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II FÓRUM MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
Democratização, emancipação e sustentabilidade
Florianópolis, 28 de maio a 1 de junho de 2012.
TRABALHO E EDUCAÇÃO NUMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA
Moacir Gadotti
Diretor do Instituto Paulo Freire
Professor Titular da Universidade de São Paulo
Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos, preocupados e
comprometidos, possa mudar o mundo. De fato, é só isso o que tem
mudado”. Margaret Mead.
Quero inicialmente felicitar o Comitê Organizador, a Secretaria Executiva e o Conselho
Internacional do FME-PT. O Fórum Mundial Educação (FME) já conquistou um espaço próprio na
luta pelo direito à educação no mundo, dentro desta nova cultura política de auto-organização
proposta pelo Fórum Social Mundial. Este segundo FME-PT é resultado da convergência de
muitas pessoas, organizações e movimentos, com apoio do poder público democrático. Parabéns
e obrigado pelo convite.
O I FMEPT, realizado em Brasília em 2009, colocou no item 8 da sua agenda (Carta de
Brasília): “validar e reconhecer os saberes tácitos construídos no trabalho e nas relações da vida”.
Como resultado concreto dessa agenda, em muitos Institutos Federais de Educação, foi criada a
Rede “Certific” de certificação de saberes adquiridos ao longo a vida, demonstrando a capacidade
do FME de incidir politicamente.
O FME luta pelo direito à educação emancipadora contra a mercantilização da educação,
como está na sua Plataforma. O neoliberalismo concebe a educação como mercadoria, reduzindo
nossas identidades a de meros consumidores, desprezando o espaço público e a dimensão
humanista da educação. O FME tornou-se um espaço plural de aprendizagem, de sociabilidade,
de companheirismo, camaradagem, espaço do abraço e da celebração da diversidade. Mas
também um espaço público auto-organizado, de estudo, reflexão e articulação. Ele faz parte de
um processo maior que é o processo do FSM. Espaço próprio de reencantamento pela luta, luta
pelo direito à educação, pelos direitos humanos, associando pessoas e organizações em torno de
uma plataforma comum de lutas, com identidade própria, e especificidade, que é sua Plataforma
Mundial de Educação, aprovada em Nairobi, em 2007.
1. Perspectiva emancipatória
Há muita pesquisa e reflexão sobre o tema “trabalho e educação”. Existe, inclusive, um
Grupo de Trabalho da ANPEd (Associação Nacional de Pós-graduação em Educação), que
funciona desde 1986. Uma longa história. O grupo discutiu muito o “trabalho como categoria
central para entendimento da sociedade”, o “trabalho como princípio educativo” etc. Segundo esse
GT, o tema “trabalho” deveria ser conteúdo obrigatório de qualquer currículo pois ele é tema
fundamental na formação de qualquer profissional em qualquer nível de ensino.
A palavra “emancipar” vem de ex-manus ou de ex-mancipium. Ex (indica a ideia de
"saída" ou de "retirada") e manus ("mão", simbolizando poder). Emancipar seria então "retirar a
mão que agarra", “libertar, abrir mão de poderes”, significa "pôr fora de tutela". Ex-manus (foramão), significa “pôr fora do alcance da mão”. Emancipar-se é, então, dizer a quem nos oprime:
"tire a sua mão de cima de mim!". Emancipar-se é, então, conquistar liberdade, autonomia,
independência, não apenas política, mas também econômica. Não pode estar emancipado aquele
que passa fome, que não tem um teto, que não tem o que vestir.
No século XX o conceito de “emancipação” foi particularmente elaborado pela Escola de
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Franskfurt, ao lado do conceito de “razão comunicativa” (Jurgen Habermas). É a aposta de que a
emancipação humana encontra na razão seu fundamento – superação de conflitos pela
negociação e não pela guerra – e que a educação pode exercer um papel essencial na
transformação da sociedade. Adorno escreveu um livro com o titulo Educação e emancipação
(Adorno, 1995). Mais tarde, Erica Sherover-Marcuse, viúva de Herbert Marcuse, também da
Escola de Frankfurt, escreveu um livro muito apreciado por Paulo Freire, Emancipation and
Consciousness (Sherover-Marcuse, 1986), onde ela aproxima a teoria da emancipação e a teoria
da conscientização. Mesmo assim, Paulo Freire continuou usando a expressão “educação
problematizadora” em vez de “educação emancipadora”.
Encontramos esse adjetivo nas duas formas: “emancipadora” ou “emancipatória;
“emancipadora” refere-se mais a ação, educação, processo, práxis, prática, e “emancipatória”
refere-se mais à concepção, ideal, à teoria, princípios, avaliação, currículo, ética, potencial,
racionalidade, competência, conceito, concepção, perspectiva.
Por “perspectiva emancipatória” da educação entende-se a visão de que os processos
educativos precisam estar comprometidos com uma visão de mundo transformadora,
inconformada com um mundo injusto e insustentável em que vivemos. Por isso, uma perspectiva
emancipatória da educação e do trabalho deve desenvolver a capacidade de pensar criticamente
a realidade e promover a justiça e a solidariedade, fundada na ética, e respeitando a dignidade e a
autonomia do educando. Daí a importância estratégica do professor como intelectual
transformador e a escola como um espaço de contestação e de construção de uma visão crítica
da sociedade, formando para o exercício da cidadania desde a infância.
A educação pode ser entendida e praticada tanto como um processo de formação para
manter a sociedade quanto para transformá-la. Numa perspectiva emancipatória a educação é
entendida como problematização da realidade visando à sua transformação. A educação
emancipadora é o oposto da educação bancária, uma educação voltada para a fabricação de
mão-de-obra para satisfazer as necessidades do mercado.
Paulo Freire, em seu livro Pedagogia do oprimido (Freire, 1970), que chegou à sua 50ª
edição em 2011, opõe a educação problematizadora à educação bancária. Na concepção
bancária o saber dos educandos não é valorizado. Ao contrário, é desprezado como saber não
científico. Na concepção emancipatória (problematizadora) todos produzem conhecimentos e
todos aprendem juntos. Na concepção emancipatória respeita-se e valoriza-se a trajetória de vida
dos educandos. Nessa concepção, a educação é voltada para as necessidades dos sujeitos da
educação e não submetida aos ditames do mercado, às necessidades da produção voltada para o
lucro.
Na educação bancária não há leitura crítica da a realidade, não há desvelamento e
nenhuma inquietação ou investigação temática. Há sim, repetição, memorização. Aprende-se
mecanicamente o que é transmitido levando à passividade intelectual. Não há conhecimento
crítico, não há tomada de consciência da realidade. O ensino é verbalista, não dialogando com a
realidade do educando, com seus sonhos suas lutas, com o mundo da vida e o mundo do trabalho
ou com os “mundos do trabalho”, como afirma Eric Hobsbawn (1987).
Um Fórum como este, valorizando a perspectiva emancipatória da educação, contribui
também para a superação de uma concepção produtivista e mercantilista de Educação
Profissional e Tecnológica, uma concepção voltada só para a empregabilidade imediata, atrelada
ao lucro, à rentabilidade da empresa, sem considerar as necessidades humanas de exercício
pleno da cidadania no mundo do trabalho.
2. Trabalho e educação
Trabalho pode ser entendido como práxis, isto é, como atividade teórico-prática por meio
da qual os seres humanos se transformam transformando a realidade. O trabalho é a práxis,
social, cultural e produtiva, por meio da qual o ser humano transforma a natureza, adequando-a às
suas necessidades vitais, materiais e culturais. Esse valor de uso do trabalho foi transformado em
valor de troca pelo capitalismo, isto é, em mercadoria, empobrecendo, coisificando, embrutecendo
e desumanizando o trabalhador.
O trabalho realiza o homem, mas pode também aliená-lo (Antunes, 1999). Marx – o grande
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descobridor da lei universal do desenvolvimento humano – explicando a formação da mais-valia –
suplemento de trabalho que o capitalista não remunera e que é sua fonte de lucro, isto é, de
acumulação de capital – elabora o conceito de “trabalho produtivo” afirmando que, no modo de
produção capitalista “só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista,
servindo assim à sua autoexpansão”. Ele conclui afirmando que “ser trabalhador produtivo não é
nenhuma felicidade, mas azar” (Marx, 1980, vol 1, p. 584).
Na concepção de Marx o trabalho produtivo contrapõe-se ao tempo livre de trabalho. A
classe improdutiva, diz ele, dispõe de muito mais tempo livre, tempo para o ócio, pois a sua
existência material lhe é garantida pela divisão social do trabalho que torna o trabalhador, ele
próprio, uma mercadoria. Como mercadoria ele não possui valor em si. Seu valor deriva da
relação de troca.
Quando falamos do trabalho como princípio educativo o entendemos como valor de uso.
Nisso consiste o caráter formativo do trabalho. Como valor de troca ele não pode constituir-se com
princípio educativo (Kuenzer, 1989). O trabalho degradante não pode ser considerado educativo
nos termos em que entendemos o educativo, como emancipador. Como afirma Maria Ciavatta
(2011:42), “dependendo das condições de trabalho, dos fins a que se destina e da apropriação do
produto e dos processos que lhe são inerentes, o trabalho não é fonte de bem-estar, nem de
formação humana, mas de sofrimento e privação, e tem um sentido pedagógico para o capital do
ponto de vista de formar para a submissão às necessidades da acumulação”.
Como entender a relação entre trabalho e educação hoje, no contexto de uso intensivo de
novas tecnologias do conhecimento no processo produtivo?
Existem bons trabalhos que discutem essa questão (Kuenzer, 1991; Bruno, 1996; Frigotto,
org. 1997). Eles analisam em especial “as relações de produção e a educação do trabalhador”,
como o livro de Acácia Zeneida Kuenzer (1985). As transformações tecnológicas e a organização
do trabalho capitalista de hoje demanda das escolas um “novo tipo de trabalhador” (Ferretti e
outros, 1994). Daí o interesse crescente dos empresários para interferir nas políticas e reformas
educacionais. Diante da flexibilização da organização do trabalho, eles propõem que a escola
forme o trabalhador com mais capacidade de pensar, de tomar decisões e de trabalhar em equipe,
substituindo o taylorismo/fordismo (trabalho parcelado) pelo toyotismo (trabalho colaborativo). A
colaboração dá-se tanto na economia capitalista quanto na economia solidária; só que, na
primeira a colaboração é forçada e na segunda é voluntária.
Essas reformas sustentam a necessidade de uma formação geral, bem como científica e
tecnológica, que forme trabalhadores polivalentes para o mundo do trabalho, com habilidades
cognitivas e capacidade para processar e interpretar dados e informações, capacidade para
resolver problemas, trabalhar em equipe, expressar demandas etc.
Todos parecem concordar com isso e quando há consenso é fácil não perceber onde estão
as diferenças. No meu entender a diferença está exatamente na concepção de educação:
bancária ou problematizadora (emancipatória)? Trata-se de uma qualidade “social” ou uma
qualidade “total” da educação? É preciso qualificar de que educação e de que qualidade estamos
falando. Nós também defendemos a formação geral, técnico-científica, mas a partir de uma
perspectiva emancipatória e não da perspectiva da ideologia neoliberal. Faz diferença quando a
formação é crítica ou acrítica.
Concordamos que é preciso formar um trabalhador polivalente, capaz de adaptar-se no
mundo do trabalho, capaz de cumprir múltiplas e diferentes funções, ser autônomo, em oposição à
educação tecnicista, utilitarista e bancária. Entretanto, é preciso saber se formamos um
trabalhador crítico ou completamente despolitizado como querem organismos internacionais como
o Banco Mundial. É o que nos distingue dessas propostas. Também nos opomos à lógica das
competências voltada apenas para o mercado de trabalho, fragmentando o conhecimento: “a
preparação para o trabalho não é preparação para o emprego, mas a formação omnilateral (em
todos os aspectos) para compreensão do mundo do trabalho e inserção crítica e atuante na
sociedade, inclusive nas atividades produtivas, em um mundo em rápida transformação científica
e tecnológica” (Pacheco, org, 2012:9).
O neoliberais dizem que somos “utópicos” (Ioschpe, 2012) e nisso eles tem razão. Eles nos
acusam de que estamos politizando a educação quando eles também sabem que ela sempre foi
política. E, como não conseguem nos convencer do contrário, eles fazem de tudo para nos desviar
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do debate central que é a concepção de educação: para que, a favor do que, contra o que
educamos, para que projeto de sociedade. Não podemos cair nas armadilhas do neoliberalismo e
nos perder em debates – por mais relevantes que sejam – ora sobre o local da educação, se é na
escola ou fora dela (educação escolar versus educação não-escolar), ora sobre a modalidade da
educação (se deve ser presencial ou a distância), se a educação deve ser formal, não-formal ou
informal, profissional ou acadêmica. Não podemos nos desviar do foco, da causa que nos une.
Antes de mais nada devemos discutir a educação que queremos, a sociedade que queremos.
3. Trabalho e educação numa perspectiva emancipatória
Numa perspectiva emancipatória nenhuma reforma pode ser considerada de interesse dos
trabalhadores se não for elaborada com a sua participação. Os organismos internacionais,
particularmente o Banco Mundial, guardião dos interesses do grande capital, não incluem os
docentes como partícipes de suas propostas educacionais. Ao contrário, eles não só não são
consultados como desprezam o seu saber como inútil. Neoliberalismo e democracia participativa
não combinam. Neoliberalismo combina mais com mercantilização da educação.
As políticas neoliberais de educação consideram a escola como uma empresa e os
alunos como clientes, como consumidores. A ela eles aplicam ora o fordismo, ora o toyotismo.
Como a escola não é uma empresa a ela não se aplica nem o fordismo e nem o toyotismo. Esses
modelos de organização do trabalho capitalista não se aplicam ao processo educativo
emancipador pois esse não é um processo de produção de mercadorias e nem a escola uma
empresa a serviço do mercado.
Numa perspectiva emancipatória importa que a práxis educativa construa sujeitos
autônomos, pensantes, sujeitos capazes de autogovernar-se e de governar. Numa concepção
emancipatória, a educação para o trabalho visa a formar o “povo soberano” (Tamarit, 1996) desde
a mais tenra idade. É uma educação contra-hegemônica à concepção produtivista da educação
demandada pelo mercado. Não se trata de profissionalizar cedo as crianças e jovens. Trata-se de
formá-los integralmente, omnilateralmente, harmonizando estudo e trabalho, como na visão da
educação politécnica e omnilateral, preconizada por Marx que coincide com a visão de uma
educação crítica e e transformadora de Paulo Freire. Ressignificados, nos dias de hoje, em novos
contextos, esses conceitos são ainda muito atuais.
Em Marx o ensino politécnico ou tecnológico (Machado, 1989) deve se realizar na
síntese do estudo teórico e de um trabalho prático na produção, na construção dos conhecimentos
e das capacidades técnicas e científicas indispensáveis à compreensão do processo de produção,
pondo em evidência o caráter social do trabalho e estimulando a associação livre dos
trabalhadores, conceito mais tarde retomado por Pistrak (1981). Para ele o ensino politécnico
deveria ter por finalidade fazer compreender e viver a estrutura econômico-social e política. Ele se
opôs à especialização precoce. Para ele, o ensino politécnico, na perspectiva omnilateral da
educação, deve baseava-se no tripé: cultura geral (ensino intelectual), desenvolvimento físico e
aprendizado profissional (técnico-científico).
Sem essa cultura geral jamais um trabalhador como José Saramago, formado num colégio
industrial português e Nobel de Literatura, teria chegado onde chegou. Como diz Eliezer Pacheco,
que foi coordenador da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC de 2005 a
2012, “nosso objetivo central não é formar um profissional para o mercado, mas sim um cidadão
para o mundo do trabalho – um cidadão que tanto poderia ser um técnico quanto um filósofo, um
escritor ou tudo isso” (Pacheco, org. 2011:11). A escola precisa ser “unitária”, como dizia Gramsci,
formando para produzir e para governar, unindo estudo e trabalho, formação geral e específica.
Na educação elitista e classista a preparação para o trabalho é reservada só aos
trabalhadores, já que as elites são preparadas para o comando, para o governo. Para governar
dizia Aristóteles, não se precisa de muita ciência, basta saber usar o chicote. É uma educação que
invisibiliza e silencia o tema do trabalho, preparando os mais pobres para as atividades manuais e
a superexploração. Enquanto as elites são preparadas para governar, uma massa quase
analfabeta é preparada para a subserviência, com meia educação. No Brasil, como sustentava
Florestan Fernandes, as elites sequer realizaram a revolução burguesa que garantiria educação
para todos.
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Em sentido pleno, a educação omnilateral de Marx está para ser realizada e ela não virá
a não ser pelo trabalho a partir das contradições atuais da sociedade e da educação. Nesse
processo se aplica a máxima de Antonio Gramsci: “pessimismo da inteligência e otimismo da
vontade”. Ou, como dizia Paulo Freire, realizar o possível de hoje para fazer, amanhã, o
impossível de hoje, interferindo nas condições concretas de hoje, superando posturas fatalistas e
imobilistas. Ninguém espera que o capitalismo abra mão de sua visão autoritária e antiemancipatória de mundo. Seria incongruente.
A escola tem um potencial transformador que ainda não utilizou inteiramente em favor
das grandes reformas sociais e políticas que são necessárias para transformar a própria
educação. Ela guarda uma “autonomia relativa” (Georges Snyders, 1977) que pode servir de base
para uma perspectiva emancipatória. Não teria sentido falar de perspectiva emancipatória fora do
horizonte desta possibilidade. A escola não é um mero instrumento passivo nas mãos e a serviço
do Estado, do capital ou de qualquer outro poder externo, como sustenta Mariano Enguita em seu
livro A face oculta da escola (Enguita, 1989).
Creio que não podemos nem subestimar, nem superestimar o papel da educação no
mundo do trabalho. A educação não pode deixar de acompanhar o que acontece no mundo do
trabalho: sua evolução, o surgimento de novas ocupações, sua historicidade, seu tempo. Há uma
relação estrutural entre ambas pois é nestes dois espaços – o da educação e o do trabalho – que
se forma a classe trabalhadora. Por que essa cautela? Porque se a escola não gera
diferenciações e divisões na sociedade, não será ela que poderá unificar a sociedade e torná-la
mais justa, sem efetivos progressos na democratização econômica e política de uma sociedade.
Por outro lado, é preciso também admitir que, mesmo não sendo a educação a criadora da
cidadania, ela é indispensável para o seu exercício.
Na educação emancipadora ensino e aprendizagem fazem parte de um todo indivisível. A
educação não pode ser considerada apenas como aprendizagem. Na visão neoliberal a
centralidade na aprendizagem esconde a centralidade que é dada ao indivíduo, ao cliente que
acaba sendo o verdadeiro responsável pela sua aprendizagem. A educação não é mercadoria, é
um direito, e, por isso não pode ser limitada aos indivíduos que podem comprá-la. Esta é também
a visão de um certo empreendedorismo que joga a responsabilidade no indivíduo, seja no que se
refere à sua formação, seja no que se refere ao seu emprego.
Ao lado da centralidade na aprendizagem (Learning Society, Adult Leaning, Lifelong
Learning, Distance Leaning...) existe hoje a centralidade na avaliação em todos os níveis e
modalidades de ensino: do saber comum e universal dos anos 80 para o currículo único e
universal de hoje, como nos fala Miguel Arroyo em seu livro Currículo, território em disputa. Para
ele, o currículo “é o núcleo duro, sagrado, intocável do sistema escolar. Gradeado como todo
território sagrado, porque estruturante do trabalho docente” (p. 15) não reconhecendo “os saberes
do trabalho docente” e “o direito ao conhecimento produzido no trabalho” (p. 83). Na perspectiva
emancipatória, contrária a perspectiva bancária, encontram-se, hoje, as propostas de reorientação
curricular de muitas redes municipais de ensino e os projetos eco-político-pedagógicios de muitas
escolas.
A cultura escolar está sendo substituída, aos poucos, por uma cultura de auditoria própria
da economia. Na escola, o aluno não pode ser considerado um sujeito econômico, um consumidor
e nem os pais podem ser considerados como clientes. Nem a educação pode ser considerada
apenas pelos seus resultados como se ela tivesse metas quantitativas, em série, para cumprir,
como na indústria. O desenvolvimento humano tem outros parâmetros para ser medido.
4. Educar para outros mundos possíveis
O que os fóruns como este estão nos ensinando?
Os fóruns são territórios de autogestão. Eles desbancaram a descrença, o fatalismo
neoliberal e o pensamento único; despertaram a crença de que era possível mudar o mundo e
introduziram uma nova cultura política de escuta antes da disputa, priorizando a política sobre a
polêmica. Eles estão nos ensinando a educar para um outro mundo possível ou melhor, para
outros mundos possíveis – justos, produtivos e sustentáveis – já que diante da enorme
diversidade humana - uma grande riqueza - não pode existir apenas um modo dos seres humanos
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produzirem e reproduzirem a sua existência.
O que é educar para outros mundos possíveis? É educar para visibilizar o que foi
escondido para oprimir. A luta feminista, o movimento GLBT, o movimento ecológico, o movimento
zapatista, o movimento dos sem terra e outros, tornaram visível o que estava invisibilizado por
séculos de opressão. Por isso, podemos dizer que são movimentos de educação para um outro
mundo possível. Paulo Freire, entre outros, foi um exemplo de educador de outros mundos
possíveis, porque colocou no palco da história o oprimido, visibilizando o oprimido e sua relação
com o opressor.
Educar para outros mundos possíveis é educar para conscientizar, para desalienar, para
desfetichizar. O fetichismo transforma as relações humanas em fenômenos estáticos, como se
fossem impossíveis de serem modificadas. Fetichizados, somos incapazes de agir porque o
fetiche rompe com a capacidade de fazer. Fetichizados apenas repetimos o já feito, o já dito, o
que já existe. Educar para outros mundos possíveis é educar para a emergência do que ainda não
é, o ainda-não, a utopia. É também educar para a ruptura, para a rebeldia, para a recusa, para
dizer “não”, para “gritar” (Holloway, 2003), para sonhar com outros mundos possíveis.
O núcleo central da concepção neoliberal da educação é a “recusa inflexível ao sonho e à
utopia” (Freire, 1997:15). Por isso, uma educação para outros mundos possíveis é, sobretudo, a
educação para o sonho, uma educação para a esperança. É educar para os direitos humanos,
para a justiça social e para a diversidade cultural, contra o sexismo e o racismo. É educar para
erradicar a fome e a miséria. É educar para a sustentabilidade (Gadotti, 2009). Só assim
poderemos entender mais amplamente os problemas da desertificação, do desflorestamento, do
aquecimento da Terra, da água, do lixo e dos problemas que atingem hoje humanos e nãohumanos.
Finalmente, um fórum como esse deve preparar para a educação do futuro e o futuro da
educação, uma “educação voltada para o futuro” como nos diz o educador marxista Bogan
Suchodolski (1971), porque a realidade atual não é a única realidade possível e nem é uma
realidade imutável. O que fazemos é importante e precisamos saber valorizá-lo.
Uma grande batalha está se dando neste início do milênio no campo da educação numa
época de generalização da informação. Daí a importância do “trabalho imaterial” (Pochmann,
2002). O capitalismo cognitivo utiliza-se da generalização da informação para a acumulação. Tudo
virou capital e não é diferente com o conhecimento. Trata-se de uma batalha sem tréguas entre
um tipo de aprendizagem voltada apenas para o instrumental e o utilitário e uma formação éticopolítica para a cidadania ativa.
Numa visão emancipatória, devemos reconhecer, nesse processo, a justa análise de Marx:
as transformações sociais seguem as transformações no modo de produção e o modo de
produção se transforma com a transformação nos meios de produção. Ora, hoje o principal meio
de produção é o conhecimento que é a base da pesquisa, da inovação e da produção. E nós
trabalhamos justamente com o conhecimento. Finalmente a educação pode fazer alguma
diferença na mudança estrutural da sociedade.
Mas não é uma educação qualquer. Precisamos de uma educação transformadora,
emancipadora, que não interessa àqueles que se beneficiam hoje do modo de produção
capitalista, mas interessa às grandes maiorias excluídas dos benefícios do capitalismo. O direito a
uma educação emancipadora, como sustenta corretamente a Plataforma Mundial de Educação do
FME, é uma luta imprescindível e é por isso que nós, educadores e educadoras, também somos
imprescindíveis.
Numa época de uso intensivo de novas tecnologias da informação no trabalho, na escola e
na sociedade como um todo, a educação popular, problematizadora, emancipadora, torna-se mais
necessária do que nunca.
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