e órgãos públicos.
Na Org4, há duas formas de ingresso de jovens aprendizes para as atividades de
formação. As primeiras vagas são destinadas às pessoas encaminhadas pelas
empresas. Em outras palavras, as empresas que contratam os jovens para o
trabalho na condição de aprendizes são as responsáveis pela sua seleção. Caso
esse primeiro processo seja concluído e ainda existam vagas para o curso de
formação, a Org4 abre à comunidade a possibilidade de inscrição de jovens
interessados. Se a demanda for maior do que as vagas em aberto, essa segunda
69
turma de jovens passa por uma prova de seleção18. Cabe dizer que esses jovens
que acessam a formação de aprendizes por meio das vagas abertas à comunidade
não possuem vinculação com nenhuma empresa no início da formação, e podem ser
(ou não) contratados ao longo do curso cuja duração é de dois anos 19.
Um dos instrutores entrevistados afirmou que a Org4 possui uma meta de
aprendizes contratados que deve ser cumprida. Para tanto a organização, além de
receber a demanda de aprendizes diretamente das empresas, procura outras
empresas para que possam incluir mais jovens:
Instrutor: Porque nós temos uma meta a atingir de alunos empregados.
Como a gente tem o índice dentro do ISO 9001, se não atingir essa meta,
eles são obrigados a correr atrás de empresas para que a gente possa
atingir nossa meta.
Pesquisadora: Então existe uma meta a ser atingida...
I: Sim, existe uma meta a ser atingida semestralmente. Não é nem anual, é
semestral. (Instrutor, Org4)
A meta a ser alcançada na contratação de aprendizes pode não ser algo exclusivo
da organização em questão, mas não apareceu no momento da pesquisa em outras
instituições – que, sem dúvida, podem se orientar por um parâmetro semelhante.
A carga horária do curso de formação foi outro aspecto questionado por outras
instituições que apareceu de forma explícita e demarcada na Org4. Os dois
instrutores entrevistados apontaram que gostariam que o tempo que o jovem passa
na escola de formação fosse expandido20. Lembrando que a Org4 é a única que
recebe os jovens aprendizes durante todos os dias da semana:
Acredito que se conseguíssemos aumentar um pouco da carga horária
seria melhor. Haja vista que antigamente os alunos ficavam tempo integral
no [Org4]. Hoje é meio período, com isso todos os componentes
curriculares, todas as matérias acabaram sendo reduzidas. (Instrutor,
Org4)
Seria o ideal que eles ficassem mais tempo aqui. (Instrutora, Org4)
18
Essa prova cobra conhecimentos de disciplinas como Matemática e Português.
19
Todos os cursos de formação de aprendizes dessa organização têm seus conteúdos distribuídos ao longo de
dois anos.
20
Em sentido contrário, um dos entrevistados na Org2 manifestou seu interesse em diminuir a carga horária do
curso de formação, argumentando que os jovens não conseguem se concentrar e manter uma boa participação
em 8 horas de formação (período utilizado pela instituição para a formação, que ocorre em um dia).
70
A vontade dos instrutores de que os jovens permaneçam na instituição por um
tempo maior do que o meio período diário denota certa concepção do espaço da
escola formadora como local de socialização e aprendizagem em um sentido mais
amplo.
2.4. Metodologias de trabalho (materiais utilizados, período de formação dos
jovens)
As organizações possuem diferentes materiais que sistematizam a metodologia
orientadora do trabalho de formação dos jovens aprendizes. A despeito dessa
distinção, pode-se perceber que alguns aspectos são recorrentes nos processos
formativos – a orientação mais geral e voltada para o comportamento dos jovens no
mercado de trabalho, por exemplo.
A metodologia utilizada pela Org1 na formação dos aprendizes foi desenvolvida pela
Fundação Roberto Marinho e, aparentemente, não é exclusiva da instituição
pesquisada21. Há materiais distintos para os períodos de formação geral e específica
dos aprendizes – os últimos são separados entre os tipos de cursos oferecidos.
O período de formação de um jovem aprendiz é distribuído em dois anos de curso:
no primeiro ano, são oferecidos conteúdos básicos a todas as turmas de aprendizes,
que discutem temas relacionados à cidadania multicultural; de acordo com duas
funcionárias entrevistadas, esse primeiro ciclo debate questões como trabalho,
linguagem e identidade. As atividades realizadas são visitas externas (a museus, por
exemplo), filmes22, jogos23 e palestras – foram citadas palestras de representantes
21
Questionados sobre a possibilidade de cessão de alguns materiais para análise na pesquisa, uma entrevistada
afirmou que não seria possível, mas que esses materiais estariam à venda na Livraria Saraiva (e seriam
utilizados por uma miríade de instituições para a formação de jovens). No entanto, a equipe de pesquisa não
conseguiu localizar os materiais na referida livraria.
22
“Não mais que uma vez por mês”, segundo uma funcionária entrevistada.
23
O jogo Banco Imobiliário foi citado como exemplo.
71
da Bayer, sobre sexualidade; DSOP24, sobre educação financeira; Procon, sobre
direitos do consumidor; e CADS25, sobre homofobia.
No segundo ano, a formação é específica na área experimentada pelo aprendiz no
cotidiano da empresa. A formação mais antiga e mais pedida pelas empresas é,
segundo a coordenadora entrevistada, a de “ocupações administrativas”.
Num aparte à discussão sobre os cursos já oferecidos pela Org1 no período da
pesquisa, foram citadas duas novas formações que estão sendo desenvolvidas no
âmbito da aprendizagem: auxiliar de cozinha e auxiliar de limpeza. A justificativa
apresentada para a implementação de tais cursos na aprendizagem é que se
buscará uma formação que valorize uma percepção de utilização sustentável de
recursos e preservação do meio ambiente: “o diferencial deles é um foco no meio
ambiente”. Percebe-se que há certa apropriação de um discurso e um proceder que
têm conquistado espaço (a discussão relacionada ao meio ambiente) para a
valorização de duas formações que geralmente estão associadas a ocupações de
baixa qualificação e baixa remuneração.
Já sobre as práticas hoje realizadas pela instituição no âmbito da aprendizagem, a
orientação do que deve ser realizado é a mesma para todo o Brasil, mas há espaço
para certa intervenção do instrutor no cotidiano das atividades voltadas à formação
dos aprendizes, conforme duas das profissionais ouvidas:
- Aí vai muito da criatividade do instrutor...
- E que são muito criativos, tá?
(Diálogo entre duas funcionárias do administrativo, Org1)
Os conteúdos debatidos pelo curso de formação são cíclicos, ou seja, os jovens
podem ingressar na formação da aprendizagem com o curso em andamento, uma
vez que a metodologia prevê certa maleabilidade nos conteúdos. Além disso, duas
das profissionais ouvidas reforçaram que o curso de formação não se estrutura em
torno de conteúdos, mas busca desenvolver as competências dos jovens:
24
O Instituto DSOP de Educação Financeira apresenta-se como “dedicado à disseminação da educação
financeira no Brasil e no mundo”. Para saber mais: <www.dsop.com.br>. Acesso em: 29 ago. 2011.
25
CADS é a Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual, ligada à Prefeitura Municipal de São Paulo. Para
saber mais:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/participacao_parceria/coordenadorias/cads/>.
em: 29 ago. 2011.
Acesso
72
Não é conteudista, né, é foco nas competências (Funcionária do
administrativo, Org1)
É interessante notar o uso de uma linguagem advinda da Pedagogia para explicar a
metodologia aplicada aos jovens aprendizes. A recorrência da afirmação de que há
o uso de “competências” em detrimento de uma linguagem “conteudista” reflete um
debate mandatário da produção de conhecimento na área da Educação que não
necessariamente é amadurecido pelas instituições. Tem-se, assim, uma apropriação
do discurso sem uma consequente apropriação da prática.
Uma recente pesquisa realizada pelo Centro Ruth Cardoso e Instituto de
Desenvolvimento Educacional, Cultural e de Ação Comunitária – Ideca26 apontou
essa mesma apropriação livre de elementos e discursos da pedagogia em projetos
voltados à formação de jovens para o mercado de trabalho, muitas vezes não
dialogáveis entre si e não necessariamente apropriados à prática da instituição:
Dentre as referências teóricas citadas pelos entrevistados nas ONGs como
lastro para suas propostas formativas estão autores como Paulo Freire,
Antonio Carlos Gomes da Costa, Edgar Morin, Célestin Freinet, Korchak,
Pedro Demo e Lev Vigotski. Vale notar que em muitos casos as
referências convivem em uma única proposta, em que pesem as possíveis
distinções teóricas entre eles. Além destes, foram frequentemente citados
os documentos Quatro Pilares da Educação (Unesco, Jacques Delors), o
Código da Modernidade (Bernardo Toro) e Classificação Brasileira de
Ocupações. São também destacados pela maioria princípios gerais, como
respeito à autonomia dos jovens; a importância da formação em cidadania,
ética e valores; conceitos acerca do protagonismo e empreendedorismo
juvenil; bem como o conjunto [de] conhecimentos, habilidades e atitudes
como estruturantes para a prática didática. (Relatório da pesquisa
Juventude e Mercado de Trabalho. Centro Ruth Cardoso, 2010).
Na Org2, a maior parte dos jovens aprendizes vivencia experiências de
aprendizagem na área administrativa. No entanto, a metodologia da instituição traz
conteúdos que não versam apenas sobre as questões técnicas relacionadas à
prática da aprendizagem, mas trabalham elementos como valores, ética e
comportamento, além de promover atividades externas – tais como passeios
culturais e visitas a atividades sobre a aprendizagem.
A discussão sobre comportamento é mandatária de certa lógica de adequar o jovem
a determinadas formas de agir que sejam aceitáveis ao que se convenciona a
26
Pesquisa Juventude e Mercado de Trabalho. Cadernos Ruth Cardoso 2/2011. Disponível em:
<http://www.centroruthcardoso.org.br/anx/Juventude_e_mercado_de_trabalho.pdf>.
73
respeito do mundo do trabalho. Dessa forma, parte do curso se debruça sobre certa
preparação do jovem para identificar e manejar as vivências no trabalho, também
relacionadas ao convívio com outros profissionais. Há, ademais, uma tentativa de
adequação desse mesmo aprendiz no que concerne aos comportamentos tidos
como aceitáveis para o espaço do trabalho, desde a entrevista de emprego até a
convivência cotidiana:
A gente também aprendeu que existe aquele módulo básico que trata da
questão pessoal, do desenvolvimento pessoal: quem é ele, que tipo de
identidade ele tem, como ele lida com as pessoas, como ele encara o
trabalho em equipe, cidadania, respeito para com os outros. Isso é
fundamental em qualquer curso de capacitação, porque um bom
profissional não é só aquele que tem a técnica, a âncora do projeto ou do
curso; ele tem que também ter todo esse respaldo, não só do básico, mas
também da gestão que é o profissional, que mercado é esse que ele está
escolhendo, que características tem que ter a pessoa para trabalhar nessa
área, para ele começar a se identificar com coisas, fazer um bom currículo,
como se comportar em uma entrevista de emprego. (Coordenadora, Org2)
Outro elemento relacionado à necessidade de proporcionar ao jovem a discussão de
conteúdos mais gerais e não exclusivamente relacionados à atividade de
aprendizagem faz referência a uma necessidade dos jovens, identificada pela
coordenação, de acesso a conteúdos e debates até então desconhecidos:
Mas o que de interessante e de diferente eu posso aliar a isso e somar na
questão profissional e pessoal dele. Porque a gente sabe que como eles
são algumas vezes carentes – e carente eu digo em conceito, não é só
economicamente. (Coordenadora, Org2)
A metodologia de trabalho da Org2 não está sistematizada, mas a fala dos
coordenadores e instrutores indica a existência de um conhecimento comum e
compartilhado sobre as práticas relacionadas à etapa teórica da aprendizagem ali
desenvolvida. Percebe-se que a despeito de a metodologia não ter sido organizada
em um determinado documento, os profissionais a conhecem e compartilham da
proposta da organização na execução das atividades.
Além das discussões relacionadas a comportamento, supracitadas, a metodologia
abrange aulas de computação, discussões sobre ética (não apenas relacionada ao
trabalho) e questões específicas relacionadas ao tipo de atividade desenvolvida
pelos jovens na aprendizagem.
74
Nas atividades acompanhadas pela equipe de pesquisa, a discussão dos temas com
os jovens estruturou-se a partir de provocações e comentários levantados pelo
instrutor a respeito de determinado tema e a posterior discussão entre os jovens
aliada à elaboração de um “produto” da discussão27.
Outro aspecto da metodologia, para além dos conteúdos abordados, relaciona-se à
possibilidade de inserção de novos aprendizes em turmas já formadas ao longo de
todo o processo de aprendizagem. De acordo com a coordenadora, o conteúdo é
proposto de forma que os instrutores sempre façam referência às discussões
anteriormente realizadas para retomar os conteúdos com os jovens que já estavam
em processo de formação e inserir no debate aqueles recém-chegados na condição
de aprendizes.
A política da Org2 é assinar contratos de aprendizagem que tenham a duração de
um ano. Tais contratos geralmente não são prorrogados justamente por conta do
esforço da coordenação em buscar a efetivação dos jovens tão logo o período de
aprendizagem tenha fim. E diante dessa prática instituída na organização, há certa
opinião de que não são necessários dois anos para a formação de um jovem
aprendiz. De acordo com uma das instrutoras entrevistadas, um ano é suficiente
para que o jovem se “adapte” à lógica do trabalho e possa desenvolver, a partir daí e
inserido no trabalho formal, atividades não mais vinculadas à aprendizagem:
Eu acho que o essencial ai é realmente o fator da gente conseguir
acompanhar (...), mas um ano é o suficiente pra fazer isso, mais do que
isso eu acho muito. (Instrutora, Org2)
Vale dizer que essa visão acerca do tempo ideal para a permanência do jovem como
aprendiz não se coaduna com a opinião de gestores e funcionários de outros
programas visitados; em geral, identificou-se a defesa de que o jovem permaneça
como aprendiz por um período de dois anos. Em duas das instituições visitadas, o
conteúdo do programa é instituído diante da perspectiva que o jovem permaneça
como aprendiz por um período de dois anos; na terceira organização visitada, o
período de dois anos não é o orientador dos conteúdos, ainda que as aulas de
formação permitam que um jovem permaneça no programa durante esse tempo.
27
No dia da pesquisa, os produtos elaborados pelos jovens foram uma folha com respostas individuais e uma
apresentação de power point, feita coletivamente.
75
No tocante à Org3, a grande maioria dos aprendizes que se encontram em processo
de formação exercem atividades na área administrativa – tanto em empresas
privadas quanto no setor público. Segundo a coordenação, este último é o principal
parceiro da organização para a contratação de aprendizes. Essa é, inclusive, uma
das justificativas para o esquema de contratação dos jovens aplicado pela
organização28.
O curso de formação oferecido é dividido em três principais etapas: a primeira delas,
um módulo básico, consiste em uma formação sobre o mercado de trabalho, cuja
duração é de 15 dias corridos. Nessa etapa, o jovem ainda não desenvolve
atividades nas empresas, ficando apenas na unidade da instituição. Após essa
primeira formação, o jovem passa a frequentar a instituição semanalmente para
participar da formação sob o módulo profissionalizante, que possui uma série de
encontros, e dá início ao trabalho no local que o contratou, onde fica nos outros dias
da semana. O dia de participação dos jovens nas atividades do núcleo é variável,
podendo acontecer desde a segunda-feira até o sábado.
O aprendiz passa a frequentar a instituição semanalmente assim que ingressa no
módulo básico; após a conclusão dessa etapa, iniciam-se as aulas sobre conteúdos
específicos, cuja quantidade de encontros é variável de acordo com o tipo de
formação oferecida. É apenas nessa fase que há uma especialização da formação
de acordo com o setor que contrata o jovem aprendiz. Todos os módulos têm aulas
cuja duração é de cerca de 4 horas. Assim, a instituição recebe aprendizes em dois
períodos do dia, com aulas de manhã e à tarde.
Segundo as coordenadoras ouvidas, as aulas independem umas das outras para
serem acompanhadas pelos jovens. A metodologia foi criada para que os encontros
fossem efetivamente independentes, tendo em vista que os jovens ingressam e
concluem suas etapas de formação em momentos diferentes. Seria, assim,
impraticável esperar a formação de turmas fechadas e a aplicação de um módulo
que presumisse uma continuidade na apresentação dos conteúdos.
28
Em entrevista, o coordenador do Fórum Paulista de Aprendizagem apontou essa forma de contratação como
uma saída plausível para a inserção de aprendizes no serviço público, prática ainda muito pouco aplicada.
76
Ainda que coordenadores e instrutores tenham elogios à metodologia, houve
ponderações voltadas à sua recente sistematização e, consequentemente, a
questões que precisam ser mais bem trabalhadas:
A gente até conversou com a [responsável pela metodologia], ela está até
ciente já que eu acho que a metodologia está se esbarrando muito. Não no
conteúdo em si, que ele é muito bom, mas o que se esbarra, que a gente
tem a dificuldade ainda é na questão dos recursos [filmes e músicas], que
tem a sugestão, mas que ainda a gente não tem os materiais para aplicar.
(Instrutora, Org3)
Outra questão notável foi a presença de uma religiosidade mais aguçada do que nas
outras instituições visitadas (ainda que na Org4, por exemplo, pudéssemos ver
crucifixos nas paredes). Na Org3, antes do início das aulas dos dois períodos, há
uma espécie de “mística” realizada como atividade inicial. Todos os jovens e
instrutores se reúnem no auditório e há um espaço para a socialização de informes e
recados29. Após essa primeira etapa, uma das funcionárias lê o trecho de um livro
que parece conter uma série de excertos voltados a certa reflexão e, depois da
leitura, solicita que os jovens abaixem a cabeça para que se faça uma oração. Ao
final da oração, os jovens saem do auditório de acordo com as salas que frequentam
e orientados pelas suas respectivas instrutoras.
De acordo com os profissionais entrevistados, a oração não faz referência a
nenhuma religião em específico e há respeito caso o jovem não queira tomar parte
dela. Contudo, não se viu nenhum jovem deixando de participar dessa atividade
inicial, a despeito do caráter opcional evocado por uma funcionária.
Diferentemente de todas as outras instituições, os aprendizes vão todos os dias à
Org4, no período matutino ou vespertino. Para aqueles que já estão inseridos em
alguma empresa, os horários de trabalho são dispostos no período em que não
estão na Org4, mas há casos em que os aprendizes participam da formação ao
longo do semestre e trabalham na empresa apenas durante o período de férias
escolares, ainda que recebam o salário da aprendizagem durante todo o processo
de formação. A utilização desse esquema que permite ao jovem o trabalho apenas
durante o mês de férias atende à necessidade de continuidade dos estudos
29
Em um dos dias de visita, esse momento inicial de informes foi utilizado para uma “bronca” coletiva
direcionada aos jovens para que tomassem cuidado ao chegar à unidade da instituição, tendo em vista o perigo
de atropelamentos.
77
regulares, sobretudo porque instrutores e coordenadores explicitam que a maior
parte das pessoas inseridas na aprendizagem tem até 18 anos – período que
compreende a formação relativa ao Ensino Médio.
A Org4 tem, por fim, um discurso que valoriza constantemente a estrutura que
proporciona aos jovens e a gratuidade dos cursos de aprendizagem oferecidos. Um
exemplo é a constante referência a uma máquina que custou mais de um milhão de
reais e fica à disposição dos jovens nas atividades de aprendizagem; isso foi
comentado tanto pelo coordenador entrevistado quanto por um dos instrutores que
nos recebeu30.
2.5. O diálogo com as empresas
A relação da Org1 com as empresas contratantes apresenta certas dificuldades,
sobretudo relacionadas à comunicação com os responsáveis pela aprendizagem na
empresa. O diagnóstico da entrevistada indica que os profissionais que respondem a
essa política nas empresas geralmente desconhecem a legislação relacionada à
aprendizagem, elemento que demonstra a necessidade de formulação de medidas
para trabalhar junto às empresas:
A gente cuida do jovem, mas tem que dar suporte para o gestor.
(Coordenadora, Org1)
Somada à problematização acerca do pouco preparo do setor empresarial para o
trabalho com os jovens aprendizes31, tem-se a visão de que há dificuldades de
fiscalização da aplicação da aprendizagem nas empresas. A entrevistada conta que
não há uma padronização do entendimento sobre a política entre os fiscais do
trabalho, fator que dificultaria a consolidação da aprendizagem.
30
É curioso lembrar que, em ambos os discursos, a analogia utilizada para explicar à pesquisadora a
importância da concessão da máquina aos jovens aprendizes foi a mesma: a pesquisadora foi questionada se
emprestaria um carro zero quilômetro para um irmão mais novo aprender a dirigir; a resposta dada pelos
funcionários da instituição é que a Org4 oferece uma máquina cara (análoga ao carro) para adolescentes de 14
a 16 anos aprenderem a trabalhar.
31
O Fórum Paulista de Aprendizagem se propõe a ser um espaço que permite congregar os diversos atores
envolvidos com a aprendizagem, tais como as instituições formadoras e as empresas que recebem os jovens.
No entanto, a fala de um dos responsáveis pela coordenação do Fórum torna claro que a participação das
empresas é menos significativa do que poderia – ou deveria – ser.
78
Na Org2, ainda que se constate a existência de práticas no interior das empresas
que provoquem os jovens para a realização de atividades não acordadas ou
estabelecidas no período de assinatura do contrato, a coordenadora aponta que este
não é um problema específico de determinada empresa, mas já é parte do processo
da aprendizagem – uma relativização do fato de as empresas não cumprirem com o
estabelecido pela legislação.
Pode-se dizer que o não cumprimento da legislação por parte das empresas é
motivado por dois fatores, que não necessariamente são excludentes: o primeiro
refere-se a um eventual desconhecimento da lei e das disposições que estabelecem
os princípios orientadores da aprendizagem; o segundo fator é a percepção
existente nas empresas, indicada por alguns dos entrevistados, de que o jovem
aprendiz é um funcionário “tapa-buraco”, que pode ser utilizado para a resolução de
qualquer pendência existente no âmbito da empresa.
Outro aspecto associado à relação com as empresas, referido pela coordenadora da
Org2, diz respeito à dificuldade que os jovens rapazes de 17 anos enfrentam para
inserirem-se na aprendizagem em decorrência do período de alistamento militar. As
empresas optam por contratar ou jovens mais novos ou aqueles com 18 anos que já
possuem o certificado de reservista.
Sobre a contratação dos aprendizes como funcionários regulares das empresas
após a conclusão do contrato, a coordenadora da Org2 afirma que 80% dos jovens
são efetivados. Ainda de acordo com a entrevistada, a proporção de efetivados tem
origem no contato cotidiano que a instituição estabelece com as empresas, que
possibilita a discussão do desempenho do jovem e das perspectivas possíveis de
contratação.
A coordenação da mesma organização também conta que um empecilho à
expansão de vagas do projeto é, ainda, a dificuldade em articular parcerias junto a
empresas, prática que poderia produzir mais vagas. Aliada a essa dificuldade
somam-se os dois elementos já citados e relacionados a desafios na aprendizagem:
as deficiências da fiscalização do cumprimento das cotas empresariais e a
preferência que a própria norma exprime pela formação concedida por organizações
do “sistema „S‟”.
79
Com relação à Org3, são muitas as empresas parceiras e variadas as áreas de
atuação, ainda que predominem as instituições públicas na oferta de vagas para
aprendizes. De acordo com os profissionais entrevistados, a organização firma
parcerias com as empresas a partir de um contato inicial realizado por uma equipe
de prospecção, que visita empresas justamente para propor a contratação de
aprendizes. Definida a parceria, os jovens aprendizes são selecionados e
encaminhados para a experiência.
A instituição mantém o contato com essas organizações parceiras por meio de uma
visita trimestral, realizada por uma instrutora. Nesse momento, a profissional da
Org3 conversa com o responsável pela orientação do jovem na empresa visando à
coleta de informações sobre o andamento do trabalho do aprendiz. Segundo uma
das instrutoras entrevistadas, há um cuidado para não passar a impressão de que a
visita é para fiscalização da empresa ou do tratamento concedido ao jovem; no
entanto, há casos em que o jovem relata determinada questão (como desvio de
função, má relação com supervisores etc.) e a visita serve à confirmação (ou não) do
que foi contado pelo aprendiz.
No período da pesquisa de campo, uma das instrutoras realizou visita a uma
empresa parceira, atividade acompanhada pela pesquisadora. Na empresa, uma
metalúrgica, havia um jovem aprendiz na área de serviços administrativos. A
responsável direta pelas atividades do aprendiz não estava presente, tampouco o
jovem. Dessa forma, a conversa ocorreu com outra pessoa que também estava
listada como um eventual contato da Org3 para diálogo sobre a aprendizagem e foi
bastante breve, limitando-se a questionamentos relacionados ao andamento do
trabalho do jovem.
A visita às empresas parceiras onde os aprendizes desenvolvem seu trabalho
parece ser uma ferramenta interessante para o acompanhamento das práticas e a
fiscalização – ainda que latente – das condições de trabalho vivenciadas pelos
jovens. No entanto, cabe dizer que a carência de uma metodologia mais estruturada
para a realização dessa visita minimiza a capacidade de fiscalização e avaliação
desse instrumento, na medida em que as informações coletadas, pelo menos na
visita acompanhada pela pesquisa, pareceram insuficientes para a conformação
80
desse mecanismo. De todo modo, seria interessante desenvolver essa prática como
forma de acompanhamento da aprendizagem.
A Org4, por sua vez, não levantou dificuldades relacionadas ao diálogo com as
empresas. A boa relação presumida pelos relatos dos entrevistados pode decorrer
do fato de a organização voltar o seu trabalho a responder às demandas das
empresas desde os processos de seleção e formação de aprendizes – posto que as
vagas são prioritariamente preenchidas por jovens indicados pelas empresas.
***
Ao longo das conversas realizadas com as pessoas ligadas às instituições
pesquisadas, as falas dos funcionários evocaram alguns elementos comuns,
sobretudo relacionados aos aspectos da política de aprendizagem, que merecem ser
destacados.
O primeiro deles relaciona-se às deficiências da fiscalização da aprendizagem. A
dificuldade em fiscalizar o cumprimento das cotas de aprendizes nas empresas foi
apontada como um empecilho à ampliação de vagas e, consequentemente, dos
programas de formação de aprendizes. Há um reconhecimento de todas as
instituições de que o potencial de contratação de aprendizes é muito pouco
explorado no país e que a reticência das empresas em cumprir a cota mínima de 5%
e utilizar a cota máxima de 15% de profissionais aprendizes é um fator que colabora
para a manutenção desse quadro. Tal situação não existe apenas pela citada
deficiência na fiscalização, mas também por uma falta de interesse e vontade das
empresas em contratar aprendizes. Alguns entrevistados citaram, inclusive, que
algumas empresas preferem pagar a multa a contratar aprendizes. De acordo com
os relatos, essa “preferência” das empresas decorre de preconceito contra os
aprendizes, que seriam dispendiosos e contribuiriam pouco do ponto de vista da
produtividade.
O referido desinteresse das empresas é importante para pensarmos não apenas o
descumprimento das cotas de aprendizagem, mas outra questão também citada por
mais de uma organização entrevistada: o desvio de função dos jovens aprendizes.
As organizações indicam que as empresas invariavelmente se utilizam da mão de
obra da aprendizagem para atividades outras que não as diretamente relacionadas
81
ao que seria tarefa do aprendiz, partindo de uma concepção que toma o jovem como
“faz tudo” ou, no limite, como office boy. Um dos elementos que pode agudizar essa
frequente prática de desvio de função dos aprendizes é o desconhecimento das
empresas acerca da legislação da aprendizagem. O funcionário da Superintendência
do Trabalho em São Paulo observa que as empresas não sabem quais devem ser
as atribuições dos aprendizes e os colocam onde é mais simples – na execução de
serviços pontuais ou pouco especializados em detrimento da formação do aprendiz
em uma atividade específica.
2.6. O diálogo com os jovens aprendizes
Os representantes das organizações que foram entrevistados mencionaram, em
suas falas, algumas impressões sobre os jovens aprendizes vinculados aos seus
programas. Ainda, a observação de algumas atividades ao longo da pesquisa de
campo permitiu a problematização de alguns aspectos da relação das instituições
com os jovens aprendizes. Vale lembrar que as impressões da aprendizagem a
partir do ponto de vista dos jovens serão relatadas no próximo capítulo.
Na visita à Org1 pudemos observar um diálogo entre a analista técnica e uma turma
de aprendizes em que transpareceu uma tensão (ainda que latente) na relação entre
instituição e jovens. Para fomentar tal análise, serão destacados alguns excertos do
diário de campo da pesquisadora que realizou a visita a essa instituição.
Entramos em uma sala de aula que estava iniciando o intervalo (a turma
era de aprendizes de assistente administrativo). A analista cumprimentou a
classe e pediu que eu me apresentasse. Falei brevemente sobre a
pesquisa e ela começou a perguntar aos jovens as suas impressões sobre
as atividades da aprendizagem, pedindo que cada um falasse uma palavra
que expressasse uma competência que aprendeu ao longo do ano (aquela
turma estava no segundo ano de formação). As palavras citadas foram
criatividade, comunicação, persuasão, planejamento, conhecimentos,
trabalho em equipe, paciência etc.
Após falarem as competências apreendidas, os jovens foram estimulados
pela analista a comentar algumas atividades que realizaram durante a
aprendizagem. Aqui, vale lembrar que os jovens vão ao [instituição] uma
vez por semana, exceto na última semana do mês, quando fazem o curso
duas vezes em uma mesma semana.
As atividades citadas foram assistir a filmes (citaram o “Desafiando
Gigantes”, também visto pelos jovens de outra instituição) e a realização
de passeios externos a museus (como o Masp e o Museu da Língua
Portuguesa) e ao centro da cidade. Os jovens contaram que, na visita ao
Mercado Municipal, eles conheceram tanto o lado de dentro como o
82
entorno do prédio – que concentra muitas caçambas de lixo e moradores
de rua – a instrutora quis que eles “vissem as diferenças”.
Uma jovem falou que eles também participaram de uma palestra “que era
golpe”. Visivelmente incomodada com o direcionamento da discussão, a
analista comentou “mas vocês aprenderam muito com isso, não?”. Eu
perguntei o que aquilo significava e a jovem explicou que a palestra tinha a
intenção final de vender um livro. A analista cortou a jovem mais uma vez,
apontando que a compra ou não do livro era uma decisão que cabia ao
livre arbítrio. (Diário de campo de Natália, 24.05.2011)
Percebe-se que, em alguma medida, o estímulo à análise dos jovens sobre as
atividades desenvolvidas no âmbito da aprendizagem é interrompido no momento
em que há a formulação de uma crítica sobre determinada ação realizada. Nesse
sentido, a reflexão produzida pelos próprios jovens acerca das atividades que
constituem sua formação como aprendizes não nos parece ser estimulada pela
instituição; ao contrário, à sombra de uma primeira ponderação sobre determinada
palestra há, de pronto, uma tentativa de reverter a situação para um aprendizado
positivo diante de uma atividade a princípio qualificada como ruim.
Nesse mesmo dia surgiram outras questões relacionadas a críticas ao programa de
aprendizagem, assim como a menção ao livre arbítrio dos aprendizes em estarem
ali:
Um dos jovens pediu que eu explicasse com mais detalhes a pesquisa que
estávamos fazendo. Aproveitei para falar um pouco sobre os nossos
objetivos: avaliar a Lei da Aprendizagem a partir dos jovens que
participavam das atividades, ressaltando que tínhamos interesse em saber
o que os jovens fazem, se eles continuam nas áreas de aprendizagem, se
gostam ou não do que fazem... Nesse momento, uma jovem fez um “não”
incisivo com a cabeça, apontando que não quer continuar fazendo o que
faz hoje. Diante da sua negativa, eu comentei, em tom de brincadeira “olha
só, tem gente que não quer continuar a fazer o que faz”. A analista
respondeu que “só é aprendiz quem quer”, dizendo que as pessoas têm o
livre arbítrio para decidir se querem ou não ser aprendizes.
A jovem que havia insinuado que não continuaria a fazer a mesma coisa
que estava fazendo respondeu dizendo que gostava de ser aprendiz, mas
não queria prosseguir naquela mesma profissão. A analista retrucou
dizendo: “Eu não estou dizendo isso para você, estou dizendo isso para
todo mundo. Porque se você é aprendiz e não gosta do que faz você está
fazendo uma agressão com você mesma”.
O caminho da discussão criou uma tensão latente entre a analista e os
jovens aprendizes. Nesse momento, a instrutora não estava na sala.
Acredito que a postura incisiva da analista diante das discordâncias ou
mesmo das ponderações dos jovens aprendizes não seja incomum.
Logo após termos saído da sala, a analista comentou comigo: “Eu falei
aquilo praquele menino que deve odiar ser aprendiz... Você viu a postura
dele?”. O “menino” em questão era um jovem que não estava na sala
quando chegamos e não estava usando o uniforme, obrigatório para todos.
83
Quando a analista perguntou sobre as atividades realizadas, ele disse que
tinha participado de uma palestra que não tinha servido para nada, pois
não havia ouvido nada de interessante. (Diário de campo de Natália,
24.05.2011)
É oportuno notar a lógica de livre arbítrio que a analista sugere diante de qualquer
discordância apresentada pelos jovens aprendizes. Em outras palavras, tem-se a
impressão de que os elogios são bem-vindos e as críticas, por sua vez,
imediatamente refutadas com colocações que afirmam aos jovens que eles devem
estar ali no programa por opção, e teriam a escolha de sair se assim o quisessem.
Na Org2, não foram observadas situações de tensão entre jovens e profissionais da
instituição. Há, contudo, nas falas da coordenação, uma referência a questões
relacionadas aos jovens no tocante a deficiências de formação. Aliado a esse
aspecto, haveria certa indisposição dos jovens para aprender coisas novas, questão
indispensável à aprendizagem:
Não sei, o jovem hoje está bem difícil. O perfil dele mesmo com a
capacitação é muito fraco, sem iniciativa, não a fim. (Coordenadora, Org2)
Bom, uma coisa que dificulta a contratação dos jovens é eles falarem
errado em entrevista, não tem como (...). Não dá, a pessoa escreve muito
errado, fala errado; difícil, muito difícil. (Idem)
Não vou analisar... mas acho que está ficando cada vez pior. Acho que as
empresas estão atrás de pessoas com vontade, curiosas, que tenham
brilhinho no olhar. “Eu não sei, mas estou pronto pra fazer”. É diferente,
entendeu? “Eu não sei, mas me ensina que eu tento fazer”. Essa frase diz
muito, tem gente que diz “não sei, não vou conseguir, acho que não dá pra
adaptar”. Isso já acabou, não tem como. Mesmo com o curso não
demonstram vontade, interesse; embora precise, não estou nem dizendo
de precisar, estou dizendo da questão de não vai, não vai, a empresa não
quer esse tipo de pessoa. (Idem)
No entanto, essa mesma percepção relacionada à falta de iniciativa dos jovens é
modificada caso se avalie que a aprendizagem é um fator que estimula os jovens na
busca de alternativas e na constituição de projetos de futuro:
Quando ele vem aqui, ele também vai para os estudos. Normalmente isso.
Quando ele não estuda mais e dentro do projeto de vida – o plano de
carreira, a gente faz ele ter esse plano, o que ele quer, o que ele pretende,
o que ele gosta – ele vai atrás, porque na realidade ele está ganhando
uma bolsa entre aspas, pouco, mas ele sabe que dá pra investir nele.
Então, ele aproveita também o que ele ganha não só pra ajudar a família,
mas pra fazer um curso aqui ou lá, fazer um Enem, prestar um terceiro
grau. Ele tem uma iniciativa dele e muitos deles – que eu já presenciei –
saem do Programa Aprendiz já matriculados no terceiro grau. Isso é uma
coisa interessantíssima. (Coordenadora, Org2)
84
Em alguma medida, os profissionais que atuam nas organizações percebem a
aprendizagem como forma de reorientar as construções dos jovens relacionadas
não apenas ao seu trabalho, mas também à continuidade dos estudos. Dessa forma,
eles identificam as fragilidades dos aprendizes ao mesmo tempo que percebem
aspectos positivamente ligados a esses jovens antes criticados.
Ainda na relação – e na percepção – das organizações com os jovens, um tema
bastante trabalhado não apenas pelos profissionais que atuam na execução da
formação dos aprendizes, mas também por um gestor, foi a visão da aprendizagem
como iniciação na vida adulta ou, ainda, um rito de passagem. A despeito de
observar que essa não é necessariamente uma concepção da instituição, o gestor
formula apontamentos que percebem a aprendizagem a partir deste olhar:
O [Org4] tem atuado como agente social que resgata uma coisa que as
sociedades contemporâneas perderam que é a do rito de passagem. Onde
a principal função desse rito de passagem, uma das, é tirar o jovem do
mundo da criança, do adolescente e colocá-lo no mundo adulto. A
sociedade hoje perdeu um pouco os ritos. E o [Org4], por meio da
colocação do jovem no mundo do trabalho, ele sai daquele mundo da
criança, do estudante. Ele vai para aquele mundo do trabalho onde é um
mundo prioritariamente do adulto, então de uma forma quase que indireta,
ele coloca o jovem, tira o jovem do mundo da criança e do adolescente e
coloca no mundo do adulto, que é o mundo do trabalho. (Gestor, Org4)
Esse discurso é mais meu, mas pelo que já conversei com alguns colegas
de São Paulo e de outros estados, eles também veem isso. Não com esse
discurso, não nesses termos, mas todos percebem isso. A contribuição do
[Org4] de estar tirando esse jovem da fase criança e colocando-o no
mundo adulto. Que é um mundo de responsabilidades, não é mais um
mundo de faz-de-conta, agora tem contrato de trabalho, tem a carteira
profissional assinada, tem dinheiro, com esse dinheiro ele tem poderes, e o
que ele vai fazer com esses poderes... Então ele tem poder de estar
melhorando a alimentação da casa dele ou tem o poder de comprar uma
droga mais cara que ele não tinha acesso antes. (Idem)
Com relação ao jovem também é trabalhado, além da formação teórica e
prática daquela habilitação e qualificação específica, o [Org4] tem uma
preocupação do cidadão. Antes então de formar um profissional, o [Org4]
tem essa preocupação de formá-lo como um cidadão interveniente, alguém
que possa estar interferindo na sociedade, transformando. E claro que
nosso foco principal é transformando por meio do trabalho, que é onde a
gente vai estar investindo na formação. (Idem)
Por um lado, há a percepção de que a experiência de aprendizagem ajuda o jovem a
construir outros projetos de vida e produz novas formas de compreensão acerca das
relações inerentes à vida profissional. A dimensão subjetiva da participação do
85
jovem nos programas da aprendizagem estaria, assim, relacionada não apenas a
uma ampliação de uma visão de mundo, mas vinculada a um estímulo indireto a
construir planos que incluem, a partir daí, a continuidade dos estudos, por exemplo:
Instrutora: Acho que é assim: essa convivência, participação, organização,
tudo isso que eles vivem, vivenciam aqui, faz a diferença na vida deles. É
um aprendizado a mais. De relacionamento, isso é muito importante.
Pesquisadora: E com relação à escola. Você vê que, não só fazer o Ensino
Médio, mas fazer curso técnico, superior, ajuda a construir um plano de
perspectiva para a educação?
I: Ajuda bastante sim. Um incentiva o outro. A gente está sempre falando
isso, acho que é mais fácil para eles do que para quem só faz o Ensino
Médio. Uma escola normal.
P: Por que você acha?
I: Porque eles criam o hábito de estudo, é mais fácil para eles darem
continuidade. Alguns deles já estão visando o mercado de trabalho, eles
têm consciência de que não podem parar por aqui. Se está na empresa às
vezes a própria empresa estimula, paga uma parte do curso superior. Ou
às vezes ele volta a fazer outro curso aqui no próprio [Org4]. Acho que é
mais fácil. (Instrutora, Org4)
De outro lado há a afirmativa de que a aprendizagem é, objetivamente, uma forma
de inserção do jovem no mercado de trabalho formal. Esta última percepção valoriza
o caráter de política pública que a aprendizagem tem e, em certa medida, facilita a
reflexão acerca das práticas executadas no processo enquanto parte de uma política
mais ampla que pode ser objeto de avaliação e controle social.
Um último aspecto que chamou a atenção da equipe de pesquisa e foi encontrado
em mais de uma instituição é a formação de “aprendizes” que não estão vinculados
a uma empresa. A legislação determina que a aprendizagem é configurada pela
vinculação a um determinado local de trabalho concomitantemente a uma formação
teórica a ser oferecida pelas organizações do “sistema „S‟” ou por entidades
assistenciais. Dessa forma, a aceitação nos programas de formação de jovens não
vinculados a empresas, ainda que não se configure como um descumprimento
explícito da legislação, seria uma forma de criar nichos para o encaminhamento de
aprendizes à medida que privilegia a inserção de jovens que têm condições de
participar de processos formativos sem a necessidade de ajudas de custo. Uma
questão que se coloca é como a fiscalização do Ministério do Trabalho deve lidar
com esse tipo de situação – e, ainda, se deve lidar com a prática que pareceu
bastante introjetada nas instituições.
86
2.7. Impressões sobre o "sistema 'S'"
Em todas as etapas da pesquisa de campo, percebeu-se a presença constante das
organizações do “sistema „S‟” ao longo das entrevistas e observações. Ainda que
apenas uma das quatro instituições pesquisadas seja vinculada a esse sistema,
todas as organizações abordavam aspectos relacionados à presença dos Senais e
Senacs na formação de aprendizes. Em geral, a análise dos entrevistados era crítica
à preferência da legislação pela formação de aprendizes por organizações "S"; o
questionamento acerca dessa preferência vinha acompanhado da valorização do
trabalho
e
da
qualidade
de
formação
oferecida
pelas
organizações
socioassistenciais, recentemente incorporadas na política de aprendizagem para a
formação dos jovens.
É importante levantar que o coordenador entrevistado em uma escola do Senai
defende que não se utilize o termo “sistema „S‟” para fazer referência ao conjunto de
instituições apoiadas pelos setores produtivos (indústria, comércio, agricultura,
transportes e cooperativas). A análise do entrevistado baseia-se na lógica de que se
as organizações "S" fossem um sistema efetivo, compartilhariam práticas comuns e
teriam uma comunicação entre si – coisas que não fazem parte da realidade da sua
atuação, segundo o coordenador32.
Uma das profissionais entrevistadas na Org1 afirmou que há predileção dos
fiscalizadores pela execução da aprendizagem por organizações do “sistema „S‟”. A
despeito de reconhecer a importância desse sistema para a aplicação da
aprendizagem, a coordenadora observou que estas mesmas instituições não têm
capacidade para atender a toda a demanda. E, no entanto, segundo a entrevistada,
a fiscalização em São Paulo desencorajaria as empresas a procurar alternativas ao
“sistema „S‟” quando há falta de vagas para a formação dos aprendizes.
A Org2 também apontou em suas falas a prevalência do “sistema 'S'” na formação
da aprendizagem. Segundo a entrevistada, a capacidade de atuação da instituição é
32
Para saber mais sobre o “Sistema ‘S’”:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/Carga_Fiscal/1999/SistemaS.htm>. Acesso em: 31
ago. 2011.
87
tolhida diante da proposta, prevista em lei, de que as empresas optem de início
pelas instituições “S” e passem a procurar parcerias com outras entidades apenas
quando as primeiras não conseguirem atender a demanda:
Hoje em dia acaba acontecendo o quê? Com essa história da oferta
primeiro nos cinco “S”, que é uma questão da legislação; primeiro vai para
os cinco “S”, se os cinco “S” não tiverem capacidade de estar absorvendo
esses jovens, aí você vai podendo falar com as outras ONGs. Então isso
diminui muito nosso poder de ação. (Coordenadora, Org2)
(...) acaba acontecendo que chega até nós muito pouco essa questão. (...)
ainda o sistema de fiscalização não está a contento, dá uma margem muito
grande para a empresa não ter essa obrigatoriedade; ela não se vê na
obrigação de contratação. (Idem)
A análise que a própria coordenação da instituição faz sobre essa prevalência das
organizações “S” em detrimento das organizações sem fins lucrativos para a
formação de aprendizes é que tal obrigatoriedade contribui para a proporção de
empresas que não obedecem à porcentagem mínima de jovens aprendizes entre
seus funcionários. Há, ainda, a percepção de que as dificuldades de fiscalização do
cumprimento das cotas mínimas de aprendizes nas empresas (5%) agravam o déficit
de vagas reservadas a esses jovens.
Por fim, é fundamental ressaltar a relevância que o “sistema „S‟” toma nos discursos
de todas as instituições. Enquanto a instituição ressalta a qualidade da sua formação
e a gratuidade dos seus cursos (em comparação a outras organizações do mesmo
sistema), as entidades assistenciais que oferecem atividades de formação reafirmam
que a preferência da legislação e fiscalização pelo “sistema „S‟” é prejudicial à
aprendizagem, na medida em que essa preferência seria materializada em
orientações a empresas para que não procurassem cursos de formação que não os
vinculados às organizações "S". Por outro lado, o funcionário vinculado ao órgão do
Ministério do Trabalho e Emprego – MTE em São Paulo refere que os cursos de
formação oferecidos pelo “sistema „S‟” têm grande qualidade nos conteúdos e
metodologia, em detrimento da incerteza que permeia os cursos de formação
oferecidos por organizações sociais. Equilibrar a demanda de jovens aprendizes
entre esses dois tipos de organização, bem como construir estratégias de
recrudescimento da fiscalização dos cursos oferecidos pelas inúmeras organizações
habilitadas são desafios impostos à política de aprendizagem.
88
2.8. Uma análise da política
Ao longo da coleta de dados para a elaboração da presente pesquisa, foi possível
levantar informações mais amplas sobre as formas de articulação existentes e a
política de aprendizagem junto à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego
de São Paulo, a instituição responsável pela coordenação do Fórum Paulista da
Aprendizagem Profissional – Fopap, que vem se reunindo há dois anos. Ainda que
as atividades do Fórum não tenham sido acompanhadas33, é interessante trazer ao
debate algumas informações acerca dessa forma de organização das inúmeras
entidades ligadas à aplicação da aprendizagem no estado, em particular, e no país,
em geral.
Segundo o profissional entrevistado, a instalação de fóruns seria resultado de uma
política mais recente do MTE. Há cerca de dois anos, a aprendizagem teria sido
efetivamente alçada a uma categoria de política pública. Até então a política ficaria
restrita ao cumprimento das diretrizes dentro das instituições formadoras, à
fiscalização34 das condições de trabalho a que eram submetidos os jovens
aprendizes e ao controle das cotas de aprendizagem.
Os fóruns, por sua vez, teriam a intenção de congregar os diversos setores
envolvidos com a aprendizagem – instituições formadoras, “sistema „s‟”, empresas,
governo –, ainda que a representação de empresas seja bastante tímida.
Especificamente no Fórum do Estado de São Paulo, são muitas as entidades
participantes. O entrevistado informou que os fóruns buscam a utilização de uma
metodologia participativa para dinamizar a aprendizagem para além da fiscalização
do cumprimento da lei; ou seja, há uma busca por pensar a aprendizagem como
uma política que possibilita a formação de mão de obra qualificada. Além disso, a
33
O coordenador do Fórum foi bastante aberto à pesquisa, mas ponderou que para acompanhar as reuniões
do Fopap seria necessário definir uma proposta de participação mais sistemática da Ação Educativa no Fórum,
para além das necessidades da pesquisa.
34
O coordenador do Fórum aponta que, mais recentemente, o MTE adotou a fiscalização indireta: o ministério
convoca as empresas a prestar contas por meio de uma notificação. Essas empresas comparecem até a
gerência do Trabalho em dias determinados e participam de atividades coletivas sobre a aprendizagem, tais
como palestras. Após essa primeira atividade, inicia-se a fiscalização efetiva. A empresa leva à gerência os
documentos relacionados ao número de empregados e à contratação de aprendizes para que um fiscal do
Trabalho os analise. Caso sejam identificadas irregularidades, a empresa é notificada (ainda sem a necessidade
de pagamento de multa) e é estabelecido um prazo para os rearranjos necessários à adequação à legislação da
aprendizagem.
89
articulação em torno de fóruns possibilitaria, na opinião do coordenador, uma
propagação do ideal de aprendizagem profissional e poderia atuar para que as
empresas percebessem as vantagens econômicas existentes na contratação de
aprendizes.
O entrevistado acrescentou que a nova legislação, além de transformar as formas de
fiscalização da aprendizagem, extinguiu o monopólio do “sistema „s‟” sobre a
formação dos jovens aprendizes. A partir de então, foram criadas condições para
que organizações assistenciais também desempenhassem essa função.
Com relação à participação desse sistema e de instituições outras na formação de
aprendizes, o coordenador ressaltou que o “sistema „S‟” tem tradição, "é consagrado
pela excelência dos seus cursos". Já as organizações assistenciais, em sua opinião,
não possuiriam esse reconhecimento e necessitariam de maior estruturação. Além
disso, ele observou que essas instituições, ainda que tenham um caráter social,
tendem a tratar a aprendizagem na perspectiva de um relacionamento de mercado.
O coordenador valorizou a perspectiva que encara a aprendizagem como
possibilidade de iniciação paulatina do jovem no mercado de trabalho, tendo em
vista que essa vivência congrega conhecimentos teóricos e práticos, além de
caracterizar-se pelo caráter de experiência. Relacionado a isso, ele ressaltou o
imediatismo das empresas diante de um processo de qualificação de mão de obra:
Já querem botar o menino pra produzir. Ele pode ter 16, 17, 18 anos... as
empresas não querem saber. (Funcionário da SRTE-SP)
Esse imediatismo seria um dos responsáveis pelo que foi definido como “apagão da
mão de obra”: as empresas não se preocuparam em formar novos trabalhadores e
hoje enfrentariam dificuldades para a obtenção de profissionais qualificados.
O funcionário da Superintendência Regional do Trabalho também listou questões
interessantes concernentes ao olhar das instituições formadoras para os jovens
aprendizes. Em primeiro lugar, o entrevistado comentou que um dos aspectos
sempre citados pelas instituições formadoras é relacionado ao nível ruim dos jovens.
Essa dificuldade educacional dos aprendizes é um elemento que dificulta a
motivação do jovem para os espaços de discussão dos conteúdos teóricos. Segundo
o entrevistado, o jovem se desinteressa pelos conteúdos que a entidade ministra,
sobretudo a partir do momento em que passa a desenvolver atividades práticas:
90
Depois de um tempo, o jovem perde o interesse e quer simplesmente
trabalhar. (Funcionário da SRTE-SP)
Esse desinteresse pelas atividades realizadas nas instituições formadoras pode ser
reflexo da reprodução da forma escolar nos espaços das organizações. Outros
estudos já apontaram que essa prática é comum em programas e projetos voltados
a jovens e impulsiona o processo de não-adesão dos participantes às atividades
(Dayrell et al, 2007).
Segundo seu relato, as instituições formadoras afirmam que a base educacional dos
aprendizes é fraca, o que requer maior esforço para elevar o nível desse jovem de
modo que a experiência como aprendiz seja mais profícua.
Aprendizagem no poder público
Um aspecto realçado pelo entrevistado como prioritário para o Fopap seria a
aceleração da expansão da contratação de aprendizes para a administração pública.
Parte dos membros do Fórum tem estudado a questão para elaborar propostas
voltadas a essa prioridade tendo em vista que a contratação por órgãos públicos
deve ocorrer via concurso, fator dificultador para a consolidação de atividades de
aprendizagem nesse setor. Essa também seria a atual prioridade do Fórum Nacional
da Aprendizagem Profissional.
Uma estratégia possível para equacionar a contratação de aprendizes por órgãos
públicos seria efetivar a contratação em nome das instituições formadoras, tal como
ocorre na Org1 e na Org3. No entanto, o funcionário entrevistado afirmou que muitas
instituições se utilizam desse recurso como forma de baratear os custos de
contratação para as empresas, na medida em que entidades sociais geralmente são
isentas de determinadas taxas e impostos que seriam obrigatórias se o jovem fosse
contratado diretamente pela empresa que de fato o emprega.
91
Deficiência de informações
Uma pergunta direcionada ao profissional entrevistado questionava a existência de
informações sobre qual seria o maior gargalo da aprendizagem: as empresas não
contratam aprendizes ou não há instituições formadoras suficientes? Ele destacou a
inexistência de informações precisas relacionadas à questão e ressaltou que há um
terceiro
elemento
geralmente
desconsiderado
nas
discussões
sobre
a
aprendizagem: a demanda dos adolescentes. Em sua opinião, não se pode
pressupor que a demanda pela aprendizagem seja igual à quantidade de jovens
existentes.
92
|3| Um olhar para o presente: os jovens aprendizes
Ao longo da etapa de pesquisa nas instituições formadoras de aprendizes foram
entrevistados jovens moças e rapazes que estavam, no momento, participando das
atividades de aprendizagem.
As entrevistas possibilitaram o contato com diferentes propostas de inserção e
práticas da aprendizagem e relatam experiências – e memórias – distintas entre
aqueles que vivenciaram a condição de aprendizes. Enquanto os jovens atualmente
vinculados a um programa estabelecem críticas mais circunscritas e objetivas acerca
dos limites da aprendizagem, aqueles que já não estão vinculados à aprendizagem
referem questões ligadas à experiência nos projetos, mas tendem a obscurecer as
análises negativas em favor das lembranças positivas trazidas pela aprendizagem.
A diversidade de experiências com a aprendizagem pode ser percebida também
entre aqueles jovens que eram aprendizes no momento da coleta de informações:
foram ouvidos não apenas aprendizes regulares, mas também alguns jovens cujo
contato com a aprendizagem se dá pela participação no curso de formação; em
outras palavras, esses aprendizes não estão vinculados a empresas e não exercem
atividade remunerada.
Após uma breve descrição dos jovens entrevistados, buscaremos retomar as
estratégias que levaram os aprendizes até os programas de formação e as principais
questões levantadas que se relacionam às dinâmicas da formação teórica e da
experiência prática na aprendizagem. Por fim, serão apresentadas as perspectivas
de futuro dos jovens – aprendizes e egressos – diante dessa primeira experiência
com o mercado formal de trabalho.
3.1. Quem são estes jovens?
Ainda que as entrevistas realizadas na etapa qualitativa da pesquisa não
representem uma amostra fidedigna dos jovens aprendizes no país, buscamos
apresentar alguns aspectos relacionados a eles tendo em vista que essas
informações podem dar pistas de um perfil mais amplo e dialogar, em alguma
93
medida, com os dados da pesquisa realizada junto aos egressos dos municípios de
São Paulo e Fortaleza.
Os jovens das quatro instituições pesquisadas apresentavam um perfil relativamente
parecido e, se tinham experiências anteriores de trabalho, haviam vivenciado
situações de emprego informal. Os aprendizes ouvidos podem ser classificados
como “jovens adolescentes”. Ou seja, têm entre 15 e 18 anos. Essa média de idade
reflete as falas dos gestores e funcionários das instituições, que já haviam indicado
uma presença mais significativa de aprendizes mais novos do que o limite
estabelecido pela legislação, que é 24 anos.
Com relação à educação, vê-se que os aprendizes entrevistados ou estavam
cursando ou haviam concluído o Ensino Médio. E à exceção de uma entrevistada
que assumiu enfrentar dificuldades para concluir essa etapa dos estudos35, os
jovens aprendizes participantes da pesquisa não apresentavam questões de
defasagem idade-série.
3.2. Como chegam às instituições?
Os jovens entrevistados geralmente chegaram às instituições por meio de
indicações de amigos e familiares a respeito da oportunidade de aprendizagem.
Essa indicação funciona não apenas quando as organizações são a porta de
entrada para a aprendizagem, mas também quando são as empresas as
responsáveis pela indicação das turmas de aprendizes – caso corrente na Org4.
Mesmo quando a empresa é responsável por encaminhar o jovem, as indicações de
família e amigos funcionam como estratégia para acesso à aprendizagem.
Percebe-se, assim, que as redes de sociabilidade desses jovens são mais operantes
para que ingressem em programas de aprendizagem e tenham acesso a
oportunidades de emprego do que outras possibilidades de contato com a temática –
escola ou internet, por exemplo. Essa constatação reforça, de certa forma, o modo
privilegiado para acesso a empregos no Brasil. Ainda, percebe-se que a indicação
prevalece sobre outras formas de acesso à informação sobre empregos, a despeito
da maior utilização de outras estratégias nos últimos anos. (Guimarães, 2008).
35
A jovem entrevistada comentou que cursa o 1º ano do Ensino Médio pela quarta vez.
94
Os relatos sugerem que as redes de familiares e amigos são fundamentais para o
acesso à informação sobre a aprendizagem por indicar aos jovens o caminho seja
das instituições formadoras, seja das empresas. A escola, que poderia ser uma
interlocutora privilegiada das instituições formadoras de aprendizes e dos jovens
interessados em uma experiência de emprego, aparece em apenas uma indicação,
e as agências e centros públicos de informação sobre emprego não foram citados.
Ainda que os dados coletados nas entrevistas aqui descritas não representem um
universo de jovens aprendizes, vale reafirmar o potencial disseminador de
informações que a escola pode ter.
Como já referido, algumas organizações possibilitam a inserção de jovens
aprendizes vinculados a empresas (indicados para a formação pelas próprias ou
recrutados pela instituição formadora) e, caso sobrem vagas, aceitam jovens da
comunidade que se interessam pela formação. Dessa maneira, há jovens que não
possuem vinculo com empresas e ainda assim são considerados “aprendizes” pela
instituição.
Na Org4, os jovens que se interessam pela formação e não são indicados pelas
empresas fazem uma prova de conhecimentos gerais que os habilita a cursar a
aprendizagem na instituição. Os dois entrevistados da organização buscaram o
curso de formação de aprendizes sem estar vinculados a empresas. O que os
motivou a se matricular e seguir com o curso a despeito de não exercerem uma
atividade remunerada foi a possibilidade de trabalhos futuros diante de uma
experiência formativa prévia e o respaldo da instituição no mercado de trabalho de
maneira mais geral:
Pergunta: E porque você procurou fazer o curso de aprendizagem?
Resposta: Primeiramente, para ser bem sincera, por causa do nome do
[Org4], o [Org4] tem muito peso lá fora. Porque a maioria dos cursos são
seis meses e alguns são meio desvalorizados, eu sabia que o [Org4] é
bem reconhecido. (Jovem moça, Org4)
Pergunta: E porque você resolveu se inscrever no [Org4]?
Resposta: Por causa do nome do [Org4] mesmo. Queria trabalhar... e é
mais fácil, mais rápido para conseguir emprego. (Jovem rapaz, Org4)
Percebe-se que o reconhecimento das instituições em um escopo mais amplo do
que a própria política de aprendizagem pode ser um elemento impulsionador da
procura por oportunidades de aprendizagem pelos jovens. E mais, esse
95
reconhecimento público das instituições passa aos jovens a segurança de que a
experiência com a aprendizagem não se limita ao período do contrato e abre outras
possibilidades profissionais.
3.3. A experiência na aprendizagem
Os jovens entrevistados apresentaram suas impressões acerca da aprendizagem no
que concerne não apenas aos cursos de formação das Orgs 1, 2, 3 e 4, mas
também às atividades vivenciadas nas empresas e às percepções de alterações
mais gerais em sua vida, que seriam, em sua opinião, decorrentes da experiência
como aprendizes.
Pode-se dizer que, em geral, os jovens eram simpáticos às práticas da
aprendizagem a despeito das críticas formuladas a aspectos do trabalho e da
formação nas instituições. Eles também reconheciam que a inserção na
aprendizagem havia provocado mudanças de vida, geralmente consideradas
positivas e relacionadas a processos de amadurecimento. Nesse sentido, a
discussão sobre o impacto da aprendizagem na vida dos jovens apresenta
correlações com o discurso apreendido nas entrevistas realizadas com os
profissionais que atuam nas instituições: a aprendizagem seria um momento de
transição para a vida adulta. Em outras palavras, tornar-se aprendiz é parte de um
processo maior que inclui a necessidade de adquirir responsabilidades, ter o seu
próprio dinheiro e constituir planos de futuro mais definidos. A fala de algumas
entrevistadas repercute essa construção:
Pergunta: Você acha que participar da aprendizagem provocou alguma
mudança na sua vida?
Resposta: Total. As pessoas que eu conheci a maneira de pensar, agir. Me
tornei muito mais responsável, com muito mais certeza do que antes. O
[Org4] te amadurece muito, faz você crescer muito.
P: E foi para melhor, para pior?
R: Não sei se consigo julgar se foi para melhor, ou para pior. Eu confesso
que fiquei mais mal humorada. A minha paciência diminuiu bastante. Mas
acho que foi para melhor sim. Vi que as coisas não são tão fáceis, que a
gente tem que lidar, correr atrás. (Jovem moça, Org4)
Acho que amadureci bem mais, eu era bem criancinha, até 17 anos eu era
muito bobinha. Então... acho que amadureci bastante, tem muita coisa que
a gente passa quando a gente trabalha, então, a gente tem que tolerar...
quando você é mais novo, você não está nem aí e xinga todo mundo. Eu
96
aprendi a me controlar, a tolerar as coisas que as pessoas falam pra mim.
Eu acho que eu amadureci muito mais. (Jovem moça, Org1)
Aprendi a dar mais valor pro dinheiro. Assim, eu gasto, mas aprendi a me
controlar nas coisas e aprendi a ter mais responsabilidade do que eu era
antes. (Idem).
É interessante notar certa ambiguidade no discurso da jovem aprendiz. Se, por um
lado, ela reconhece que a vida mudou para melhor após a experiência na formação
para aprendizagem, ela completa que ficou mais “mal-humorada”.
Nesse sentido há, ainda, certa visão sobre a juventude que é compartilhada não
apenas pelos jovens, mas também pelos gestores e funcionários dos projetos, que
responsabilizam a experiência com a aprendizagem por certa mudança de postura
diante da vida. Tais mudanças de postura deixariam de lado elementos como
rebeldia ou despreocupação para dar lugar à seriedade exigida entre aqueles que
estão inseridos no mercado de trabalho – e, de certa forma, no mundo adulto.
(...) é porque eu acho assim, que hoje em dia muitas jovens não pensam
da mesma maneira. Eu penso, eu acho que eu penso totalmente diferente
de todos da minha escola. Porque eles pensam mais em, (...) eles ficam
mais em festa, mais essas coisas, balada, isso, aquilo. Eu não, já não
penso muito nisso, penso mais em estudar, fazer faculdade, tentar
conseguir um bom emprego, essas coisas. (Jovem mulher, Org2)
Porque eu tinha a visão igual a dos meus colegas, assim, eu já pensava
em trabalhar, essas coisas, mas também gostava muito de passear, sabe?
(Idem).
Outros estudos afirmam a lógica que se inscreve na fala dessa jovem: diferenciar-se
dos “outros” jovens dando um maior sentido de responsabilidade para a sua própria
vida em detrimento do que seria o comportamento típico da juventude 36.
A relação com o tempo também pareceu bastante modificada diante da experiência
de trabalho formal; muitos dos jovens apontaram que as relações com familiares,
amigos e a escola foram transformadas diante da diminuição do tempo livre em
decorrência do trabalho e da formação teórica nas instituições. Em alguma medida,
a questão do tempo despendido nas atividades de formação teórica e prática reduz
os espaços de convivência familiar e transforma a relação com a escola.
Uma das entrevistadas da Org4 deixa essa questão explícita em sua fala:
36
Uma análise mais aprofundada dessa questão pode ser encontrada em Corrochano, 2008.
97
Pergunta: E depois que você começou a fazer esse curso, como ficou sua
relação com a família? Teve alguma alteração?
Resposta: Fiquei bem mais distante. Antigamente eu ficava bem mais em
casa, não era tão ocupada, não tenho tempo. Principalmente agora, no
final do quarto termo, não tenho tempo de sair, nem quando meus pais me
chamam não posso mais. Estou sempre trancada no quarto fazendo
trabalho, ou dormindo, porque chego morta de cansaço. E me afastei.
P: E com a escola, teve alteração?
R: Total. Eu era bem mais aplicada na escola. Eu ainda tiro notas azuis,
mas não são as mesmas que tirava quando eu não fazia [aprendizagem].
E como são as duas coisas, a gente tem que priorizar alguma coisa e
acabou priorizando o [Org4], não tem jeito. Acabo me dedicando mais ao
[Org4] e deixando a escola meio de lado. (Jovem moça, Org4)
Percebe-se que há uma extensão significativa na jornada dos jovens que participam
de atividades de formação de aprendizes. Os relatos que relacionam a inserção na
aprendizagem à mudança das relações não apenas com a escola formal, mas
também com familiares, levantam a discussão sobre o direito à vivência familiar e à
Agenda Nacional para o Trabalho Decente da Juventude (MTE, 2010). Os jovens
têm o direito ao trabalho e esse direito deve ser garantido e articulado aos outros
âmbitos de sua vida – a família e o acesso à educação formal são dois desses
elementos.
Um dos entrevistados da Org2 enfatizou que a sua família foi importante para decidir
sobre o ingresso na aprendizagem. Ele já trabalhava antes da inserção no projeto,
mas buscou a aprendizagem porque o seu antigo emprego não oferecia
possibilidades de crescimento profissional. No entanto, tornar-se aprendiz
representou uma diminuição da sua renda mensal e o apoio da família foi
fundamental para que ele decidisse arcar com o ônus de receber um salário um
pouco mais baixo para ter oportunidades futuras de emprego.
De certa forma, essa preocupação com oportunidades futuras que está presente nas
falas dos jovens aprendizes apresenta uma perspectiva diferente daquela
geralmente associada à juventude, que os enxerga como excessivamente
preocupados com o presente (Tartuce, 2007).
Relatos sobre formação e trabalho
As informações coletadas especificamente sobre a formação realizada pelas
instituições pesquisadas apontam para diferentes propostas de trabalho que se
98
materializam em análises distintas dos jovens sobre cada uma das experiências. No
entanto, há aspectos que podem ser apresentados como comuns a todas as
entrevistas com os aprendizes, sobretudo aqueles relacionados às queixas dirigidas
às práticas formativas.
A jovem entrevistada na Org1 declarou preferir o conteúdo do curso ao trabalho
realizado na empresa que a contrata. Se a princípio ela havia pensado que as
atividades do curso seriam parecidas com as da escola (que, em sua opinião, seriam
desestimulantes), as práticas concretas a agradaram:
Do [Org1], na verdade, eu não esperava muito... Eu esperava que fosse
um curso mais de ter apostila, fazer lição de casa... E foi totalmente
diferente, uma coisa que a gente faz aqui na sala mesmo, acaba na sala e
poucas vezes tem algum trabalho que você tem que fazer e depois trazer
(...). Achava que ia ser aquela coisa de apostila, fazer lição de casa, que
nem escola. Não foi, foi bem melhor. (Jovem mulher, Org1)
O curso de formação da Org2 foi definido pelo jovem rapaz como um “complemento”
para aprender o que se pode fazer ou não no mercado de trabalho. Seja para
conhecer como se portar seja para saber como deveria ser a comunicação oral e
escrita. Já a jovem entrevistada na organização destacou a possibilidade de diálogo
entre os jovens e a instituição. Segundo ela, há abertura para que os jovens
aprendizes indiquem as questões que os desagradam para que sejam feitas
mudanças no processo de formação:
A gente deu várias opiniões, sabe? Muita gente se juntou e a gente falou
que poderia ter aulas mais dinâmicas, poderia ter passeios, aí tudo isso
eles forneceram pra gente, a gente já foi em museus, em vários lugares.
(Jovem mulher, Org2).
O pequeno número de aprendizes nessa organização e a relação anterior
estabelecida com a maioria das moças e rapazes na aprendizagem ajudam a
construir certa percepção de que o programa de aprendizagem da instituição tem,
em alguma medida, um ambiente que permite aos jovens maior familiaridade com a
instituição – relação que não foi percebida nas outras organizações visitadas. Essa
percepção é explicitada não só pela coordenadora e educadores ouvidos, mas
também pelos jovens:
Eu acho que foi essencial o curso no [Org2] pra mim, acho que me ajudou
muito, muito. Eu só tenho a agradecer. (Jovem mulher, Org2)
99
Isso parte da gente né, pensar em coisas pra melhorar. Eles dizem isso,
muito pra gente. Que a gente pode dar nossa opinião para estar
melhorando o [Org2] cada vez mais. (Idem)
Já fazia outros cursos aqui do [Org2] que é curso da instituição. Minha mãe
também, que é conhecida do [Org2]. (Jovem rapaz, Org2)
Os jovens ouvidos na Org3 afirmam que as atividades de formação que mais os
agradam são aquelas que proporcionam o uso de metodologias para além da aula
expositiva; a jovem moça afirmou que as gincanas sobre conhecimentos gerais eram
as atividades mais divertidas e produtivas. A exibição de filmes também foi
considerada um aspecto louvável das atividades de formação. O jovem rapaz, por
sua vez, valorizou o curso e a experiência na Org3 enquanto espaço de
sociabilidade e convivência com outros jovens.
Alguns entrevistados declaram que há a possibilidade de participação em atividades
que não concernem diretamente à experiência da aprendizagem. Na Org4, um dos
jovens participa de um processo de treinamento para as “Olimpíadas” da instituição,
que tem etapas estaduais e nacional e congrega competições relacionadas aos
cursos de formação da instituição. O treinamento é diário e ocorre no período oposto
ao do curso de aprendizagem. Vale dizer que a participação do jovem na formação
para as Olimpíadas só é possível porque o seu contrato de trabalho prevê a
experiência prática, na empresa, apenas durante o período de férias escolares.
Ainda, a entrevistada da Org4 elogia os professores e valoriza o contato frequente e
a cooperação entre professores e aprendizes que ocorre no cotidiano da
aprendizagem. Ao que parece, essa organização se propõe a estruturar as
atividades da aprendizagem a partir de uma dinâmica bastante parecida com a da
escola – não apenas pela divisão dos dois anos de aprendizagem em módulos, mas
também pelas formas de avaliação dos jovens, que são diferenciadas daquelas das
outras instituições e remetem a processos avaliativos do ensino regular (provas com
conteúdos estudados ao longo do semestre).
Se há aspectos relacionados aos cursos de formação que são considerados
positivos pelos jovens, eles problematizam outras questões também relacionadas às
atividades executadas pelas organizações.
100
A exibição de filmes parece ser algo comum nas atividades de formação dos
aprendizes37 e não é necessariamente mal avaliado pelos aprendizes. No entanto,
uma das críticas de um jovem vinculado à Org1 é a utilização de filmes como “tapaburaco” do programa de formação: na maior parte das vezes, eles assistem aos
filmes quando as turmas de aprendizes ficam sem instrutores. É interessante notar
que essa foi uma percepção apresentada pelos jovens; ou seja, eles não apenas
estão atentos às atividades como se preocupam com as questões debatidas no
âmbito da aprendizagem.
Outro aspecto levantado é o fato de um curso de formação não discutir questões
diretamente relacionadas ao trabalho desenvolvido nas empresas. Se a formação da
Org2 é, segundo um jovem entrevistado, uma complementação à vivência no mundo
do trabalho, a outra entrevistada indica que essa complementação não inclui
aspectos mais objetivos da formação:
Eu acho que colocaria alguma coisa mais relacionada à administração,
alguma coisa que focasse a área de trabalho que a gente tá mesmo.
(Jovem mulher, Org2)
Os dois entrevistados da Org4 informam que as atividades teóricas da
aprendizagem são as partes menos interessantes da formação de aprendizes; o
jovem rapaz entrevistado contemporiza diante da constatação que a parte teórica do
curso instrumentaliza os aprendizados práticos adquiridos na oficina da instituição. A
jovem moça ainda critica o excesso de regras estabelecidas pela instituição que
ordenam o cotidiano dos aprendizes.
Podiam fazer uma análise das regras, ver o que a gente realmente usa e
tirar o que a gente está só perdendo tempo. (Jovem mulher, Org4)
Para além das questões relacionadas aos conteúdos debatidos na formação e às
estratégias de trabalho desses mesmos conteúdos pelas organizações, alguns
jovens levantaram críticas a questões de ordem estrutural. O aprendiz da Org2
observou que o horário da formação, que se realiza em período integral (das 8h às
17h), é cansativo e poderia ser dividido em duas etapas para um melhor
aproveitamento das discussões.
37
A utilização de filmes é bastante comum e chega a ser coincidente entre as instituições formadoras: nas
visitas de campo pudemos observar duas organizações, que trabalhavam com materiais de apoio distintos,
discutirem o mesmo filme com os jovens aprendizes.
101
A despeito dos questionamentos, a experiência com a aprendizagem parece ser
superior às expectativas dos jovens antes de iniciada a experiência:
Olha, eu encontrei o que eu esperava. Eu acho que foi melhor do que eu
esperava, porque eu não sabia que eu ia ser efetivada. Isso é muito legal
pra todo mundo eu acho que todo mundo entra aqui e diz, ai eu quero ser
efetivado, eu quero ser efetivado, alguns acabam não sendo e outros
acabam sendo. Mas eu fiquei muito feliz quando eu soube e eu gostei, eu
acho que pra mim foi ótimo porque, antes eu era bem mais tímida. Eu não
falava muito a minha opinião. Agora eu comecei a expor ela a falar sobre o
que eu penso. (Jovem moça, Org2)
Eu acho que é bem melhor [do que esperava]. Eu imaginava que o Org4
fosse bem mais chato, rigoroso. Na verdade a gente que está lá fora como
aluno vê isso aqui como colégio militar. Org4, jamais. Mas depois que eu
entrei você vê que não, que é só seguir umas coisas básicas... Você tem
que se esforçar bastante, mas dá para passar. (Jovem moça, Org4)
Eu achei que não ia entender muita coisa, e acabei entendendo bastante.
Quando você está no primeiro, segundo, terceiro termo [semestre], você
acha que não está entendendo nada. Mas quando você chega no quarto
termo e usa tudo aquilo você vê que você aprendeu sim. Deu pra entender
tudo. (Idem)
Ainda, as práticas de avaliação relatadas pelos jovens indicam que as instituições
formadoras têm a preocupação em informar a eles as impressões acercas do seu
aproveitamento no curso, utilizando-se das atividades realizadas em todos os
encontros ou por meio de avaliações mais tradicionais. E se há a preocupação em
avaliar o comportamento e o aproveitamento do jovem por parte da instituição
formadora, os jovens não relatam momentos em que podem avaliar o seu próprio
trabalho ou apresentar suas impressões sobre o curso de formação.
Na prática – percepções sobre as experiências nos locais de trabalho
As experiências contadas pelos jovens relacionadas às atividades que realizam em
seus respectivos locais de trabalho são distintas, assim como as impressões sobre
os cursos de formação. O jovem rapaz entrevistado na Org1 afirmou gostar do seu
trabalho e relatou que a sua experiência como aprendiz tem influenciado a escolha
do curso superior que ele pretende cursar. Há ainda, por parte desse aprendiz, uma
expectativa de efetivação após o cumprimento do contrato de aprendizagem.
Já a jovem da mesma organização contou que esperava mais do que efetivamente
aprendeu em sua experiência de trabalho. Ao longo dos quase dois anos em que
102
atuava como aprendiz, ela informou ter exercido praticamente as mesmas
atividades:
(...) Pra mim não tem por que você ficar dois anos fazendo uma coisa só,
sendo que tem outras coisas pra você conhecer. Então, foi o que eu
desanimei no meu trabalho. (Jjovem moça, Org1)
Os jovens entrevistados na Org2 mostraram-se satisfeitos com as atividades
realizadas em seus respectivos espaços de trabalho. A moça entrevistada havia sido
efetivada no período da pesquisa e o rapaz tinha esperanças de ser efetivado em
breve. Ele ainda ressaltou que a empresa onde é aprendiz “trabalha certinho”: paga
os funcionários em dia. A preocupação com esse tipo de questão pode revelar que
os tipos de contratos a que estavam submetidos esses jovens nas experiências
anteriores de trabalho, informais, não garantiam uma regularidade salarial.
A Org4 estabelece possibilidades distintas para a experiência da aprendizagem nas
empresas. A formação oferecida pela instituição é diária. Alguns jovens articulam a
formação diária a idas diárias às empresas que os contrataram, mas isso geralmente
ocorre com aqueles que já concluíram o Ensino Médio. Dos dois entrevistados nessa
organização, a moça não havia conseguido uma empresa para trabalhar como
aprendiz, participando apenas da formação na instituição, e o rapaz era contratado
pela empresa e trabalhava em suas instalações apenas durante as férias escolares
– ao longo do ano letivo, ele recebia o salário e participava da formação na
instituição. Esse mesmo jovem declarou que trabalhar na empresa era interessante
por proporcionar o convívio com experiências diferentes das vivenciadas na
instituição formadora:
Aqui seria mais um aprendizado, lá já você pega a experiência das
pessoas. (Jovem rapaz, Org4)
Um aspecto citado pelos profissionais que atuam nas instituições formadoras, o
desvio de função, não apareceu nos relatos dos jovens quando incitados a comentar
as experiências nas empresas. Isso não significa que essa seja uma questão
perceptível apenas aos olhos dos gestores, ou que os jovens efetivamente não se
queixem de momentos em que são orientados a desempenhar atividades que não
correspondem às atribuições estabelecidas no contrato de aprendizagem. Mas
indica que os jovens podem construir relatos diferentes quando incitados a contar
103
suas percepções sobre a aprendizagem para os coordenadores das instituições
formadoras e para uma pesquisadora.
Uma questão de gênero
Um relato que chamou a atenção foi concedido por uma das jovens entrevistadas na
Org4, que estava no último período do curso de formação e não havia tido nenhuma
experiência com empresas. Especificamente no caso dela, uma das dificuldades em
conseguir uma colocação foi o fato de ser mulher; aluna do curso de eletricista de
manutenção, ela aponta que são poucas as oportunidades para mulheres na área:
Pesquisadora: - E você chegou a ser colocada em alguma empresa nesse
período em que estava aqui ou você quis só fazer o curso?
Entrevistada: - Eu fui numa entrevista, mas depois que passou um certo
tempo eu vi que realmente era muito pesado. Para menina é muito mais
complicado ir para uma empresa do que para os meninos. A maioria das
empresas não tem instalações femininas.
- Não tem banheiro feminino?
- Isso.
- Então as meninas têm mais dificuldade de arrumar emprego nessa área?
- Sim.
- E isso que você está falando é uma coisa que você vê ou alguém te
falou?
- Não, isso é uma coisa que a gente vê a todo tempo, vivenciou, e que em
todo termo [semestre] a gente vê isso. Que a cada 10 meninos que
conseguem uma empresa, uma menina consegue. É isso, mais ou menos.
(Diálogo entre pesquisadora e entrevistada, Org4)
Ainda com relação às distinções entre as oportunidades de emprego para homens e
mulheres nas áreas trabalhadas pela instituição, vale ressaltar a fala de um dos
instrutores entrevistados. Questionado se havia mais homens ou mulheres na
escola, o educador informou a existência de uma maior presença masculina e a
justificou a partir das áreas trabalhadas pela instituição:
Por causa dos cursos que são voltados mais para a área de
eletroeletrônica e mecânica. [...] a escola que eu estava no interior de São
Paulo está na capital do alimento: Marília. Então a maioria dos alunos são
meninas. Por quê? Porque era voltado para a área do alimento. Agora,
aqui, como é voltado para a área industrial, temos mais meninos do que
meninas. (Instrutor, Org4)
O instrutor parte de uma perspectiva que divide as áreas de conhecimento e atuação
profissional entre aquelas que seriam mais propícias a mulheres e outras que seriam
mais favoráveis aos homens. Ainda que esse mesmo ponto de vista seja
104
amplamente aceito e até mesmo constitua um articulador de uma menor demanda
de mulheres e homens por determinadas áreas de conhecimento 38, é importante
ressaltar que existe, já há algum tempo, uma rica produção teórica que busca
desnaturalizar as distinções entre o que se percebe como “masculino” e “feminino”.
Em outras palavras, há a defesa de que as diferenças apontadas como inatas entre
mulheres e homens são construções culturais39.
3.4. Projetos de futuro
Os jovens inseridos em processos de formação de aprendizes apresentam a
intenção de permanecer no mercado de trabalho após a experiência com a
aprendizagem e dar continuidade à educação – seja concluindo o Ensino Médio,
seja ingressando na universidade.
Essa tentativa de conciliar os estudos ao trabalho apareceu como uma tendência
também entre os jovens egressos entrevistados na etapa da pesquisa realizada em
São Paulo e Fortaleza. Os dados referem que a maior parte dos egressos trabalha e
possui carteira assinada, o que indica uma inserção no mercado formal de trabalho,
e estuda – boa parte deles em escolas particulares de ensino superior.
O jovem entrevistado na Org2 observa que a aprendizagem estimulou o
planejamento para o ingresso no ensino superior. Nessa mesma fala, ele levanta
aspectos também relacionados à aprendizagem e mais subjetivos – sentir-se
importante, por exemplo:
Eu me senti mais importante sabe? Você entra de [roupa] social (...). Dar
valor a uma profissão, pegar uma profissão antigamente se falava “ah,
quero dinheiro”, agora eu só quero uma profissão, fazer o curso superior
que eu acho que é bastante importante hoje em dia tem que ter, o que
mudou pra mim foi isso, eu dei mais valor ao curso superior e à profissão.
(Jovem rapaz, Org2)
38
Cabe ressaltar que não realizamos uma investigação sobre uma eventual menor demanda feminina à
aprendizagem na Org4. Sabe-se apenas que a presença de mulheres é inferior à participação dos homens nas
atividades de formação. Tendo em vista que a maior parte dos jovens é encaminhada para a aprendizagem
pela própria empresa que os contratou, o gargalo à entrada das jovens moças nas atividades ligadas a este
setor pode ser não a falta de demanda das mulheres, mas o próprio processo de contratação no interior das
empresas.
39
Ver: Rubin, 1975; Franchetto et al, 1981; Scott, 1986.
105
A aprendizagem seria uma experiência que proporciona alteração da visão de
mundo e ampliação de perspectivas relacionadas não apenas a oportunidades
outras de trabalho, mas também a acesso ao ensino superior:
O meu modo de ver o mundo era diferente porque eu não me preocupava
muito com relação à sociedade em si, em relação a todo mundo. Eu me
preocupava mais com a minha vida, achava que o meu mundo era só
aquele. Aí eu descobri que tem esse negócio de trabalhar, de fazer
faculdade, essas coisas assim, eu nunca tinha muito contato com esse tipo
de coisa. (Jovem moça, Org2)
Uma das entrevistadas na Org4 descreve os seus planos de futuro posteriores ao
curso da aprendizagem e já indica caminhos para a consecução desses mesmos
planos – por exemplo, o Enem, que é possibilidade de acesso ao ensino superior:
Vou tentar arrumar um emprego, pretendo prestar uma faculdade, vou
estudar bastante para o Enem, prestar o vestibular... (Jovem moça, Org4)
Outro entrevistado da mesma organização pretende ser efetivado pela empresa e
fazer um curso técnico após a experiência de aprendizagem. No entanto, esse curso
é uma etapa anterior à universidade, que também está nos planos do entrevistado.
Esse mesmo percurso – emprego, curso técnico e faculdade – foi delimitado por
uma das entrevistadas na Org3, que vê nesse caminho a possibilidade de criar
condições para acessar o ensino superior:
Trabalhar muito, estudar muito, fazer cursos profissionalizantes até chegar
onde você quer, fazer faculdade, ganhar um salário bom pra fazer uma
faculdade (...). Pra mim é por aí. (Jovem mulher, Org3)
Em pesquisa anterior com jovens40, identificamos que o curso técnico é muitas
vezes entendido como estratégia para conseguir uma melhor colocação no mercado
de trabalho e, a partir daí, acessar a universidade. Além disso, a universidade que
está nos planos é sempre a vinculada ao ensino privado, tendo em vista que é
relacionada à procura por empregos que ofereçam melhores salários – e
proporcionem, assim, o pagamento de mensalidades.
Percebe-se que a fala dos jovens remete à presença de uma expectativa positiva
diante do futuro que se articula à experiência com a aprendizagem, mesmo quando
o jovem não sabe, objetivamente, de que maneira a aprendizagem pode ajudar:
40
Pró-Menino: trajetos e projetos. Relatório de pesquisa. São Paulo, Ação Educativa e Fundação Telefônica,
2011.
106
Pergunta: Você acha que sua participação aqui no [Org1] provocou alguma
mudança na sua vida em alguma coisa ou você acha que foi igual?
Resposta: Continuou igual, mas vai mudar mais pra frente, vai ser uma
coisa que vai evoluir, vai ser pro futuro, o futuro vai mudar muito, vai mudar
muito. (Jovem rapaz, Org1)
Abramo (2005) já apontava que os jovens são bastante otimistas com relação ao
seu futuro, questão que pode ser observada na fala do entrevistado. Se por um lado
há certa dificuldade em formular os aspectos que sofreram mudanças após a
experiência como aprendiz, em outros momentos é possível perceber um discurso
que explicita a elaboração de projetos de futuro diante de perspectivas criadas com
a participação no programa de aprendizagem.
O mesmo jovem apontou que está em vias de ser efetivado na empresa onde é
contratado como aprendiz. Em sua fala, a efetivação e o consequente aumento de
salário seriam essenciais para o acesso ao seu projeto de futuro mais urgente, o
ensino superior:
Se não me efetivarem vou ter que procurar outra coisa, porque eu quero
começar a faculdade logo; sem o dinheiro da efetivação, um dinheiro bom,
não vai ter como eu começar a faculdade. Você pode até começar a
faculdade, mas não vai ter dinheiro mais pra nada. (Jovem rapaz, Org1)
Diante da constatação que a busca pelo acesso ao ensino superior está presente no
planejamento dos jovens e chega a ser uma das motivações para que permaneçam
empregados, vale dar atenção a esse aspecto em eventuais análises futuras com
egressas e egressos das políticas de aprendizagem, questionando se a elaboração
de um plano para o acesso ao ensino superior significa um acesso efetivo. A
pesquisa realizada com jovens egressos em São Paulo e Fortaleza indica uma
quantidade significativa de jovens que afirmaram estar matriculados em faculdades.
107
Conclusões e recomendações
A investigação com os jovens egressos de programas de aprendizagem teve como
objetivos analisar o perfil social dos jovens atendidos pela Política de Aprendizagem
Profissional, identificar a experiência formativa dos jovens aprendizes tanto na
empresa como nas instituições formadoras durante a vigência do contrato e, por fim,
investigar as condições de inserção dos aprendizes egressos no mercado de
trabalho.
A coleta de dados nas organizações formadoras de jovens aprendizes levantou
questões que foram recorrentes e possuem relevância se procuramos pensar a Lei
da Aprendizagem enquanto política pública para a inserção de jovens no mundo do
trabalho.
A seguir apresentaremos os principais resultados e recomendações sobre o
aprimoramento da política de aprendizagem para delimitar as questões que
merecem maior cuidado em futuras intervenções e projetos de pesquisa.
Recrutamento e seleção de jovens aprendizes
 Ampliar os canais de divulgação da política em espaço públicos como
escolas, centros de juventude e centros públicos de emprego e renda.
Na
pesquisa identificamos que os principais canais de informação sobre a Lei do
Aprendiz são as redes informais compostas por familiares e amigos;
instituições como escolas e programas sociais são poucos citados pelos
jovens entrevistados;
 Ainda com relação ao recrutamento e seleção de aprendizes, os relatos
apontaram que mesmo dentro das contratações realizadas por meio da Lei da
Aprendizagem funcionam mecanismos informais de seleção, seja por meio de
indicação de parentes e amigos, seja pela facilitação no processo a jovens já
vinculados às organizações. Sobretudo nesse último caso, observa-se a
formação de uma “fila dupla” para as vagas da aprendizagem, constituída por
jovens que não são aprendizes e não recebem ajudas de custo, mas
participam das atividades de formação e, assim, têm preferência para futuras
108
vagas. A utilização de mecanismos informais de seleção e a constituição
dessa dupla forma de seleção, que contempla jovens que se dispõem a
participar dos processos de formação sem um posto efetivo de aprendiz,
demonstra que essa política – que deveria ser universalizada – tem espaço
para discricionariedade e limitação de público. É fundamental problematizar
essas questões tendo em vista a necessidade de buscar uma efetiva
universalidade da política garantindo o seu acesso por outros meios que não
as redes familiares e de sociabilidade.
Empresas
 O número de jovens contratados como aprendizes no Brasil ainda está abaixo
do potencial de contratação estabelecido pela cota mínima de 5% do quadro
funcional das empresas. Aumentar os mecanismos de fiscalização nas
empresas, instituir um processo mais amplo e qualificado de credenciamento
das instituições formadoras e diversificar as estratégias de divulgação da
política de aprendizagem são medidas fundamentais para aumentar o número
de jovens aprendizes.
 Diante do relato de que algumas empresas preferem pagar a multa por não
terem um mínimo de 5% de funcionários aprendizes do que contratarem
jovens em situação de aprendizagem, é fundamental garantir a essas
empresas um maior acesso a informações relacionadas à aprendizagem – por
meio de palestras e materiais de formação. A visão refratária diante da
inclusão de jovens aprendizes pode ser resultante de falta de informação
sobre essa modalidade de contratação.
 Uma das coordenadoras entrevistadas na visita às entidades formadoras
considerou um fato da própria aprendizagem o descumprimento, por parte
das empresas, de acordos previamente estabelecidos entre empresas e
entidades formadoras e embasados por lei. Podemos supor que a
relativização do descumprimento da lei resulta da sua recorrência na relação
entre empresas e organizações formadoras. É importante procurar maneiras
de trabalhar junto às empresas, por um lado, para buscar a reafirmação da
normativa relacionada à aprendizagem e também atuar com as organizações
109
formadoras tendo em vista a necessidade de articular a relação entre estas e
as empresas que contratam os aprendizes.
 O desvio de função de jovens aprendizes se insere na necessidade de
repensar as relações entre empresas e organizações formadoras. Ainda que
não tenham sido apontadas pelos jovens entrevistados, funcionários e
coordenadores das organizações relataram situações em que aprendizes são
encaminhados para desempenhar funções que não as previamente
estabelecidas pelos contratos. No entanto, observou-se que não há um
procedimento padrão para lidar com esses casos. Nesse sentido, cabe
debater o desvio de função com as organizações formadoras visando
construir protocolos de procedimento que articulem o diálogo com as
empresas à necessidade de manutenção de uma boa relação entre
formadoras e empregadores. Ainda, a flexibilização das atividades dos jovens
aprendizes parece ser uma questão relevante a ser trabalhada junto às
próprias empresas – não apenas pelas organizações formadoras, mas
também
pelos
órgãos
públicos
responsáveis
pela
fiscalização
da
aprendizagem.
Entidades formadoras
 Há um problema com relação à fiscalização da qualidade da formação
profissional ofertada pelas entidades formadoras. Indicativo da ausência de
fiscalização é o fato de que, dos 277 jovens entrevistados que concluíram o
programa de aprendizagem, 30% deles não receberam certificado.
 Diante da limitação do “sistema „S‟” em absorver a demanda de jovens
aprendizes, as entidades assistenciais têm construído uma participação cada
vez mais significativa nas etapas de formação na aprendizagem. Assim, é
necessário garantir um referencial comum mínimo entre os diferentes
processos de formação – vinculados ou não ao “sistema „S‟”.
110
Condições de trabalho
 O baixo valor do salário foi indicado pelos jovens entrevistados como o
aspecto mais negativo da Lei da Aprendizagem. O valor médio recebido pelos
jovens aprendizes varia entre meio e um salário mínimo, pouco atrativo para
manter o jovem durante um ou dois anos no processo formativo. Tanto é
verdade que a maioria dos jovens que saíram do programa de aprendizagem
o fizeram devido a uma oportunidade melhor de trabalho.
 A aprendizagem aparece, em suas falas, como um momento altamente
transitório não apenas pelo seu tempo – que é limitado pela normativa – mas
também pela sua condição de limitadora de projetos futuros ligados à
necessidade de uma melhor remuneração. O ensino superior, por exemplo, é
vinculado à efetivação ou procura por outro emprego – haja vista que o
acesso à faculdade se limita, para esses jovens, ao ensino superior privado; a
universidade pública não aparece nos relatos.
 Os relatos dos jovens ouvidos nas visitas às organizações formadoras
referem uma longa duração das jornadas de trabalho, muitas vezes aliadas à
educação formal e ao curso de formação. Se a experiência com a
aprendizagem deve garantir ao jovem uma articulação entre escola e trabalho
e assegurar o direito à vida familiar, é necessário problematizar a elevada
jornada de trabalho na aprendizagem – que não parece promover essa
mesma articulação de forma razoável e não prejudicial a nenhuma das partes.
Inserção no mercado de trabalho
 Ainda que os jovens avaliassem os programas de aprendizagem profissional
como uma experiência que facilita a inserção no mercado de trabalho, 30%
dos egressos contatados não estavam trabalhando no momento da pesquisa,
o que parece sinalizar a importância do desenvolvimento de uma política mais
ampla de geração de emprego e renda para as jovens gerações.
111
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