Alfabetização e Jogos Digitais em Ambientes Interativos Multimodais Andréa Lourdes Ribeiro*, Delaine Cafiero*, Carla Viana Coscarelli* *Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Abstract: We present here the game Frutas do Brasil (Brazilian Fuits), developed by the Project Aladim (Literacy in Digital Interactive Multimodal Environments). The project makes research on games in different interfaces, which might help the process of writing acquisition by kids. Two versions of this game are being developed: one uses a regular computer (PC) with mouse, an the other uses an interactive multitouch table that is being built by the project. Some studies show that digital games have the potential to help the learning process, and are seen as spaces that help students to socialize and develop their cognitive abilities (GEE, 2004; GEE, 2007; JONES, 2004; PRENSKY, 2006). Although aiming entertainment, games allow rules recognition and comprehension, as well as the identification of the contexts in which they are applied or situations in which they are subverted or modified. Besides contributing to develop the written language acquisition processes by children, Frutas do Brasil aims to understand better how this process happens, since it is programmed to measure and save reaction time of the players during the game, as well as how much correct actions they make. The game will produce information about how the children interact with the different levels do the game, their level of interest during the interaction, their reaction time and their reactions to the different feedbacks, as well as the usability of the game. Keywords: games, literacy, multitouch table Resumo: Neste trabalho, apresentamos o jogo Frutas do Brasil desenvolvido no Projeto Alfabetização e Letramento em Ambientes Digitais Interativos Multimodais (ALADIM). O projeto pesquisa jogos, em diferentes interfaces, que possam auxiliar no processo de aquisição do sistema de escrita por crianças. Duas versões de jogos estão em desenvolvimento: uma utiliza teclado/computador, outra utiliza uma mesa interativa multitoque em construção pelos participantes do projeto. Alguns estudos atribuem aos jogos digitais potencial para a aprendizagem, vendo-os como espaços de vínculos de sociabilidade e fonte para o desenvolvimento de habilidades cognitivas (GEE, 2004; GEE, 2007; JONES, 2004; PRENSKY, 2006). Embora sejam destinados à diversão, jogos permitem o reconhecimento e o entendimento de regras, a identificação dos contextos em que elas estão sendo empregadas e até mesmo a sua subversão e modificação. Além de contribuir para a aquisição do sistema de escrita pelas crianças, o jogo Frutas do Brasil pode levar a compreender melhor como esse processo acontece, já que é programado para medir e armazenar os tempos de reação dos jogadores e a quantidade de seus acertos. O jogo aqui apresentado pode produzir, entre outras, informações sobre formas de interação das crianças com os jogos, nível de interesse, reações aos estímulos e ao feedback do jogo, usabilidadade da interface. Palavras-chave: jogos, alfabetização, mesa interativa multitoque INTRODUÇÃO Gee (2004) defende que os jogos podem ser muito eficientes na aprendizagem, deveriam, portanto, ser também explorados nas atividades educativas, pois baseados em uma tecnologia divertida, atraente e interativa, devem gerar melhores resultados que muitas atividades escolares tradicionais descontextualizadas, fundamentadas na repetição e na memorização excessivas e pouco significativas para as crianças. O potencial dos jogos pode ser aplicado ao propósito educacional em diversas áreas do conhecimento para o desenvolvimento de inúmeras competências e habilidades com as quais a escola precisa lidar. Nessa perspectiva, os jogos digitais educativos constituem-se numa consciência de mudança nos processos de aprendizagem, aliando a educação ao uso das novas tecnologias para a busca autônoma e constante do saber. Acreditando nesse pressuposto, o Projeto Alfabetização e Letramento em Ambientes Digitais Interativos Multimodais1 (ALADIM) tem como um dos seus principais objetivos verificar como jogos podem auxiliar o processo de alfabetização. Temos produzido jogos para interação no computador e em uma mesa multitoque, a fim de testar contribuições que essas interfaces podem dar à aprendizagem do sistema alfabético por crianças do ciclo de alfabetização do ensino fundamental. Neste artigo, apresentamos o jogo Frutas do Brasil, desenvolvido no âmbito do projeto, cuja proposta é promover o desenvolvimento de capacidades de alfabetização, mas sem deixar de lado as características como desafio, motivação, recompensa, inerentes aos jogos. 1. INSERÇÃO DE JOGOS DIGITAIS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA Vigotsky (2000) e Leontiev (1988) estudaram as relações entre o jogo e o desenvolvimento humano, estabelecendo o jogo como uma atividade especial para a criança, uma vez que os jogos permitem que importantes transformações psíquicas ocorram nos sujeitos. Elkonin (1998, p.19), a partir das contribuições da psicologia histórico-cultural sobre o jogo, esboçadas, sobretudo, por Vigotsky e Leontiev, define jogo como uma “atividade em que se reconstroem, sem fins utilitários diretos, as relações sociais”. Para ele, o jogo é de natureza social “devido precisamente a que também o são sua natureza e sua origem, ou seja, a que o jogo nasce das condições da vida da criança em sociedade” (op. cit. p.36). Enfim, para entendermos o jogo e o lugar que ele ocupa na psicologia histórico-cultural, precisamos entendê-lo, primeiramente, como uma forma peculiar e específica da atividade humana pela qual as crianças se apropriam da experiência social da humanidade e desenvolvem a personalidade. Atualmente, há pesquisas que atribuem aos jogos potencial para a aprendizagem, que os veem como espaços de vínculos de sociabilidade e como fonte para o desenvolvimento de habilidades cognitivas (cf. GEE, 2004; JONES, 2004). Os jogos fazem parte de nossas vidas desde a infância. Jogar significa enfrentar desafios na busca do entretenimento, exercita as funções mentais e intelectuais do jogador. Embora sejam destinados à diversão, os jogos permitem o reconhecimento e o entendimento de regras, a identificação dos contextos em que elas estão sendo empregadas, a subversão e a modificação dessas regras. Eles contribuem também para a formação da autonomia, da criatividade, da originalidade, da possibilidade de assimilar e de experimentar situações diversas do cotidiano. Os jogos podem ser também elaborados para fins pedagógicos, constituindo-se como ferramentas educacionais eficientes, uma vez que eles podem motivar enquanto divertem, estimulando, assim, a construção do conhecimento de forma prazerosa e lúdica. São muitas as discussões sobre o que é um jogo educacional. Botelho (2004, p.18) o define como “qualquer atividade de formato instrucional ou de aprendizagem que envolva competição e que seja regulada por regras e restrições". É importante acrescentar a essa definição que os jogos educacionais precisam estar pedagogicamente embasados, ou seja, necessitam de uma orientação teórica de ensino-aprendizagem. Essa distinção nos faz entender que há jogos concebidos para fins educacionais e jogos que, embora não tenham sido desenvolvidos para tal, podem ser usados com finalidades pedagógicas. Independentemente do fim para o qual foram elaborados, há diferentes tipos de jogos: o lógico, que desafia mais a mente (xadrez, damas, caça-palavras, palavras-cruzadas); o Role Play Game (RPG), em que o usuário dentro de um ambiente controla um personagem e pode interagir com outros para construir uma história; o estratégico, que exige a aplicação de conhecimentos prévios na construção ou na administração de algo; o de ação, que desenvolve habilidades motoras tais como reflexos e coordenação; o de aventura, que se caracteriza pelo controle de ambientes a serem descobertos. Assim, para cada propósito educacional, pode-se utilizar um ou mais desses tipos de jogos. A imersão no universo simbólico presente no jogo depende da habilidade que o jogador possui para construir sentidos e significados para o contexto que envolve o jogo, ou seja, a leitura de textos verbais e de sons, movimentos, cores, ícones, imagens, expressões típicas. Todos esses recursos exigem uma leitura diferenciada no contexto do jogo e podem suscitar inclusive o exercício da escrita entre os próprios jogadores motivados para discutir estratégias e informações sobre o jogo. Esses recursos podem, por exemplo, tornar os jogadores mais 1 O Projeto ALADIM é desenvolvido desde 2006 na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como parte do grupo de pesquisa (CNPq) 1maginári0, coordenado pelo professor Francisco Marinho (EBA/UFMG). A equipe envolvida no desenvolvimento desse projeto é interdisciplinar e conta com a participação de professores e alunos de diversas áreas como Belas Artes, Educação, Computação e Linguística da Universidade Federal de Minas Gerais. O projeto conta com fomento da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). poderosos, mais fortes, mais velozes. Nessa perspectiva, os jogos digitais são fortes aliados pedagógicos na busca da ampliação das habilidades de leitura e de escrita em contextos interativos e multimodais. A ação de jogar exercita por si só as habilidades de leitura com fins bem definidos, ou seja, o jogador precisa compreender como o jogo funciona e quais são suas regras (para seguir e até para subvertê-las) e ganhar ou vencer o jogo. Além disso o jogador realiza leitura da parte escrita do jogo - letras com tamanhos, tipos, cores, formatos diferentes - e também de outras linguagens tais como símbolos, imagens, sons etc. Gee (2004, p.22) define esses contextos como âmbitos semióticos, entendidos pelo autor como “qualquer conjunto de práticas que utilize uma ou mais modalidades (por exemplo, linguagem oral ou escrita, imagens, equações, símbolos, sons, gestos gráficos, artefatos etc.) para comunicar tipos característicos de significados”. Isso significa que o jogador, para imergir no universo simbólico dos jogos, precisa construir sentidos e significados o que permite adentrar, desvendar e vencer o jogo. Jogar também exercita as habilidades de escrita, uma vez que há jogos digitais interativos nos quais os jogadores têm a possibilidade de se comunicar com outros jogadores ou mesmo desenvolver comunidades que discutem online estratégias para ganhar ou vencer. A ação de jogar foi também foco de publicação 2 da imprensa da Harvard Business School (apud PRENSKY, 2006), que, baseada em milhares de entrevistas, buscou detectar como a geração de jogadores está (re)formulando o setor de negócios. A pesquisa apontou que os jogadores de vídeo game são mais bem sucedidos nos negócios que os não jogadores, concluindo que os jogadores acumularam milhares de horas para analisar rapidamente as novas situações, interagir com os personagens que eles realmente não conheciam, e resolver problemas de forma rápida e independentemente... em um mundo que também enfatiza resultados tangíveis e dá a eles feedbacks constantes e críticos. (PRENSKY, 2006, pp.78) O fato é que jogos e games em contextos interativos e multimodais contribuem para a formação de habilidades distintas e específicas, dentre as quais as de leitura e de escrita, e instauram, consequentemente, um novo tipo de letramento, o letramento digital. Por isso, os jogos digitais podem e devem ser avaliados do ponto de vista didáticopedagógico para serem incorporados às práticas de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita. 2. ALFABETIZAÇÃO E JOGOS DIGITAIS NO PROJETO ALADIM Os sistemas computacionais, e em especial a internet, têm tido um peso significativo na construção de uma nova maneira de pensar e agir no mundo, levando a sociedade atual a se (re)organizar cognitivamente a partir de ferramentas diferenciadas de comunicação e de aprendizagem. Nesse contexto, o projeto ALADIM busca encontrar formas de alfabetizar que incluam o mundo digital, colaborando, assim, para o uso das novas tecnologias em sala de aula e, consequentemente, para o letramento digital nas escolas de educação básica. De acordo com Cafiero e Coscarelli (2007) ampliar os estudos sobre a aquisição da escrita na sociedade brasileira se faz necessário, tendo em vista os baixos índices de alfabetização no país demonstrado por avaliações sistêmicas regionais, nacionais e internacionais. O projeto busca desenvolver jogos digitais em ambientes interativos e multimodais voltados para a construção de conhecimentos sobre o sistema de escrita pelas crianças. Os jogos digitais podem em muito colaborar para o aprendizado, pois, por serem essencialmente lúdicos, possibilitam a aproximação e interação dos usuários e permitem que sejam observadas as escolhas dos jogadores. A criação de jogos digitais pelo projeto ALADIM tem como suporte teórico as teorias da aprendizagem coletiva e colaborativa que contemplam as especificidades do ensino-aprendizagem da língua escrita em fase inicial. Além disso, leva em conta o equilíbrio entre: a) os novos recursos possibilitados pela convergência de linguagens existentes na tecnologia digital (o movimento, o oral e sonoro, o icônico, o imagético e o verbal); 2 A publicação mencionada é o livro Got game: how the gamer generation is reshaping business forever, de 2004. b) a possibilidade de, nesses programas, serem contempladas as capacidades linguísticas que o aprendiz deve alcançar; c) a criação de um contexto de aprendizagem em que o sujeito seja considerado ativo e participante e que as condições oferecidas sejam determinantes para que ele alcance patamares cada vez mais complexos de aprendizagem. (CAFIERO E COSCARELLI, 2007, pp.91) Destaca-se, dessa maneira, a preocupação do projeto de criar jogos digitais que promovam o desenvolvimento de habilidades de alfabetização e que contribuam também para o letramento digital. Nesse caminho, o projeto ALADIM tem concentrado seus esforços na criação do jogo Frutas do Brasil preparado para ser jogado em dois tipos3 de interfaces digitais: num computador comum, pelo uso do teclado e em uma mesa multitoque4. A mesa multitoque, para uso de até 6 jogadores, é uma interface que possibilita ao usuário experiências sensoriais multimodais que fazem uso da percepção auditiva, visual, tátil e de movimento. A mesa foi desenvolvida com uso de tecnologia de captação de imagens por câmera sensível à luz infravermelha, técnicas de visão computacional e reconhecimento de padrões. Figura 1:Projeto da mesa multitoque Figura 2: Teste da interface da mesa multitoque A criação da mesa multitoque demandou do ALADIM a pesquisa de novas interfaces para os jogos digitais e a avaliação, em especial, dos conceitos de Surface Computing (HAM, 2005) e Tangible Computing (Tangible Media Group). O primeiro consiste em substituir as abstrações utilizadas normalmente como janelas e botões por abstrações mais próximas da realidade como o papel. Ao mesmo tempo, dispositivos de entrada como o mouse e o teclado são substituídos pela interação direta das mãos com a superfície onde os elementos gráficos são mostrados. Já o paradigma de computação tangível parte do princípio que toda interação com o meio digital será feita por intermédio de um ambiente físico. Desse modo, várias abstrações digitais são transformadas em objetos que podem ser sentidos e manipulados, abrindo espaço para a exploração de aspectos visuais e motores. Estão previstos, também, modos de interação nos quais as superfícies tangíveis serão substituídas por captura de gestos com o uso de visão computacional. Desse modo é possível obter modos de interação entre a criança e o computador baseados em 3 Num futuro próximo os dados obtidos de crianças interagindo no computador comum e na mesa multitoque serão cruzados. O desenvolvimento e a construção da mesa multitoque estão sendo financiados pelas verbas do Edital Universal, concedido pela FAPEMIG desde 2010. Para a realização deste projeto, participam os professores Francisco Marinho e Marília Bérgamo, da Escola de Belas Artes da UFMG, e contam com o trabalho de alunos da Matemática Computacional com bolsas Proex - UFMG. 4 gestos e movimentos, fato que deixa a criança livre para exercitar toda a expressividade de seu corpo como forma de manifestação e ação cognitiva. A característica pedagógica interessante dessa modalidade é que ela possibilita uma interação socializada e natural, ao permitir que a criança se manifeste com a gestualidade característica de sua idade. Para o desenvolvimento de jogos e de aplicativos da mesa, foram escolhidas algumas ferramentas de desenvolvimento como a UNITY3D (ambiente de desenvolvimento de aplicativos integrado com programas de edição de conteúdos – animação, imagens, sons etc.), o Blender (coleção de aplicativos de animação, edição e engine de jogos – software livre e de código aberto) e o GIMP para edição de imagens. As linguagens de programação escolhidas foram C++, para tarefas que exigem mais desempenho, e C# e Java Script para uso na UNITY3D. 3. FRUTAS DO BRASIL: UMA PROPOSTA DE JOGO DIGITAL INTERATIVO MULTIMODAL Para o uso da mesa multitoque, o projeto ALADIM desenvolveu o jogo Frutas do Brasil que explora palavras que giram entorno de um mesmo campo semântico, as frutas brasileiras. A escolha das palavras foi pautada tanto na familiaridade das crianças com determinadas frutas quanto no desafio que constitui o desconhecimento de outras. Além disso, também foi considerada a constituição silábica dessas palavras de modo que se contemplassem palavras com sílabas com padrão silábico mais simples (consoante + vogal) e padrões mais complexos (consoante, consoante vogal, por exemplo). Sendo assim, optamos por trabalhar com frutas, sobretudo as brasileiras que são facilmente encontradas nos grandes centros, e algumas frutas mais regionais. Os nomes das frutas foram separados em uma matriz que conjugava em um eixo, aspectos linguísticos como a estrutura silábica da palavra, número de sílabas e letras e, em outro eixo, uma provável familiaridade dos jogadores com aquelas frutas. Mesmo sabendo que essa familiaridade pode variar muito de região para região do Brasil, acreditamos que, ao longo do jogo, os jogadores podem se familiarizar com os nomes das frutas desconhecidas, uma vez que esses nomes e sua respectiva imagem são recorrentes no jogo. A matriz utilizada foi baseada nas categorias apresentadas por Oliveira e Nascimento (1990) e revistas por Oliveira (2009). QUADRO I: Matriz de referência na seleção e organização das frutas nos diferentes níveis do jogo 5 (C = consoante e V = vogal): CRITÉRIOS de DISTRIBUIÇÃO Dissílaba CV Familiar Caju, Coco, Figo, Maçã, Pêra, Romã, Pouco familiar Cajá, Jaca, Kiwi, 5 Trissílaba CV Polissílaba CV Dissílaba V ou CVC ou VCV ou CVV ou VC Trissílaba CVC ou VCV ou CCV Polissílaba V ou CVC ou VCV Banana, Cereja, Jabuticaba, Maracujá, Caqui, Mamão, Manga, Melão, uva Goiaba, Laranja, Limão, Morango, Pêssego, Abacate, abacaxi, melancia, Tangerina, Carambola Cacau, Jambo, Pequi, Pinha, Umbu, Açaí, Ameixa, Amora, Damasco, Lichia, Mangaba, Pitanga, Acerola, Ciriguela, Cupuaçu, Framboesa, Graviola, Nectarina, Tamarindo Importante lembrar que o grupo usou como referência para a construção da matriz os conhecimentos de frutas de crianças da região Sudeste, mais especificamente do estado de Minas Gerais. Palavras trissílabas com padrão silábico CV (consoante + vogal) e que são nomes de frutas com as quais as crianças têm familiaridade costumam ser mais fáceis de aprender do que palavras de uma sílaba só ou polissílabos com estrutura silábica distante da canônica. Pensamos também que o jogo devesse ser colaborativo para que as crianças pudessem aprender umas com as outras, pensando e agindo cooperativamente para atingir as metas de cada nível. O jogo Frutas do Brasil apresenta cinco níveis que possuem aumento gradativo de dificuldades que giram em torno de conhecimentos linguísticos e prévios e também da habilidade do jogador com o contexto digital. Além disso, para que o jogo seja dinâmico, desafiante, motivador, cada nível possui ações diferenciadas que deverão ser executadas pelo jogador tais como arrastar, clicar, bater em imagens e palavras. (RIBEIRO e COSCARELLI, 2009) Em suma, buscamos criar um jogo que auxilie a alfabetização de crianças e que tenha motivação linguística na escolha e organização do seu repertório, que seja colaborativo e que respeite elementos importantes da diversão e siga princípios fundamentais dos jogos como desafio, recompensa e diversão, por exemplo. Dessa forma, são propostos desafios que têm como objetivo ajudar os jogadores a desenvolver habilidades relativas à aquisição do sistema alfabético como: identificar, num conjunto de palavras, aquela que corresponde a uma imagem; identificar, num conjunto de palavras e imagens, a imagem a que corresponde cada palavra; identificar, num conjunto não biunívoco de palavras e imagens, palavras e imagens que representam a mesma ideia; reconhecer as sílabas que compõem uma palavra; reconhecer as letras que compõem uma palavra. Para desenvolver o jogo Frutas do Brasil, tivemos que, num primeiro momento, fazer escolhas. Algumas delas se fizeram em função dos recursos materiais e humanos do grupo. Em função disso, optamos por pensar um jogo que não dependesse de recursos sonoros, embora soubéssemos que estímulos auditivos e a oralização de palavras e sílabas, bem como a exploração do estrato fônico de grafemas, poderia trazer grandes contribuições para o processo de aquisição do sistema de escrita pelas crianças. 4. PRIMEIRAS OBSERVAÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DO JOGO FRUTAS DO BRASIL Uma primeira versão do jogo Frutas do Brasil está em fase de pré-teste em um piloto de aplicação, na versão para PC, a partir do qual esperamos obter dados que nos ajudem a refletir sobre questões relacionadas à jogabilidade, adequação ao público alvo, adequação do repertório linguístico e aprendizagem do sistema de escrita via jogos digitais. As anotações feitas pelos pesquisadores são fonte de informação relevante para a pesquisa para a avaliação das formas de interação das crianças com os jogos, o nível de interesse delas, as reações aos estímulos e ao feedback oferecidos pelo jogo, bem como a usabilidade da interface e as soluções que usam para os problemas encontrados. A observação do jogo permitirá também verificar se há cooperação entre os jogadores e como ela se dá. O pré-teste organiza-se em duas etapas distintas com crianças de diferentes idades (entre 5 e 7 anos) e estágios de alfabetização. A maioria das crianças declarou ser usuária do computador e de jogos online, o que foi comprovado pela destreza que demonstraram na utilização do mouse. O jogo Frutas do Brasil tem se revelado interessante e convidativo, uma vez que as crianças se entusiasmam com ele e ficam motivadas querendo jogá-lo diversas vezes. Na primeira fase do pré-teste, ao iniciar o jogo, as crianças solicitaram instruções orais aos aplicadores que ofereceram pistas de como jogar. Quanto ao conhecimento do sistema de escrita, as crianças têm revelado as seguintes estratégias para vencer as etapas do jogo: focalização nas palavras que possuem a letra inicial da fruta apresentada; estabelecimento de relação entre o tamanho da fruta e o tamanho da palavra que deveriam encontrar; levantamento de hipóteses sobre a representação gráfica da letra e sua representação sonora. As crianças que não sabem ler jogam aleatoriamente e acabam acertando mesmo sem compreender o que estão fazendo. Buscaremos identificar em testes posteriores que conhecimentos linguísticos essas crianças constroem com esses acertos. Quando os jogadores já são alfabetizados, o desconhecimento da fruta indicada tem dificultado a localização desse nome. Ao jogarem em dupla, as crianças interagem e compartilham conhecimentos, auxiliando umas as outras na execução do jogo. A fase de pré-teste tem sido fundamental para aprimorar o jogo, (re)definir os critérios de observação e os pressupostos teóricos sobre a aquisição da escrita dos pesquisadores envolvidos. Além dos dados coletados pela observação, será possível também contar com dados quantitativos gerados pelo computador durante o jogo, ou seja, dados relativos ao tempo de reação dos usuários a cada um dos jogos propostos. Isso porque cada jogada realizada fica gravada e pode ser recuperada pelos pesquisadores. Esses dados podem fornecer informação sobre que palavras, sílabas e letras são mais acertadas pelos jogadores e quais possuem o menor nível de acerto. Além disso, também será possível observar o tempo que cada criança empreende para concluir os níveis do jogo. Com esses dados, poderemos pensar sobre fatores relacionados tanto ao desempenho das crianças no jogo (jogabilidade, importância de diferentes formas de feedback) na aprendizagem do sistema alfabético. Esses dados nos permitem verificar o tipo de atitude que as crianças incorporam durante os jogos, se são colaborativas ou mais individualistas e se isso muda com a idade dos jogadores. Os dados permitem também verificar se há uma sequência no tipo de estruturas das sílabas nas palavras que são identificadas mais rapidamente e quais seriam as mais difíceis de serem identificadas pelas crianças. Acreditamos que esses resultados servem de fundamento para compreender alguns aspectos da aquisição da leitura/escrita e podem servir de base para criação de novos jogos digitais interativos multimodais. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A criação de Frutas do Brasil teve como objetivo oferecer um jogo para de alfabetização, pautado em conteúdos do processo inicial de aquisição da leitura/escrita, sistematizado e fundamentado nas teorias do letramento e de aprendizagem coletiva e colaborativa. Buscamos, assim, observar o papel dos jogos educativos na alfabetização. A partir de uma avaliação sistemática desse jogo colocado em uso, tanto na mesa multitoque quanto em sua versão para PC, na testagem com crianças, respostas para algumas questões importantes estão sendo buscadas: 1. Sobre usabilidade, motivação, aprendizagem, desenvolvimento da autonomia, estímulo, feedback: a. Para que o jogador consiga jogar quais instruções devem ser dadas a ele?; b. Qual o papel da interface no jogo com crianças pequenas? Com uma interface mais amigável, o jogador pode descobrir, em suas tentativas, como o jogo funciona, sem necessariamente haver instruções explícitas, e, a partir disso, ir refinando suas estratégias para vencer as etapas do jogo?; c. Que tipo de respostas (feedback) contribuem para que o jogador faça reflexões sobre suas escolhas?; d. O tipo de feedback contribui para o jogador mudar suas hipóteses sobre a escrita e aprender mais sobre o sistema da escrita?; e. Os jogadores vão jogar colaborativamente? Vão aprender com a atividade dos outros jogadores?; f. O repertório linguístico usado, os desafios apresentados, as recompensas oferecidas, o tipo de interface usado são adequados às crianças? 2. Sobre a aquisição do sistema de escrita: a. O que é mais fácil? Palavra, letra, sílaba? A aquisição dessas categorias linguísticas segue uma gradação?; b. É preciso seguir uma ordem de apresentação das palavras considerando canonicidade silábica ou grau de familiaridade? Canonicidade silábica ou grau de familiaridade são fatores que influenciam a aquisição do sistema de escrita?; c. Que elementos da escrita oferecem dificuldade para as crianças?; d. Que fatores linguísticos influenciam a aquisição do sistema de escrita até o nível da palavra? Enfim, há muitas questões que ainda precisam ser respondidas a fim de se verificar qual o potencial dos jogos quando aplicados à educação, principalmente no que se relaciona à aquisição e desenvolvimento de competências e habilidades de leitura e escrita. Esta pesquisa está apenas começando. REFERÊNCIAS 1. D. Cafiero e C. V. Coscarelli. Competências e habilidades na alfabetização: como construir uma matriz de desempenho para um jogo? in Revista Língua Escrita. Belo Horizonte: Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas, n.1, n.2, dez 2007. 2. J. P. Gee. What video games have to teach us about learning and literacy. New York, Palgrave Macmillan, 2004. 3. J. P. Gee. Good vídeo games + good learning: collected essays on video games, learning and literacy. New York: Peter Lang Publishing, 2007. 4. J. Y. Ham. Low-cost multi-touch sensing through frustrated total internal reflection. Portal, Symposium on User Interface Software and Technology: Proceedings of the 18th annual ACM symposium on User interface software and technology Seattle, WA, USA. SESSION: Touch, 2005, pp. 115 – 118. 5. G. Jones. Brincando de matar monstros: por que as crianças precisam de fantasia, videogames e violência de faz-de-conta. [tradução Ana Ban] São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. 6. A. N. Leontiev. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. in Vigotski et al., Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. (pp.119-142). São Paulo: Ícone, 1988. 7. M. Prensky. “Don’t bother me mom – I’m learning!”: How computer and video games are preparing your kids for 21st Century success – and how you can help!. Paragon House: St. Paul USA, 2006. 8. A. L. Ribeiro e C. V. Coscarelli. Jogos online para alfabetização: o que a internet oferece hoje. Anais Hipertexto 2009. Disponível em http://www.ufpe.br/nehte/hipertexto2009/anais/g-l/jogos-online.pdf Acesso em 25/05/2011. 9. L. S. Vigotski. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 10. A. C. Xavier. Reflexões em torno da escrita nos novos gêneros digitais da internet. Disponível em http://www.ufpe.br/nehte/artigos/Reflex%F5es%20em%20torno%20da%20 escrita%20nos%20novos%20g%EAneros%20digitais.pdf Acesso em 02/05/2008.