Centro Universitário SENAC Luis Claudio de Oliveira Tocchio Vídeo Game Design Uma análise da estética conceitual do entretenimento digital São Paulo 2007 LUIS CLAUDIO DE OLIVEIRA TOCCHIO Vídeo Game Design Uma análise da estética conceitual do entretenimento digital Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Scipião, como exigência parcial para obtenção da especialização em Mídias Interativas. Orientadora: Prof. Dr. Renata Gomes São Paulo 2004 Tocchio, Luis Claudio de Oliveira Vídeo Game Design: Uma análise da estética conceitual do entretenimento digital / Luis Claudio de Oliveira Tocchio – São Paulo, 2007. 110f. Monografia de Conclusão de Curso – Centro Universitário Senac – Especialização em Mídias Interativas. Orientadora: Prof. Me. Renata Gomes 1. Game Design 2. Narrativa 3. Imersão I. Título Aluno: Luis Claudio de Oliveira Tocchio Título: Vídeo Game Design Uma análise da estética conceitual do entretenimento digital Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac, como exigência parcial para obtenção da especialização em Mídias Interativas. Orientadora: Prof. Dr. Renata Gomes A banca examinadora dos Trabalhos de Conclusão em sessão pública realizada em ___/ ___/ ______, considerou o candidato: 1) Examinador(a) 2) Examinador(a) 3) Examinador(a) AGRADECIMENTOS À. Renata Gomes, que pacientemente me orientou, com palavras sempre gentis e estimulantes e à Roger Tavares, por seu apoio e amizade. Dedico este trabalho à Bella, minha amada esposa e a meus filhos, dádivas enviadas por Deus. RESUMO Este artigo pretende analisar de forma breve e objetiva os princípios fundamentais que inspiraram a criação de jogos eletrônicos de primeira e segunda geração em relação aos recursos contemporâneos, com foco nas suas vertentes narrativa e tecnológica e as perspectivas para o futuro do game design. Palavras-chave: Game design, narrativa, programação, imersão, tecnologia, consoles, vídeo game ABSTRACT This article is intended to analyze briefly and objectively the fundamental principles that inspired the creation of the first and second generation electronic games in relation with contemporary resources, focused on its narrative and technological ways and the perspectives for the future in game design. Key words: Game design, narrative, programming, immersion, technology, consoles, video game LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Evolução do personagem Super Mario ................................................. 1 Figura 2 – Donkey Kong ........................................................................................ 2 Figura 3 – Adventure ............................................................................................. 3 Figura 4 – Frogger ................................................................................................ 5 Figura 5 – The Sims .............................................................................................. 8 Figura 6 – King´s Quest ...................................................................................... 13 Figura 7 – ET ...................................................................................................... 14 Figura 8 – Super Mario Bros ............................................................................... 17 Figura 9 – Asteroid .............................................................................................. 18 Figura 10 – Sonic ................................................................................................ 22 Figura 11 – Donkey Kong Arcade ....................................................................... 23 Figura 12 – Gabriel Knight .................................................................................. 32 Figura 13 – Wolfenstein 3D ................................................................................ 34 Figura 14 – MUD ................................................................................................. 36 Figura 15 – Controle Wiimote ............................................................................. 40 Figura 16 – Need for Speed ................................................................................ 46 Figura 17 – Myst .................................................................................................. 49 Figura 18 – Death Ilustrated (Doom Clone) ........................................................ 53 Figura 19 – Okami ............................................................................................... 60 Figura 20 – Chris Craford (Divulgação) .............................................................. 63 Figura 21 – Existenz ........................................................................................... 69 Figura 22 – Mindball ..................... ...................................................................... 78 Figura 23 – Context Aware Game ....................................................................... 82 Figura 24 – Holodeck (Star Trek) ........................................................................ 89 SUMÁRIO 1. Reflexões sobre o Game Design - 1 1.1 Game Design - 4 1.2 Etapas e procedimentos do Game Design - 6 2. Narrativas Digitais e os Adventos Tecnológicos: Motores da Criação - 15 2.1 Os Primeiros Passos da Narrativa no Game Design – 23 2.2 Game Design para os Primeiros Computadores Pessoais - 29 2.3 Diferentes Princípios Narrativos para o Game Design - 34 2.4 Maturidade do Game Design - 38 2.5 Outros elementos complementares ao Game Design - 47 2.6 Game Design Hoje - 53 3. Perspectivas para um Breve Futuro - 54 3.1 Perspectivas Futuras na visão de Chris Crawford - 62 3.2 Ambiente Virtual, Imersão e Game Design – 68 3.3 Os Horizontes do Amanhã – Game Design nas Próximas Décadas - 79 A. Fusão entre Presencial e Digital - 85 B. Holografia – 87 C. Telecinese e Comando à Distância – 89 3.4 Previsões e Expectativas – 91 4. Considerações Finais - 95 5 Bibliografia - 101 1. Reflexões sobre o Game Design Super Mario Bros – Exemplo da evolução conceitual, gráfica e tecnológica do game design Como se define o jogo; especialmente o vídeo-jogo? Tradicionalmente apresentados como ‘games’, os jogos eletrônicos - vistos em seu surgimento com desdém pela indústria cultural – parecem estar transformando radicalmente o mundo, a relação do homem com a máquina e até mesmo nosso sentimento de integração e sociabilidade. Isto se deve, em parte, a um nível de resposta quase imediato e sempre crescente de público, que mostrou vivo interesse na novidade e nas potencialidades de entretenimento por ele oferecidas, resultando no desenvolvimento de jogos cada vez mais elaborados e diferenciados e na conseqüente melhoria do suporte técnico oferecido pela micro-eletrônica na montagem de consoles e arcades com capacidades operacionais mais portentosas e também na criação de uma nova linguagem, por meio da concepção de desafios que ganharam contornos cada vez mais complexos, com a elaboração de roteiros quase cinematográficos, como vistos na atualidade. Especificamente em relação à jogabilidade e conteúdo das propostas de condução narrativa não há consenso efetivo no meio acadêmico, como será possível observar na argumentação dos principais teóricos e especialistas ao longo deste estudo. No entanto, ainda que as opiniões sejam antagônicas, o fato é que o game, qualquer que seja a definição e perfil encontrado para explicá-lo na qualidade de fenômeno sóciocultural, está cada vez mais presente no cotidiano e nos lares de todo o planeta e transforma-se de mero veículo de diversão familiar em recurso de capacitação técnica, cognitiva e de integração. Se acompanharmos o desenrolar da história desta tecnologia de entretenimento, perceberemos que - mesmo com um fluxo irregular, que alterna momentos de contagiante euforia de mercado com ocasiões de desespero ante aquilo que parecia ser praticamente a inevitável derrocada do produto em todas as suas versões e plataformas como visto no crash de 83 - a indústria soube aprender com seus equívocos e conseguiu manter-se firme, com crescimento sólido e constante, transformando-se, de apêndice do “business cultural” em um elemento motor, que dita de forma soberana as tendências tecnológicas e até mesmo comportamentais de uma nova geração. Os caminhos para o estabelecimento do meio como nova linguagem certamente passam pelo amadurecimento do recurso, seja no patamar tecnológico, com gráficos e formas de jogabilidade cada vez mais primorosas, seja no desenvolvimento de conteúdo, que envolve elementos diversos e bastante específicos do meio, tais como gameplay, funfactor, interface, níveis de desafios e processos imersivos, entre outros, que constituem o contexto narrativo do jogo. Obviamente, no início da era dos games não existia clareza em relação ao papel do designer e, tampouco, a definição da função em si, com o perfil de ação que acabou sendo-lhe conferido mais tarde com a sedimentação corporativa da indústria de games. Apenas a título de informação complementar, vale observar o comentário de Shigeru Miyamoto, diretor de criação da Nintendo, em entrevista no início deste ano: “Quando comecei minha carreira na Nintendo não havia nada como a criação de vídeo games na companhia. Não havia nem mesmo um estilo claro de vídeo games [no mundo] ainda... Foi só a partir do sucesso de Donkey Kong que o game design conquistou reconhecimento e foi considerado oficialmente uma parte grande da empresa.” (MIYAMOTO, 2007) No entanto, a própria dimensão alcançada pelo segmento conduziu à criação e produção Donkey Kong: redefinindo conceito de entretenimento eletrônico de games como um laborioso processo de inúmeras etapas complementares e subseqüentes, que devem apresentar harmonia, com o objetivo maior de alcançar a excelência no game design. Inúmeras publicações de influentes pesquisadores, designers e profissionais do meio vêm sendo lançadas nas duas últimas décadas, tentando cunhar um perfil mais claro para o complexo processo de game design ou, ao menos, elucidar alguns princípios fundamentais que regem sua realização. Em linhas gerais, pode-se aceitar como um princípio consensual entre os autores e estudiosos do tema que o game design pode versar por oito diferentes gêneros de criação, embora haja eventuais discordâncias em relação à fusão ou separação de alguns dos tópicos. A listagem abaixo, baseada em texto original, elaborado por Marc Prensky, apresenta os princípios gerais destes gêneros de forma breve e sucinta: - Action Games: categoria que inclui games de rolagem lateral (side scrollers) como Super Mario, games de labirinto (Pacman), combate a objetos em queda (Missile Command) e shot-them-ups como Doom e Quake. - Adventure Games: Estão entre os primeiros jogos de computador, como Zork, Adventure, Zelda e Myst. - Fighting Games: Dois combatentes manipulados por combinações de comandos de seus jogadores para enfrentar e derrotar o oponente, como nos clássicos Mortal Kombat e Street Fighter. - Puzzle Games: Jogos de solução de quebra-cabeças, como Tetris, Puyo Pop e Meteos. - Role Playing Games: Joga-se com um personagem humano ou humanóide, com atributos e características que se aprimoram através da aquisição de experiência ao longo da jornada. Everquest e Ultima são alguns exemplos. - Simulation Games: jogos de aviação, corrida e criação de cidades, entre outros como The Sims e Sim City. - Sports Games: O conteúdo, mais do que a jogabilidade, é um fator determinante, como jogos orientados por estatísticas ao invés de ação, controle de vários jogadores simultaneamente ou com equipamentos adicionais, que contribuem para a diversão e jogabilidade, como no caso de árcades com bastões de baseball, pranchas simuladoras de esqui, etc. - Strategy Games: jogos de combate contra grandes armadas e civilizações, como Civilization e Roller Coaster Tycoon. 1.1 Game Design Game design é um termo que certamente não pode ser definido apenas pela sua tradução literal. O conceito necessário para a definição deste processo envolve inúmeras etapas, o trabalho árduo de equipes profissionais e voltadas para um trabalho complementar e conjunto, criatividade e busca incessante pela melhor forma de fazer convergirem estes elementos para a realização de um produto final que ofereça lazer e inovação ao usuário, ainda que estes recursos se baseiem em uma construção narrativa sedimentada nos mais tradicionais elementos dos clássicos contos de fadas, como poderemos observar mesmo em jogos aparentemente distantes deste conceito, como Donkey Kong, de 1981. Richard Rouse III, escritor e projetista de jogos eletrônicos define o conceito de game design a partir da idéia de jogabilidade. “O game design determina quais escolhas o jogador será capaz de fazer no mundo do jogo e que ramificações estas escolhas terão no restante do jogo. O game design determina qual o critério de ganho ou perda o jogo deverá incluir, como o usuário será capaz de controlar o jogo e que informações o jogo comunicará a ele, e isto estabelece o quão difícil o jogo será. Resumidamente, o game design determina todos os detalhes de como a jogabilidade funcionará.” (ROUSE, 2001, p. xix) Katie Salen e Eric Zimmerman, em seu estudo, por sua vez afirmam: “’Design’ é metade do game design. Como conceito e como prática a idéia de design reside no centro da exploração dos games e de um jogar significativo... Assim como o termo game, design é um conceito com muitos significados. Sua definição depende do fato de o design ser considerado uma idéia, um conhecimento, uma prática, um processo, um produto... Mas e o game design? Haverá uma definição que indique um território particular para o game design?.. Como resposta, oferecemos a seguinte definição geral: Design é o processo pelo qual o designer cria um contexto a ser encontrado por um participante, a partir do qual o significado emerge.” (SALEN e ZIMMERMAN, 2004, p. 46) Finalmente, Bob Bates, apresenta o que parece ser a visão mais sucinta e objetiva para o processo de produção de um jogo e nos oferece boas dicas para a realização de um projeto: “O bom design em qualquer campo pode ser distinguido pela simplicidade. Um bom designer irá incluir somente aquelas coisas que são necessárias para criar o efeito que ele deseja. Qualquer coisa a mais é supérflua e deprecia o objetivo geral... Enquanto o projeto está em desenvolvimento, idéias vão aparecer... como você Frogger: Padrão gráfico básico essencial e simplicidade de comandos. decidirá o que colocar e o que deixar fora? Uma boa forma de nivelar é avaliar o esboço frente ao conceito. Se isso não ajudá-lo a alcançar o objetivo básico do jogo, cancele o projeto. Os melhores games não são enormes e esparramados; são justos e objetivos. Eles não distraem o jogador com coisas sem relevância.” (BATES, 2004, p. 36) 1. 2 Etapas e Procedimentos do Game Design A importância do desenvolvimento de uma nova linguagem, como vem sendo pesquisada tanto pela indústria de games como pelos laboratórios acadêmicos, é uma das atenções de Vicente Gosciola, que percebe não apenas os aspectos lúdicos oferecidos pelo jogo mas, também um extraordinário recurso hipermidiático, dotado de condições que o qualificam como instrumento nãoformal no que tange às possibilidades educativas e de aprimoramento pessoal e profissional de seus usuários. Ele considera que “o efeito do jogo no uso da hipermídia interessa principalmente porque pode tornar a convivência com a obra hipermidiática mais próxima da realidade. E não importam somente as possibilidades lúdicas para o usuário de hipermídia, mas principalmente a possibilidade de jogo inerente ao diálogo entre a narrativa textual e a narrativa audiovisual a ser desenvolvida pelo roteirista ou designer de hipermídia. Espaços para a motivação em ambientes interativos não-lineraes são importantes mesmo em produtos acadêmico-científicos. É possível oferecer ao usuário espaços e tempos para pequenas vivências como pequenos jogos que utilizem parte do conteúdo discutido. Um exemplo já bastante consolidado é o vídeo game.” (Gosciola, 2003, p.197). Ainda que o tema deste trabalho procure lançar uma reflexão na dualidade ora integrada, ora conflitante entre as propostas de condução narrativa de um game e o aprimoramento dos aparatos informáticos para oferecer uma melhor vivência no uso dos games a seus apreciadores, é fato que os princípios que norteiam a elaboração do game design se estendam para muito além destes tópicos, exigindo, naturalmente, conhecimentos e etapas muito mais abrangentes e já profundamente analisados por um bom contingente de experts e profissionais do assunto. Entre os muitos estudiosos debruçados sobre os preceitos do design de jogos eletrônicos, destacamos com facilidade o renomado pesquisador e game designer Chris Crawford, que parece estabelecer as bases fundamentais deste trabalho em sua obra, lançada no auge da segunda geração de jogos utilizados em consoles domésticos, embora este material talvez exija, hoje, uma revisão atualizada, tendo em vista os implementos e inovações que modificaram radicalmente o mercado de games nestas três décadas de existência. Resumidamente, sua obra pode ser apresentada com os seguintes tópicos no que se refere aos procedimentos que compõem o desenvolvimento de jogos: a. Escolha do Objetivo e do Tópico – Os jogos devem ter um objetivo claro e este objetivo deve se expressar em termos do efeito produzido sobre o jogador. “Escolha um objetivo em que você acredita, que expresse seu senso de estética e sua visão de mundo... escolher um objetivo que satisfaça o público, mas que não é de seu agrado, certamente produzirá um jogo anêmico” (Crawford, 1984, p.50). Os tópicos, que podemos traduzir aqui de forma mais livre e elucidativa como ‘temas’, podem ser diversos como, por exemplo, combate no espaço, presente no jogo Star Raider ou a guerra entre a Rússia e a Alemanha, vista em Eastern Front 1941, conforme nos demonstra o autor, entre outros exemplos que facilmente nos viriam à memória. b. Pesquisa e preparação – Uma vez definidos o objetivo e o tópico, devese aprofundar o conhecimento em tudo que diz respeito ao tema escolhido. Crawford cita que encontrou pouca informação útil em livros de história para o desenvolvimento de seu game Excalibur, mas foi muito bem sucedido ao pesquisar as lendas de Rei Artur. c. Fase de Design – O autor inicia suas produções pela elaboração dos recursos de entrada e saída (Input/Output Structure, no original), que ele define como a linguagem de comunicação entre o computador e o jogador. A saída de jogo se dá por meio dos gráficos e do som. A entrada se realiza pelo contato “táctil” do jogador com o jogo. Esta interação é de suma importância para o jogador e pode ser conseguida pelo oferecimento de um grande número de opções significativas, sem que isto se transforme em uma tediosa estrutura de entrada de dados. Subseqüentemente, sugere-se a criação da estrutura do jogo (Game Structure) que resume-se em: como transformar o objetivo e o tópico em um sistema funcional. A estrutura de programa é a etapa responsável por transformar a estrutura de entrada e saída e a estrutura de jogo em um produto real. Na etapa de avaliação do design, deve-se analisar a estabilidade da estrutura de jogo. d. Fase de Pré-Programação – Ao transcrever toda a criação do jogo para o papel, é importante enfatizar a experiência do jogador, mais do que as considerações de ordem técnica. e. Programação – O autor cita esta fase como sendo a tediosa etapa de programar e retirar ‘bugs’ do código. f. Playtest e Post-Morten – Após receber as sugestões e críticas do playtesters, deve-se lapidar os últimos detalhes e lançar o produto final. Outros autores observam o processo de game design de formas mais ou menos similares e o próprio Crawford se utiliza cotidianamente desta metodologia na elaboração de seus trabalhos. Surpreendentemente, em uma entrevista concedida em 1997, Crawford afirma que o game design manteve-se estanque em sua essência ao longo destes anos, sem apropriar-se do vasto histórico de erros e acertos de suas produções e das expectativas do mercado para implementar mudanças profundas e renovadoras em seus lançamentos. Em suas palavras “...a indústria [de games] está muito maior e mais bem fundamentada do que nos primórdios dos anos 80... Eu acreditava que, por esta época, já estaríamos vendo uma grande profusão de softwares de entretenimento, voltados a uma ampla gama de interesses. Isto não aconteceu; os jogos de computador permanecem completamente inalterados em termos de apelo básico. São precisamente o mesmo ‘fogo-neles’ de ação rápida ou jogos de estratégia para nerds que eram lançados há 15 anos atrás”. (CRAWFORD, 1997) Se, como observa Crawford, a indústria parece não sair em inovações, busca é de possível considerar também que esta verdade não é absoluta, já que alguns experimentos têm The Sims: Software de simulação apresentado como brinquedo de jogar e atraindo multidões de usuários. surgido ao longo desta jornada, na tentativa de oferecer diferenciais, que se manifestam efetivamente como fatores de diversão em campos inusitados e outras propostas, fugindo ao lugar comum dos games. Um exemplo atual pode ser observado nos próprios jogos de simulação, que vêm se apresentando não como jogos, mas na condição de “brinquedos de jogar” (software toys), como brevemente apontado neste estudo: “Enquanto os jogos que se configuram ao longo de uma jornada marcam sua conclusão com o fim do percurso espacial, o fim dos jogos de simulação fica a cargo do interator e apenas dele. Aparentemente cientes desta perspectiva, os distribuidores da série Sims vendem seus jogos sob a alcunha de software toys, ao invés de games propriamente ditos.” (GOMES, 2005) Paralelamente, outras criações surgem de forma também experimental, tentando romper a barreira conceitual existente na repetitiva indústria de games e propõem um fluxo de imersão diferenciado, que suscita sensações inusitadas e até então pouco comuns ao exercício do jogar. Aparatos como Donkey Konga, dotados de tambores, dispositivos como as maracás disponíveis para as plataforma Dreamcast ou propostas de narrativas com formas de uso e navegação inovadoras como as encontradas em certos títulos de Gameboy DS, tais como Advance Wars: Dual Strike, Puzzle Quest: Challenge of the Warlords, Nintendogs ou o surpreendente Hotel Dusk Room 215, que estabelecem novos caminhos para a apreciação e jogabilidade mostram, no mínimo, que o setor corporativo não está totalmente indiferente ao possível esgotamento da fórmula existente ou, por outro lado, ao potencial ainda latente e inalcançado da maciça parcela social constituída por não-jogadores. Por estas e outras razões, nunca se viu tão farta profusão de títulos voltados ao game design, com tamanha gama de vertentes autorais para se refletir sobre estas idéias. Em seu trabalho sobre teoria e prática do game design, Richard Rouse III, apresenta suas considerações acerca do tema e também contribui com idéias para um princípio de produção de entretenimento eletrônico baseado no conceito de game design, estabelecendo três modelos de ação para o desenvolvimento de jogos, conforme segue: a. Começando pelo Tipo de Jogo O autor narra este exemplo utilizando-se do termo ‘gameplay’, que entendemos qualificar-se melhor na tradução ‘jogabilidade’. Esta versão para o português, porém, não traduz com fidelidade a idéia defendida pelo autor, motivo pelo qual trataremos este item denominando-o “tipo de jogo”. “Pensar no estilo do tipo de jogo é freqüentemente mais fácil para compreender o tema, especialmente se o tipo de jogo é similar a algum outro já existente: ‘É um jogo de corrida!’, ‘É um simulador de vôo!’, ‘É um 3D de ação e aventura, tipo Super Mario 64!’, ‘É um Tiro em Primeira Pessoa’ como Doom!’... Com uma idéia geral do game que o interesse, o designer irá trabalhar naquilo que o seu game deverá conter em termos de tipo de jogo... Dependendo do tipo de jogo que deseje criar para o jogador, será necessário analisar o tipo de tecnologia necessária.” (ROUSE, 2001, p. 44) b. Começando pela Tecnologia O autor afirma ser comum hoje em dia, nas grandes empresas de desenvolvimento de games, iniciar um projeto com uma boa parte da tecnologia do game já desenvolvida, uma vez que alguns projetos se iniciam com base em algum outro já existente, seja um módulo anterior ou o mesmo sistema para um novo projeto. “Mesmo se o projeto prevê o uso de uma nova engine (sistema de programação ‘motor’ do produto), isto normalmente significa que uma velha engine será atualizada e, como resultado, o estilo do jogo, mais adaptado a esta engine não mudará significativamente... O designer será apresentado a esta nova tecnologia com a tarefa de criar um game que extrapole a sofisticada tecnologia para o máximo de efeitos.” (ROUSE, 2001, p. 45) c. Começando pela História “Por fim, é sempre possível que o brainstorm para o seu jogo comece com a ambientação que você deseja empregar, uma história que deseja contar, ou um grupo de personagens que deseja explorar. Este é, provavelmente, um ponto de partida menos comum do que a tecnologia ou o tipo de jogo. De fato, como muitos dos jogos não dispõem de uma história propriamente dita, a idéia de um jogo que comece pela história pode parecer estranha... Naturalmente, o tipo de história a ser contada terá um efeito dramático sobre o tipo de jogo (gameplay) que o projeto deverá ter. [Por exemplo, para] um grupo de amigos... combatendo criaturas hostis...um FPS com times deverá ser apropriado. Qualquer tipo de história que envolva o jogador confabulando com um grande grupo de personagens e seguindo em jornadas com o grupo parece mais apropriada para um mecanismo do estilo RPG”. (ROUSE, 2001, p. 47) d. Trabalhando com as Limitações Normalmente, os game designers já contam com uma boa noção das possibilidades de desenvolvimento do game a partir de cada uma destas abordagens e as conseqüências provenientes de cada opção e se utilizam deste conhecimento com bom senso e reflexão, de modo a otimizar tanto quanto o possível a riqueza do universo em criação. “Para cada decisão tomada para o jogo, muitas portas serão fechadas.” (ROUSE, 2001, p.50). De maneira inversamente oposta, os autores Katie Salen e Eric Zimmerman comentam o processo de criação que consideram ideal para o desenvolvimento de um game e sua trajetória consiste curiosamente em um caminho totalmente diferente do padrão medianamente estabelecido como processo de produção. “Eu não tenho um processo único de design. Ao contrário, eu creio que começar sempre do mesmo ponto levará freqüentemente ao mesmo final. Encontrar novos caminhos para trabalhar freqüentemente leva a um design mais inovador. Naturalmente, sempre há os ingredientes básicos do mecanismo de jogo, materiais, tema ou o mundo. Existem bons pontos-chave e em um design equilibrado estas dimensões irão se mesclar suavemente e dar sustentação uma a outra... Nos estágios iniciais do design eu freqüentemente cerro meus olhos e vislumbro novos mundos, novos sistemas e matérias, em busca de uma jogabilidade estimulante. Eu tento desenvolver a compreensão do que desejo sentir quando jogar o jogo: a excitação, a diversão, as escolhas, desafios...” (Salen & Zimmerman, 2004). Ainda que este processo deixe sugerido uma perspectiva de ação menos rotineira e mais livre para a tomada de decisões, parece improvável que desenvolvedoras de games em geral façam a opção por este caminho, dado que a complexidade do processo de produção de um jogo eletrônico é ampla e exige o trabalho de muitos profissionais, bem como o controle das distintas etapas de desenvolvimento e criação e de um cronograma sempre espartano para estas realizações. Em sua tese de mestrado para a Universidade de Waterloo, Anita Ching Yi Ngai, agrega os conceitos expressos por alguns pensadores e que determinam um perfil de criação para o desenvolvimento do game design, conforme apresentado: a. Interface com o usuário “Similar aos softwares de produtividade, os games devem ter usabilidade, efetivamente e eficientemente. As tarefas do game se dão por meio da interface... a performance do jogo é afetada pela habilidade da interface em complementar as limitações do jogador nos campos perceptivo, cognitivo e da memória.” (Desurvire, Caplan e Toth, 2004; Lazzaro e Keeker, 2004) b. Mecanismos do Jogo “Os mecanismos do jogo determinam como os jogadores interagem com o game, enquanto os elementos retóricos ajudam na compreensão das técnicas e regras do jogo, a capacitando os jogadores a administrar as tarefas do jogo.” (Davidson, 2003 ; Falstein 2004b) c. Jogabilidade “Diferentemente dos softwares de produtividade, os jogos oferecem experiência de diversão, por meio de objetivos motivacionais difíceis de serem alcançados, acompanhados por uma sensação de sucesso e recompensa. Assim, o jogar estimula a diversão do jogador por meio do controle da fluidez do jogo, baseado no tipo de desafio e habilidades necessários.” (Falsteins, 2004b) d. Narrativa “O ato de contar histórias (storytelling) é a arte de estruturar uma sequência de eventos lógicos, que provoquem um efeito emocional desejado. A história estimula experiências emocionais no público somente quando as conseqüências são compreendidas e percebidas por serem de relevante compreensão. Emoções são importantes para as histórias pela persistência na mente do público, por terem significações próprias.” (Ngai, 2005, P.17) A também conceituada game designer Roberta Williams, globalmente reconhecida pela fundação, junto com seu marido, da Sierra Online Inc. e pela criação de jogos tão inovadores e importantes em suas épocas como Mistery House (1979), Gabriel Knight (1993) e o implacável fenômeno King´s Quest (1984) comenta o processo de trabalho na criação de seus clássicos jogos: “Em minha época, quando eu criava um novo jogo [do tipo] Adventure meus primeiros pensamentos, antes mesmo de considerar qualquer estrutura de produção (framework), eram: Qual é a história? Quem são os personagens, especialmente o personagem principal? O que ele ou ela está tentando fazer, por exemplo, qual é a sua busca? Em que tipo de ‘mundo’ ou ‘terra’ este game será jogado? Em outras palavras, eu sempre penso primeiro na história, personagens e mundo de jogo. Eu precisava entender tudo isso antes de começar a pensar a respeito de qualquer estrutura de produção, engine ou interface. Uma vez com uma boa idéia da história básica, personagens e mundo eu podia pensar em como iria querer que o jogo funcionasse, rodasse ou sua aparência. Coisas como ‘quantas cores’ eu poderia utilizar (um problema real naqueles primeiros dias), quantas animações eu poderia usar e de que tipo, perspectiva de primeira pessoa ou de terceira pessoa, ..., o quão grande um jogo poderia ser (para disquete ou CD)... Obviamente, antes de decidir tudo isso, eu precisava saber o parâmetro das máquinas nas quais o jogo supostamente iria rodar. Mas eu sempre iria pegar estes parâmetros e ‘forçá-los’ um pouco mais além... Você não acreditaria quantos programadores teriam dito ao meu marido Ken ‘ela quer que o jogo faça o quê?!!!!’ Todos os artistas, no entanto, e os músicos e o pessoal dos efeitos sonoros me amavam, porque eu era capaz de fazer os programadores programarem algumas ferramentas maravilhosas, que algumas pessoas criativas poderiam utilizar para se divertir.” (JONG, 2007) Na mesma entrevista, a designer comenta sua fonte de inspiração para o desenvolvimento de King´s Quest: “Eu sempre adorei os velhos contos de fadas de eras passadas. Eu os lia e relia. Então, quando pensava em criar um jogo, naturalmente gravitei para o que gostava e com que me sentia confortável. .. então, pus esta paixão no meu game King´s Quest. O primeiro King´s Quest não era realmente nada além de um grande conto de fadas no qual alguém poderia experimentar diretamente de forma realmente interativa, ao invés da velha forma passiva dos livros, filmes e contos orais.” (JONG, 2007) Especificamente no caso de Roberta Wiliams é interessante notar como sua forma de trabalho segue um fluxo diametralmente oposto aos procedimentos sugeridos por Richard Rouse, o que nos mostra como, independentemente da realização de etapas similares, a forma de ação de cada profissional mostra-se bastante particular no processo de game design, embora este ‘fluxo de trabalho’ deva, naturalmente, estar subordinado à planilha de produção e às orientações da empresa desenvolvedora do game. Esta é, sem dúvida, uma das determinações mais intrínsecas ao processo de elaboração e produção de um game e muitos autores seguem este foco na orientação dos candidatos ao crescente mercado de games, como podemos identificar neste breve trecho do livro ‘The Art of The Game’: “Planejar, planejar, planejar. A lição mais significativa para se aprender sobre design de interface é planejar antecipadamente. Muitos fatores estão envolvidos em uma interface de usuário (UI) amigável e funcional... Quanto mais você planejar e experimentar, mas suave o processo será”. (OMERNICK, 2004, p. 254) “A composição visual e estética desempenha um papel estratégico no desenvolvimento de uma interface de sucesso. Imagem e lay out não precisam ser somente sólidos e limpos, mas também o mais eficiente e claro possível, para a compreensão dos jogadores. Estou certo de que muitos de vocês podem pensar em alguns jogos nos quais despendeu meia hora tentando compreender como iniciar o jogo. Um design de interface ruim pode rapidamente confundir e frustrar os jogadores... O trabalho do designer de Interface do Usuário requer não somente forte senso de design mas também a habilidade para pensar logicamente e entender a psicologia do jogador e a interação do jogo”. (OMERNICK, 2004, p. 247) Muitos autores e game designers já lançaram obras em que apresentam seus processos de trabalho e o modo como entendem ser ideal para os procedimentos de criação do game design. Neste trabalho, no entanto, não serão listados ET – The Game: Game design sem elaboração toda a gama de opiniões existentes sobre o tema, focando apenas as idéias gerais dos autores e artistas mais conceituados do meio, como forma de oferecer uma visão geral do assunto, para uma reflexão mais balizada. De modo geral, nas breves citações acima, é importante observar a presença sempre destacada com que dois destes fenômenos aparecem nas considerações dos autores e desenvolvedores de jogos de forma bastante recorrente, ainda que com variações em suas denominações específicas ou na forma de apresentação, porém, mantendo os aspectos formais de suas significações. Estamos tratando efetivamente dos elementos “narrativa” e “tecnologia”, que parecem ora se alternar na revisão do direcionamento de tendências para o lançamento de novos títulos, ora se complementam, constituindo um processo de criação muito mais rico e abrangente, que prima pela surpreendente apresentação de soluções inteligentes, instigantes e propositivas ao público usuário de jogos. Ao longo deste estudo será possível observar momentos decisivos no desenvolvimento de vários jogos e plataformas, em que a opção por uma ou outra destas características foi determinante para o sucesso ou derrocada de uma determinada “aposta” na criação de novos projetos. 2. Narrativas Digitais e os Adventos Tecnológicos: Motores da Criação Muitos são os aspectos envolvidos no desenvolvimento de um game, com inúmeras horas de trabalho de criadores, equipes de planejamento, artistas, desenvolvedores, músicos e outros profissionais. Questões como jogabilidade, narrativa, imersão, design conceitual e inovação, entre outras, devem ser consideradas e respondidas adequadamente como vimos acima, para a criação de um jogo que pretende oferecer horas de diversão garantida ao consumidor. Ao analisarmos o processo de criação dos games e a evolução que este meio vem sofrendo ao longo do tempo, podemos perceber que não apenas o aspecto tecnológico vem angariando melhorias, mas os elementos paralelos que compõem este desenvolvimento também somam aprimoramentos, que em muito contribuem para uma experiência mais rica da atividade fim, isto é, o jogar efetivo. Janet Murray, conceituada pesquisadora, responsável por Desenho e TI no Instituto de Tecnologia da Geórgia, estabelece uma ampla reflexão sobre as narrativas digitais e propõe, de forma acertiva, que “o primeiro passo na criação de um universo narrativo sedutor é preparar o roteiro do interator” (Murray, 1997). Sua opinião é alicerçada por um maciço contingente de artistas, desenvolvedores e autores diretamente ligados ao universo informático ou, mais especificamente, aos jogos digitais, porém a pesquisadora vaticina princípios e informações que nos levam a refletir quanto às potencialidades das propostas narrativas dos roteiros para games e o universo ficcional de personagens e mundos criados para este meio como promessas ainda pouco aprimoradas para aquilo que se propõem: “Enquanto formatos lineares como romances, peças de teatro e histórias de ficção têm se tornado mais multiformes e participativos, os novos ambientes eletrônicos têm desenvolvido seus próprios formatos narrativos. No campo da narrativa digital, os maiores esforços criativos e sucesso comercial têm se concentrado, até agora, na área dos jogos de computador. Muito desse empenho foi dedicado ao desenvolvimento de ambientes visuais mais elaborados e de tempos de reação mais rápidos, avanços que proporcionaram aos jogadores desafios mais variados à sua rapidez no gatilho contra oponentes visualmente mais convincentes. O conteúdo narrativo desses jogos é escasso, sendo frequentemente emprestado de outros meios ou supridos por personagens esquemáticos e estereotipados. Essa falta de profundidade narrativa faz com que mesmo personagens bastante populares, como os irmãos Mario e os lutadores de Mortal Kombat, não consigam repetir seu sucesso como heróis nas telas de cinema (p. 63)... Enquanto as narrativas dramática e escrita aproximaram-se do computador e os entretenimentos digitais assumiram uma maior semelhança com as histórias, a ciência da computação também está entrando em domínios antes exclusivos dos artistas criativos. Pesquisadores nas áreas de realidade virtual e inteligência artificial que tradicionalmente buscavam desafios técnicos e financiamentos na esfera militar têm deixado de modelar campos de batalha e armas inteligentes para desenvolver novos ambientes de entretenimento e novas maneiras de criar personagens ficcionais. Essas mudanças prometem ampliar enormemente o poder de representação do computador”. (MURRAY, 1997, p. 67) Como visto, embora o princípio narrativo possa responder pelo andamento seqüencial das etapas e fases do jogo e, até mesmo pela possibilidade imersão de potencialmente proporcionada ao jogador, nem sempre o fator ficcional do game, isto é, seu contexto narrativo foi um foco de interesse na elaboração e criação de roteiros mais densos Super Mario Bros: Narrativa digital sem paralelo em outros formatos. para os verificar jogos, se como pode-se observarmos as primeiras plataformas de jogos eletrônicos, que pareciam destacar grandemente uma jogabilidade voltada para o oferecimento de uma diversão despreocupada ao usuário e quase desprovida de elementos que lhe permitissem uma oportunidade de reflexão e considerações mais amplas. Obviamente, mais do que uma opção estética ou conceitual, parte deste design de narrativa incipiente com foco na ação era fruto das impossibilidades presentes no período por conta das restrições impostas pelos chips primários e insuficientes da hardware do período, como atestam as observações de Carl Therrien em seu artigo: “Nos vídeo games a representação visual começou “na unha”, com poucas formas e poucas cores. Os primeiros jogos de arcade “Computer Space” (1971) e “Pong” (1972) propunham universos estritamente abstratos, que podiam não ser necessariamente associados com referências do mundo real (ficção científica e pingue-pongue). A popularidade de elementos espaciais nos primeiros jogos não é surpresa; a despeito do interesse dos programadores em ficção científica, um fundo negro podia descrever o vazio espacial com custo mínimo em termos de recursos de sistema favorecendo, portanto, gêneros como o “fogo-neles”. Durante a primeira década desta história, o apelo do vídeo game como entretenimento podia ser encontrado em qualquer parte, que não em seu potencial figurativo. O modo de exibição Bitmap, baseado na subdivisão da tela em unidades distintas (pixels) às quais são associados valores individuais está atado principalmente a dois tipos de restrição: capacidades de exibição (mais notadamente, resolução de tela e simulação de cores) e de processamento (trabalhando com memória e processamento de CPU). Ambos estão mui proximamente unidos: a visualização “blocada” dos primeiros jogos pode ser explicada pela baixa resolução de tela (teoricamente, a resolução máxima de um Atari 2600, por exemplo, é de 192 x 160 [pixels]), mas também pela impossibilidade de manipular Bitmaps detalhados (daí a dominação de “blocos” grandes e uniformemente coloridos). Tais restrições favorecem as exibições frontal e lateral e diferentes pontos de vista eram freqüentemente fundidas em uma única cena”. (THERRIEN, 2003) O autor Mark Prensky mostra como, apesar das limitações técnicas da fase inicial do advento dos games, os desenvolvedores de jogos souberam contornar a paupérrima apresentação dos gráficos e a lentidão da jogabilidade, por meio de soluções interessantes e criativas, que transportavam o jogador para o rico universo da fantasia digital: “Designers de game freqüentemente fazem distinção entre a forma como um game é jogado e a forma que ele aparenta. Nos primeiros dias dos vídeo games e jogos de computador, quando a tecnologia era ainda muito nova, não havia muito que pudesse ser feito com os gráficos. Assim, os designers concentraram-se em fazer os jogos o mais estimulante possível. Mesmo se uma nave espacial era [apresentada como] um sinal de ‘maior que’ (>), ou se o personagem era somente um disco com uma boca, você se divertia com o jogo porque ele oferecia muito desafio e diversão” (PRENSKY, 2000, p. 25) Num momento em que o desenvolvimento tecnológico dos recursos, embora promissores, ainda engatinhavam, a sedutora abertura de um mercado no rico filão do entretenimento de massa abriu campo para pesquisas que enveredavam por temas em busca de respostas em um universo muito além da micro-eletrônica e cujo foco dirigia-se notadamente não para os experimentos científicos do futuro, mas para uma das criações mais ancestrais da cultura humana: o criativo exercício de contar boas histórias, independentemente do veículo utilizado. Esta jornada pelo Santo Graal da jogabilidade, aliada à diversão na incipiente indústria dos vídeo games seria responsável por um afã de experimentações e tentativas, visando um game design com grande poder de empatia e facilidade de uso. Neste sentido, clássicos da breve história dos games falam por si, ao tornarem evidente o que fez deles obras referentes e absolutamente conceituadas frente à vasta profusão de lançamentos que se deu no início dos anos 80, com a participação cada vez mais expressiva de novas empresas e de grandes corporações disputando as vendas e a preferência do público. Esta busca por soluções diferenciadas conduziu também a criações com a intenção de transpor as fronteiras claramente demarcadas pelo monitor de vídeo: “Asteroids e Pacman popularizaram as telas ‘wraparound’ (contornar), onde o personagem ou veículo podia deixar a tela de um lado e reaparecer do outro, um gesto estrutural na direção de um mundo de jogo contínuo e sem limites” (LATHI, 2003, p. 159). Mais à frente, o autor enfatiza desta a relevância nova etapa tecnológica: “A tela começou a se tornar mais proximamente identificada com o ponto jogador, mais de do vista do que a totalidade do universo jogável do game” (LATHI, 2003, p. 159). Asteriods: extrapolando os limites da tela. De fato, nesta busca pela linha evolutiva dos games rapidamente se sucederiam inovações técnicas e narrativas como a de Pitfall, que trazia a sensação de continuidade e fluxo e Pac Land, que explorava o mote da jornada do herói, mais tarde reapresentada em outras produções brilhantes como Super Mario Bros e The Legend of Zelda. Vale sempre ressaltar que as limitações técnicas dos primeiros equipamentos eram também um fator de impedimento à criação de produções mais elaboradas e pretensiosas. ‘Pong’ (1972), a primeira plataforma disponível em larga escala ao grande público, apresentou jogabilidade muito mais intuitiva que seu antecessor direto, ‘Computer Space’ (1971), embora este apresentasse um conceito narrativo (ou, ao menos, uma sugestão de argumento) muito mais claro e plausível: você, na condição de piloto de uma espaçonave, defendendose contra uma chuva de meteoros e eliminando inimigos com um canhão de tiros. Embora o contexto de ‘Computer Space’ pudesse apresentar possibilidades infinitamente maiores de imersão por meio da fantasia sideral, ‘Pong’ tornava-se um sucesso pela facilidade de uso, isto é, pela jogabilidade, ainda que seu game design apresentasse recursos visuais mais elementares, uma dinâmica mais repetitiva e total ausência de conceitos que fizessem alusão à uma narrativa fluída. Cláudio Rabelo (2005) tece considerações semelhantes em sua obra ao comentar que “o famoso jogo River Raid está circunscrito sobre o mote de um avião que atira em alvos móveis como navios e helicópteros suicidas, tendo que passar por retângulos que significam combustível... qual o seu objetivo [do jogo]? Qual era a missão? Qual era o nome do piloto?” De fato, a ausência de informações como esta indicam o interesse da Activision, empresa desenvolvedora do game em, no máximo, apresentar um breve perfil de ação, que permita localizar o jogador no tema proposto, oferecendo-lhe jogabilidade e diversão, como apontado por Mark Prensky, poucas linhas acima, e em driblar a limitada capacidade de processamento dos consoles e arcades de então, em busca de uma solução que otimizasse os recursos e oferecesse facilidade de acesso ao usuário, por vezes sacrificando até mesmo a conotação do produto final disponibilizado. Mas este cabo de guerra entre a condução do game ora pela narrativa, ora pela reviravolta insurgente da microeletrônica não apresentaria um vencedor, mesmo nos dias de hoje, como se percebe, ao podermos optar pela plasticidade hiperrealista de Need for Speed para Xbox 360 ou pela imersão lúdica e fantasiosa de Super Paper Mario para Nintendo Wii. A história dos games está repleta de momentos em que criatividade e tecnologia puderam trabalhar em conjunto para oferecer diferenciais, às vezes, absolutamente revolucionários e inconcebíveis, nos desdobramentos e conseqüências para o mercado. Um exemplo do fato pôde ser observado na época de lançamento do NES, em que a Nintendo conseguiu não apenas o prodígio de resgatar a atenção do público para os games como forma de entretenimento, mas transformou-o em consumidor ávido de sua plataforma e viu as vendas avançarem vertiginosamente, dando-lhe uma supremacia de mercado que só encontrava precedentes na época áurea do Atari, alguns anos antes. A concorrência assistiu à escalada da Nintendo e, ciente da necessidade de encontrar um novo foco para manter-se competitiva, passou a buscar soluções, nem sempre bem sucedidas, como ocorreu com o console TurboGrafix 16, da NEC. A Sega, que amargava um segundo lugar nas vendas com seu console Master System, percebeu que era hora de fazer frente ao NES e à Super Mario 3 que, sozinho, amealhava US$ 500 milhões em vendas no mercado norte americano. Para tanto, era imprescindível que seu próximo console, Genesis/Mega Drive, estivesse disponível o mais depressa possível e que o interesse do público pudesse se voltar à esta nova plataforma. Além de uma paleta mais abrangente de 512 cores, que permitia disponibilizar 64 cores simultaneamente (contra somente 16 do NES), o equipamento possuía uma CPU de 16 bits com 7,61 Mhz e um co-processador de 4Mhz, (NES: CPU de 1,79Mhz) responsáveis por uma performance extremamente superior ao console de 8 bits da Nintendo. Mesmo com toda esta capacidade de processamento, os dois primeiros anos foram difíceis para o console, que só encontrou sucesso com a determinação da empresa de criar um produto capaz de responder aos anseios dos jovens, que começavam a mostrar fastio com os títulos para 8 bits. A solução partiu de um pequeno grupo de game designers, intitulado Divisão AM8 a mais tarde rebatizado como Sonic Team, em homenagem à mascote que salvou a empresa e mudou os rumos do game design. Sonic The Hedgehog tornou-se um fenômeno imediato e foi uma revolução por vários motivos: além da performance vertiginosa e sem precedentes proporcionada pelos 16 bits, o jogo contava com um belíssimo visual, de cores vibrantes e formas sintéticas que faziam vínculo direto com os experimentos da emergente computação gráfica. A dinâmica do game também se espelhava na exploração espacial do ambiente, que parecia ter amplitude ilimitada, permitindo saltos giratórios cuja elevação trazia novidade ao gênero plataforma e oferecia subníveis muito mais estimulantes do que o universo de Mario Bros. De forma complementar, a simplicidade de comandos do personagem pelo controle e o imediatismo de sua resposta de performance a estes comandos mostraram ao mercado que a nova leva de jogos necessitava de uma atualização na apresentação e na linguagem. Mas o que marcou de fato o lançamento foi a criação de um mascote cujo design conceitual encontrava eco junto a seu público-alvo: Sonic. O porcoespinho azul não tinha apenas estilo e design elegante, mas era ousado, rebelde e ansioso, bem como os jovens da época, e transformou-se em porta voz de uma massa descrente dos dogmas institucionais que balizaram o modo de vida das gerações anteriores. Seu perfil detinha elementos subjetivos que iam diretamente ao encontro do comportamento urgente e arrogante dos adolescentes e oferecia um escape até certo ponto controlável pelos pais, circunscrito ao ambiente familiar. A indústria de games mostraria ter aprendido esta lição, tornando-se mais ousada no desenvolvimento de novos jogos e incorporando as soluções que aliassem a convergência de design criativo e gabarito Sonic: Atitude rebelde e vínculo com o público jovem . técnico dos consoles. Em entrevista concedida em 95, ao lado de Shigeru Miyamoto, o também diretor de games Takashi Tezuka, responsável por Yoshi´s Island, comenta mais uma vez o tema ‘concepção vs. tecnologia’, para salientar a importância das soluções criativas: “A tecnologia de hardware é muito importante, mas se você se fiar demais no hardware e não nas idéias, você não fará games. Você terá uma demonstração de software. A nova tecnologia pode tornar as coisas mais interessantes. Por exemplo, o Nintendo 64 pode produzir imagens avançadas, mas se isto é tudo o que iremos enfatizar, o game se tornará chato. O problema que encaramos é como utilizar a tecnologia avançada para intensificar a jogabilidade. A tecnologia é apenas uma ferramenta para a expressão das idéias.” (TEZUKA, 1995) Há, no entanto, pensadores que discordam dos preceitos narrativos como elementos motores para o game design. Estes profissionais ficaram conhecidos como Ludologistas e, em termos gerais, estudam o jogo como fenômeno por si só. Seu foco de atenção está nos jogos como um todo e nos vídeo games em particular. Entre os expoentes desta linha acadêmica, podemos citar Espen Aarseth, que claramente discorda das propriedades narrativas dos games, ao considerálos como objetos não textuais. Seu parecer sustenta que um jogo de xadrez não é narrativo e que as regras que o orientam não o tornam mais textual do que, por exemplo, as instruções existentes no verso de uma lata tornariam o produto nela contido mais textual. Estas ponderações parecem não levar em conta o poder hipermidiático que os sistemas computacionais oferecem e que permitem possibilidades de encantamento, identificação e envolvimento ainda maiores do que a literatura nos proporciona, se somarmos ao processo textual os recursos visuais, tácteis e de inteligência artificial, que os jogos concentram em suas produções. Se detivermos nossa atenção às projeções de avanços tecnológicos para as próximas décadas e o histórico de modificações e aprimoramentos por que passam os gêneros dos games ao longo da breve história do meio, é impossível desconsiderar as oportunidades que se vislumbram para o futuro, do crível ao mais imponderável, na concepção de histórias e na participação imersiva do jogador. Com base na visão crítica e aparentemente inflexível apresentada, Aarseth demonstra crer que damos destaque tão expressivo às histórias nas criações digitais porque não somos tecnólogos, isto é, que na condição de humanistas, acabamos por conferir importância ao único campo de conhecimento pelo qual conseguimos trafegar com certa tranqüilidade. Assim, acabamos exercitando nossa soberba ao invés do senso crítico, dando mais importância à narrativa do que, de fato, possui. Mesmo assim, o autor reconhece que “o contar histórias tem sido, e ainda é, a forma dominante de expressão cultural”. (AARSETH, 2005) 2.1 Os Primeiros Passos da Narrativa no Game Design Também o ilustre designer de jogos Shigeru Miyamoto, da Nintendo, comentou brevemente as limitações técnicas dos primeiros consoles e aparelhos e as conseqüências destes entraves para um desenvolvimento mais elaborado de criações no campo dos games. Assim descreve o artista o processo de criação de sua obra mais reconhecida, o encanador Super Mario: "No caso de Mario, por volta de 1980, quando não podíamos reproduzir designs sofisticados nas máquinas de jogo para TV em virtude das limitações tecnológicas, tive que fazer o nariz dele ainda maior e colocar um bigode, para que os jogadores pudessem perceber que ele tinha um nariz. Tive que faze-lo usar um macacão, para que os movimentos de suas mãos se tornassem perceptíveis. Mario foi resultado destas idéias racionais, mais o toque de design italiano que eu adorava” (MIYAMOTO, 2002). Diferentemente de outros criadores de jogos do mesmo período, Shigueru Miyamoto pareceu estar sempre um passo à frente no que se refere ao game design. Suas produções mostraram, desde o seu primeiro sucesso, Donkey Kong, lançado em 1981, um olhar mais atento ao que poderia ser observado como uma indicação para a criação de uma ambientação mais elaborada, que concentrasse mais do que apenas o estilo ‘fogo neles!’, por meio de relações de proximidade entre os personagens da trama, num primeiro esboço do que potencialmente viria a ser um argumento para a narrativa digital. Miyamoto foi, sem dúvidas, o primeiro game designer a se apropriar de conceitos para além do universo restrito da tecnologia dos games pelo enfoque do devaneio e beber na fonte do imaginário coletivo que permeia o ambiente dos mitos e do herói. Jogos baseados em personagens heróicos não constituíam qualquer novidade já naquela época e dispositivos como Atari, Amiga e ZX Spectrum, entre outros, já haviam lançado jogos cujos personagens centrais eram figuras de proa como Superman e Homem-Aranha. Além destes, alguns outros personagens foram desenvolvidos pelos próprios fabricantes de games, como Space Invaders, QBert e Berzerk, embora à época ainda não houvesse a consciência do potencial representado por estes personagens como elemento visual de forte apelo junto ao grande público, como aconteceria em um período não muito posterior com o surgimento de Pac Man. O caso de Donkey Kong, no entanto, se evidencia, não pelo uso do personagem heróico, mas pela apropriação sagaz do princípio do “herói” e dos contos infantis, oferecendo não somente jogabilidade intuitiva e funfactor, mas também propondo imersão por meio da figura nanica de um anti-herói, que vence desafios para salvar sua amada. Neste sentido, a criação deste personagem e de toda a estrutura presente no jogo se aproximam das idéias de Joseph Campbell, como o proposto em linhas gerais em sua obra, The Hero with a Thousand Faces: “Seja o herói ridículo ou sublime, grego ou bárbaro, gentio ou judeu, sua jornada pouco varia no plano essencial... todavia, espantosamente variações aventura, na os são poucas as morfologia da papéis dos personagens envolvidos e as vitórias conquistadas.“ (CAMPBELL, 35) Donkey Kong continha em sua estrutura as figuras clássicas do Donkey Kong: Releitura de clássicos contos de fadas vilão, do herói e da princesa indefesa presa no alto da torre, recorrendo assim ao imaginário coletivo dos contos de fadas universais e estabelecendo um diálogo fluído com o público jogador, que conseguia criar identidade e empatia com o contexto do jogo, auxiliado pela dinâmica de jogabilidade básica, e já por ele absorvido, de comandos que correspondiam aos saltos e movimento do personagem na tela. Assim como as criações de Miyamoto, somente outro estilo de jogo parecia inclinar-se para o desenvolvimento de roteiros (minimamente) mais elaborados: os RPGs eletrônicos, que buscavam transpor para o virtual o rico universo dos jogos de mesa, construindo, para tanto, elaborados backgrounds, que situavam o jogador em um contexto de fantasia, normalmente voltado para o período medieval, especificamente por conta do imenso sucesso do jogo Dungeons & Dragons. Zork foi certamente o mais bem sucedido dos jogos pertencentes ao gênero que ficou conhecido como ‘ficção interativa’. Embora tenha sido claramente adaptado de seu influente direto, o ‘Colossal Cave Adventure’ (1976), o jogo trazia inovações que contribuíam grandemente para seu game design, como a possibilidade de indicar comandos mais complexos e que podiam envolver a digitação de termos como verbos, substantivos, adjetivos e preposições, que abriam possibilidades muito mais amplas e divertidas de interação. Outra característica marcante do jogo residia no fato de que, por tratarse de um produto realizado em modo de texto, o jogo fazia uso intenso dos elementos que caracterizam as obras literárias, tal como a descrição detalhada de ambientes e personagens, criando uma atmosfera de intimidade e interelação ainda maiores com este universo. Estas inovações, ainda que superficiais e aparentemente inócuas, foram fundamentais para o processo de imersão dos usuários, que encontravam, por meio do jogo, um ambiente em constante modificação e cheio de surpresas a cada nova partida. O jogo lança o usuário em um obscuro e claustrofóbico ambiente de corredores e labirintos, entremeados por salas, que se alternavam com a presença de tesouros e criaturas. Parte desta capacidade narrativa e imersiva do game devia-se ao seu formato texto, que conferia um nível mais profundo de introspecção ao longo do desenrolar da aventura, criado majoritariamente no campo do imaginário, além de uma maior identificação com o personagem, aqui incorporado na forma de alterego do usuário, que projetava a si mesmo na pele do guerreiro virtual. A isto deve-se acrescentar ainda o desejo de prolongar a relação catártica do usuário com o ambiente sempre inovador e dinâmico do ficcional. Neste sentido, outras estruturas de game design se utilizaram do mesmo recurso, como os FPS e os God Games que, por meio do oferecimento de um campo de ação macro, em que o jogador administra e conduz os desdobramentos de um mundo em transformação, apresentam uma possibilidade de projeção imersiva plena, de tal forma que a relação jogador-máquina deixa de existir na condição de pólos eqüidistantes para amalgamar-se em uma relação una, denominada “Consciência Ciborgue” pelo autor Ted Friedman em seu estudo “Civilization and its discontents: Simulation, Subjectivity ans Space”: “Como transformar esta confusão de papéis em um leve fluxo de jogabilidade? ... Você não se identifica com o computador em si... [isto é,] o prazer do jogo de simulação vem de habitar um estado mental alienígena e não familiar: aprender a pensar como um computador. ... A maneira como o computador ensina estruturas de pensamento... se dá por meio da internalização da lógica de programação. Para vencer... você precisa trabalhar com as regras do game. Eventualmente, suas decisões se tornarão intuitivas...” (FRIEDMAN, 1999) Mais à frente, no mesmo texto, o autor define: “Pensar como o computador” significa pensar em conjunto com a máquina, tornando-se uma extensão do processo computacional. Isto ajuda a explicar a forma como o jogo “suga [o jogador]”. O prazer dos jogos de computador está em entrar em um estado mental semelhante ao do computador, respondendo automaticamente [como ele]... O resultado é um estado semi-meditativo, no qual você não está apenas interagindo como a máquina, mas mesclando-se a ela.” (FRIEDMAN, 1999) Embora a base apresentada para suas considerações resida nos jogos de simulação, outros gêneros mostram-se perfeitamente integrados aos mesmos conceitos, tendo em vista a imersão proporcionada pela interação nestes ambientes digitais. Este “estado mental semelhante ao computador” é um estágio claramente presente na maioria das sessões de jogo, sempre que há identificação do jogador. Esta imersão consegue proporcionar a experiência ímpar de estar em outro lugar, viver uma outra vida ou uma nova história, não necessariamente baseada na lógica cartesiana de nosso plano existencial e que é capaz de promover significativas transformações intelectuais e cognitivas no usuário. Friedman ainda nos elucida os aperfeiçoamentos decorrentes desta inversão, ao comentar: “Devo esclarecer que, ao falar sobre ‘pensar como um computador’, não estou sugerindo antropomorfizar, ou que máquinas possam ‘pensar’ como fazem os humanos... pensamentos humanos são menos lineares, mais fluídos. Eu proponho que, usar os jogos de simulação pode nos auxiliar a, intuitivamente, abraçar o caminho particularmente diverso pelo qual computadores processam informação e nos ajudem a reconhecer como nossas relações com computadores afetam nossos próprios pensamentos e sentimentos”. (FRIEDMAN, 1999) Mesmo sendo celebrada como um fator de desenvolvimento, esta consciência ciborgue também é alvo de inúmeras críticas, que vêem nesta transição, não um intenso processamento mental, mas um possível comprometimento das relações sociais a partir da eventual possibilidade de, durante esta simbiose, o usuário ser acometido de um torpor vegetativo e alienante, potencialmente irreversível. Se, por outro lado, estas críticas não forem procedentes e considerarmos que a experiência vivida com os games pode nos oferecer possibilidades tão amplas e promissoras por meio da indução de um estado simbiótico com a máquina e de imersão plena e regozijante, é possível compreender as razões que levam boa parte dos designers a buscar alternativas diferenciadas com o intuito de nos oferecer novos estágios de integração neuro-computacional, seja por meio de linhas narrativas emergentes para o meio digital ou tentando suplantar os gargalos sempre presentes dos recursos tecnológicos. Porém, uma parcela de estudiosos observa que nem todas as boas histórias podem ser convertidas em narrativas adequadas para o desenvolvimento de um game que atenda aos preceitos de jogabilidade, desafio e condução lúdica, necessários para transformá-lo em um game de sucesso ante os ávidos jogadores. Chris Bateman investe nesta linha de pensamento ao considerar: “Mas quando você tem uma narrativa em particular, como você julga se ela se adequa aos games? E quando você tem um jogo, como você julga o que você pode fazer com sua narrativa? [Este é] um problema que os escritores de game e outros interessados em narrativa de games freqüentemente preferem negligenciar é que é tremendamente ineficaz transformar uma história em jogo. Por exemplo, suponha que você tenha um pequena história para contar. Você pode escrevê-la em prosa em poucas horas. Você pode captar e editar um curta metragem em um dia ou mais. Mas para transformar a mesma pequena história em um game levará centenas de horas de trabalho de um homem. Agora, é verdade que, ao fazer disso um game, você adiciona algo que não pode obter em outra mídia – interatividade. Mas há um uma turbulência aí, que é o fato de que nem todas as histórias se beneficiam da interatividade. Se você quiser contar a história de Jó, por exemplo, há um campo muito pequeno para torná-la interativa... Argumentos similares podem ser usados para Macbeth de Shakespeare ou, digamos, Ulisses de James Joyce. Não é que estas histórias não possam ser versadas (ou ao menos usadas como inspiração) para games – é mais o fato de que o que torna estas narrativas interessantes não é necessariamente compatível com a forma interativa”. (BATEMAN, 2006) Certamente não há ainda resposta para esta questão, mas os grandes nomes do game design estão debruçados com empenho ímpar na tentativa de encontrar caminhos que suplantem estes problemas. 2.2 Game Design para os Primeiros Computadores Pessoais As limitações tecnológicas dos primeiros tempos da microeletrônica apresentavam-se ainda mais comprometedoras no hardware espartano dos computadores, quando da entrada destes equipamentos na vida cotidiana dos grandes centros urbanos e, mais tarde por todo o mundo. Estes aparelhos, vistos ainda à época de sua disseminação no mercado como máquinas voltadas estritamente ao mundo dos negócios e das necessidades corporativas, não contavam com recursos que fizessem uso das potenciais particularidades multimidiáticas, por conta de uma visão bastante estreita e limitada dos fabricantes. Os poucos jogos para PCs disponíveis eram tidos ainda apenas como entretenimento básico e, por conta disso, incapazes de competir em pé de igualdade com os consoles fartamente distribuídos a preços populares nos lares de classe média e que contavam com processadores dedicados e recursos gráficos mais potentes, em virtude de um histórico direcionado especialmente para o lazer familiar. Cientes destes problemas da plataforma, mas indispostas a competir no acirrado mercado de jogos para console já fartamente dominado pelas desenvolvedoras de peso, algumas empresas souberam encontrar potencial para os PCs, que começavam a migrar dos escritórios para os lares, de olho no promissor mercado de jovens e adolescentes dos ambientes familiares. Foi neste contexto que a Sierra Online iniciou a jornada que a transformaria em uma sólida empresa do entretenimento eletrônico. Se o hardware dos computadores era insuficiente para as complexas animações e texturas, o caminho possível se apresentava no desenvolvimento de uma história mais aprofundada, com nuanças de subcamadas de informação, com uma densa narrativa e recursos que exigiam mais reflexão e raciocínio do que destreza manual do usuário ou o processamento de cálculos infinitos para a composição de imagens e cenários. A empresa já havia produzido alguns títulos de relativo sucesso, como Mystery House (1979), considerado o primeiro adventure game para PC que continha imagens, um upgrade natural de Zork e outros games similares. A criação de King´s Quest (1984) ia na mesma linha de pensamento e elencava um contexto narrativo, que mais uma vez iria à fonte dos contos clássicos para contar a epopéia do jovem Sir Graham que, para herdar o reino de Daventry deveria encontrar 3 tesouros, vencendo desafios e feras. Com jogabilidade simples, o game primava por oferecer soluções criativas e inovadoras no uso dos gráficos, permitindo, por exemplo, que o personagem pudesse passar pela frente ou por trás de uma pedra ou árvore, um recurso ousado para as parcas condições de animação de sprites e o uso de bitmaps oferecidos pelos PCs. Roberta Williams comenta o sucesso do jogo, ao afirmar que “Foi o jogo mais bem sucedido que havíamos desenvolvido até aquele momento (1994). Vendeu mais de um milhão de cópias em menos de um ano, o que, para aqueles dias, era fenomenal. Estou certa de que, hoje em dia, um jogo que venda ‘apenas’ um milhão de cópias em um ano seria considerado um monumental fracasso.” (WILLIANS, 2007) O game design para computadores ainda conheceria outras tentativas bem sucedidas, que se caracterizavam por um conjunto de técnicas que, somadas, tentavam encontrar o estado-da-arte no desenvolvimento de jogos conseguindo, muitas vezes, surpreender o mercado, como é o caso de Alone in the Dark (1991). Já naquela época o desejo de oferecer uma ambientação mais imersiva, que proporcionasse navegação fluída entre os vários espaços do game e uma sensação mais efetiva de envolvimento com o meio, era fator de interesse de muitos dos estúdios e designers de game. Frédérick Raynal, um francês apaixonado por informática e filmes de terror, entendeu que a soma destas paixões poderia resultar em um produto inovador, que pudesse trazer aos usuários dos PCs uma sensação única de envolvimento com o ambiente claustrofóbico e aterrorizante de uma mansão misteriosa e soturna, como conta: “Estava fascinado pelo 3D em tempo real, que se tinha finalmente tornado viável graças aos novos demoníacos PCs a 33MHz e estava empenhado em criar uma ferramenta que permitisse a modelação e a animação de objetos articulados a três dimensões. Estava particularmente atraído por algumas técnicas, até então não disponíveis em tempo real: skinnig, que constrói objetos convincentes a partir de vários componentes em vez de utilizar uma composição de componentes fracamente coordenados; e a interpolação temporal que ajustaria a qualidade da animação à capacidade de processamento do computador... Os filmes de terror eram [a esta] altura uma das minhas paixões, pelo que queria que o cenário típico deste gênero de filmes estivesse onipresente no jogo... Infelizmente, os computadores existentes na altura não tinham a capacidade para apresentar simultaneamente mais de uma personagem animada completa (150 polígonos sem texturas e 15 articulações por personagem) e um ambiente realístico 3D. O número total de polígonos que podiam ser utilizados para criar a personagem (cerca de 1.000 por imagem a 60 imagens por segundo) não permitia, no entanto, reproduzir um conjunto de personagens e ambientes suficientemente realistas para recriar a atmosfera de “casa assombrada” dos filmes de terror. Para ultrapassar o problema, decidi que todo o poder de processamento de polígonos do computador seria dedicado a recriar os heróis e monstros em 3D. Para os fundos existia apenas uma solução: utilizar bitmaps para modelar os fundos (o ambiente). Mas estes deveriam ser vistos em perspectiva, de modo a encaixarem com os personagens 3D. Assim, uma segunda ferramenta foi criada: um modelador de ambientes. Consegui então usar a ferramenta para revestir a casa com um modelo de arames 3D. todas as formas da mobília e das paredes foram desenhadas em linhas brancas sobre fundo preto, formando uma malha de cubos e outras formas ocas... Em adição a toda essa tecnologia, que constituía o aspecto que mais se destacava em Alone in the Dark, coloquei grande esforço no modo de jogar e na ergonomia, que na altura considerava essencial para um jogo de computador. Mas o objetivo do jogo, emprestado dos filmes de terror, manteve-se, a meu ver, essencial: lutar para sobreviver numa situação de puro terror.” (RAYNAL, 2002, p. 16) Alone in the Dark foi apresentado na caixa do produto como o “1º jogo de aventura 3D em tela cheia” e foi o precursor ainda de um dos mais ricos filões dos jogos de ação da atualidade, gênero que ficou conhecido como ‘Survival Horror’ e que geraria filhotes campeões de venda, como Silent Hill e Gabriel Knight: Texturas e modelagens associadas à narrativa soturna, criando um novo gênero. Resident Evil, para ficar apenas nos clássicos do gênero. Alguns meses antes do lançamento de Alone in the Dark, outro retumbante sucesso de vendas seria lançado, aproveitando-se da ínfima performance dos computadores de maneira criativa para criar uma experiência de imersão e jogabilidade radical e sem precedentes para o dispositivo, porém, sem o mesmo brilhantismo de Raynal na criação de um universo ficcional instigante e, para desagrado dos fãs de jogos como King´s Quest, apresentando uma narrativa muito menos elaborada. Os game designers que desenvolviam este produto também procuravam o ‘toque de Midas’ na criação de um game que pudesse aliar o máximo de performance dos computadores pessoais e uma jogabilidade mais ousada, com visual dinâmico e sedutor, uma intenção nada fácil de ser convertida em realidade, com os microcomputadores tão básicos em suas funções multimídia. Isto, no entanto, não refreou a tenacidade de uma dupla de jovens e inspirados desenvolvedores, que se propuseram a encontrar condições de aproveitar-se desta lacuna de mercado e suplantar os desafios instigantes que o microcomputador apresentava. Foi assim que os profissionais da ID Software, John Carmack e John Romero, unidos a um time de aficionados programadores e gamers, encontraram seu nicho e despontaram com uma novidade sem precedentes na seleta produção de jogos eletrônicos, ao desenvolverem um sistema de programação que conseguia utilizar-se de forma racional e significativa da limitada capacidade de processamento dos computadores pessoais, que começavam a receber as primeiras placas de vídeo VGA. Esta alquimia digital conseguiu gerar o objeto de desejo número um de todos os gamers do mundo daquela época, e que respondia pelo nome de Wolfenstein 3D (1992), o primeiro FPS para PC, com gráficos vibrantes e jogabilidade vertiginosa. A solução encontrada para Wolfenstein foi criar um ambiente de simulação de 3D com um labirinto texturizado de paredes e alguns objetos do mundo real como lâmpadas, plantas e animais. Ainda que os gráficos não fossem particularmente impressionantes, a atenção dada aos detalhes de textura criava uma atmosfera rica e dinâmica surpreendente para a época e para os equipamentos disponíveis. Nem tudo em Wolfenstein era apuro tecnológico, no entanto. Parte do encantamento e da imersão proporcionados pelo jogo residia na presença de um elemento que se encarregava de maneira simples em transportar o jogador para dentro dos perigosos labirintos nazistas e fazê-lo sentir-se na pele do espião da Aliança J. “BJ” Blazkowicz: a renderização da imagem de uma mão na base da tela e que sustentava a arma portada pelo personagem. Este recurso visual aparentemente simples, reforçava a sensação de presença ‘real’ dentro do ambiente do jogo e a conexão entre o jogador e o protagonista do game. Sean Sylvis, em seu trabalho de revisão sobre o jogo comenta a forma criativa e inteligente como John Carmack, programador chefe do jogo, conseguiu evitar as limitações de processamento e dinamizar a experiência do jogo: “Em virtude das limitações do hardware que rodaria Wolf3D, havia muitos truques gráficos que Carmack usou para que o jogo pudesse rodar mais rapidamente. Por exemplo, ao invés de desenhar e texturizar o teto e o piso, a metade superior da tela foi colorida com uma cor (cinza escuro) para o teto e a parte inferior com outra cor (cinza claro) para o piso. Adicionalmente, todas as paredes foram alinhadas pelos eixos X, Y e Z. As paredes eram inseridas sempre em ângulos de 90º para que a engine (isto é, o programa ‘motor’ de renderização do jogo) pudesse tirar vantagem [da repetição sistemática] quando fizesse os cálculos de renderização”. (Sylvis, 2001) De maneira complementar, o sistema do jogo fazia uso de efeitos sonoros que implementavam a experiência de jogabilidade e imersão, por meio das interjeições dos guardas (“Halt!”, “Ein Spion!”, etc.). “Os gráficos e o som estabeleciam Wolfenstein 3D: Programação ousada criando ambientação dinâmica e inovadora. apropriadamente o ‘clima’ do jogo e tornavam o ambiente realista o bastante para que o usuário pudesse perder-se dentro dele”, complementa o estudo. O sucesso absoluto de vendas de Wolfenstein mostrou ao mercado que aquele era um momento para se produzir e oferecer jogos com dinâmica eletrizante e o máximo aproveitamento de chips e placas de vídeo, mesmo que isto significasse sacrificar o enredo e apresentar somente um breve contexto, que servisse como justificativa para uma profusão seqüencial e repetitiva de tiros, uma fórmula ainda hoje bem sucedida, como se observa em games como Counter Strike e Resident Evil 4, por exemplo. 2.3 Diferentes Princípios Narrativos para o Game Design De certa forma, esta opção pela estética e pela dinâmica, em detrimento da narrativa, vinha ao encontro de interesses da indústria microeletrônica da época, propensa a exibir a seus possíveis consumidores as bugigangas informáticas por eles produzidas como sendo o nirvana da tecnologia, e que continham todas as inovações técnicas indispensáveis à vida moderna, com reprodução do ritmo frenético de nosso modus vivendi em uma meta-realidade digital distante da fluidez onírica de Shangri-La e mais próxima da fragmentação excêntrica da linguagem “videoclíptica”, que mostrava imediata identificação com o público jovem do final do século. Não por acaso, a ascensão dos jogos eletrônicos, ocorrida durante o advento do que se considera como a segunda geração dos games, com o lançamento dos primeiros consoles domésticos, se deu em um momento em que a linguagem do vídeo tornava-se compacta e portável, podendo ser produzida e distribuída pelo próprio usuário, adotando um perfil mais fragmentado e ruidoso (ainda hoje vigente na estética videográfica) e a música pop deixava para segundo plano os rocks sinfônicos das grandes bandas dos anos 70 para ressurgir com efeitos sonoros e batidas sintetizadas que denotavam absoluta sintonia com a emergência dos games e as conotações virtuais das primeiras produções de arte em pixel. Mesmo na moda, era possível observar com facilidade a saída de formas orgânicas com cores vivas e complementares, de óbvia alusão à vida floral, à Terra e a uma filosofia de paz e equilíbrio, para vestimentas de corte anguloso, com cores cítricas, vibrantes e contrastantes, com clara referência aos sistemas assépticos dos equipamentos digitais e à sintetização artificial e plástica da vida. Este foco da indústria de jogos se torna mais evidente quando nos confrontamos com as opiniões de pesquisadores respeitáveis como Chris Crawford, já anteriormente citado e Janet Murray, para quem os verdadeiros talentos na arte da narrativa digital permanecem ainda adormecidos. Para a autora, os enredos desenvolvidos para as ciber-histórias estão ainda muito longe do ideal, ante tudo que podem oferecer, já que se encontram em um estágio limitado não somente pela capacidade de processamento dos computadores atuais, mas sobretudo pela falta de ousadia dos autores de histórias digitais. Em sua análise, a fusão dos diversos talentos de uma nova geração de criadores, livres das amarras dos modelos de produção ainda vigentes, poderia levar efetivamente ao uso de todo o potencial narrativo para a criação de jogos e literatura para os novos meios. “A criação de enredos digitais, assim como outros aspectos do meio, ainda está num estágio incunabular. Os recursos tecnológicos dos desenvolvedores de jogos estão mais redirecionados para os visuais em rápida transformação do que para a narração de histórias expressivas. As redes de fluxo de consciência dos pós-modernistas e o exibicionismo repleto de links das novelas da web enviam-nos de tela em tela, cheios de esperança, em busca de histórias coerentes. Os cd-roms mais cinematográficos oferecem segmentos de histórias mais extensos, mas aprisionam estas narrativas numa estrutura de ramificações superficiais que frustra o nosso desejo de participação e de agência. Os Muds oferecem grandes oportunidades para a participação em ambientes narrativos regulados por fórmulas, mas as histórias geradas coletivamente são difusas e repetitivas. Nenhum destes formatos coloca a capacidade de processamento do computador diretamente nas mãos do escritor. Os experimentos dos laboratórios de computação indicam a possibilidade de ferramentas narrativas muito mais poderosas, mas elas estão ainda muito longe do desejo dos contadores de história, que querem, apenas, encantarnos ou agarrar-nos pelos colarinhos para contar algo mais real do que a realidade. Apenas quando estes esforços disparatados começarem convergir que ganhará forma é corpo de arte o como a meio uma expressiva. Parece-me bastante possível que um futuro Homero digital surja, combinando a ambição literária, a relação com um a Mud Games: Texto como elemento para a fantasia. vasta platéia e a perícia computacional. Mas, por enquanto, precisamos prestar uma atenção muito grande para escutar, em meio à cacofonia do ciberespaço, os primeiros e hesitantes acordes do bardo que desperta.” (MURRAY, 1997, p.201/202) Henry Jenkins, diretor do programa de estudos comparativos de mídia no Massachusetts Institute of Technology (MIT), segue por outra vertente e avalia o conceito que permeia os aspectos narrativos do desenvolvimento de um jogo à luz de uma corrente de pensadores que enxerga o game não como uma jornada do herói ou uma sucessão de desafios, mas como um advento não-linear baseado nas escolhas múltiplas oferecidas por uma territorialidade espacial presente no universo do jogo. Para o autor, a criação de games deve-se basear não no desenvolvimento de um roteiro de eventos coeso, que se complementem de forma lógica, subsequente e linear, mas por meio do que ele e outros autores classificam como ‘Spatial Stories’, um importante recurso de criação e condutor fundamental dos jogos: “De Certeau (1984b) chama grande atenção para as relações espaciais como princípio central de organização para todas as narrativas: “Toda história é uma história de viagem – uma prática espacial” (p.115). Nossa necessidade cultural por narrativa pode ser conectada à nossa busca pelos espaços primitivos, memoráveis e críveis, e histórias são feitas para levar em conta nossa posse atual ou desejo territorial. Considere, por exemplo, a emergência da ficção científica no final do século 19 e começo do 20 como forma de criar espaço imaginários para nossa exploração intelectual. As histórias de aventuras de Julio Verne foram tiradas de séculos de textos de viagens, à medida em que recontam uma variedade de jornadas à lua, sob o mar, ao centro da Terra e ao redor do mundo... O ponto central da Nintendo é esta constante apresentação de espaços espetaculares... A arte do game design vem da construção da multitude de diferentes caminhos com os quais podemos interagir com estes notáveis espaços visuais” (JENKINS, 2005) Mais à frente, no mesmo artigo, o autor sugere que games não são histórias tradicionais: “Nas narrativas da Nintendo, os personagens representam um papel mínimo, apresentando traços que são largamente capacidades de ação: habilidades de luta, modos de transporte, objetivos pré-estabelecidos... O personagem é pouco mais do que um cursor que media as relações do jogador com o mundo da história.” As opiniões do autor, ainda que conceitualmente estabelecidas e solidamente embasadas, parecem não levar em conta que o game, assim como toda estrutura de comunicação digital, é um meio que ainda inicia sua trajetória como elemento de difusão e, como tal, carece de uma linguagem própria, certamente ainda em formação. Diferentemente, Janet Murray mostra predisposição na crença de que este melhor aproveitamento das potencialidades narrativas digitais surgirá, à medida em que houver maturação no reconhecimento e uso do recurso. Mais á frente neste estudo, observaremos ainda a proposta ‘Story Environments’ que apresenta outro viés de concepção e condução narrativa, como será visto em detalhes no tópico ‘Horizontes do Amanhã’. 2.4 Maturidade do Game Design Todo meio de comunicação passa, inevitavelmente, por um período de avaliação, aceitação e apropriação por parte do usuário, princípio que já foi objeto de estudos de muitos pesquisadores. O próprio conceito de “remediação”, elaborado pelos pesquisadores Jay David Bolter e Richard Grusin para compreender a relação entre diferentes mídias e, particularmente, a incorporação de mídias anteriores por mídias mais avançadas, considera essa apropriação de recursos anteriormente vigentes pelas novas tecnologias. “Segundo esta teorização, as aplicações em hipermídia herdam propriedades das tecnologias de representação que procuram suplantar (imprensa, pintura, fotografia, telégrafo, telefone, cinema, vídeo), ao mesmo tempo que as reconfiguram segundo as estratégias de remediação características do meio digital (jogos de computador, realidade virtual, fotorealismo gráfico, internet, computação ubíqua).” (PORTELA, 2006) Assim como o cinema pode ser entendido como a extensão dinâmica do advento da fotografia e o surgimento de uma programação televisiva apropriouse, inicialmente, das atrações provenientes do rádio, até que se estruturassem uma linguagem e estética próprias (que pode ser entandida como tendo surgido, de fato, somente com a reformatação extraordinária da edição pulsante da MTV, mais de 40 anos depois da disponibilização do veículo), também as mídias digitais estão em busca, mais de 20 anos após sua disseminação no mercado, de sua identidade própria, provavelmente multifacetada. Os games, por sua vez, vêm se apropriando inicialmente de abordagens já seculares e estabelecidas, como as dos contos e da literatura, compondo uma estrutura de apresentação em que se somam, ainda, vertentes mais recentes, como a narrativa do cinema contemporâneo, sobretudo, da linguagem canônica imposta pelos grandes estúdios e da própria televisão. Composto por este amálgama de mídias diversas, o game apresenta-se como um modelo em que se permite (e deseja) a participação efetiva do interessado, agora também na condição de agente da ação. De toda forma, qualquer que seja o veículo de comunicação, esta maturidade chega por meio do próprio processo de existência, uso e reconfiguração do veículo, de forma adaptativa e cíclica, muitas vezes, sofrendo abalos nos alicerces que parecem já estabelecidos, para que se insurjam renovação e diretrizes de ação até então imprevistas. No meio televisivo o exemplo já apresentado da MTV é, certamente, o mais apropriado para indicar como se estremecem estruturas arcaicas por meio da renovação da linguagem, promovendo, às vezes, radicalizações sem volta. Na Game Developers Conference deste ano, a grande estrela presente foi o homem que encontrou o caminho da reinvenção dos games, quando este mercado parecia fadado ao esquecimento: Shigeru Miyamoto, a quem Will Wright teria se referido como ‘o Steven Spielberg dos vídeo games’ e também ‘nosso herói’. Em sua fala, Miyamoto comentou o que chama de visão corporativa da Nintendo, em uma palavra: risco. E continuou, afirmando que a companhia sempre tentou se distinguir, assumindo riscos. “[Miyamoto afirma que] um bom exemplo é o DS, com seu dispositivo de duas telas sensíveis ao toque. O objetivo último destes jogos é ser divertido. Mas ele comentou que nenhum dos jogos rivalizou com os riscos do Wii. O GameCube estava a meio caminho de alcançar uma maior audiência. Ele desejava que tivesse apelo a um número maior de pessoas e esta é a razão porque o controle tinha um botão A enorme, com uma cor diferente. Mas a interface era muito complicada para os não-gamers. Com o Wii, a Nintendo escolheu o grande risco de mudar tudo, incluindo o controle. Ele dizia que os jogadores tinham ficado muito acostumados a jogar com as duas mãos... Então ele mudou para sua visão pessoal... Ele sempre centrava foco na visão principal do elemento de diversão durante o desenrolar do jogo. Em seu caso, ele sempre lutou por [uma experiência] positiva: a face feliz do jogador. ‘O que estou fazendo é apenas me certificar de que o jogo é tão gostoso de jogar quanto o possível’, ele disse. ‘Nós, como game designers, sempre repetimos o mesmo erro’ de criar o mesmo jogo Wiimote: uma nova forma de jogar? para nós mesmos, não do ponto de vista de um (TAKAHASHI, 2007) jogador” Tão importante quanto a maturidade do game design, no entanto, é o processo de aprendizado e plenitude cognitiva dos usuários de games, que constróem um repertório comportamental e de ampla significação, que os torna extremamente sagazes e faz com que as futuras experiências se tornem mais interessantes, prazerosas e imersivas. Marc Prensky elabora uma eficiente ponderação acerca destas características do meio digital e complementa estas considerações, ao afirmar: “Todo meio de comunicação tem sua própria linguagem – conjuntos de significados e atalhos que são tomados como verdade por todos que estão acostumados com o meio, mas que foram aprendidos antes de serem completamente apreciados ou mesmo, às vezes, compreendidos na sua totalidade... Há também uma linguagem ou ‘retórica’ dos games de computador, que é partilhada por todos os jogadores, aprendida por meio de muitas experiências anteriores e, com freqüência, absolutamente opaca para os nãojogadores de games. Entre as coisas que todo jogador de games tacitamente conhece, faz e procura estão: - Todas as coisa podem e devem ser clicadas; - Você ‘constrói’ coisas ao clicar em um ícone e arrastá-lo para onde quiser; - Você move pessoas selecionando-as e clicando onde quer que elas vão; - Há surpresas escondidas, comumente conhecidas como “easter Eggs” para você encontrar; - Há quase sempre mais de uma maneira para se fazer alguma coisa; - Você deve tentar [realizar] alguma coisa várias vezes, antes que funcione; - Há quase sempre ‘trapaças’ ou caminhos para contornar algo; - Jogos sempre podem ser salvos e recarregados mais tarde; - Jogos são ‘justos’. Eles não matam você sem te dar uma chance e não exigem recursos que você não possa adquirir. A linguagem dos jogos de vídeo e de computador é importante porque, para todos aqueles familiarizados com ela, certas coisas são extremamente óbvias e transparentes, mas para os que estão de fora, estas coisas são normalmente difíceis de adivinhar.” (PRENSKY, 2001, p. 05-30) Como atestam diversas análises muito apropriadamente, ainda que não faltem boas idéias para a criação de novos jogos, há um tempo de carência para que as empresas desenvolvedoras compreendam detalhadamente as características e a performance de cada nova geração de consoles até que estas idéias possam ser incorporadas à linha de produção de suas equipes. Um articulista do site Slate aponta que ainda não foi desenvolvido qualquer game para a plataforma PS3 até o momento que mereça uma nota “A” com louvor e que pouco mais de uma dúzia deles deve merecer não mais que um “B negativo”. No entanto, segundo o texto, o gamer encontrará sem grande esforço mais de 60 jogos desenvolvidos para PS2 aptos a receber nota máxima e uma marca superior a 300 títulos dignos de uma nota “B”, como pode-se observar em listagens disponíveis no site MetaCritic. No entanto, não se pode crer, por conta destes problemas de percurso, que os games cairão no ostracismo de tempos passados. Alguns estudiosos conseguem enxergar melhoras significativas no aprimoramento dos games em todas as vertentes que envolvem o design e estes avanços, de fato, não podem ser negados. No entanto, encontraremos com certa facilidade opiniões que confirmam o longo trajeto a ser trilhado antes que a apresentação do jogo seja de tal forma surpreendente que nos faça confundi-lo com a própria realidade. Mesmo com todo esse avanço, alguns autores não conseguem esconder a decepção com o incipiente aprimoramento da linguagem, especialmente na mesmice encontrada nos gêneros, temas, jogabilidade e a absoluta falta de criatividade na elaboração de roteiros narrativos minimamente coesos, fluídos e inteligentes na esmagadora maioria dos lançamentos. James Surowiecki, também colaborador do site Slate, apresenta sem meias palavras seu desagrado em relação ao tema em outra matéria: “A questão real, no entanto, é: por que parece estar ficando mais difícil fazer jogos excelentes. Graficamente, é claro, os jogos parecem nunca ter sido melhores. Mas em termos da experiência de jogar games – ao menos na forma tradicional single-player – não está claro que estamos melhores hoje do que há uma década atrás. Os rankings de ‘melhores games da história’ são geralmente dominados por games antigos (pré 2001)... Isto se dá, em parte, em função da nostalgia, mas também reflete o amplo senso de descontentamento com os jogos de hoje.” (SUROWIECKI, 2005) O autor prossegue, pouco adiante em seu texto, comentando um dos pontos mais polêmicos da vanguarda dos aprimoramentos gráficos das novas plataformas, como segue: “Uma das origens deste descontentamento (...) está no que pode ser chamado de ‘paralaxe da realidade’: depois de um certo ponto, o quão mais ‘real’ um jogo fica, no gráfico e na experiência, mais difícil é para o game parecer real... a mesma lógica se aplica à jogabilidade e à narrativa. Depois de um certo montante de aprimoramento gráfico, torna-se difícil suspender a descrença e imergir verdadeiramente... Imperfeições que poderiam ser descritas como resultado inevitável das limitações tecnológicas dos primeiros jogos agora se evidenciam de forma incomumente frustrante... às vezes, são coisas pequenas [que nos frustam. Por exemplo]... Porque posso pular pelo muro mas não por esta cerca? E, algumas vezes, as falhas são imensas: Porque estas histórias não fazem qualquer sentido? Uma pessoa faria algo desse tipo [de ação estúpida], mesmo? .” (SUROWIECKI, 2005) 2.5 Sonorização: Uma Outra Abordagem Narrativa Também a sonorização mostra-se fundamental para o desenvolvimento de uma ambientação imersiva nos jogos e é elemento imprescindível para a condução narrativa de certos games. Alguns deles, especialmente, foram concebidos desde o primeiro lampejo criativo como games cuja narrativa e fruição só se manifestam por meio da interação proporcionada pela música presente ou pelos efeitos sonoros, responsáveis pela mudança de fases, apresentação e superação de certos objetivos ou ambientação climática, como veremos adiante. Interessante matéria disponível online já atenta para o mérito deste recurso, imprescindível na complementação da jogabilidade e vivência imersiva. “Som e música são freqüentemente esquecidos como elementos do vídeo game design. Deve ser porque o som afeta você com mais sutileza do que o visual espetacular ou a jogabilidade em hipervelocidade. De fato, muitas vezes a marca de um design de som superior é que você não o percebe conscientemente. Em lugar disso, trabalha em você subconscientemente – elevando a tensão, manipulando o humor, e atirando você no mundo do jogo, de forma leve e inexorável. Considere o agourento som ambiente de Resident Evil, os efeitos de que são compostos a tensão e o horror, à medida em que você se lança sobre os implacáveis zumbis mastigando seus camaradas do Alpha Team. Mesmo os games do começo como Space Invaders deviam muito de seu compulsivo apelo por entrar em sua cabeça com o repetitivo e maquinal baque surdo. Muito adequadamente projetados, som e elementos visuais trabalhavam em conjunto para produzir uma experiência maior que a soma de suas partes. Jogadores mais dedicados passaram a apreciar o quão bons música e som podem ser para a plena jogabilidade. Os arcades clássicos do começo como Pac-Man e Defender baseavam-se em esquemas de som soberbos para nos prover com sonatas, melodias, bips e zumbidos que nunca havíamos ouvido antes... Um grande exemplo de design de som simples e efetivo, Space Invaders deve larga parte de seu apelo à sua trilha sonora ameaçadora e paranóica. Não a música em si, mas a trilha de áudio surda vai acelerando seu tempo à medida em que os invasores inimigos vão pressionando, cada vez mais próximos” ” (MCDONALD, 2001) Este recurso, também conhecido como música interativa, foi tema de interessante análise de Ryan Barrett, como segue: “A música é um dos mais poderosos caminhos para inspirar nossos sentimentos e emoções... Se bem feita, a música pode ser também tremendamente efetiva nos vídeo games”. (BARRETT, 2001) De acordo com suas observações, a música interativa desempenha papel fundamental na dinâmica do jogo, como observa: “Qualquer um que tenha jogado Super Mario Bros deve se lembrar da vigorosa seqüência de acordes “cartunescos” que tocava quando o temporizador ia caindo abaixo de um minuto e o tema familiar tocava aflitivamente. Nada mudava na jogabilidade, mas o ‘tempo’ [da música] impingia uma necessidade quase palpável de uma velocidade galopante para vencer cronômetro. Podia ser cruel, mas era muito funcional.” BARRETT, 2001) O valor da música como elemento condutor no game design não é novo, certamente, ainda que só atentemos para este fato apenas eventualmente. O celebrado designer Miyamoto já mostrava especial atenção à influência de som e música no processo de criação do jogo como trilha sonora capaz sustentar sua dinâmica e oferecer deleite na jogabilidade, como pode-se observar neste breve trecho da entrevista concedida em 1998 à Nintendo Online Magazine, ao tratar do tema na concepção do game Ocarina of Time, desenvolvido na esteira de sucesso da franquia Zelda e lançado naquele ano para a plataforma Nintendo 64: “Kushida: Junto com os gráficos, o som desempenha um importante papel em ‘Ocarina of Time’. Com a Ocarina (instrumento de sopro globular feito de porcelana, terracota ou pedra, semelhante a uma flauta) na condição de subtítulo do jogo, é seguro assumir que a música está atrelada à história? Miyamoto: Acho que é hora de posicionar o palco para a Ocarina. Sim, a chave para este jogo é a música. É a chave para iniciar os eventos ou resolver os problemas. Basicamente, fizemos com que a música tivesse um papel que você esperaria que fosse desempenhado pela magia nos jogos tradicionais. Vale atentar que o diretor da equipe de jogo é Kouji Kondou, que vem trabalhando conosco desde Super Mario Brothers. Nossa idéia é mesclar lenda e música juntas. Kushida: Mesmo deixando de lado a Ocarina, os sons parecem casar perfeitamente com o ambiente de Hyrule. Miamoto: Desta vez queríamos capturar de verdade a natureza de Hyrule e isso se refletiu na sonorização também. Então, com o auxílio de Kondou, fizemos um CD de [música] ambiente para coisas como o som do oceano ou do correr do rio” (KUSHIDA, 1998) Ao final da Game Developers Conference 2006, em São Francisco, a pesquisadora Gianna Cassidy, da universidade de Glasglow Caledônia, na Escócia, apresentou seu trabalho “Optimising Player Experience with Music: Soundtrack vs. Personal Choice”, que estuda o impacto emocional da música no decorrer das partidas de games sobre os jogadores. Neste estudo, é possível observar que, durante as partidas, jogadores que optam pelo uso de suas próprias trilhas sonoras, em detrimento das composições feitas especialmente para os jogos, mostram significativo ganho de desempenho na jogabilidade. Este fenômeno suscita forte questionamento em relação à produção musical para este meio e deve ser analisado com especial atenção, visto que a confirmação desta hipótese sugere a potencial rejeição não apenas da trilha sonora, mas a própria derrocada de um título, mesmo que em outros quesitos do game design sua qualidade e competência sejam inquestionáveis. Em estudo da mesma autora para o eMotion Lab, em parceria com o Dr. Raymond MacDonald, entitulado “The Effects of Aggressive and Relaxing Music on Driving Game Performance”, que complementa as idéias anteriormente apresentadas, percebe-se um quadro menos complicador para os desenvolvedores ao propor que, durante partidas de jogos de corrida, os jogadores influenciados pela audição de músicas de cunho mais agressiva não se tornam, necessariamente mais violentos ao volante. O resultado mais interessante observado é que o impacto emocional provocado pelas músicas não apresenta correlação direta com o eventual aprimoramento de performance dos jogadores. “Eu esperava que a música agressiva fizesse as pessoas dirigirem um pouco mais depressa. Isto aconteceu, no entanto, e fez com que eles batessem em um número maior de cones e barreiras que os outros. Houve mais batidas quando os jogadores eram impossibilitados de ouvir até mesmo seu próprio carro. Eu teria esperado que [o uso de músicas mais tranqüilas, porém] os deixasse mais relaxados e mais precisos. Não aconteceu. A troca de música causou a desaceleração por um trecho mas também distorceu suas habilidades de estimar o quão rápido estavam correndo. Em outras Música nos games: alterando a performance dos jogadores. palavras, eles pensaram que estavam dirigindo muito mais brandamente do que realmente estavam.” (CASSIDY, 2005) Assim como em outras áreas do game design, também a produção de sonorização conta com um vasto número de especialistas, que primam pela criação de recursos da melhor qualidade, do mais tradicional ao mais incomum, focando a unidade com o desenvolvimento do game. A experiência vivida por meio de Nights Into Dreams (1996), jogo desenvolvido para Sega Saturn, pode não ser única, mas é certamente inovadora. O game propõe um misto de agilidade acrobática de seu personagem com a soma de elementos sonoros e musicais que fazem com que o mais interessante de cada partida não seja o objetivo de conquistar o pódio com a maior pontuação possível de ser alcançada, mas a vivência rica do jogo, que se complementa por meio da construção melódica e seqüencial de sons diversos, com os belíssimos gráficos 3D do ambiente virtual do game. Em termos de conceito e jogabilidade pode-se dizer que o game deve algo de sua inspiração à estrutura dinâmica de Sonic The Hedgehog (1991) e Gunstar Heroes (1993), pela dinâmica urgente e juvenil própria dos lançamentos da Sega e também pela qualidade das trilhas sonoras destes games, que tornaram-se referências em suas épocas e ícone atemporal, como no caso das composições musicais de Sonic. Em Tokyopia, um site que abriga jornalistas, artistas, editores, compositores e designers ligados ao mercado de games do Japão, o analista Justin Keeling comenta a preciosidade e o gabarito técnico de Nights, bem como a importância de um game design cujo andamento é conduzido pela musicalidade: “Nights é um extraordinário híbrido de puzzle musical com o gênero de corridas. Você voa através de um percurso de corrida aérea, pontuada de trechos curvos com anéis. Toda vez que você passa por um destes trechos ouve um sino badalar. Você tem três segundos para encontrar o próximo trecho e voar através dele. Cada badalar sucessivo eleva uma escala tonal: do-ré-mi e assim por diante. Se você aprende bem os caminhos, pode conectar estas badaladas em alta velocidade em uma série de notas que – e esta é realmente a grande sacada vital de Naka (Yuji Naka, produtor e programador chefe do game) – complementa uma fantástica trilha sonora. Mesmo hoje o resultado é uma jogabilidade orgânica e enlevante. As pessoas que conhecem o jogo não jogam Nights para chegar ao final. Elas o jogam em virtude da excepcional união ‘segundo-a-segundo’ destas badaladas por puro deleite. E música tem tudo a ver com isso. Os gráficos? Continuam a parecer belos. Inicialmente eles eram espantosos. Em 5 anos? Eles serão, provavelmente, uma piada. Mas a música de Nights era uma das grandes trilhas sonoras de seu tempo. E, nos próximos 10 anos, continuará sendo o ingrediente mágico de um clássico de todos os tempo. Lição: boa música sempre irá durar mais que bons gráficos”. (KEELING, 2004) De fato, a observação final de Keeling parece encerrar as dúvidas em relação ao papel imprescindível da trilha sonora no game design e muitos produtos devem grande parte de sua fama à sonorização competente que acompanha o resultado final. Talvez o maior exemplo da atualidade resida, por razões óbvias, no game Guitar Hero, que tem uma lista de canções que cativaram o interesse e o coração de multidões por todo o planeta. Neste caso, vale salientar ainda o diferencial de jogabilidade, por meio da surpreendente interface do hardware, que conta com um admirável controle em forma de guitarra, que testa as habilidades do usuário. Porém, mesmo games que mantém sua estrutura de criação dentro de um perfil comum de jogabilidade e design, sem apostas em interfaces inovadoras, como se vê no caso de games como a série de corrida Ridge Racer, lançada para Playstation, são capazes de atrair um vasto público interessado (o jogo encontra-se hoje em sua sétima versão, já para PS3) ao saber dosar a união criteriosa e eficaz de boa jogabilidade e temas musicais inspirados de boa qualidade. Por fim, este tópico não estaria completo sem um breve comentário sobre Myst, o game lançado em 1993 para PCs e que propunha uma incomum sensação de envolvimento com a fascinante e inóspita ambientação presente no jogo. Grande parte desta sensação imersiva do game advinha, no entanto, do clima feérico ao qual o jogador era induzido, por meio de intervenções sonoras de efeitos e musicalidade, conferiam estranheza que singular ao evento, tornando a experiência do jogo inovadora e insólita, porém Myst: Beleza com ambientação misteriosa e soturna profundamente marcante e sedutora. 2.6 Game Design Hoje Para que possamos vislumbrar as inovações que se esboçam no horizonte futuro do game design, é imperativo que observemos se esta indústria está atenta às adaptações procedimentais que se fazem necessárias para a sobrevivência e renovação de sua linha de produtos. Ainda que boa parte do setor se mostre reticente ao risco de mudanças e seja relativamente conservadora no modus operandi e no lançamento de experimentações conceituais, há exemplos que mostram certo sopro revigorante nos títulos atualmente disponibilizados. Abaixo, estão listados alguns destes games que apresentam conceito e desenvolvimento criativo, com grandes doses de inspiração e que indicam a condição de serem precursores potenciais de nichos a serem explorados: • Grand Theft Auto; • Half Life; • Nintendogs; • Soul Caliber; • Viewtiful Joe; • Spore Em um ou outro aspecto, todos os games citados apresentam diferenciais que os transformam em referências para o exercício do game design como um processo dinâmico e evolutivo. 3. Perspectivas para um Breve Futuro Ainda há muito a ser comentado em relação ao aprimoramento técnico dos games e consoles, bem como os aspectos narrativos que começam a compor boa parte dos games, independentemente de gênero. Isto faz com que até mesmo temas anteriormente áridos ao desenvolvimento mais profundo de um histórico ou situação que contextualize a presença de personagens e o pano de fundo da ação contemplem as possibilidades de uma roteirização com desdobramentos em múltiplas camadas e ramificações. Bons exemplos são Half Life, o game que trouxe diferencial e contexto aos FPS, por meio da criação de uma ambientação complexa e de densa trama, envolvendo instâncias governamentais, seres alienígenas bizarros e cientistas perturbados com uma sucessão de mistérios lúgubres, ou os God Games, que começam a apresentar outras propostas e histórias mais elaboradas e impactantes. A própria dinâmica de criação de novas plataformas e games da atualidade, imposta pelo anseio de certa parcela do mercado e pela perspectiva de ampliação da base de jogadores pelas empresas do setor, faz com que propostas de um viés inovador estejam sempre em elaboração, ainda que a aceitação do público alvo em relação a estes produtos seja bastante incerta e temerária para esta indústria. Ed Barton, analista de games da Screen Digest, uma companhia de pesquisa na área de multimídia com mais de 30 anos de mercado, tem observado esta resistência das empresas desenvolvedoras e vem afirmando que esta opção pela reutilização de velhas franquias, em detrimento de experimentações em outros formatos de jogabilidade e narrativa digital, é uma “síndrome comum na indústria do vídeo game”: “Títulos inovadores e maravilhosos são às vezes ignorados (pelos consumidores), enquanto títulos repetitivos com menor grau de aprimoramento na jogabilidade e nos gráficos acabam oferecendo um melhor retorno [financeiro] aos distribuidores de jogos”. (Ed Barton, 2007) O analista compara esta situação à outra equivalente, vivida pelas grandes empresas do mercado fonográfico, que mantêm um permanente lançamento de sucessos nada inovadores com nomes de peso como Madona e Elvis Presley, para garantir retorno efetivo de investimentos com pequena margem de erro, podendo assim, ao menos teoricamente, atualizar seu catálogo com novas bandas e outros lançamentos de menor apelo comercial. Também a questão narrativa, como elemento de peso no processo de criação e design de um game, parece adquirir um grau ainda maior de relevância quando é possível observar-se que, em muitos casos, a decisão para a concretização de uma ou outra idéia se dá baseada em inúmeros fatores e critérios, que parecem ter pouco a ver com o objetivo final desejado (ou , às vezes, pretensamente proposto) que é a diversão do consumidor final. O tema desta questão não é novo e vem sendo abordado em uma série de artigos em revistas especializadas e sites que tratam o game com seriedade e uma abordagem madura e profissional. Um dos mais contundentes críticos deste modelo de desenvolvimento de jogos que privilegia as decisões das planilhas tecnocratas, deixando aspectos realmente cruciais do game design para segundo plano, e que se pode ver em inúmeros jogos disponíveis hoje para download na internet, é o articulista e editor da revista digital Game Zero, que atende pelo sugestivo e instigante codinome R.I.P. Em sua análise, R.I.P. afirma encontrar um elevado grau de amadorismo no mundo corporativo das empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos e mostra temor em relação à forma como este mercado será percebido pelo usuário futuramente. Em sua opinião, que não difere de outros entendidos do tema, a criatividade é fator fundamental no game design, sem o qual os recursos inovadores da microeletrônica estarão reciclando somente as velhas fórmulas conceituais, sob uma nova roupagem tecnológica, dando mais densidade e foco às observações já apresentadas de Crawford. “Você também tem games sendo projetados ou conceitualizados por equipes de marketing, ou grupos de gerenciamento que, na melhor das hipóteses, também não têm jogado um game desde o Atari 2600 que tinham quando eram crianças, ou que jogam ocasionalmente, e isto é somente passivo. Destas pessoas, você também consegue idéias para games do tipo 1) o que é mais vibrante no mercado (isto é, ‘Igual ao Mario’ sendo o exemplo mais lugar-comum ou 2) ‘Eu nunca vi um jogo como este, então isto deve ser inovador’ vindo de alguém que não é um gamer e que não consegue perceber que sua ‘nova idéia’ é como um cavalo morto que não há nem mesmo como bater com uma vareta. Não, estes cenários não são exclusividade do vídeo game. De fato, isto já ocorreu com várias linhas de brinquedos e séries de desenho animado ao longo dos anos. Mas o fato é que este tipo de desenvolvimento de games é a forma surpreendente como a maioria dos títulos é criada. É até mesmo freqüentemente considerado como sendo um modelo de vendas. É muito difícil oferecer exemplos sem que alguém comece a reclamar de difamação, mas é evidente se você já esteve presente a dúzias de encontros em feiras de negócios, apenas para ouvir de cada empresa a respeito de seu clone de Doom/Quake como o ‘mais inovador título já criado’... Claro que há alguns lançamentos novos. Claro que seu jogo pode fazer mais [do que os jogos antigos] porque a máquina em que você está rodando o jogo é 100 vezes melhor do que o 486DX2 66/Pentium 180, com uma placa de vídeo de 1MB/4MB (que era comum para os gamers quando Doom e Quake estavam no topo da lista). Mas a tecnologia é o que, freqüentemente, tem tornado seus jogos melhores e não a inovação” (R.I.P., 2000) Clones de Doom: centenas Ainda assim, um sem número de pesquisas segue em curso neste momento, buscando estabelecer os alicerces da próxima geração de games, como apontam as informações disponíveis em relação à ubiqüidade, realidade virtual, realidade aumentada, os sensores de presença associados a programas de reconhecimento de voz, imagens e expressões faciais do usuário e outros aparatos, que podem ser vistos inicialmente com estranhamento pelo usuário comum, dado que propõem uma nova usabilidade ou filosofia de comportamento, não mais audacioso, no entanto, do que foi, provavelmente, a apresentação pública do primeiro fonógrafo com a voz de Caruso impressa em cilindros de cera ou dos veículos automotivos de motor à explosão, que apareceram para disputar, com muito barulho e cheiro de óleo queimado, as ruas com carroças de tração animal. Paralelamente, muitos esforços são dedicados à pesquisa de novas abordagens plásticas e visuais, na tentativa de ampliar as possibilidades de apresentação dos gráficos para além do fotorealismo de alguns e do traço cartunesco de outros. Algumas destas propostas conseguiram transformar-se em produtos de aceitação relativamente boa e alcançaram até mesmo reconhecimento da crítica na condição de criações de gabarito artístico, como os já citados Okami, Hotel Dusk Room 215 e o inusitado Electroplankton. Mais idéias e concepções inovadoras vêm sendo pesquisadas, criadas e sugeridas, em busca de diferenciais conceituais para o game design, aliando beleza, vigor estético e princípios de jogabilidade a atraentes e insólitos lançamentos, como apresentados abaixo: • Rez: Game desenvolvido para os consoles de sexta geração (Dreamcast / PS2) que apresenta uma espetacular fusão de gráficos baseados em estruturas poligonais básicas e visual baseado na obra do artista plástico Wassily Kandinsky. A sincronia entre os elementos visuais e sonoros cria um produto único, inusitado e quase hipnótico; • Shadow of Colossus: Game já amplamente citado em trabalhos acadêmicos e artigos, por sua característica ímpar de imagens renderizadas em 3D, com uma paleta de cores absolutamente não fotorealística, que lhe confere certa harmonia de contrastes e beleza soturna; • Evil Genius: O game, criado para PC em 2003, destaca-se pela singularidade do conceito e do design, com uma ambientação que remonta os thrillers clássicos de espionagem dos anos 60 em que o jogador assume o papel do vilão megalomaníaco; • Mono: Freeware que combina jogabilidade, música e uma explosão de cores, baseado no mesmo princípio dos games de tiro; • Okami: Reconhecido como o estado-da-arte em termos de jogabilidade intuitiva, gráficos primorosos, baseados na arte oriental, sons, música e etapas subsequentes de desafio; • Katamari Damacy: Frente às limitações apresentadas pelo sistema, os desenvolvedores do jogo foram capazes de criar uma pérola do game design atual, com centenas de objetos simultâneos de visual infantil e vagamente cubista. O objetivo básico do game é rolar para coletar objetos. Para o futuro a curto prazo, no entanto, independentemente da incessante procura pelos caminhos do game design, os analistas de mercado apostam que o usuário tende a voltar-se para os gráficos realísticos mais uma vez, deixando de lado toda a jogabilidade proposta pela tecnologia inovadora da Nintendo, como aponta este estudo do Wedbush Morgan Securities, em que o analista Michael Patcher prevê que o PS3, da Sony deverá liderar a disputa nas vendas (conhecida como Market Share) do mercado americano. O estudioso ressalta, porém, que esta vitória deverá se dar não apenas pela qualidade gráfica superior do produto ou do lançamento de games mais primorosos, mas pelo apoio oferecido pela indústria cinematográfica a um ou outro leitor de DVDs da nova leva de consoles, Blueray, aposta da Sony e HD DVD, da Microsoft. “Independentemente do esforço dos três fabricantes de console em lançar conteúdo exclusivo, estamos na expectativa de que a última rodada na guerra dos consoles seja decidida pelos estúdios de cinema.” (PATCHER, 2007) “Se os estúdios abraçarem o padrão Blueray da Sony para os DVDs de alta definição, acreditamos que a Sony irá ganhar uma vantagem insuperável sobre a Microsoft. Se os estúdios abraçarem o formato rival da Sony, o Toshiba HD DVD, acreditamos que a Microsoft possa manter seu movimento de vantagem inicial e dominar as vendas de software nos anos que virão... Também esperamos que o mercado de entretenimento interativo cresça entre os pré-adolescentes até 2009. Depois de 2009 esperamos rendimentos de fontes não tradicionais (games online, jogos casuais, conteúdo para ser baixado e games contendo propaganda), que deverão crescer em um nível significativo...” (IVAN, 2007) Outro aspecto que desponta como probabilidade para as novas fronteiras do game design é o da jogabilidade por meio de novos controles, a exemplo do Wiimote, controle desenvolvido pela Nintendo para seu mais recente console e que, dado o sucesso com que foi recebido não somente pela comunidade gamer, mas até mesmo por uma ampla faixa de jogadores casuais e não-jogadores, já vem sendo utilizado como base para a criação de recursos com o mesmo princípio de ação e até mesmo controles com características semelhantes, em pesquisas já tornadas públicas pelos dois outros pesos pesados dos consoles, Sony e Microsoft. A expansão de mercado conquistada pela Nintendo não foi um ‘chute’ casualmente bem sucedido. De fato, a empresa já vinha perseguindo com afinco há muitos anos este desejo. Em entrevista concedida em 1991 à Game Power Magazine, o ilustre criador Miyamoto já declarava este empenho em criar um produto que pudesse ser recebido pelo público sem resistência e que oferecesse diversão a todos, de maneira fácil e intuitiva, como segue neste breve trecho, disponível online: “I: Por favor, conte-nos suas resoluções para o futuro. M: Gostaria de criar algo para todo mundo e qualquer jogador. Algo que faça as pessoas dizerem: ‘Games são para todo mundo!’.” (1991) O site da CNN também informa detalhes sobre o longo processo de pesquisa até chegar à revolucionária criação: “A Nintendo projetou dúzias de protótipos antes de deparar-se com o Wiimote. Miyamoto conta que as primeiras versões pareciam-se mais com um controle tradicional. Alguns eram excêntricos, outros complicados. Os designers chegaram à versão atual retornando ao decreto de Iwata para combater a indiferença, não a competição”. (O’BRIEN, 2007) A tecnologia desenvolvida pela Nintendo parece ter, de fato, apresentado o argumento definitivo de que é preciso renovar na forma de uso e jogabilidade, tanto quanto nos gráficos ou na maneira como será contada a história. Atentos, os fabricantes começam a apresentar novidades, como é o caso da pesquisa proposta pelo desenvolvedor Paul Coultron, que busca novas formas de aproveitamento da tecnologia de sensores do Wiimote em outro aparato, que não compete diretamente com o mercado de consoles, e que está intimamente presente no cotidiano de uma imensa maioria de habitantes dos grandes centros urbanos: o celular. Coultron antevê o largo potencial de uso dos sensores em games para os dispositivos móveis, um campo até então impensado e inexplorado. O desenvolvedor foi além da mera teorização, apresentando em recente palestra formas de interagir com os games por meio da tecnologia, ao inclinar os aparelhos e sacudi-los como forma de obter resposta às ações que se desenrolam no ambiente virtual. Em sua opinião, o uso de câmeras também pode ser aproveitado como recurso para a criação de novos jogos para celulares, podendo ser utilizadas como miras em embates entre diferentes usuários no mundo real, da mesma forma que projetos já existentes (a exemplo de Mogi, que será abordado mais à frente) oferecem diversão real em interações com o digital. Estas perspectivas demonstram que a evolução dos games está calcada, claramente, na pesquisa de novos meios e suportes, mais do que as questões narrativas que vimos apresentando no decorrer desta análise, embora a presença destes elementos não possa ser ignorada e tenha demonstrado, em pontuais momentos da história dos games, importância crucial. Há autores que observam a questão com desapaixonada isenção, testemunhas de um fato que pode conduzir à criação de novas formas de diversão por um ou outro caminho, independentemente de nossos interesses e anseios. Em seu livro, Andrew Rollings e Ernest Adams fazem seus prognósticos em relação ao tema: “Muitos aspectos do game desgin são independentes do hardware que roda os jogos: assunto, tema e estilo de arte, por exemplo. Contudo, o futuro do entretenimento interativo está bastante próximo do futuro do hardware de computação. Neste momento, a ênfase principal no design de hardware está em fazer os jogos parecerem e soarem melhores e, de fato, a quantidade de melhorias audiovisuais nos últimos 20 anos tem sido atordoante. Mas o hardware para games faz muito mais do que isso: determina quão complexos e quão inteligentes os jogos podem ser. E isso, por sua vez, afeta o tipo de jogos que podemos fazer. Nós apenas começamos a construir games que simulam o comportamento em um nível acima do trivial, por exemplo. Para simulações mais poderosas, precisaremos de máquinas mais poderosas. Hardware especializado para games deverá incluir redes neurais de processamento e chips com reconhecimento de voz ou sintetizadores da fala. Deveremos ver chips especiais dedicados à solução de problemas de exploração ou para a simulação de milhares de micro automações, como [a apresentação de imagens simuladas de] formigas no formigueiro ou soldados no campo de batalha. Em um futuro à frente deverá haver chips que conheçam regras gramaticais de uma língua e que poderão gerar diálogos reais imediatos, mais do que respostas pré-gravadas. Quando estes dispositivos sairão dos laboratórios para os produtos de consumo é uma outra história, dependendo mais de quanto custaria para construir do que quão útil será nos games. Mas a pesquisa e desenvolvimento de hardware para games já está chegando e irá crescer, agora que o desenvolvimento de games está começando a ser reconhecido como um assunto legítimo de estudo acadêmico.” (ROLLINGS / ADAMS, 2003 533/534) Realmente, o progresso do fenômeno ‘game’ como objeto de estudo parece prosseguir com fôlego, da mesma forma como, paralelamente, as empresas fabricantes de equipamentos mantêm-se na intensa tarefa de pesquisar as possibilidades que se descortinam para o hardware de amanhã. A própria urgência autofágica desta indústria a impede de deixar para o amanhã o próximo passo na corrida desenvolvimentista de consoles, sob riscos que variam da perda de uma significativa parcela de mercado até a irrefreável derrocada. Chris Lewis, responsável pela área de Home e Entertainement da Microsoft reforça a constância de desenvolvimento em sua recente declaração: “Sempre que você desenvolve alguma coisa, isto já está ‘velho’... É claro que já estamos pensando a respeito disso... estamos constantemente pensando a respeito do próximo aparelho, nós temos que fazê-lo...você não pode descansar nas láureas deste negócio, os consumidores não deixarão. Os desenvolvedores certamente não nos permitirão. Portanto isso está acontecendo neste momento.” (LEWIS, 2006) A nota ainda observa que, provavelmente, o Xbox 360 estará no auge de sua performance por volta de 2010. Seria ingênuo considerar que as demais fabricantes estão impassíveis a esta movimentação. Suas equipes de pesquisa certamente já têm planos com perspectivas para os próximos consoles. No campo da criação conceitual, porém, outros autores também vislumbram perspectivas, o que corrobora o dinamismo deste mercado em várias frentes, como se pode ver na proposta de Chris Crawford e sua nova criação conceitual Storytron, bem como as inovações do console Wii, da fabricante Nintendo ou os caminhos potenciais da narrativa cada vez mais cinematográfica Storytron: Proposta narrativa de Crawford dos novos games. 3.1 Perspectivas Futuras na visão de Chris Crawford Como já foi afirmado anteriormente, o game designer e escritor Cris Crawford, notabilizado por sua contundente opinião em relação à paralisia vigente na esfera decisória das empresas desenvolvedoras de games, mantém inalterada sua crítica e torna claro que, em sua concepção, esta inércia experimentalista deverá se prolongar por tempo indeterminado e preocupante, uma vez que esta postura se contrapõe à necessidade de ampliar a base de audiência dos apreciadores de jogos, como forma de fortalecer o mercado, solidificar o volume de vendas e minimizar custos de produção. Em termos materiais e de recursos, o aprimoramento tecnológico deverá se dar continuamente pelo implemento dos gráficos, som e, eventualmente, o meio para interação, ou seja, o sistema de controles, aparatos e mediadores. Esta possibilidade parece mais provável tendo em vista o próprio histórico de lançamento dos consoles, que privilegiam o desenvolvimento de recursos existentes praticamente desde que os primeiros games ganharam a sala de estar. Crawford mostra-se claramente pessimista em relação ao desenvolvimento de novas linguagens para os games, ao ser questionado sobre o tema em recente entrevista: “de fato, não tenho visto [em vinte anos] nenhuma tentativa séria nesta direção... Ninguém muda até que esteja com dores” (CRAWFORD, 2006) Para ele, a indústria de games deveria se espelhar no consolidado mercado cinematográfico, que conseguiu se estabelecer como uma potência com visão de entretenimento de massa sem esquecer a necessidade de diversificação, atenta ao constante exercício de reciclagem. “Meu conselho para a indústria dos games seria sinceramente que copiem Hollywood mais de perto. A indústria de games realmente opera em um modelo muito similar a Hollywood com uma imensa exceção, que é o fato de não terem um sistema de ‘semeadura’ de novos conceitos. Hollywood sabe que precisa de novas idéias... [e] tem um sistema para dar honras a idéias estranhas que não são necessariamente comerciais. A indústria de games não faz nada assim e esta é a razão porque não tem novas idéias e mantém-se reciclando sempre as mesmas velhas idéias... Quando eu olho 20 anos para o futuro, vejo exatamente a mesma indústria de games” (CRAWFORD, 2006) O autor não está sozinho em sua avaliação, como atesta o artigo online da Gamethink, ao considerar a mesmice dos aspectos visuais dos gráficos comumente visto nos jogos, que observa: “Comparado à arte contemporânea os games são extremamente conservadores. À despeito das tentativas isoladas para produzir algo novo, o paradigma dos gráficos para game permanece rígido. [O gráfico] evoluiu dos pixels para os sprites e então, após um parêntese com os vetores, [seguiu para] o 3D baseado em polígonos e foi só. Inovações como o cel-shading (texturas de sombreamento) são sugadas pelo paradigma, que as adapta e as uniformiza. Existe um vasto campo para progredir neste domínio. Um ilustrador de estilo marcante pode trazer personalidade ao conceito que pode, por sua vez, inspirar um game. E há uma série de técnicas usadas em CGI que ainda não encontraram uma aplicação nos games.” (CULKIER, 2006) Ainda que estas observações façam sentido à luz dos fatos atuais, vale considerar, apenas para o livre exercício das ponderações, que além das experiências com cel-shading (a exemplo o excelente Jet Set Radio), outras técnicas têm sido incorporadas com padrões gráficos diferenciados, como podese observar em propostas como Hotel Dusk Room 215, Okami, Meteos, Trauma: Under The Knife, Wario Ware e outros jogos, que sugerem outra abordagem visual para os games. Ainda que sejam iniciativas tímidas frente à profusão de lançamentos de jogos com padrão gráfico convencional, vale levar em conta que também no campo da jogabilidade e da narrativa, outras experimentações têm sido apresentadas. Okami: Design inovador e jogabilidade diferenciada. Independentemente das características visuais do game, no entanto, Crawford parece ter uma visão mais ampla em relação às incertezas do game design contemporâneo e entender com certa clareza a necessidade imprescindível de um ponto de equilíbrio nos aspectos conceituais e mercadológicos da questão, como forma de vencer os atuais desafios para a sobrevivência do mercado de games, ao afirmar a importância de buscar novas estratégias, que tragam frescor e inovação para a criação de jogos. Ao sugerir que esta indústria copie o modelo do cinema canônico, o autor propõe o caminho da pesquisa em novos campos, técnicas, idéias, princípios de jogabilidade e narrativa, conceitos e abordagens imersivas, da mesma forma que a máquina de ‘block busters’ hollywoodiana investe de maneira racional um expressivo montante em novos talentos e produções, às vezes bizarras para os padrões de uma determinada época, mas que apontam uma nova tendência ou acabam por criá-la, a despeito do ceticismo vigente. De certa forma, este princípio de ação esboçado pelo autor vai de encontro aos primeiros dias do game design quando, pela falta de um padrão testado e estabelecido, os jovens artistas, engenheiros e técnicos, recém convertidos à condição de criadores de games, contaram com uma iminente oportunidade de concepção e produção de novas propostas de diversão por meio da microeletrônica. De outra forma, jamais seria possível vermos sucessos como Pacman e Pitfall, que foram idealizados na contramão dos bem-sucedidos jogos espaciais e de tiro, ou mesmo The Legend of Zelda, que propunha o desenrolar de uma história de múltiplos desdobramentos como motor da aventura. Reforçando a questão dos gráficos, há pouco abordada, já se vislumbra na atualidade - e contrapondo-se ao pensamento de Crawford - uma nova linha de pensamento, desta vez assentada sobre o sucesso da plataforma tecnicamente menos desenvolvida da última geração de consoles, mas tremendamente revolucionária da Nintendo (apenas para efeito de comparação o PS3 da Sony utiliza um poderoso processador de 3.2 Ghz, enquanto o Wii apresenta somente 729Mhz de processamento). Embora algumas análises tenham chegado a sugerir que o console da Nintendo sequer podia ser considerado de próxima geração, o produto faz uso de todo arsenal de boas histórias de seu antecessor Gamecube, além dos novos jogos especialmente criados para usufruto pleno do perfil infinitamente mais interativo e cativante dos joysticks remotos. As empresas concorrentes já se mostram empenhadas em utilizar-se dos mesmos recursos de interatividade oferecido pelo Wiimote em suas plataformas, para gerar um novo grau de envolvimento de seus usuários com a nova leva de games de seus consoles, visando também ampliar o nível de aceitação de seus equipamentos junto a não-jogadores e novos interessados potenciais. Neste sentido, vale ressaltar que a estratégia da Nintendo em busca de novos interessados, que em nada se assemelham ao adolescente “gamemaníaco”, começou, de fato, ainda antes do lançamento de seu revolucionário console, por meio de propostas de jogabilidade que incluíam aparatos como o já antiquíssimo Virtual Boy, os já citados tambores de Donkey Konga e a plataforma DS, evolução do mini-console Gameboy, que possibilita ações muito inovadoras na jogabilidade, com telas touch screen e princípios de usabilidade que permitem migração de dados, animações e diferentes visualizações do mesmo game de uma tela para outra. A própria idéia do Wiimote, o joystick sem fio do novo console, não é recente e sua realização era desejada há mais de dez anos, mas inviável técnica e financeiramente, dados os custos de produção do aparelho e a adaptação de sensores capazes de interpretar adequadamente os movimentos necessários ao desfrute dos jogos. Contudo, tais perspectivas não parecem mudar a opinião do designer. Suas observações, aliás, foram de tal forma abaladoras no meio profissional do game design que não faltam manifestações contra e a favor de suas idéias. Entre estas muitas manifestações, o site Gamasutra promoveu em 2006 uma ampla reflexão entre vários profissionais da área com uma pergunta objetiva e simples: “Chris Crawford está certo?” Em mais de duas dúzias de respostas que alternam humores e opiniões, muitas são as ressalvas levantadas, que observam dificuldades com tempo necessário e as condições para a criação de games, a resposta de público em relação aos títulos e outras questões. Seguem dois destaques comentados na matéria, que abordam diferentes colocações e pontos de vista: “Antes de mais nada, quem decide quão rápido a indústria deveria evoluir e inovar? Esta medida é inteiramente subjetiva. Na mesma linha, quem decide o que é inovador? A indústria não tem um padrão objetivo para inovação, então outra vez a questão cai na crença pessoal... Creio que a maior falha no argumento do Sr. Crawford é que ele está em busca de uma revolução na indústria dos games e mascarando este desejo chamando-o de inovação, como agora. Se o Sr. Crawford está à procura de revolução eu o convidaria a aplicar-se ao trabalho na indústria e demonstrar o que ele está buscando por meio do trabalho, ao invés de ficar na segurança, com comentários paralelos – Brian Heins, Obsidian Entertainement ... Ele está certo. A despeito dos ângulos empresarial e criativo dessa questão, parte do problema está na tecnologia com que temos que trabalhar. No momento, criar qualquer tipo de conteúdo com significado exige um enorme esforço de um grupo de pessoas... O hardware no qual trabalhamos também não ajuda muito: ótimos gráficos, mas sem muita musculatura de CPU que possamos usar para problemas gerais de programação... Precisamos investir mais em ferramentas e técnicas que reduzam o tempo de desenvolvimento e liberem os desenvolvedores de tarefas mundanas (quantas vezes teremos que escrever o código fonte?) e então poderemos trabalhar nas coisas que nos atraíram para a indústria. – Amonn Phillip, Nokia”. (HONG, 2006) De volta a Crawford, observamos que, para dar concretude às suas idéias e opiniões, o autor entende que outras abordagens devem ser concebidas e testadas, apresentando novos caminhos para a disseminação de uma cultura gamer verdadeiramente sólida e propõe, como parte de sua contribuição neste campo, a realização de um novo conceito de jogabilidade por ele denominado Storytronics, ou a contação de histórias por meio da interatividade, apresentada pelos recursos digitais contemporâneos. Sua criação propõe um caminho diferenciado do padrão, instando à interação com outros personagens, mais do que somente a reação aos estímulos do jogo Assim como as novas possibilidades apresentadas pela jogabilidade intuitiva do console Wii, é possível considerar que sua proposta busca também estreitar o contato com o público não-jogador, como observa o autor: “Histórias interativas apelam a um outro tipo de público. O tipo de pessoa que gosta de games poderá não gostar de histórias interativas... a ênfase [do produto] está no drama... usando a interface lingüística e não a espacial”. (CRAWFORD, 2006) Experiências como o Storytronics deverão permitir uma fluidez sem igual no que tange às possibilidades narrativas do game se, uma vez disponível o sistema, o público potencial assimilar a dinâmica de interação, compreender a proposta social da atividade e, efetivamente, passar a fazer uso dos recursos prometidos pelo criador. Neste caso, torna-se imperativo considerar Crawford: Gênio polêmico questões importantes a serem respondidas, tais como: será a totalidade de elementos e diferenciais desta produção adequada para alcançar também o usuário padrão dos games tradicionais, em princípio mais facilmente seduzido por recursos que envolvam algum preceito de narrativa e jogabilidade, solidificando, assim, uma base de usuários que compense a demanda de produção e os custos de seu desenvolvimento? Paralelamente, será possível por meio desta empreitada alcançar uma nova audiência, até o momento absolutamente desinteressada em relação aos jogos eletrônicos, da mesma forma que, em dado momento da breve história dos games, a abordagem inusitada de The Sims conseguiu atrair uma nova parcela de gamers e, antes ainda, Zork, com seu princípio de imersão interativa primária arregimentou milhares de usuários de linhas de comando para as catacumbas virtuais? 3.2 Ambiente Virtual, Imersão e Game Design De fato, não parece haver alternativa fácil para aplacar estas dúvidas. Marc Prensky, pesquisador dos processos de aprendizado baseados em estruturas narrativas de games, levanta ponderações semelhantes às de Crawford, ao considerar que não basta a fusão de duas linguagens que se mostrem potencialmente complementares para se obter um produto cativante de sucesso comercial garantido. Seu raciocínio baseia-se no processo de interatividade oferecido pelos sistemas digitais, associado às estruturas de roteirização da literatura e do cinema e a forma pela qual estes campos de ação podem se somar, na produção de um novo modo de entretenimento contemporâneo. “Muitos, especialmente aqueles com um passado na literatura e no cinema, estão convencidos de que a narrativa é, de longe, o caminho mais poderoso para cativar as pessoas. O motivo de ser tão cativante é porque este é um caminho maravilhoso para estimular nossas emoções. Estimular a emoção é, de fato, o objetivo primário da escrita de ficção, como qualquer autor de livros confirmará. Um grande questionamento que defronta gente da ‘narrativa’ e profissionais dos games é como combinar narrativa com games. Os computadores digitais introduziram os consumidores de entretenimento e histórias à interatividade. Assim, um grupo grande e variado de pessoas criativas está se debatendo arduamente para encontrar caminhos para colocar narrativa e interatividade juntas, criando ‘histórias interativas’ que podem, por exemplo, ser incluídas em games. Uso o termo ‘se debatendo’ porque não está exatamente claro como fazer isto e muitas alternativas deste encontro foram testadas e falharam. No surgimento inicial dos jogos de computador, as pessoas de Hollywood (que vêem a si mesmas como os mestres da narrativa) tentaram combinar-se e trabalhar com os gamers de Silicon Valley (que vêem a si mesmos como os mestres da interatividade) e os resultados iniciais foram desapontadores.” (PRENSKY, 2000, p.05-17) No que se refere ás possibilidades de refinamento de técnicas para o aprimoramento dos jogos, para que o jogador tenha a real sensação de imersão, um longo caminho ainda está por ser trilhado. Obviamente, a indústria de games não está apenas deitada sobre os louros do sucesso despreocupadamente e muitas pesquisas seguem em busca de potencialidades que agreguem novas funcionalidades e meios de interação do usuário no ambiente digital e uns com os outros efetivamente. O princípio de imersão mostra-se de fundamental relevância neste sentido, uma vez que oferece possibilidades reais de diálogo fluído com novas realidades e mostra potencial não apenas no campo fictício, mas também na qualidade de solução para muitas questões do cotidiano, com aplicações na área de design residencial e de mobiliário, turismo e medicina, entre outros. Obviamente, é na área dos games que sua aplicação é imediatamente assimilada e mais sedutora, bem como no campo ainda árido e pouco explorado da arte hipermidiática. Diana Domingues dá especial destaque à idéia de imersão nos ambientes virtuais como uma inovadora experiência, ao analisar este fenômeno e afirmar que “no realismo virtual ocorrem situações que são metáforas de espaço-tempo em realidade virtual totalmente imersiva... o ciberespaço está conferindo uma natureza experiencial para a ficção, da ordem da simulação interativa comportamental. Dessa maneira, questões como o abstrato e o figurativo na construção do virtual podem levar-nos a situações diversas em ambientes interativos, ganhando taxas de realismo surpreendente, onde até mesmo o abstrato se torna real. A simulação em realidade virtual gera, por vezes, efeitos de dinâmica de um corpo em que o feedback da pessoa que interage no ambiente dá graus de realidade antes não alcançados.” (Domingues, 2003, p.60-62) Arlindo Machado parece concordar com estas observações e já salientava as diferentes propostas de imersão proporcionadas no momento da concepção do design de games: “Os atuais ambiente tecnológicos de imersão e de agenciamento estão promovendo a ocorrência de um fenômeno novo, que poderíamos definir como sendo a hipérbole do sujeito, uma espécie de narcisismo radical e auto-referenciado, em que a única identificação possível é a do sujeito com ele mesmo. O intertator quase sempre se insere nestes ambientes como o seu sujeito e, na maioria dos casos, é impossível vivenciar as narrativas interativas senão encarnando a sua personagem principal, aquela em função da qual os eventos acontecem.... Há, portanto, nos meios digitais, dois tipos principais de imersão, ou seja, de representação do interator no interior da cena. Podemos acompanhar as peripécias da ação de um ponto de vista externo, como um observador, enquanto dirigimos a personagem que os representa no interior da cena, tal como acontece, por exemplo, num vídeo game como Mortal Kombat. Ou, então, de forma mais imersiva, podemos visualizar a ação de um ponto de vista interno, através de um efeito de câmera subjetiva, como acontece em Doom, em que os meus opositores se dirigem a mim (isto é, à tela que estou visualizando, como se eu estivesse realmente presente na cena). Em alguns vídeo games, como no simulador de corridas Indianópolis, o interator pode decidir se quer adotar um ponto de vista externo (como o de uma câmera de televisão que transmite a corrida) ou interno (como o do piloto de um carro). Em outros (como na disputa narrativa de John Sanborn Psyquic Detective), o interator pode escolher a personagem que vai controlar e ao mesmo tempo assumir o seu ponto de vista em câmera subjetiva.” (MACHADO, 2002) Porém, no que tange à definição efetiva do conceito de imersão, parece haver certo consenso de vários autores, em relação à obra e às opiniões de Janet Murray, que propõe: “’Imersão’ é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção, de todo o nosso sistema sensorial... A imersão pode requerer um simples inundar da mente com sensações, a superabundância de estímulos sensoriais experimentada na sala de televisão em Fahrenheit 451, de Bradburry. Muitas pessoas ouvem música desta maneira, como um aprazível afogamento das partes verbais do cérebro. Mas num meio participativo, a imersão implica aprender a nadar, a fazer as coisas que o novo ambiente torna possíveis.” (MURRAY, 1997 p. 102) Alison McMahan insere suas considerações na mesma linha de pensamento e descreve: “Imersão significa que o jogador foi ‘capturado’ no mundo da história do jogo (o nível diegético) mas também se refere ao amor do jogador pelo jogo e a estratégia ali presente (nível não-diegético). Está claro que, se estamos falando do vídeo game no nível diegético e imersão no nível não diegético, então, estamos falando de duas coisas diferentes, com possíveis grupos conflitantes de convenções estéticas... Muitos pesquisadores parecem concordar que o foto e áudio-realismo totais não são necessários para o ambiente de realidade virtual para produzir um senso de imersão do observador, a sensação de que o mundo em que se está é real e completo... Também é aceito como verdade que quanto mais envolvente for a exibição da tecnologia de Realidade Virtual (tela maior, melhor sistema de som no enredor) mais imersivo será. No entanto, é plenamente possível estar totalmente imerso na Realidade Virtual pela tela do computador, já que a imersão não é totalmente dependente das dimensões físicas da tecnologia.“ (MCMAHAN, 2003, p. 68) Muitos autores apresentam estudos aprofundados no que concerne à imersão e, não raro, fazem referência às suas potencialidade no desenvolvimento e usufruto dos jogos. Mesmo no cinema tem sido bastante comum e freqüente tratar do tema, embora, por vezes, o viés adotado para o desenvolvimento do roteiro beire o catastrófico apocalíptico como bem demonstram produções como O Passageiro do Futuro, Johnny Minemonic, 13º Andar, Matrix e o polêmico Exiztenz, de David Cronenberg. Mas poderão os avanços tecnológicos atingir um patamar de realidade que possa nos iludir a ponto de perdermos o próprio senso de realidade? Se tomarmos por base o Holodeck de Jornada nas Estrelas, veremos que o objetivo maior do espaço virtual encontra-se na oportunidade de fazer o participante (ou gamer) sentir-se integrante de uma narrativa ficcional, porém, podendo neste caso, ter controle absoluto sobre o faz-de-conta. Como apresentado em vários filmes da série onde, a qualquer momento, uma ordem proferida pelo tripulante da Enterprise mostrava-se suficiente para encerrar ou alterar o programa, conforme as preferências do usuário que, embora plenamente inserido na história, detinha total consciência da realidade imaterial do conto ao seu redor. Diferentemente desta proposta, em Existenz Cronemberg propõe uma preocupante realidade em que, ao participar de uma aventura no game, o protagonista passa a perder o referencial do que lhe é imputado como ficção e daquilo que constitui sua realidade, tal o grau de imersão proporcionado, que faz com que o usuário não consiga distinguir o momento de transposição de um universo para outro e vice-versa. Em seu ensaio vencedor do prêmio da Academia Brasileira de Letras, André Azevedo Fonseca comenta a estrutura conceitual e narrativa do filme e o modo como somos capturados pela mescla de diferentes existências, presencial e digital, ao comentar: “Em , o cineasta canadense David Cronemberg sonhou a história de um grupo que joga um vídeo-game com conexão orgânica. Para entrar no ambiente virtual, os jogadores primeiro fazem uma cirurgia para ligar o cabo do equipamento diretamente na medula. Quando começam a jogar, todos os sentidos biológicos são "transportados" para dentro do jogo — ou melhor, a realidade sensorial externa é substituída pela realidade virtual interna através de estímulos eletrônicos diretamente enviados ao cérebro, que mimetizam em todo o corpo a ambientação, os sons e o cheiro do jogo. Aqueles jogos tridimensionais com capacete parecem pré-históricos, pois em eXistenz o vídeo-game é vivenciado fisiologicamente pela visão, tato, olfato, audição e paladar. Durante as peripécias do jogo é possível caminhar na rua, ir a um restaurante, comer um besouro exótico e experimentar seu gosto, sentir suas perninhas roçando na língua. Este filme, como todos do Cronemberg, é repleto de ambigüidades, pois depois de algumas idas e voltas, nem o espectador nem os personagens sabem direito o que é realidade e o que é Apesar de ainda ser pura ficção científica, e apesar de ainda necessitar de exaustivos debates sobre bioética, passo-a-passo essa parece ser a tendência de desenvolvimento dos jogos eletrônicos que, por sua vez, têm influenciado decisivamente o paradigma de recepção da tecnologia digital. A geração anterior de "analfabites" talvez não esteja preparada para eXistenz: Imersão total e perda do senso de realidade. isso. A atual geração lida com mais naturalidade com computadores, conexões em rede e intervenções cirúrgicas no próprio corpo. Quando as pessoas estarão dispostas a conectar a própria alma na Internet, a fazer downloads de sonhos, a transitar nas mentes de multidões, eis uma boa questão. (FONSECA, 2004) O teórico e artista do ZKM, Centro de Artemídia de Karlsruhe, Peter Weibel observa como esta integração entre diferentes realidades deverá, realmente, aproximar-se do universo feérico proposto por Cronenberg, quando da apropriação do usuário das ferramentas para a criação e edição do vídeo digital, ao considerar que, por meio da imersão virtual o observador (e, por extensão, consideramos aqui inclusa a figura do jogador) torna-se interface entre o mundo real e virtual, como postula seu texto: “Uma causa no mundo real terá efeito no mundo virtual e, inversamente, uma causa no mundo virtual terá efeito em outro mundo virtual paralelo ou no mundo real. As interações controladas pelo observador entre os mundos reais e virtuais e entre diferentes mundos virtuais paralelos nas instalações baseadas no computador ou na rede capacitam o espectador a ser o novo autor, o novo câmera, o novo editor, o novo narrador. O observador será o narrador nas instalações multimídia do futuro. Isso pode acontecer localmente ou pode ser controlado remotamente por meio da rede. Os observadores criam, por meio de sua navegação, novas formas de narrativa, baseadas em rede ou no computador” (WEIBEL, 2005, p.352) Muito de uma agradável e efetiva experiência imersiva deve-se à condição de veracidade que o ambiente virtual é capaz de nos oferecer durante o decorrer de um jogo. Como já foi apontado anteriormente, Zork inseria o gamer de maneira arrepiante e claustrofóbica nas escuras masmorras do jogo, utilizando-se somente da tela negra do monitor e de comandos de ação, respondidos de maneira crível pelo sistema e Wolfenstein 3D mergulhava o jogador em um ambiente paranóico, onde soldados nazistas podiam ser ouvidos à distância e cada corredor era um novo perigo em potencial. Estas e outras propostas buscam disponibilizar ao jogador um espaço para a vivência do jogo tão real quanto a realidade e que possa, desta forma, inseri-lo na fantasia de um novo ambiente. O próprio conceito de ‘realismo’ no que tange às questões imersivas, no entanto, é largamente passível de questionamento no âmbito dos games, já que não pode ser configurado somente por meio do grau de qualidade de imagem apresentada no jogo, embora seja esta a forma mais recorrente pela qual tanto o público quanto a mídia conferem ou não a qualificação de um jogo. Gek Siong Low apresentou um breve estudo, poucos anos atrás, na Universidade de Stanford, que baseia suas idéias justamente na amplitude deste conceito: “Não há dúvida de que o realismo é algo muito importante nos jogos de computador de hoje. Os desenvolvedores de jogos alardeiam-no como seu principal elemento de vendas e os fabricantes de consoles de vídeo game confrontam qualquer um que tenha o melhor hardware para os melhores gráficos para renderizar o maior número de polígonos no menor tempo possível. Os gamers e as revistas de game, da mesma, forma, fazem furor a respeito, ou se ressentem em relação à falta disto. No entanto, ‘realismo’ não é um conceito facilmente definível. Aquilo que parece ser ‘realístico’ no jogo de computador pode parecer muito contraditório. Os jogadores ignoram plenamente muitos aspectos obviamente inconsistentes dos games para computador. Por exemplo, você pode arrebentar um carro em um jogo de corrida e ainda continuar na corrida, quando, na vida real, o impacto iria destruir totalmente o carro, deixando o piloto seriamente contundido. Como podemos entender o que torna um game mais ‘realístico’ e por que alguns games são [considerados] realísticos enquanto outros não?.. Realismo em jogos de computador pode ser alcançado de muitas formas diferentes. Talvez o mais efetivamente direto e reconhecível seja a qualidade gráfica dos games. A primeira coisa que as pessoas percebem sobre um jogo de computador é quão ‘real’ os gráficos se parecem. A importância da percepção para nós está expressa no adágio ‘Ver para Crer’. ” (LOW, 2001) No entanto, não podemos limitar a experiência da percepção de um game somente àquilo que envolve o discernimento visual e a beleza dos gráficos, já que nossa imersão se dará também por uma série de outros aspectos complementares de clara relevância no conjunto de elementos componentes do game design, como temos visto ao longo deste estudo. Estes recursos, de fato, tornam-se imprescindíveis para que possamos, efetivamente, vivenciar com riqueza a interação que um determinado jogo possa nos oferecer, escolhendo caminhos, combatendo oponentes e indo muito além, realizando feitos plenamente possíveis no ambiente virtual, mas que, enfatizando nossa experiência imersiva, são deixados para um segundo plano em virtude do grau de complexidade que envolve sua produção e, por extensão, os exponenciais custos envolvidos. No entanto, se não houver uma cuidadosa atenção para estes demais fatores, o princípio da jogabilidade corre o risco de ficar tão vazio de substância que pode inviabilizar por completo o bom usufruto de um game que, de outra forma encontraria plenas condições para tornar-se um best seller. No mesmo estudo, Low ressalta a necessidade de atentar para as condições de interação. “A idéia de percepção como ação necessária é mais aparente nos jogos de computador em três dimensões. A percepção do espaço em três dimensões exige que o jogador se mova pelo espaço, de modo a poder percebê-lo. Somos capazes de perceber nossa realidade tridimensional porque nossos olhos alternam constantemente [o foco] e nosso cérebro é capaz de processar estas mínimas diferenças de imagem na percepção tridimensional do espaço. Uma pintura estática na tela não iria ajudar muito para fazer com que o jogador sentisse o jogo ‘real’ que pode ser explorado, já que os olhos do jogador não podem lhe dizer se isto é apenas uma imagem ou um plano. Portanto, o único recurso é mudar a vista, como se o jogador estivesse movendo sua cabeça para olhar em diferentes direções. Alguns jogos são planejados de modo que encontrar certos objetos importantes exigem uma mudança na direção da visão para se perceberem pistas sutis... por esta razão tanto esforço é feito para simular os sistemas baseados no mundo real em jogos de computador, para tornar tudo ‘eliminável’ [fraggable] para utilizar a terminologia de Quake. Mesmo em jogos cuja perspectiva não é em primeira pessoa encontramos a necessidade de agir para perceber os objetos. Quando o jogador iniciante joga Space Invaders como ele sabe que os blocos brancos representam abrigo contra as bombas dos aliens? Fácil, ele se move para baixo deles e descobre que as bombas não irão atingi-lo.” (LOW, 2002) Além das pertinentes ponderações acima apresentadas, percebemos que mesmo o foto-realismo disponível nos consoles atuais, que apresenta uma qualidade visual impressionante e uma capacidade de combinação de polígonos incontável, somada a mapas de texturas, iluminação e animação fascinantes, não é suficiente para criar uma ilusão perfeita o bastante para enganar os nossos sentidos. Muito provavelmente, isto jamais virá a ocorrer de fato. Passada mais de uma década deste movimento inicial em direção ao realismo fotográfico nos games, tornado universal a partir do lançamento do console Playstation em 1995, a crítica e os gamers começaram a dar indicações de que os belos gráficos disponíveis, sozinhos, não são suficientes para o desenvolvimento de um bom jogo e que a mesmice de outros quesitos faz lembrar o período negro que antecedeu ao crash dos anos 80, quando a criação quase serial de jogos praticamente idênticos em proposta, jogabilidade, desafio e vaziez narrativa, afugentaram os potenciais interessados e os jogadores tradicionais. É inegável que, em um primeiro momento, a migração para as novas plataformas, que ofereciam capacidade de processamento e estética visual ímpar, se deu de forma consistente e que o olhar do usuário foi seduzido pela plasticidade inovadora dos ambientes 3D. Porém, à medida em que as gerações de jogadores avançou em idade e no apuro do olhar, as empresas aperceberam-se de que alguns modelos de jogos já não correspondiam às expectativas do público jovem e puseram-se a pesquisar novos caminhos em busca do amadurecimento da linguagem. Tecendo paralelos entre a criação de gráficos digitais e outras expressões da arte como o cinema, a escultura e as artes pictóricas e considerando as diferenças estéticas entre as escolas de arte, que variam do realismo renascentista de Michelângelo às abstrações concretistas dos escultores contemporâneos, entre outros exemplos, o escritor e mod-maker de games David Hayward, também questiona a qualidade atual da capacidade de criação de modelos 3D fotorealistas e comenta em seu artigo sobre o futuro da estética nos games: “Então, como está o nosso progresso em direção ao fotorealismo? Obviamente não chegamos lá ainda e não estaremos em breve. Pegue qualquer coisa que esteja no limite do fotorealismo como [por exemplo], Project Offset ou Unreal Engine 3. Você certamente encontrará algumas coisas muito bonitas e visualmente impressionantes, mas ainda assim não boas o bastante para nos ludibriar. A despeito dos elementos de qualidade cinematográfica é possível ver as linhas poligonais nos modelos se olhar [atentamente]. O fotorealismo só será alcançado quando, na condição de fotógrafo ou designer de alto gabarito, eu puder intercalar as duas partes do meu portfolio e enganar as pessoas” . (HAYWARD, 2005) O autor finaliza suas considerações ao observar que “A escultura e a pintura emergiram do início do neolítico ‘tosco’ para as eventuais representações de alta fidelidade da Renascença e dos períodos posteriores. De forma similar, em virtude de um hardware inicial limitar as representações a abstrações simplistas, os objetos animados feitos em pixels dos primeiros jogos, são o equivalente das pinturas nas cavernas”. (HAYWARD, 2005) Este problema com os gráficos em 3D certamente está longe de uma solução real e efetiva e sua existência exigiu que se produzisse um termo que pudesse servir para identificá-lo, o que fez ressurgir o conceito de Uncanny Valley, traduzido para o português como Vale Sombrio e que pretende demonstrar o fenômeno já comentado de que, quanto mais realística se torna a imagem de personagens dos games, mais arrepiante é o resultado final. O termo é antigo e origina-se das pesquisas do cientista japonês Masahiro Mori, especialista na construção de robôs e que observou pela primeira vez o fato de que, à medida em que os robôs iam se humanizando nas formas, as pessoas tendiam a querer aproximar-se das criações, porém, somente até um certo grau de ‘humanidade’ das máquinas. O cientista verificou que, quando um robô consegue um nível de identidade que se aproxime 99% das características fisionômicas de um ser humano, nossa tendência é dar atenção justamente ao 1% ausente no nível de perfeição da obra, o que faz com que vejamos o robô como se fosse um cadáver animado, um ponto paradoxal da conquista científica no qual a simulação da vida se torna tão boa que é ruim, conforme afirma o colunista do site Slate, Clive Thompson. Thompson traçou um esclarecedor paralelo deste efeito no 3D dos games atuais em um artigo que afirma que “Á medida em que os jogos desenvolveram gráficos realísticos cada vez melhores, começaram a sofrer mais e mais deste mesmo enigma. Os jogos caíram inesperadamente no ‘Vale Sombrio’. Todo jogo altamente realístico tem o mesmo problema. Os humanos de Resident Evil Outbreak são realísticos, mas suas expressões faciais são tão morbidamente estranhas que são quase tão assustadoras quanto os zumbis contra os quais você está lutando. Os designers de 007: Everything or Nothing trabalharam duro para fazer a adorável Shannon Elizabeth e renderizá-la como um replicante estrábico. O ‘Vale Sombrio’ pode tornar os jogos menos atraentes. Isto é particularmente verdadeiro em jogos narrativos, que se baseiam em personagens críveis com os quais supostamente você deve se identificar. A coisa toda resume-se a suspender a descrença e imergir. Mas isto é difícil de fazer quando os personagens dão calafrios. Você batalha impiedosamente, resolve quebra-cabeças de queimar os miolos, ‘varre’ com os inimigos e como você será recompensado? Com uma chance de assistir seu avatar andar afetado pela tela em alguma paródia fantasmagórica de humanidade. ... Ao invés disso, talvez eles [os designers] devessem tentar suplantar o problema, indo na direção oposta, de encontro à simplicidade da baixa resolução [de imagem]... Alguns dos melhores game designers entendem isso... Jet Grind Radio, a velha série Fear Effect e, mais recentemente, Viewtiful Joe usam todos o estilo grosseiro das animações de celshading para criar personagens que são cartunescos e ainda assim que passam grande vivacidade. Lara Croft é outro bom exemplo. Mesmo com seus jogos ficando graficamente mais precisos, os designers deixaram Croft como uma figura bem estilizada, o melhor para fazer com que os jogadores de identifiquem com ela. E o único game designer que vem produzindo uma cadeia de 20 anos de personagens populares é Shigeru Miyamoto, o arquiteto de estilo visual do tipo Disney da Nintendo”. (THOMPSON, 2004) A busca por novos horizontes para o jogo eletrônico como linguagem, no entanto, envereda por inúmeras áreas e mostra o empenho e a seriedade com que a indústria tem se voltado para além do joystick tradicional, seja pelas revelações das pesquisas atuais ou pelas novas insurgências narrativas. Um exemplo pode ser visto na Finlândia, com o projeto Console Demo, onde os pesquisadores da unidade de pesquisa de game design da universidade de Oulu desenvolvem uma simulação do ambiente de uma pequena cidade, que o usuário pode explorar caminhando. Por meio de realidade aumentada, o jogador visualiza na tela do dispositivo móvel o espaço virtual correspondente à região em que se encontra fisicamente. Também na Escandinávia, projeto semelhante segue em pesquisa. O projeto Battlebot pode ser classificado como um game de nova geração, que estabelece um combate virtual apropriando-se das interações sociais tornadas possíveis por meio da tecnologia mobile. O game permite que os jogadores configurem seus robôs, com certas características que ficam armazenadas em seus aparelhos. Quando um Battlebot encontra-se a uma determinada distância de outro, através do contato entre os usuários, estas características são confrontadas e o melhor ‘robô’ vence a batalha. Aplicações como esta encontram um universo muito mais amplo de possibilidades de interação, somadas à tecnologia sensorial dos controles desenvolvidos para o console Wii. 3.3 Os Horizontes do Amanhã – Game Design nas Próximas Décadas Em seu artigo de capa da edição brasileira nº 64, a revista especializada em games Eletronic Gaming Monthly apresenta algumas previsões de destacadas autoridades do meio gamer e perspectivas para os games, da concepção inicial ao usuário final, nos próximos 20 anos. No parágrafo inicial já nos deparamos com a opinião de um dos designers de games mais badalados do momento, o criador de Gears of War, que vaticina: “O maior obstáculo que enfrentamos no momento tem relação com a interface. Precisamos de avanços significativos nesta área para que possamos realmente criar uma paisagem interativa para os sonhos.” (BLESZINSKI, 2007) Embora a interface seja o gargalo mais visível para a criação do vídeo game do amanhã outras necessidades se apresentam e mostram a complexidade de uma realização como esta e o alto nível de desafio a ser superado pelos pesquisadores. De fato, neste momento, as gigantes do mercado, Microsoft, Sony e Nintendo, já trabalham com empenho, desenvolvendo pesquisas nos campos mais diversos e que pretendem ditar o perfil de console e jogabilidade já na virada deste século; uma verdadeira corrida do ouro em forma de bits. Este exercício de antecipação das potencialidades do hardware e, mais importante, dos anseios do público-alvo, não constitui tarefa fácil e mostra que, mesmo decisões aparentemente óbvias e dadas como certas para agradar o público podem amargar grandes prejuízos ou selar definitivamente o destino de uma grande empresa, como é possível de se observar em alguns exemplos de um passado não muito remoto: • O lançamento do console Jaguar pela Atari em 1993, que teoricamente apresentava 64 bits de performance, mas com games de baixa qualidade visual, jogabilidade inconsistente e total ausência narrativa, em um momento em que o mercado contava com bons consoles de 32 bits da Sega e Nintendo, com inúmeros títulos sensacionais e aguardava, para breve, o lançamento do revolucionário Playstation da Sony; • A saída da Nintendo de uma parceria com a Sony, que resultaria no lançamento do Playstation e sua opção em manter os limitados cartuchos como mídia para os jogos desenvolvidos para o Nintendo 64, minando o interesse de desenvolvedores e usuários; • A opção recente da Sony em desenvolver e lançar um hardware poderoso e ostensivamente caro, voltado para as necessidades futuras dos usuários, como a tecnologia de DVDs Blueray, afastando consumidores potenciais pelo preço elevado, bem como desenvolvedoras de games, pelos altos custos de produção para a plataforma. Muitos são os exemplos que poderiam ser apontados e que evidenciam a importância das opções afinadas com o público do momento, o mercado, a flutuação da estabilidade econômica e outros fatores, que podem destruir um sonho ou consolidar uma marca. A matéria apresentada na EGM versa também por outros fatores determinantes do design para o game do futuro, tais como: novos controles em desenvolvimento, os displays que deverão dar suporte e visibilidade para os jogos, os gêneros e o que o futuro reserva a cada tipo diferente de jogo e por fim, o próprio game, os jogadores e a indústria como um todo. Longe de querer reproduzir aqui as minúcias da reportagem e as opiniões dos editores, pretendemos fazer um breve apanhado destas ricas informações, de modo a apreender um painel mais amplo em relação ao universo futuro dos games, somando a este conteúdo as opiniões de outros pesquisadores e estudiosos, bem como indicadores de tendências de mercado, que se estende dos game designers aos grupos de investidores. Abaixo, os principais tópicos da revista: • Controles: Assim como o produto Mindball, vendido como um jogo de puro entretenimento, outros projetos seguem em busca de novas formas de criar experiências diferenciadas na usabilidade do game. O Project Epoc, da empresa Emotiv Systems, propõe um aparato com sensores eletroencefalográficos presos à cabeça do jogador para “ler” suas feições faciais, emoções e até comandos mentais complexos para objetos presentes em um jogo. A Invensense, outra fabricante de hardware para games, está projetando controles com sensores de movimento mais avançados para a próxima geração de consoles. Mesmo soluções como Eyetoy, câmera que capta os movimentos do corpo, desenvolvida para Playstation 2, favorecem apostas neste sentido. Katherine Isbister, professora do Mindball: controle por ondas cerebrais. Laboratório de Pesquisa em Videogames, do Instituto Politécnico Renssealer, também faz ponderações em relação aos leitores de reação dos jogadores e vê nesta tecnologia as chances de um futuro brilhante e revolucionário para o game design: “Acho que a maior parte dos games de hoje são feitos para atingir o lado reptiliano de nosso cérebro, do tipo que exige uma reação de atacar ou fugir, emoções exacerbadas. Conversei com alguns criadores de jogos que estão tentando criar experiências emocionais mais fortes, e muitos deles dizem que o gargalo aperta na captação de reações do jogador. Na minha opinião, o que vai acontecer com estes sensores e as várias maneiras de obter dados emocionais e sociais é que vamos ter mais pontos culminantes – momentos de emoções fortes, que os criadores serão capazes de gerar, e por isso vamos voltar a investir em enredos”. (ISBISTER, 2007) • Jogos: Amy Henning, diretora da Naught Dog, empresa desenvolvedora de games de sucesso como Crash Bandicoot, de 1996, para Playstation, afirma que, assim que ficar para trás nossa obsessão pelo realismo fotográfico, os artistas darão vazão à sua criatividade, por meio de produções bastante insólitas e inspiradas. “O equipamento quase chegou a um ponto em que somos capazes de criar um simulacro convincente da realidade. Mas, como a perfeição continua um pouquinho fora do alcance, parece que todo mundo está obcecado com o realismo como objetivo final. Quando as limitações gráficas já não forem mais problema, acho que a nossa mídia vai amadurecer e chegar ao lugar em que a simulação já não importa, em que o importante é a expressão. Parece inevitável passarmos pelo mesmo tipo de evolução que a arte ocidental passou na virada do século. Uma vez que o realismo foi alcançado, os artistas se sentiram livres para desenvolver formas de expressão mais ousadas e abstratas.” (HENNING, 2007) A matéria ainda comenta que a Inteligência Artificial será imprescindível para a construção de enredos mais consistentes e interativos que possam substituir as hoje tradicionais animações que dão sentido ao curso da história. Warren Spector, um designer de games veterano no mercado, comenta: “Do ponto de vista gráfico, grandes avanços virão quase que naturalmente. Aperfeiçoamentos do mesmo calibre em termos de comportamento e atuação, no entanto, vão exigir muita dedicação e vontade de resolver problemas.” (SPECTOR, 2007) Peter Molineaux, designer do espetacular Fable, concorda: “Com inteligência artificial adequada, poderemos fazer com que os personagens aprendam com o jogar, reajam ao que ele [o jogo] faz e criem segmentos de jogo essencialmente esculpidos por cada jogador”. (MOLINEAUX, 2007) A reportagem também dá conta de que os jogos serão criados, em grande parte, pelos próprios jogadores, embora esta contribuição não vá ser revolucionária para modificar o modelo de ação das empresas. “Quando era rapaz, era capaz de criar níveis para Lode Runner ou Excitebike em poucas horas. Agora, são necessárias equipes inteiras de ilustradores, designers e programadores, que trabalham meses para finalizar apenas uma missão de Halo. Simplesmente não há como um jogador médio conseguir fazer isso.” (GRIESEMER, 2007) Por fim, neste tema, a matéria afirma que os games tendem a ser mais curtos e com missões ou objetivos mais específicos, talvez até mesmo aproveitando o sucesso de alguns produtos para lançá-los não como continuações, mas como capítulos, com tempos de liberação e custos de produção menores. • Online: Para dar continuidade à tendência de conectividade plena, o futuro online deverá contar, na esmagadora maioria dos jogos, com a possibilidade de usuários conectados divertirem-se interpretando o papel hoje reservado à máquina e encarnarem inimigos e zumbis nas aventuras de outros usuários, um artifício conhecido como Cosplay, originado pela fusão das palavras ‘costume’ e ‘play’, criando uma nova abordagem e contexto para o modo multiplayer de jogo e possibilitando a criação de enredos ainda mais primorosos, por meio de conexão em tempo integral. “Esta palavra [online] provavelmente vai parecer deslocada e antiquada. Todos os aparelhos vão estar em rede o tempo todo. E, assim, acho que os jogos estarão ‘conectados’ de algum modo e terão algum aspecto de comunidade e de conteúdo evolutivo por meio de episódios e expansões, microtransações e conteúdo criado pelos usuários.” (HENNING, 2007) • TVs: Segundo a reportagem, a chegada dos displays holográficos é apenas uma questão de (pouco) tempo e trará uma nova relação de interatividade do usuário com o jogo. Os celulares e dispositivos móveis também contarão com telas de resolução cada vez melhores e até mesmo projeção de imagens nas superfícies mais diversas. Também segue em estudo a disponibilização de telas desenvolvidas em tecidos sintéticos que possam ser facilmente transportadas pelos usuários e utilizadas em quaisquer ambientes. Porém, com o advento desta maravilhas visuais serão necessários também muitos aprimoramentos na criação de games, como afirma Tim Sweeney, executivo-chefe de desenvolvimento de Gears of War: “[os jogos vão precisar de mecanismos anti-distorção melhores para] reparar o tremor constante de pixels e polígonos – área que estamos atrás dos filmes em CGI”. (SWEENEY, 2007) • Gêneros: - Games de tiro: Jaime Griesemer afirma que “nos próximos 20 anos as pessoas vão se cansar de atirar contra alienígenas, nazistas, zumbis e terroristas... Mas... simplesmente não existem assim tantas ambientações... Como resultado, acho que veremos muitos jogos de tiro sem disparos, transformando games de ação na perspectiva em primeira pessoa, sem armas.” (GRIESEMER, 2007) - RPGs: “[O RPG] realmente se baseia na capacidade de luta do personagem. Se [o termo] fosse exato, você faria o papel de um personagem e não de uma arma... Isto significa que precisamos pensar mais à respeito da estrutura de personagem... a evolução dos RPGs é oferecer às pessoas toda a abrangência de ser o que elas bem entenderem”. (MOLINEAUX, 2007) - Corrida: O gerente geral da EA Black Box, Hanno Lemke considera que será possível, por meio da interconexão das redes de consoles, fazer downloads de modelos de carros, conceito visto em feiras de automóveis, participar de chats sobre as novidades do game e até mesmo aproveitar as ferramentas disponíveis no jogo para criar suas próprias partes do carro. - Raciocínio: Ficarão cada vez melhores, à medida em que nosso cérebro também processar mais informações e mostrar-se mais sagaz. - Plataforma: A função multiplayer deverá ser incorporada ao gênero, permitindo que vários jogadores percorram níveis e enfrentem desafios conjuntamente. Ted Price, presidente da Insomniac, também aposta na possibilidade de customização de objetos criados e disponibilizados pelos próprios gamers para a comunidade. - Esportes: As jogadas reais, assistidas na tv, deverão ficar armazenadas no console do game e poderão ser jogadas pelos usuários para testar as condições do momento. - Luta: Não deverá mudar muito no futuro, No entanto, há indícios de que o jogador poderá ‘treinar’ os personagens adversários, utilizando-se de uma melhor I. A., presente no jogo. • Indústria: Deverá evoluir em todos os aspectos e, segundo Peter Moore, vice-presidente corporativo da Microsoft, pretende perder a aura de mídia bastarda, transformando-se em algo onipresente e de massa. Segundo as expectativas do mercado, a transação de conteúdos online, estimada em cerca de US$ 215 milhões em 2006 deverá ultrapassar os US$ 7,2 bilhões em 2011, assim como a receita gerada pela presença cada vez mais significativa de anúncios nos games deverá saltar dos US$ 120 milhões atingidos em 2006 para um patamar de US$ 720 milhões em 2010. Por outro lado, os custos de produção de games subirão vertiginosamente, com equipes cada vez maiores de profissionais diversos para fazer frente ao poder de processamento dos novos consoles e recursos. • Jogadores: John Welch, presidente do site PlayFirst.com acredita que a palavra ‘gamer’ deve ser banida, uma vez que, muito em breve no futuro todos serão usuários da mídia game, que estará disseminada em todas as necessidades do usuário com o meio digital. Katherine Isbister, afirma que “As crianças vão se sentir ainda mais atraídas pelos jogos e os pais passarão a ver isso como uma parte importante do desenvolvimento. Crescer dentro de mundos digitais vai ensinar às crianças um novo tipo de experiência digital e elas acabarão levando essas lições para a vida adulta. Vão misturar a realidade dos jogos à realidade cotidiana e a encararão como experiência social.” (ISBISTER, 2007) Adiante, seguem impressões de outras referências, que reforçam estas idéias, ou refutam as previsões da revista, com base em outras considerações. A. Fusão entre Presencial e Digital Entre as muitas promessas que o game design delineia encontra-se a proposta, há muito desejada, porém ainda utópica, da jogabilidade livre da mediação dos controles (joysticks) e a imersão plena, assunto também brevemente abordado neste estudo. Uma das propostas que objetiva disponibilizar estas ferramentas é o , que poderia ser livremente traduzido como ‘Jogo de Reconhecimento de Contexto’. De acordo com um estudo conjunto do Technology Horizons Program e do grupo Context Aware Game: Convergência independente de pesquisas Institute for the Future, o advento do jogo se daria utilizando-se de “...informações digitais e físicas sobre o status atual do jogador para moldar como o jogo será jogado. A integração de contextos físicos e digitais move a experiência através do que esperamos de um game, jogado nos mundos digital e físico”. (TESTER, 2006, p. 161) Para a aplicação de um game com esta magnitude e grau de complexidade, faz-se necessário o uso de artifícios ainda incomuns no jogo tradicional, como segue: - Ambiente: a localização do jogador e de objetos pertinentes ao game, identificados por meio de etiquetas RFID, por exemplo; - Atividade Física: o movimento do corpo, seja o deslocamento espacial entre diferentes localidades (ruas) ou gestos mais sutis como um aceno de mão; - Informações do Corpo: dados fornecidos pelo corpo e que contribuem para o processo de adaptação do jogo, tais como: batimentos cardíacos, nível de stress ou atividade cerebral. - Contexto com o Grupo: alguns jogos só poderão ser resolvidos pelo empenho coletivo, através de comentários, interpretações, votação ou informações complementares pulverizadas entre elementos do grupo. A idéia mostra que uma proposta desta ordem exibe condições de aplicação prática efetiva, como visto desde 2003 no Japão, com a realização do game Mogi, da empresa Newt Games, que se utiliza de interface GPS dos celulares para apresentar a proximidade do jogador em relação a marcadores virtuais existentes em determinados espaços da cidade para a coleta de itens diversos que podem ser trocados entre os participantes. Outra proposta também já realizada e que envolve os princípios de ubiqüidade das redes de informação, somados a um contexto de jogo com objetivos lúdicos e de pesquisa, aconteceu na Universidade de Singapura envolvendo nada menos que Pacman, o maior ícone da comunidade gamer, desta vez personificado por um dos jogadores participantes do game, com o objetivo de reproduzir o comportamento do herói em um ambiente externo, no campus da universidade e confrontando-se com outros participantes que assumem o alter-ego dos vilanescos fantasmas do game. Assim como no jogo original, o sistema mostra um alto nível de desafio e a necessidade de uma estratégia intuitiva e sagaz para ser bem sucedido. A julgar pelas perspectivas tecnológicas que se delineiam, diversões como esta apresentam vastas possibilidades para o futuro dos games. O texto do Institute for the Future ainda apresenta importantes considerações em relação ao Context Aware Gameing, como um claro indicador da evolução tecnológica, por meio das seguintes reflexões: - Todos poderão jogar estes novos games: - Os jogos ocorrerão em qualquer lugar, a qualquer tempo, com qualquer coisa: - O espaço do game e o espaço real se tornarão um só: - A presença de outros jogadores será essencial para os Context Aware Games: - Os jogos mais extasiantes virão de baixo para cima, isto é, do usuário para o mainstream: B. Holografia Também na técnica já bastante conhecida e pesquisada da holografia alguns anseios do game design residem. Os relatos da criação e possibilidade de oferecimento do vídeo holográfico em escala comercial, a custo administrável e possível de ser produzido para o mercado em geral vem se tornando cada vez mais freqüentes nas revistas científicas e veículos especializados. Recente informação do blog Inspire informa que o MIT tem avançado velozmente neste campo de atuação. A matéria apresenta uma breve descrição do processo de realização do vídeo holográfico: “Um modulador converte o sinal de vídeo em vibração. Quando um feixe laser passa pelo modulador as vibrações modificam o brilho e a freqüência da luz. A luz alterada é lançada na tela e as variações de intensidade e freqüência criam a holografia tridimensional. “ (GEEST, 2007) O diretor do Celab, programa de eletrônica para consumo do MIT, V. Michael Bove Jr observa, no mesmo artigo: “A tirania da tela bidimensional de tv e do computador chegarão logo ao fim. Um grupo de pesquisadores do MIT vem propondo um caminho para desenvolver um sistema de vídeo holográfico que funcione no hardware de computadores para o público, tal como os PCs com placas de vídeo e consoles de vídeo game. A tela, dizem os pesquisadores, será pequena o bastante para integrar um centro de entretenimento [doméstico] com resolução tão boa quanto a de tvs analógicas convencionais, ao custo de somente algumas centenas de dólares... E o sistema poderia ser um implemento natural para a visualização de jogos e mundos virtuais.” (BOVE, 2007) Obviamente as pesquisas seguem em curso com franco interesse dos grandes fabricantes de produtos de entretenimento e informática, prevendo-se a revolução que esta descoberta poderá trazer para os games, oferecendo um grau de ambientação e imersão jamais sonhado, por exemplo, pelos primeiros jogadores de Doom. Outros grupos de pesquisa também se mostram empenhados na empreitada, tais como a 3D Holomedix e Holovisions. Ainda assim, levando-se em conta a frenética ansiedade com que o mercado de games vem buscando sistematicamente um patamar cada vez mais imperativo de realismo nos gráficos, um aparato como o proposto pelos pesquisadores do MIT pode não contar com uma resposta de público maciça dos gamers atuais, considerando que a qualidade de imagem sugerida nos estudos equivale, até o momento, à de um monitor convencional de raios catódicos, imensamente inferior ao mais básico monitor de plasma atual. Por outro lado, abre-se aí também um vasto terreno para o uso criativo do desenvolvimento de jogos que proponham interação mais elaborada e afinada com estruturas narrativas mais complexas e instigantes e que ofereçam uma imersão mais consistente, que prenda a atenção e o interesse do jogador, a despeito de a experiência apresentar uma menor acuidade de qualidade nos gráficos. C. Telecinese e Comando à Distância Uma proposta que vai um passo adiante na ousadia das experimentações encontra-se no produto disponibilizado pela Interactive Productline, desde 2003, conhecido como Mindball. O produto, embora já seja largamente comercializado, parece ter ainda um longo caminho de pesquisa para seu aperfeiçoamento e propõe, de forma inusitada, a realização de partidas de um jogo por meio da movimentação de uma bola sobre uma superfície sensível a impulsos elétricos enviados pelos participantes da brincadeira. Sentados em extremidades opostas do tabuleiro, dois jogadores afixam faixas à cabeça com eletrodos responsáveis pela recepção e envio das ondas cerebrais alfa e teta que, transmitidas a um software de mediação, que mede o grau de relaxamento dos participantes faz com que a bola seja encaminhada para o campo do usuário intranquilo, que perde a partida. Os desenvolvedores do produto afirmam que o objetivo do recurso é apenas o de entreter as pessoas por meio do relaxamento, em contrapartida à adrenalina e agitação típicas dos games em geral. O artigo online da Slate Magazine, embora mostre certo ceticismo em relação às potencialidades apresentadas pelo aparelho, levanta observações de cunho técnico extremamente interessantes ao considerar que ‘Mindball não é [um aparelho] mágico, mas deveria funcionar. Você realmente pode usar eletrodos de superfície para medir ondas alfa e teta e elas podem realmente refletir um certo estado mental. Não há razão para que não possamos entrar em confronto, relaxadamente, uma vez que a máquina esteja em um ambiente adequado, com um técnico para monitorar os eletrodos e calibrar o equipamento” (ENGBER, 2006) Para além do combate mental proposto pelos produtores, no entanto, o produto certamente mostra grandes probabilidades de implementação em jogos futuros, associado a outros aparatos que proporcionem uma sensação de imersão plena, como no caso das projeções holográficas em escala humana (o promissor Holodeck) e que permita uma interação do usuário com o meio digital sem fazer uso de pesados equipamentos e sensores. Ainda que esta possibilidade mostre-se tão fantasiosa quanto o próprio universo de Warcraft, sua aplicação não pode ser descartada, se considerarmos que, em pouco mais de 20 anos passamos dos blocos monocromáticos de movimentação vertical nos monitores de raios catódicos para as artes poligonais com milhões de cores e texturas em telas de plasma de até 100 polegadas. Um feito inimaginável para os jovens jogadores de Atari, como observam alguns autores. 3.4 Previsões e Expectativas As opiniões que seguem mostram haver certas coesões de pensamento e, em alguns casos, considerações absolutamente conflitantes entre os profissionais ligados ao meio. Isto demonstra a dificuldade em se estabelecer uma reflexão tão subjetiva e com base em dados ainda inconsistentes, como a possibilidade de o mercado sofrer uma guinada realmente irreversível em direção à redução de complexidades nos gráficos e polígonos, em favor de uma experiência de jogabilidade mais rica, como apresentada recentemente pelo console Wii (e, como observado, excepcionalmente bem recebida pelo mercado e – mais ainda – por uma parcela cada vez maior de não-jogadores que despertam para o fenômeno) ou, ao contrário, retomar o desejo por gráficos de imagens de qualidade fotorealista de consoles mais sofisticados, entendendo que jogabilidade não constitui o foco mais importante do desenvolvimento de games, sem esquecer as pesquisas que envolvem a elaboração de games mais complexos, com roteiros densos e dramáticos e uma narrativa que possa transportar o gamer para universos imaginários sem precedentes. Alguns autores, mesmo cientes do risco de um equívoco que possa comprometer suas reputações futuras, arriscam tendências e palpites. “Tentar prever a futura trajetória dos vídeo games é altamente problemático, talvez até uma empreitada imprudente. A rapidez da mudança tecnológica e a imprevisibilidade do desenvolvimento é considerável. Sentado na sala de estar, no final dos anos 70, jogando Space Invaders no Atari VCS, teria sido certamente impossível de prever os ambientes 3D pseudo-fotorealísticos vivenciados em um sistema surround Dolby Digital 5.1, tornados possíveis por meio do Xbox e do Playstation 2, por exemplo. O futuro do vídeo game não é difícil de adivinhar meramente em virtude do andamento da mudança tecnológica e do potencial criativo localizado sob as pontas dos dedos dos desenvolvedores e designers. De fato, em contraste absoluto com o posicionamento tecnologicamente determinista, o mecanicismo dos consumidores e a resistência são fatores importantes e significativos na formação do vídeo game como um conjunto de práticas culturais. Realidade virtual e jogos online são, talvez, os exemplos mais óbvios de falsos inícios, resultantes da resistência do consumidor. Enquanto a desenvolvedora britânica Virtuality extasiou [o mercado] com seus novos [equipamentos] operados por fichas, baseados em headsets em meados dos anos 90, a realidade virtual e toda a parafernália a ela associada não teve qualquer impacto nas vendas para o mercado doméstico. À despeito dos experimentos de pré-produção com joysticks e headsets para seu console Jaguar da Atari, que não obteve sucesso além do circuito de apresentações de negócios, e do console Virtual Boy, da Nintendo, lançado com um pouco mais de publicidade, mas com considerável apatia do consumidor... as tecnologias de realidade virtual simplesmente não impactaram o [mercado de] entretenimento por computador, da forma como proponentes como Rheingold (1991) previram... (NEWMAN, 2005, p. 163) Dando continuidade a estas considerações, o autor observa: Parte do problema com as previsões para o videogame é que elas tendem a inferir exclusividade mútua. Os possíveis futuros são sempre apresentados como oposições binárias: - O futuro dos games será alcançado online ou nos equipamentos de próxima geração dos mobiles? - O futuro é single-player, multi-player (ou multi-player massivo)? - Continuarão os vídeo games a serem distribuídos como produtos completos ou em episódios, talvez em resposta ao feed-back dos jogadores? - Os games ficarão mais longos ou mais curtos? Games de 100 horas dominarão ou os games rápidos de 10 minutos alcançarão o triunfo? - Os games trarão a sua influência dos filmes ou haverá uma retranca que verá o ressurgimento da jogabilidade sobre os gráficos? Não há razão para que os vídeo games não possam se desenvolver em todas estas áreas simultaneamente. Atualmente, por exemplo, os jogos retrô estão no páreo com o Xbox e o Playstation 2, na busca de antigos catálogos [de jogos] das desenvolvedoras ansiosas por capitalizar o fenômeno retrô que se ergueu com o portfolio do Game Boy Advance... Vídeo game pode ser disponibilizado através de uma grande variedade de mídias. Desta forma, o vídeo game não será distinguível por sua uniformidade, mas pela sua diversidade (NEWMAN, 2004, p. 168/169) Para Andrew Glassner, o game design desenvolve-se em um conceito por ele defendido e denominado como “Story Environments”, uma linha de pensamento que propõe a participação do jogador em espaço virtuais que objetivam a troca de experiências sociais criadas por desenvolvedores de games e contadores de histórias. O autor propõe o seguinte contexto para a apresentação da idéia: “A chave para a criação de uma nova forma de ficção participativa é a criação de sistemas que sejam programáveis e adaptativos. Estas são qualidades que as pessoas têm em abundância, razão pela qual um ‘dungeon master’ (mestre de jogo de RPG) pode conduzir um jogo de D&D. Eu vejo este novo tipo de histórias acontecendo dentro de ambientes de histórias. São mundos onde a trama, personagem, física, som, aparência visual, comportamento e tudo que há em uma história é mediado por um software adaptativo, que administra e mantém o ambiente. ... A diferença entre os mundos imaginários da televisão e o cinema e os que podemos criar no computador é que podemos participar ativamente e mudar o ambiente computadorizado... podemos habitar e nos movermos através deles... podemos agir por nós mesmos e ver os efeitos da ação no mundo. ... Quando pudermos criar estímulos sensoriais que façam o ambiente imaginário parecerse, ter o toque e o gosto [do ambiente] verdadeiro, teremos cuidado da parte da presença. Esta tecnologia Holodeck pode ser criada em mundos ao nosso redor ou (utilizando-se estímulo cortical direto) pode ser criado, literalmente, dentro de nossas mentes. ... Embora ninguém saiba como criar hoje um ambiente perfeitamente realista, simulado, é indubitável que continuaremos a nos mover cada vez mais perto desta idéia ao longo do tempo... Os ambientes baseados em computador nos transportarão para locais e tempos cada vez mais críveis e responsivos... Mas esta tecnologia por si só não será suficientemente uma forma participativa de história viável. (GLASSNER, 2004, p. 329.) Holodeck: Ficção ou realidade alcançada? O autor mostra acreditar verdadeiramente na criação de um universo de fantasia virtual, plenamente imersivo e que permitirá não apenas navegação e usufruto do recurso mas também a administração do espaço e o uso segundo suas próprias características ou melhor, daqueles criadas pelos jogadores para seus avatares. Observando os detalhes da proposta de Glassner, é possível perceber semelhantes conceituais entre suas idéias e o projeto Storytron de Crawford, já anteriormente citado e também com as opiniões e desejos de Janet Murray, tornando-nos claro que o contingente de pensadores que vêm elaborando teses e novas vertentes para o game design baseado na estrutura narrativa vem ganhando projeção e encontrando novos discípulos, de maneira sólida, ainda que paulatina. De maneira complementar, vale salientar o potencial de propostas como o Eyetoy da Sony, que, assim como os controles Wiimote, também sugere uma participação mais ativa do jogador e aponta para um futuro onde sensores diversos (imagem, som, movimento e até ondas mentais, como visto) deverão outorgar nova dinâmica ao prazer da jogabilidade. 4. Considerações Finais O tema deste estudo propõe, como visto, uma reflexão sobre os princípios que nortearam a criação e o desenvolvimento dos primeiros grandes sucessos, que alicerçaram a indústria dos games como conhecemos hoje. Muito há que ser observado ainda nesta efervescente indústria para que possamos ratificar as afirmações destes pesquisadores como verdades absolutas, mas está claro que muito do que já foi proposto mostra sensatez e coerência e indica os novos rumos para um bem sucedido game design. Vale atentar para a opinião de certos autores, que apontam as características que tornam marcante a criação de um jogo ou o desenvolvimento de um produto voltado para o entretenimento eletrônico, que consiga obter condições para transformar-se no próximo ícone do mundo dos games. Em palestra proferida em 1999 ao público presente à Game Developers Convention, Shigueru Miyamoto, sempre visionário e ponderado, comentava a necessidade de trabalho conjunto e coeso entre designers e programadores: “Na melhor das hipóteses, deve-se estar integrado com programadores talentosos e os programadores devem ser capazes de fazer o jogo por si próprios e mantê-lo divertido... no extremo oposto... não podemos nos esquecer da importância da inventividade humana e criatividade no game design. Naturalmente, é a expressão única e inovadora de idéias que origina a criação de novos jogos”. (MIYAMOTO, 1999) Um artigo online da BBC, que avalia as perspectivas em relação à próxima geração de consoles, pós Wii-PS3-360, confirma esta atenção para o fato e a propensão para ousar além dos limites e romper barreiras técnicas, conceituais e estéticas, focadas na excelência do game design. No texto, dois altos executivos da indústria de games, Rory Armes, gerente geral da Electronic Arts na Europa e Simon Gardner, o presidente da Climax Studio, uma desenvolvedora com quase dez anos de estrada e alguns produtos respeitáveis no mercado, abordam os aspectos técnicos que envolvem a produção e disponibilização dos avançados recursos – sobretudo técnicos – brevemente presentes nos consoles, considerando, de maneira surpreendente, que este fator somente não será o bastante para atrair a atenção do público, provavelmente em virtude do padrão isonômico das plataformas, todas com capacidades de processamento certamente inimagináveis para os equipamentos atuais, mas provavelmente equivalentes entre si. Os experts ressaltam, no entanto, que há um grande campo a ser explorado para os potenciais aprimoramentos no uso dos recursos da geração atual de consoles. O vice-presidente executivo e gerente geral para negócios internacionais da Electronic Arts (a maior desenvolvedora de games do mercado), Gehard Florin atenta para o fato de que o processo através do qual a indústria compreende e se apropria das capacidades de processamento dos consoles a cada nova geração é relativamente lento, o que faz com que jogos realmente impressionantes para cada plataforma só venham a ser desenvolvidos depois de um certo período de maturação deste conhecimento: “Neste momento, os vídeo games usam, provavelmente, de 30% a 40% da capacidade do novo hardware. Você só aprende o que pode fazer com estas plataformas depois de algum tempo e, como resultado, o uso de 100% do Playstation 2 é próximo o bastante do ponto inicial dos jogos de PS3 hoje. Nós sequer começamos a ver o poder do PS3 e ainda levará um bom tempo até explorarmos sua totalidade.” (FLORIN, 2007) Cory Barlog, diretor do game God of War 2, comenta que o grande apelo para que ainda se produzam games para o PS2 está no fato de seu time de especialistas em game design e programação dominar com mestria os procedimentos para a criação de jogos para o console. “Neste ponto, conhecemos intimamente o hardware [do PS2}, conhecemos todos os truques. Mas, quando você começa a trabalhar com um novo console, é como se você tivesse que apertar o botão ‘reset’. Você tem que reaprender tudo.” (BARLOG, 2007) Outro fator preocupante para a indústria reside na escalada vertiginosa de custos para a produção de games para cada nova geração de consoles, tendo em vista os custos de produção com design gráfico dos jogos, que exigem sistematicamente mais idéias e criatividade, mais texturas e acabamento, mais modelagens e iluminação das seqüências, mais polígonos que construam de forma crível estes objetos e, consequentemente, mais processamento de dados e tempo para a elaboração e finalização de um produto tão complexo. Para tentar minimizar este problema, a criatividade de soluções deve se estender para além do game design, impelindo as áreas administrativas a buscar receita em outras fontes de renda, como observa Florin, em outro trecho do artigo: “Para sobreviver e expandir, as desenvolvedoras devem mover-se além dos jogos para consoles e computador, e firmar-se em três ‘pernas’ adicionais: - Jogos para haldhelds - Celulares e móbiles, que estão em alta e chegando e - Comunidades online, a ‘quinta perna’.” (FLORIN, 2007) Porém, de nada servirá às empresas desenvolvedoras de games amortizar custos da alta tecnologia das novas plataformas e até mesmo tornar os games mais baratos por meio de parcerias as mais diversas, se o resultado final não encher os olhos do gamer e tocar seu coração, com uma história envolvente, intrigante e sedutora. Neste sentido, Rory Armes alerta que as empresas ainda têm muito que aprender no que diz respeito à necessidade de contar histórias de forma eficiente neste novo meio: “Em algumas áreas estamos tentando esquecer do hardware, indo na direção contrária. Temos ido muito mal permitindo que a tecnologia determine nossa criatividade. O que precisamos fazer como empresa é começar a ignorar a tecnologia e aprender nosso trabalho na contação de histórias.” (ARMES, 2007) Da mesma forma, Gardner vem corroborar estas impressões, ao observar a necessidade de utilizar-se de todo este arsenal tecnológico proporcionado pelas inovações dos novos consoles, com a finalidade indiscutível de desenvolverem-se jogos mais interessantes e melhores: “Podemos jogar mais polígonos lá e ter uma IA melhor, mas se isso não se transformar em um jogo melhor, então não será muito útil” (GARDNER, 2007) Peter Molyneaux, CEO e diretor de criação da Lionhead Studios, mostra não ter dúvidas em relação à importância da cultura game em nosso cotidiano em um breve futuro. Em recente entrevista, o criador observa com inspiradora confiança: “Nós seremos emocionalmente influenciados pelos games, tanto quanto somos pelos filmes, fotos ou músicas. Nós iremos rir e sorrir, e falaremos sobre eles e estaremos emocionalmente cercados por eles.” (KAP, 2006) 4.1 Narrativas e Novas Tecnologias Como visto, muitas são as opiniões que corroboram a idéia de um game design a cada dia mais propenso a uma concepção narrativa. A própria dinâmica cíclica do hardware, que se renova com maravilhas tecnológicas sem precedentes a cada novo lançamento de consoles, acaba por favorecer o intento daqueles em busca de mais do que tiros e sobresaltos em plataformas diversas. De fato, à medida em que os jogadores habituam-se às clássicas estruturas de concepção e design de jogos existentes há décadas, seus criadores necessitam de estratégias e de um arsenal de criatividade mais ousados e impetuosos, visando não somente satisfazer este público, mas propor alternativas que possam fidelizar a nova base de jogadores casuais e nãojogadores que começa a manifestar-se com interesse para esta forma de entretenimento. Fatalmente, caminhamos no rumo de games mais elaborados, com I.A. mais primorosa e complexa, que ofereça ambientes imersivos, avatares independentes e processos de jogabilidade ainda não concebidos nas pesquisas, mas que serão o cerne dos games de amanhã. Mesmo que as discussões acadêmicas de hoje em torno da narratologia pareçam meras expeculações e conjecturas, o roteiro para a criação de games será um elemento cada vez mais elaborado, antevendo possibilidades de ação e jogabilidade revolucionários para os padrões vigentes no limiar deste século, propondo-nos imersões singulares e marcantes, que certamente contribuirão em campos hoje superficialmente atingidos, como o processo de formação cognitiva, a semiótica e a radical modificação de nosso modus vivendi contemporâneo, assumindo o game como parcela cotidiana, fundamental e indissociável de nossas vidas. Assim como nosso cognitivo apropriou-se da linguagem cinematográfica, permitindo-nos conceber o traslado de um personagem por meio da fusão de duas tomadas que apresentem sua subida e descida de um veículo, também estaremos aptos, em um curto prazo a fazer uso das possibilidades narrativas que as mídias digitais e particularmente os games nos oferecerão. Bibliografia AARSETH, Espen (2005) Genre Trouble. Disponível para acesso em http://www.electronicbookreview.com/thread/firstperson/vigilant,em 02 de setembro de 2007. ALL Games by Score PS3 / PS2 (2007). Disponível para acesso em http://www.metacritic.com/games/ps3/scores/; http://www.metacritic.com/games/ps2/scores/, em 29 de agosto de 2007. BAKER, Cris (2007) What's the Hottest Video-Game Console of Them All? Disponível para acesso em http://slate.com/id/2161405/, em 29 de agosto de 2007. BARRETT, Ryan (2001) Interactive Music in Computer and Video Games. 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