ARTIGO ORIGINAL
Cefaléia na infância: orientação e encaminhamento
Childhood headache: initial treatment and forwarding of cases
Andressa Moreno de Almeida Campanini1, Mariana Martins Santos Leal1,
Tiago Santos Leal1, Yára Dadalti Fragoso2
1
Interno de Medicina
2
Professora titular, MD, MSc, PhD
Faculdade de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos – Unimes
Camparini AMA, Leal MMS, Leal TS, Fragoso YD.
Cefaléia na infância: orientação e encaminhamento. Migrâneas cefaléias 2006;9(4):159-161
RESUMO
Introdução: Cefaléias primárias são freqüentes na infância e habitualmente vistas pelo pediatra, que orienta o caso e encaminha a
outros médicos se julgar conveniente. Objetivos: Avaliar a orientação e encaminhamento dado a casos de cefaléia na infância por
pediatras da cidade de Santos. Métodos: Entrevista individual com
cinqüenta pediatras que atendem pelo menos uma cefaléia na infância por mês. Resultados: Apesar de atenderem cefaléias primárias
com freqüência e de concordarem que os diagnósticos mais
prevalentes são migrânea e cefaléia do tipo tensional, cerca de
metade dos pediatras ainda tem conceitos desatualizados como orientar basicamente as mudanças de dieta e encaminhar primariamente ao oftalmologista. Conclusão: É necessário incluir melhor
treinamento para atendimento de cefaléias nos programas de residência em pediatria.
PALAVRAS-CHAVE
Cefaléia; infância; pediatria.
ABSTRACT
Introduction: Primary headaches are frequent in childhood and
are usually seen by Paediatricians, who give the initial treatment
and forward the case to other specialists, if they consider it to be
necessary. Objective: To assess the initial treatment and the
forwarding of cases of childhood headache by Paediatricians in the
city of Santos. Methods: Individual interviews with fifty Paediatricians
who see to at least one case of childhood headache per month.
Results: Despite often seeing primary headaches and agreeing that
migraine and tension type headache were the most frequent diagnosis,
around half of the Paediatricians still have out-of-date concepts,
such as suggesting alterations of the diet and forwarding the case
mainly to the Ophthalmologist. Conclusions: It is necessary to
increment training on headaches in specializing residence programs
for Pediatricians.
KEY WORDS
Headache; childhood; paediatrics.
Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.159-161, out./nov./dez. 2006
INTRODUÇÃO
Cefaléia na infância é uma condição relativamente freqüente, e a maioria dos encaminhamentos ao neurologista
são de casos de migrânea, cefaléia tipo tensional e cefaléia
crônica diária.1 Um recente trabalho americano mostrou
que o número de consultas a especialistas em áreas da
pediatria não alterou o número de consultas feitas ao
generalista, por uma mesma queixa, em um período de
cinco anos.2 Se o mesmo ocorrer em outras regiões além
da estudada por Freed et al, poderia ser sugerido que a
criança retorna ao seu pediatra de forma sistemática, mesmo tendo recebido a opinião e orientação de um outro especialista para o qual foi encaminhada por sua cefaléia.
Caso o especialista que atendeu a criança em questão não
faça o diagnóstico correto, uma série de outros especialistas será consultada, sem resolução do caso. A orientação
simples em casos de cefaléias primárias pode evitar a evolução para um caso de cefaléia crônica diária [ref Mack],
porém é possível que somente um especialista com experiência e interesse em cefaléias na infância possa interromper esta evolução.
O objetivo do presente trabalho foi avaliar a que especialistas um grupo de pediatras da cidade de Santos encaminham seus casos de cefaléia, quando encaminham e que
orientação dão aos pais da criança.
MÉTODOS
Cinqüenta pediatras da cidade de Santos foram entrevistados individualmente através de um questionário sim159
ANDRESSA MORENO DE ALMEIDA CAMPANINI ET AL
ples, desenvolvido especificamente para esta avaliação.
Todos foram voluntários a participar deste estudo, sabendo que não seriam individualmente identificados. Todos os
pediatras declaravam atender pelo menos um caso de
cefaléia na infância por mês.
RESULTADOS
Foram entrevistados cinqüenta pediatras entre 25 e
69 anos de idade (média = 41 anos), formados em 15 faculdades diferentes (em cinco estados brasileiros), sendo
17 anos a média do tempo de formados.
O número de casos de cefaléia na infância atendidos
por mês variou de um a mais que dez, conforme mostrado na Tabela 1. Todos os pediatras concordaram que migrânea e cefaléia tipo tensional eram diagnósticos freqüentes no atendimento de ambulatórios e consultório.
Com relação aos encaminhamentos, 17 médicos informaram que raramente encaminhavam algum caso, optando por tratar as crises e orientar hábitos de vida.
Dezesseis pediatras encaminhavam sistematicamente ao
neurologista, enquanto vinte encaminhavam todos os seus
casos ao oftalmologista e um pediatra sempre solicitava
avaliação do otorrinolaringologista. Seis médicos faziam
mais do que um encaminhamento já na primeira consulta.
Estes dados estão resumidos na Tabela 2.
O tratamento proposto para estes casos de cefaléia
na infância era basicamente das crises, não havendo ne-
Tabela 1
Número médio estimado de casos de cefaléia atendidos por mês
em consultório ou ambulatório
Número médio estimado de
casos/mês
Número de
pediatras
1
10
2a5
14
6 a 10
14
Mais que 10
12
Tabela 3
Medicação orientada na primeira consulta de cefaléia primária
(migrânea ou cefaléia tipo tensional)
Medicação
Número de pediatras
Dipirona
38
Paracetamol
21
Ibuprofeno
4
Combinação de medicamentos
22
Variadas (sem preferência)
4
Tabela 4
Orientação na primeira consulta de cefaléia primária (migrânea ou
cefaléia tipo tensional)
Número de
Orientação
pediatras
Tabela 2
Encaminhamento habitual de casos de cefaléia
a outros médicos
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nhum caso onde o tratamento profilático de cefaléias primárias fosse tentado pelo pediatra. As medicações recomendadas foram: dipirona (38 médicos), paracetamol (21
médicos), ibuprofeno (4 médicos), variados e sem preferência (4 médicos). Dois médicos informavam que não
orientavam nenhum tratamento medicamentoso, enquanto 22 orientavam duas ou mais medicações diferentes.
Estes dados estão resumidos na Tabela 3
Com relação a recomendações, a mais freqüente delas foi a mudança dos hábitos alimentares, suspendendo
ou drasticamente reduzindo o consumo de chocolate, queijo, refrigerantes, doces, frituras, entre outros. Um total
de 24 médicos recomendava tal mudança de hábito alimentar.
Outros fatores mencionados foram: diminuir o tempo na frente da TV (10 médicos), do videogame (4 médicos) e do computador (2 médicos), melhorar os horários
de sono (12 médicos), praticar esportes (9 médicos),
evitar estresse (3 médicos) e evitar o sol (1 médico). Cinco
médicos recomendavam a observação de desencadeantes
de crises e apenas um médico recomendava o uso de
diário de registro de crises. Estes dados estão apresentados na Tabela 4.
Mudança de hábitos alimentares
24
Assistir menos TV
10
Jogar menos videogame
3
Ficar menos tempo no computador
2
Encaminhamento dos casos
Número de pediatras
Melhorar hábitos de sono
12
Raramente
17
Praticar esportes
9
Oftalmologista
20
Ter menos estresse
3
Neurologista
16
Evitar o sol
1
Otorrinolaringologista
1
Observar desencadeantes
5
Mais que um especialista
6
Diário de registro
1
Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.159-161, out./nov/dez. 2006
CEFALÉIA NA INFÂNCIA: ORIENTAÇÃO E ENCAMINHAMENTO
DISCUSSÃO
Apesar de concordarem que as cefaléias mais
freqüentemente vistas no atendimento ambulatorial e em
consultórios sejam as migrâneas e cefaléias do tipo
tensional, apenas um terço dos pediatras tinham o hábito
de tratar estes pacientes, raramente encaminhando os
casos. Um dos pontos importantes a considerar seria o
treinamento para tal atendimento durante a residência
médica, dando mais segurança para diagnóstico e tratamento das cefaléias primárias pelo próprio pediatra.
Foi interessante observar que, apesar de concordarem que atendiam cefaléias primárias, os pediatras mais
freqüentemente encaminham os casos para o oftalmologista, bem como orientam mudanças da dieta muito mais
do que qualquer outra recomendação. Tanto as doenças
oftalmológicas como as causas alimentares de cefaléia
são raras 3, 4 e não deveriam ser a primeira opção, exceto
na presença de queixas específicas. A observação dos
desencadeantes e o diário de registro das crises 5, 6 foram
raramente citados pelos pediatras deste estudo, o que também sugere que o melhor treinamento durante a residência poderia mudar esta conduta na primeira consulta. Da
mesma forma, o hábito de prescrever tratamento abortivo
de crises deveria ser melhor discutido com os residentes
para que a prescrição de profiláticos se tornasse mais
conhecida e não dependesse do neurologista.
Em conclusão, apesar do pequeno grupo de pediatras
avaliado, é possível fazer algumas sugestões principalmente
relativas à formação do médico pediatra. Ambulatórios de
atendimento de cefaléia durante a residência e eventos específicos sobre o tema em congressos da especialidade
poderiam ser incentivados pela Sociedade Brasileira de
Migrâneas cefaléias, v.9, n.4, p.159-161, out./nov./dez. 2006
Cefaléia. Apesar do atendimento freqüente de cefaléias da
infância e do conhecimento das cefaléias primárias como
causas principais de tal queixa na infância, os pediatras
entrevistados ainda costumam, com maior freqüência, encaminhar ao oftalmologista e orientar dieta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Lewis DW, Gozzo YF, Avner MT. The “other” primary headache
in children. Pediatr Neurol 2005;33:303-13.
2. Freed GL, Nahra TA, Venus PJ, Schech SD, Wheeler JR. Changes
in the proportion and volume of care provided to children by
generalists and subspecialists. J Pediatr 2005;146:3-5.
3. Friedman DI. The eye and hedache. Ophtalmol Clin North Am
2004;17:357-69.
4. Millichap JG, Yee MM. The diet factor in pediatric and adolescent
migraine. Pediatr Neurol 2003;28:9-15.
5. Metsahonkala L, Silanpaa M, Tuominen J. Headache diary in the
diagnosis of childhood migraine. Headache 1997;37:240-4.
6. Nappi G, Jensen R, Nappi RE, Sances G, Torelli P, Olesen J.
Diaries and calendars for migraine: a review. Cephalalgia
2006;26:905-16.
Recebido: 29/11/2006
Aceito: 03/12/2006
Endereço para correspondência
Dra. Yára Dadalti Fragoso
Rua da Constituição 374
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Fone/fax: +55 13 32263400
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