ABSTRACT: This work deals with expressive recourses wich contribute to the
configuration of the expression of silence which is one of the organizer elements of text.
Among those recourses we highlight. in this analysis. the neologisms in the form of
presentation of cited speech.
Arroio-das-Antas e urn dos contos que compoem 0 livro Tutameia, ultima obra
de Rosa (1976). Texto curto, como os outros trinta e nove que integram a obra, Arroiodas-Antas chama a aten9ao pela forte presen9a da ideia de silencio permeando 0 texto.
A instaura9ao desse c1imasilencioso constitui 0 ambiente adequado para a realiza9ao do
"milagre" que se operara no desenrolar da a9ao.
Oconto desenvolve-se a partir da chegada de uma viuva adolescente, que e
trazida ao Arroio para viver numa especie de retiro. Diz 0 texto: "Trouxe-se hi Drizilda,
de nem quinze anos, que mais nao chorava: firme delindo-se, terminavelmente, sozinha
viuva." As velhinhas do lugar - chamadas metonimicamente de "almas" pelo narradorencantam-se com a jovem e decidem juntar-se para realizar "0 for90so milagre".
Elas"pactuavam a alegria de penar e mesmo abreviada irem-se - a fito de que neste
sertao vingassem ao menos uma vez a gra9a e 0 encanto." Em consomlncia com esse
prop6sito milagroso, 0 espa90 e descrito como "0 ultimo lugar do mundo, fim do som"
(grifo nosso), e as velhinhas nao falam, mas "seus olhos punham palavras e frases."
Assim, vocabulos e expressoes que traduzem a ideia de silencio entretecem 0 texto,
formando uma cadeia lexica bastante expressiva.
Para a cria9ao desse universo textual concorrem tambem os neologismos
literarios, que tern "a fun9ao de reunir ou de condensar em si as caracteristicas
dominantes do texto", conforme defini9ao de Riffaterre (1979: 74).
A pertinencia dos neologismos para a constru9ao do sentido do texto verificase na expressao de monotonia e lentidao que caracterizam a passagem do tempo,
traduzidas nesta sequencia: "Ora chovia ou sol, nhoso lazer, enfadonha9ao, lutas luas de
luar, nuvens nada." Observe-se que 0 neologismo "enfadonha9ao" opera urn
prolongamento dos fonemas nasais, responsaveis pela expressao da ideia de monotonia,
de morosidade, acentuando, em decorrencia, a ideia de lentidao.
Essa ideia ja se imprime na estrutura9ao predominantemente nominal da frase
e encontra refor90 na forma de indica9ao da passagem do tempo, dada apenas pela
altemancia de chuva e sol, luas e nuvens. Nesse mesmo segmento, ocorre ainda uma
forma neol6gica de constru9ao do sintagma "nhoso lazer", em que "nhoso", distante de
sua condi9ao de forma presa, constitui-se como determinante de "lazer". A proximidade
de "nhoso" com "enfadonha9ao" provoca uma contamina9ao f6nico-semantica que
permite transpor 0 tra90 superlativo do vocabulo determinante, passando a referir urn
lazer mais que enfadonho: "enfadonhoso". Observe-se que em Arroio-das-Antas ja
vivem velhos.
Nesse universo aplitico vivem as velhinhas, destacadas, no texto, dos demais
habitantes:
Arroio-das-Antas - on de s6 vivem velhos, mais as sobejas secas velhinhas, tristilendas.
Pois era assim que era, havendo muita realidade. Que faziam essas almas?
o neoIogismo "tristilendas", do segmento acima transcrito, constitui uma
composil;:ao por aglutinal;:ao, cuja forl;:a expressiva reside na sintese dos significados das
palavras combinadas, resultando uma "nova unidade qualitativa", para usar aqui a
expressao de Pignatari (1975: 86). As unidades assim formadas recebem denominal;:ao
variada: amalgamas, palavras-montagem, palavras port-manteau etc. Guimaraes Rosa
preferiu chamar esse processo de "empastamento semantico" (cf. Bizarri, 1981: 78).
A sugestao de transcendencia das personagens designadas por "aImas" conferc
a dimensao mitica it formal;:ao neol6gica resultante de "tristes + Iendas". Por outro Iado,
para situar a al;:ao no limite entre 0 plano real e 0 irreaI, surge, como contraponto,
entremeando "tristiIendas" e "almas", a expIical;:ao: "pois era assim que era, havendo
muita realidade."
Nesse mesmo segmento, encontra-se outro procedimento neol6gico, agora no
nivel sintagmlitico. Ao romper as leis que regem a formal;:ao can6nica dos sintagmas, G.
Rosa explora as possibilidades expressivas dos constituintes, alterando, por exemplo, a
ordem de coIocal;:ao de determinantes adjetivais, alem de apresenhi-Ios duplicados c
justapostos. E 0 caso do sintagma "sobejas secas veIhinhas", cujos determinantes,
antepostos ao micleo "velhinhas", expressam aspectos antiteticos que reaIl;:am 0
contraste entre a fragilidade fisica ("secas") e a forl;:a espiritual ("sobejas"), pois as
personagens sao capazes de operar, apenas com a forl;:a de oral;:oes, urn grande miIagrc.
Assim expressivamente
apresentadas, esses seres que vivem a bisbiIhar
[sussurrar, murmurar] e a arrulhar ao Espirito Santo, apresentam-se como, "enfim,
entreentendidas". 0 prefixo -entre, indicando reciprocidade, confirma e intensifica a
ideia da al;:ao conjunta e de conspiral;:ao que move as velhinhas, crentes em que "para 0
queimar e ferver de Deus, decerto prestassem - feixe de lenhazinha enxuta."
Instaurado 0 padrao de silencio, propicio para a realizal;:ao de feitos dc
extraordem, legitima-se uma combinal;:ao ins61ita em que se verifica ausencia aparente
de quaIquer Iigal;:ao 16gico-semantica entre os termos. Trata-se da "nao-pertinencia
predicativa", como denomina Cohen (1987:69) ajunl;:ao de dois elementos normal mente
incompativeis, cujo resuitado e a intensifical;:ao de ambos os termos.
Ora, a frase "Calava-se a temura, infinito monossilabo." tern toda a feil;:ao dc
unidade inteiramente nao pertinente. Ha a relal;:ao antitetica entre os componentes do
sintagma nominal ("infinito monossilabo");
ha a impropriedade
da operal;:ao
metalingiiistica que, apoiada na interposil;:ao de uma construl;:ao apositiva, suscita a
equivalencia: "temura = monossilabo"; ha, ainda, 0 emprego expressivo do verbo caIar,
que designa urn comportamento atribuido a urn elemento abstrato ( "temura").
Assim, essa temura caIada, ou seja, interiorizada, transforma-se, no conto, em
fe, a forl;:a produtora do milagre a ser realizado. Nesse sentido, pode-se entender 0
oximoro "infinito monossilabo" como resultado do entrecruzamento semantico de
"calava-se a temura" e "faIava-se de uma temura perfeita". Aqui, a oposil;:ao entre
calar e falar resulta na definil;:ao do que se entende por "temura", que precisa do
modificador "perfeita". De fato, entre urn e outro momento, ha a resolu~ao de operar 0
milagre pela fe de "mortificadas ora~oes, novenas, nominas, setemplices."
Se considerarmos a existencia de uma rela~ao de implica~ao entre temura e fe,
poderemos reconstituir a equivalencia semantica entre "infinito monossilabo"
e
"temura", ou seja, a fe, despertada pela temura, e 0 "infinito monossilabo". Resgatada a
impropriedade metalingiiistica, resta a impropriedade semantica existente no sintagma
"infinito monossilabo".
Tratando-se, como vimos afirmando, de urn conto cujo tema privilegia 0
silencio, 0 volume fOnico dos monossilabos c, sem duvida, 0 que mais pode adequar-se
ao padriio de entendimento sem palavras ou, pelo menos, "sob minima voz". Alcm
disso, "infinito" intervem para expressar a intensidade do silencio traduzido em fe.
Assim, a fe, que provocaria 0 surgimento da temura perfeita, determina as
primeiras
providencias.
Entao, "murmuras,
nos fichus, sabias velhinhas
se
aconselhavam." Em decorrencia, "sem palavras", vigiavam Drizilda e "tramavam ja
com Deus, em bieo de silencio".
Contribuem tambem para instaurar 0 padrao de silencio que impregna 0 texto
as formas verbais introdutoras dos discursos citados. Segundo Maingueneau (1996:
Ill), "para que sejam percebidos como tais, os enunciados de discurso citado devem ser
introduzidos de maneira que se reconhe~a urn descompasso entre discurso citante c
fragmento citado."
No texto em analise, as poucas vozes representadas, nesse contexto de silencio,
saD grafadas em italieo e entre aspas, e os verbos introdutores, quando explicitados,
estao em absoluta consonancia com 0 padrao estabelecido. Observemos as seguintes
passagens:
(I) Senao que, uma, avo Edmunda,
sob minIma voz, aben~oou-a:
- 'Melt
cravinho branco...' Outra por ela puniu, afetando-se aspera: - 'Gente invencioneira!'
(2) Tomavam, todas juntas, a f6 de mortificadas ora~oes, novenas, nominas,
setemplices. - 'Deus e gloria!' - adivinhavam, serias de amor, se entusiamavam.
(3) Vinham
as velhas,
circulavam-na.
Alguma
proferia:
- 'Todo dia
e
vespera...' - e muito quando.
(4) A avo Edmunda, de repente, entao. -' 'Morreu, morreu de penitencias!' - a
triunfar, em ordem, tao ancias, as outras jubilavam.
(5) Ela percebeu-o puramente; levantou a beleza do rosto, rcflor. la. E disse
altinho urn segredo: - 'Sim'.
Os segmentos (I), (2) e (4) possuem formas verbais que nao se identificam
com aquelas geralmente usadas para introduzir discursos citados, ou seja, os vcrbos
dicendi. Nesses casos, Mainguenaeu (1996:113) afirma que nao se trata de verbos
dicendi, mas de "verbos desviados, num contexto apropriado, para uma intcrpreta~ao
em termos de locu~ao."
De fato, vemos que em (I) e (2) os verbos de locu~ao foram substituidos pelos
performativos "aben~oou-a" e "puniu". A conseqiiencia dessa cscolha e, no nivcl
textual, carre gada de sentido, pois elide as formas indicadoras de "voz" em favor
daquelas indicadoras de atyao. Com esse mecanismo, a ideia de som fica enfraquecida.
Em (4), 0 discurso citado, pela sua conformatyao sintatica, parece ter sido
destacado apenas formalmente do discurso citante. Apenas a pontuatyao, acentuada pel a
forma verbal "jubilavam", aponta para a presentya da citatyao. Embora nao se possa falar
em ambigiiidade entre discurso eitante e discurso eitado, a possibilidade de se ler "A
avo Edmunda, de repente, entao morreu de penitencias; a triunfar, em ordem, as outras
jubilavam" permite afirmar que houve a intentyao de minimizar a presentya de voz.
Em (3), a forma "proferir" destaca-se por indicar a voz da personagem. No
entanto, e amenizada pelo indefinido "alguma" e pelo circunstanciador "muito quando",
ou seja, "quando muito".
A expressao do entendimento sem palavras e dada, finalmente, em (5),
momento em que 0 milagre se realiza e Drizilda eneontra 0 seu principe encantado, que
"senhorizou-se" as custas das preees das velhinhas. Nesse exemplo, 0 volume da fala
citada, introduzida pelo dicendi "dizer", e neutralizado pelo adverbio neologico
"altinho".
Completa-se, assim, a trajetoria da atyao executada atraves das formas do
silencio: Drizilda, que inicialmente era "quase bela", levanta, finalmente, "a beleza do
rosto". Tambem nao c mais apenas "flor" ou "cravinho branco", mas "reflor".
0
"despovoado, em feio 0 mau sertao" transforma-se na "forte Fazenda, feliz ...".
Buscamos destacar, nesta rapida analise, a fUlu;ao integradora que alguns recursos
lingiiisticos desempenham no entretecer do texto, 0 que aponta para wn aspecto
importante do processo de cria{:ao poetica de loao Guimaraes Rosa: a explorat;ao das
potencialidades expressivas da lingua em busca do adensamento de significados na
estrutura{:ao do texto literario.
RESUMO: Neste estudo, abordaremos os recursos expressivos que concorrem para a
configuratyao da expressao do sileneio, urn dos elementos estruturadores do texto.
Dentre tais recursos, destacaremos, na amilise, os neologismos e as formas de
apresentat;:ao do discurso citado.
BIZZARRI, E. loao Guimaraes Rosa: correspondeneia com seu tradutor Italiano
Edoardo Bizzarri. Sao Paulo: T. A. Queiroz, 1981.
COHEN, J. A plenitude da linguagem (Teoria da poeticidade). Coimbra: Almedina,
1987.
MAINGUENEAU D. Elementos de lingiiistica para 0 texto literario. Sao Paulo:
Martins Fontes, 1996.
PIGNAT ARI, D. et alii. Teoria da poesia concreta. Sao Paulo: Duas Cidades, 1975.
RIFF ATERRE, M. La production du texte. Paris: Seuil, 1979.
ROSA, J. G. Tutameia (Terceiras estorias). Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1976.
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ABSTRACT: This work deals with expressive recourses wich