Catalogação: Cleide de Albuquerque Moreira
Bibliotecária/CRB 1100
Revisão: Elias Januário
Revisão Final: Karla Bento de Carvalho
Consultor: Luís Donisete Benzi Grupioni
Projeto Gráfico/Diagramação: Fernando Selleri Silva
Fotos: Elias Januário
Dados internacionais de catalogação
Biblioteca “Curt Nimuendajú”
CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA - 3º GRAU INDÍGENA. Barra do Bugres: UNEMAT, v. 3, n. 1, 2004.
ISSN 1677-0277
1. Educação Escolar Indígena I. Universidade do Estado de Mato Grosso II. Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso III. Coordenação-Geral de Documentação / FUNAI.
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DIRETOR DE ESCOLA INDÍGENA: UMA
CONQUISTA ENTRE OS BORORO
Bruno Tavie Bororo*
Ser diretor de uma escola indígena representa uma função
muito importante. Significa ser alguém que cuida da escola, tanto
interna como externamente, alguém que responde em nome da escola, que assina os documentos, que busca recursos junto à Secretaria
Municipal ou Estadual. Para nós, Bororo, é primeira vez que assumimos este cargo de diretor. É uma experiência nova, de grande importância, um desafio.
Com isso demos um novo passo e estamos firmes, embora
errando aqui e acertando ali. Queremos assumir com responsabilidade nossas próprias escolas. É um exercício diário pela autonomia,
é acreditar que somos capazes, para isso estamos nos esforçando,
buscando novos aprendizados. O curso 3º Grau Indígena tem nos
dado grande apoio para vencer mais esse desafio. A comunidade
Bororo agora está mais confiante em seus professores, está acreditando na capacidade deles.
* Professor Bororo, diretor da Escola Indígena Cadete Adugo Kuiare, município de
Santo Antônio do Leverger, MT. Acadêmico do 3º Grau Indígena.
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DIRETOR DE ESCOLA INDÍGENA: UMA CONQUISTA ENTRE OS BORORO
Vou relatar aqui um pouco da minha experiência como professor e agora como diretor da Escola Indígena Cadete Adugo Kuiare,
do povo Bororo, localizada na aldeia Córrego Grande, Terra Indígena Tereza Cristina, município de Santo Antônio de Leverger, Mato
Grosso, para que vocês possam conhecer o caminho que percorremos e os obstáculos que superamos nessa busca pela autonomia de
gerenciamento da nossa escola.
A população da minha aldeia é de aproximadamente 350
pessoas. Fica à margem direita do rio São Lourenço, a 120km da cidade de Rondonópolis. Esta aldeia é antiga e tradicional, surgiu antes mesmo do SPI e mantém até os dias de hoje as práticas sócioculturais, entre elas os rituais do funeral Bororo. A escola é mais recente, veio com o contato com os não-índios, surgiu como uma coisa
externa, com o objetivo inicial de nos ensinar sobre o mundo dos
brancos, de nos fazer conhecedores da cultura não-índia, de nos civilizar.
A escola, com o passar dos anos foi, mudando, foi melhorando, foi se aproximando mais da realidade da aldeia. Hoje temos uma
escola que podemos dizer que é nossa, que é específica, que atende às
nossas expectativas, que valoriza a nossa língua e a nossa maneira de
viver. Na escola temos 117 alunos matriculados, em turmas que vão
da 1ª à 7ª série. Somos ao todo dez professores indígenas lecionando
para esses alunos, oito estão fazendo faculdade, qualificando-se.
Fiz o curso de Magistério Indígena no Projeto Tucum, onde
comecei realmente a aprender sobre a educação escolar indígena diferenciada. O Projeto Tucum começou no ano de 1996, na aldeia
Meruri, sendo realizado no modelo de etapas intensivas e etapas intermediárias. Ao todo foram oito etapas, que se encerraram no ano
de 2000. Foi ao longo da formação de Magistério que comecei realmente a entender e a gostar do trabalho de educador.
No ano seguinte entrei para o curso superior no Projeto 3º
Grau Indígena, na Universidade do Estado de Mato Grosso, onde atualmente sou acadêmico. Na universidade tenho entendido com maior clareza o papel do professor indígena, da escola diferenciada, das
leis da educação escolar indígena, do currículo e da gestão de uma
escola. Tem sido muito importante para minha carreira profissional,
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
tenho aperfeiçoado a minha prática pedagógica e adquirido novos
conhecimentos.
A minha carreira como professor começou no ano de
1992, quando fui contratado pela Prefeitura de Santo Antônio de
Leverger para lecionar na escola da aldeia. Não tinha nenhuma experiência, mas tinha vontade de aprender. Participei de vários encontros de capacitação de professores da zona rural realizados pelo
município. Recebia também orientação das irmãs que moravam na
aldeia. Assim fui aprendendo. A educação indígena fui conhecer
mesmo no Magistério, alguns anos depois. Pouco entendia, tudo era
novo e desconhecido, a língua portuguesa era uma das grandes barreiras.
A minha escolha para diretor deve-se à minha dedicação e
responsabilidade no trabalho em sala de aula. A princípio, a comunidade não entendeu muito bem, até porque nossa escola indígena sempre foi dirigida pelas irmãs franciscanas, desde o ano de 1980. Por
esta razão houve dificuldades para aceitar que um professor Bororo
assumisse a direção da escola. Achavam que não íamos dar conta,
que não estávamos preparados, que a escola ia virar uma bagunça e
poderia até fechar. Alguns não-índios pensavam da mesma forma.
Explicamos à comunidade que era necessário, que era o momento, que era preciso um voto de confiança para os professores
Bororo, uma vez que a Secretaria de Educação estava disposta a contratar um diretor para a escola da nossa aldeia. Não foi fácil, mas
com o tempo comecei a conquistar a confiança dos pais, dos alunos e
dos colegas professores.
No dia-a-dia nos deparamos com coisas que são difíceis de
resolver, com documentos que exigem bastante atenção, mas temos
que encarar, assinar, resolver, decidir, e ter bastante clareza em tudo
o que se vai fazer. Isto significa responsabilidade e atenção no que se
faz. Foi preciso muita coragem para enfrentar as dificuldades do cotidiano.
O dia-a-dia na direção começa cedo, às 6:45 horas eu tenho
que estar na escola para bater o sino para a entrada das crianças da
2ª, 3ª e 4ª séries, que estudam até as 11:00 horas. Verifico as salas,
observo se os professores chegaram, confiro o caderno de chamada e
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o planejamento. Após tudo encaminhado, arrumo os livros de freqüência do pessoal da tarde e da noite (5ª, 6ª e 7ª séries).
Fico na sala esperando os professores de outros períodos para
prepararem seus planejamentos. Atendo alunos que vêm procurar
livros para trabalhos, às vezes tenho que resolver pequenos problemas com os alunos ou os pais. Também vejo as questões de merenda,
faxina e vigia. Quando algum professor falta, tenho que ver um substituto e encaminhar os trabalhos para os alunos.
Muitas vezes tenho que ir à cidade resolver questões da escola, outras vezes da própria comunidade, nestes casos o vice-diretor assume este serviço de organização da escola.
Toda a documentação escolar é enviada para a Secretaria
Municipal de Santo Antônio do Leverger, à qual ficamos subordinados. A Secretaria é quem fornece o material escolar, a merenda e paga
os nossos salários. Também cuido dessa parte. Acompanho o recebimento da merenda e a sua distribuição para os alunos. Converso com
a merendeira, confiro o que foi gasto. Do mesmo modo faço com o
material didático. Essas coisas às vezes dão problemas e até discussões, porque é difícil agradar todo mundo, cada um pensa de um
jeito diferente.
Uma das dificuldades que encontrei no começo foi orientar a
elaboração do plano de aula, das fichas de matriculas, do preenchimento dos formulários dos bimestres. Essas dificuldades do início
estão sendo superadas porque gosto do meu trabalho na escola. Quero
ajudar a minha comunidade conforme está ao meu alcance. Quero
aprender mais para ficar cada vez melhor. Também foi difícil, no
começo, o relacionamento com os outros professores, a aceitação de
que eu era, na hierarquia, superior a eles. Para mim também não foi
fácil lidar com isso. Ser ao mesmo tempo colega, ao mesmo tempo
chefe. Para nós, índios, é muito complicado separar essas coisas, mas
com o tempo tenho aprendido a lidar com essa situação, a conquistar
o respeito e a admiração dos colegas de trabalho.
Em nossa escola realizamos reuniões com os professores e os
pais dos alunos. Temos também um Conselho de Classe, que tem a
participação de representantes dos professores, dos pais, dos alunos,
juntamente com o cacique da aldeia e o chefe do posto da FUNAI. As
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CADERNOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
reuniões do Conselho de Classe são registradas em ata, para podermos comprovar as decisões tomadas perante a fiscalização da Secretaria Municipal. Essas reuniões são importantes, apesar de algumas
vezes serem pesadas, com muita discussão, mas sempre chegamos a
um acordo, a um entendimento.
Tenho procurado trabalhar com o apoio dos outros professores, porque acho que esse é o caminho, é o modelo de como deve ser a
escola indígena. Uma escola que é de toda a comunidade, que tem
como ideal a manutenção das tradições de nosso povo, ao mesmo tempo em que aprendemos coisas novas. Espero continuar firme na função de diretor de escola indígena, sempre trabalhando pela melhoria
e o fortalecimento da educação escolar indígena diferenciada.
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Diretor de escola indígena - UNEMAT