O Acesso ao significado – semiologia como questão de direito público Marca e direito de expressão DBB, Tese Os aspectos marcas não-concorrenciais do desenho constitucional das 6.1.4.3.1. O direito de uso da língua como parcela do patrimônio cultural Entretanto, por ser instrumento de concorrência e compromisso com o consumidor, a marca não deixa jamais de ser também instrumento de expressão e de informação. Faz parte essencial dos direitos fundamentais o uso da língua, de forma livre e construtora dos valores humanos. Vem aqui a noção, crucial para nosso tema, de patrimônio cultural: Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; (...) Quanto do dever do Estado, e do direito público subjetivo, ao acesso à cultura: Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Para José Afonso da Silva, os direitos culturais a que se refere o art. 215 são os seguintes: 1 C:\aulas\inpi\2008 semiologia\6\Marca e direito de expressão.doc se trata de direitos informados pelo princípio da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos. Quais são esses direitos culturais reconhecidos na Constituição? São: a) direito de criação cultural, compreendidas as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; b) direito de acesso às fontes da cultura nacional; c) direito de difusão da cultura; d) liberdade de formas de expressão cultural; e) liberdade de manifestações culturais; f) direito-dever estatal de formação do patrimônio cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura, que, assim, ficam sujeitos a um regime jurídico especial, como forma de propriedade de interesse público. Tais direitos decorrem das normas dos arts. 215 e 216, que merecerão, ainda, exame mais aprofundado no titulo da ordem social1. Certo é que o titular da marca, ao utilizar a capacidade expressiva do objeto de seu direito para atuar no mercado, sofre necessariamente de uma apropriação do signo pelo domínio comum, qualificado pela liberdade de expressão. Assim lembra Alex Kosinski2: The point is that any doctrine that gives people property rights in words, symbols, and images that have worked their way into our popular culture must carefully consider the communicative functions those marks serve. The originator of a trademark or logo cannot simply assert, “It’s mine, I own it, and you have to pay for it any time you use it.” Words and images do not worm their way into our discourse by accident; they’re generally thrust there by well-orchestrated campaigns intended to burn them into our collective consciousness. Having embarked on that endeavor, the originator of the symbol necessarily - and justly - must give up some measure of control. The originator must understand that the mark or symbol or image is no longer entirely its own, and that in some sense it also belongs to all those other minds who have received and integrated it. This does not imply a total loss of control, however, only that the public’s right to make use of the word or image must be considered in the balance as we decide what rights the owner is entitled to assert. 6.1.4.3.2. Direitos exclusivos e liberdade de informação 1 SILVA, op. cit., p. 320. 2 Alex Kozinski, Judge, United States Court of Appeals for the Ninth Circuit, Trademarks Unplugged, New York University Law Review, October 1993, 68 N.Y.U.L. Rev. 960. 2 O estatuto constitucional das marcas tem assim outra vertente além da propriedade – o da liberdade de informação. E isso se dá de forma dupla: existe a tensão entre o direito à informação de terceiros e exclusividade legal do titular da marca. O princípio constitucional opositor, aqui, é o vazado no art. 5º da Carta: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Seja através da aplicação de algum dos limites legais ao direito, seja através da interpretação da lei autoral, é preciso ficar claro que a propriedade intelectual não pode coibir, irrazoável e desproporcionalmente, o acesso à informação por parte de toda a sociedade, e o direito de expressão de cada um3. 6.1.5. Resumo da noção constitucional de propriedade das marcas Parece assim, assente que as marcas sejam, no âmbito constitucional brasileiro, uma das formas de propriedade que, na entretela da Carta, constituem um topos de equilíbrio 3 Sobre o uso social das marcas como manifestação de liberdade de expressão, vide Sonia K. Katyal¸Semiotic Disobedience, encontrado em http://justinhughes.net/ipsc2005/papers/Paper-KATYAL.doc, visitado em 26/10/2206: ‘As many other scholars have argued, an overbroad extension of trademark rights can deleteriously impact the marketplaces of speech and affect democratic deliberation. Yet at the same time, an overbroad assessment of trademark control can also split the marketplace of speech, thereby sowing the seeds for semiotic disobedience. Rather than forming parodies that receive enfranchisement under the law, some artists and activists will seek to interrupt and then occupy the sovereignty of the brand itself— raising, and even inviting—civil sanction. Consider this case, involving the ubiquitous Starbucks logo, which consists of a green and white graphic depiction of a mermaid, emblazoned on countless Starbucks items, including cups, napkins, apparel, mugs, ice creams, coffees, and other assorted retail items. Cartoonist Kieron Dwyer reworked the logo extensively, first by anatomically enhancing it, adding a navel ring as well as a cellular phone, opening the mermaid’s eyes, and then by replacing the words “Starbucks Coffee” with the words “Consumer Whore.” And some versions of the parody include the slogan “Buy More Now” underneath the logo. Although well aware that there were some risks of a lawsuit involved in his logo, Dwyer insisted on publishing his work on the cover of his comic magazine, and selling a few t-shirts along the way. Soon after, he was faced with a suit from Starbucks alleging copyright infringement, trademark infringement, and dilution. The suit contended that the logo was “sexually offensive” and would tarnish the trademark by associating it “with conduct that many consumers will find lewd, immoral, and unacceptable.” The court’s approach in resolving this case is both interesting and symbolic of the difficulty courts have with integrating semiotic disobedience into case law regarding the intersection of trademark and First Amendment principles. While the court rejected Starbucks’ trademark and copyright infringement claims on the grounds that the mark represented protected parody and fair use, the court ultimately granted an injunction against further publication on the grounds that the parody tarnished Starbuck’s image, thus constituting dilution. In other words, the parody’s negative, humorous association had to be enjoined, simply, because it worked successfully in exposing the subtle motivations behind the Starbucks enterprise”. Em palestra na UFJF em 14/9/2206, me foi suscitado pela platéia como exemplo de uso parodial de marca o caso Daspu, onde se criou um brand através da analogia com a marca de alto luxo Daslu. No entanto, vide a observação de Jason Bosland, The Culture of Trade Marks: An Alternative Cultural Theory Perspective, http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=771184, vistado em 26/10/2206: “The underlying difficulty with shaping a dilution right is balancing the competing interests in allowing the public to use a mark as an expressive resource through criticism or commentary, while at the same time, preventing harm which is adverse to a trade mark’s continued cultural use. To balance these interests, I propose that the expressive use of a mark should be protected from dilution in the context of trade, that is, where a plaintiff’s mark is being used in the advertising context to market a defendant’s goods or services. This is to be compared with a commercial situation where the defendant’s expressive use of a trade mark forms part of the goods on offer, such as in the title or lyrics of a song, or where the trade mark is used in a poster or on a t-shirt.” 3 específico entre interesses juridicamente relevantes, dotados esses da natureza de princípios4. 6.1.5.1. Quais são os fins sociais da marca Do estatuto de propriedade, a marca fica submetida ao fim social; fim esse ainda qualificado pela cláusula finalística específica da propriedade industrial. Haverá uma dedicação ao social, além da simples autonomia privada5. Outros interesses convivem, no plano constitucional, com o que tem o primeiro utente da marca em pedir-lhe o registro. No estágio atual da evolução social, a proteção da marca não se limita apenas a assegurar direitos e interesses meramente individuais, mas a própria comunidade, por proteger o grande público, o consumidor, o tomador de serviços, o usuário, o povo em geral, que melhores elementos terá na aferição da origem do produto e do serviço prestado (STJ – REsp 3.230 – DF – 4ª T. – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo – DJU 01.10.1990). O interesse do público é o de reconhecer e valorar uma marca em uso e de seu conhecimento. O interesse constitucional nas marcas é o de proteger o investimento em imagem empresarial6, mas sem abandonar, e antes prestigiar, o interesse reverso, que é o da proteção do consumidor7. Assim, aquele que se submete ao registro, e usa continuamente o signo registrado, pode adquirir do seu público o respeito ao investimento que fez, com a responsabilidade 4 Note-se que mesmo bens imateriais fora da entretela da propriedade intelectual têm reconhecida a tutela constitucional da propriedade, como o fundo de comércio. Da abundante jurisprudência do STF sobre o tema, veja-se aqui a invocação constitucional direta: “RE - Recurso Extraordinário Processo: 95689 UF: Rj - Rio de Janeiro Órgão Julgador: Fonte DJ 06-08-1982 Pg. -07351 Ementas Vol. -01261-02 Pg. -00737 RTJ Vol. -00106-02 Pg. -00682 Relatores (A) Rafael Mayer, Unânime. Resultado Conhecido E Improvido Veja ERE-28748, RE-82909, RE-85420. Ano: 1982 Aud: 06-08-1982, Ementa Desapropriação. Locação. Indenização. Fundo de Comércio. CF, Arts. 107 E 153, Par-22. -É devida indenização ao locatário pelos prejuízos advindos da desapropriação do imóvel em que estabelecido comercialmente. Precedentes do STF. Recurso Extraordinário conhecido e provido, Em Parte. 5 A doutrina comercialista clássica sempre distinguiu o interesse público no uso adequado das marcas. Vide Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. V, livro III, parte I, 5a. ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Liv. Freitas Bastos, 1955, p. 219, n° 224. 6 Vide acima, no primeiro capítulo deste estudo: “a proteção das marcas, nomes de empresa e outros signos distintivos, que são uma forma de tutela do investimento na imagem dos produtos, serviços e das próprias empresas, funcionando de forma idêntica à proteção ao investimento criativo”. 7 Num contexto constitucional similar, no qual o interesse do público prevalece sobre o do titular de marca registrada, vide a citação de Gustavo Leonardos, acima. 4 de quem se assegura que tal investimento não é passageiro, irresponsável ou descuidado8. Há, desta maneira, um interesse geral em que uma marca seja registrada9. É de notar-se que, também para o caso das marcas, seu uso social inclui um compromisso necessário com a utilidade (uso efetivo do direito, ou, não ocorrendo, a caducidade que lança o signo na res nullius10), com a veracidade11 e licitude, sem falar de seus pressupostos de aquisição: a distingüibilidade12 e a chamada novidade relativa. Marcas e discurso político HEILBRUNN, Benoît, « Du fascisme des marques », LE MONDE, 23.04.04 « En multipliant les dispositifs d'interactions avec les consommateurs, les marques sont devenues d'incontournables partenaires de leur vie quotidienne et un puissant ferment du lien social. En phagocytant progressivement l'espace psychologique, émotionnel et social des individus, elles sont devenues de véritables dispositifs idéologiques capables d'imposer un véritable programme politique. Celui-ci repose sur la sacralisation de la marchandise en élargissant la consommation bien au-delà de l'échange marchand, pour la transformer en une série d'expériences par lesquelles les individus échangent en permanence de la valeur et du sens et négocient finalement leur identité. En proposant une théâtralisation constante des objets et des lieux, les marques se sont donné pour mission de réenchanter les actes de consommation, voire la vie, en proposant à leurs consommateurs une vision du monde assortie de préceptes de vie. De la sorte, elles visent à forger de véritables univers utopiques fondés sur une représentation précise du bien commun, ainsi que l'illustre de façon outrancière le logo de la marque Auchan : "La vie, la vraie". Marcas e paródia 8 “I valori della iniziativa economica privata pur nel rispetto dell'utilità sociale, della sicurezza, della libertà e della dignità umana, garantiti dall'art. 41, non sono menomamente offesi dalla norma impugnata, che mira - traverso il rispetto del canone, prior in tempore potior in iure - ad assicurare al titolare del marchio patronimico preminenza rispetto a chi usa in un tempo successivo lo stesso contrassegno d'identificazione del prodotto senza altri elementi d'identificazione di cui la esperienza aveva svelato la inidoneità”. Corte Constitucional Italiana Sentenza 42/1986 Giudizio di legittimità costituzionale in via incidentale. 9 Tal interesse, porém, não é de natureza a tornar obrigatório o registro de marcas, nem, aliás, o patenteamento de todos inventos. Esses remanescem como faculdades do criador da marca ou do invento. 10 Não em domínio público, pois essa noção importa em um interesse positivo comum, na res communis omnium, e não na liberdade de apropriação. Quanto à distinção, vide o nosso “Domínio Público e Patrimônio Cultural”, em Estudos em Honra a Bruno Hemmes, Ed. Juruá, no prelo, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/bruno.pdf. (data de acesso em 14/11/2005)Vide também Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, § 2.130.2. 11 MIRANDA, Pontes de. op. cit: “Hão de ser verdadeiras as marcas, isto é, de não mentir, de não induzir em erro o público sobre a natureza, qualidade ou origem dos produtos marcados: o nome da pessoa física, ou da pessoa jurídica, que dela é proprietária, há de ser o que figura, o lugar da proveniência do produto tem de ser o que se menciona”. 12 Burst e Chavanne, op. cit., p. 511 a 530. A dimensão jurídica na distingüibilidade importa em que o signo não se confunda com domínio comum. 5 Trademark Parody Leslie J. Lott* Brett M. Hutton** I. Introduction Engaging in trademark parody is a little like shooting at the king. You had better be good at it, because if you attempt and fail, you are in big trouble. Parody is a defense to trademark infringement.1 The defense is that there is no likelihood of confusion because the parody will not be taken seriously. While it must initially bring to mind the original, it must be clever enough to be clear that it is not the original nor connected with the original, but is a parody, a humorous take-off on the original. II. Good Parody - Getting it Right In order to be successful as a defense to infringement, trademark parody must be handled correctly. The elements of parody are: i) an original host work; ii) the original host work must be famous and/or known to the particular target audience; iii) the creator of the derivative work, the parody, must take only so much of the original work as necessary to bring to mind the original host work; and iv) the derivative work which conjures up the famous host must result in a new, original work. Parody, by definition brings to mind the original. It then spoofs the original in some way. Once you have brought the original to mind in connection with a product or name other than the original, one of two things is going to happen, it will either be judged a valid parody, in which case there is no liability, or there will be trademark infringement. In both cases, the case of valid parody and the case of trademark infringement, the first step is the same, the original is brought to mind. The critical issue then for valid parody, is whether that next step is taken, to so exaggerate or distort the original as to clearly distinguish the parody from the original. If that next step is not taken, there is not a valid parody, but an infringement. A. A parody must be clever 6 So how do you avoid falling into the realm of infringement and place yourself squarely within the guidelines for parody. First of all, the parody should be clever, really clever. Any good parody is witty or it will not work. Parody is based on humor. It must make the observer think of the original, but the humor lies in the take-off on the original, generally by flipping the image and coming up with something that is the opposite of the original. There is "a need to evoke the original work being parodied." However, a successful parody actually avoids or reduces a likelihood of confusion because the intent is to emphasize the distinction between the original and the parody. Unless there is a clear distinction, the parody isn't funny...it fails. i. a parody must be clever enough to avoid a likelihood of confusion If the parody calls the original to mind, but doesn't adequately distinguish it, the result is trademark infringement. No amount of wit or humor will save a parody which is likely to cause confusion. This was the decision of the Eighth Circuit ten years ago in the, now legendary, Mutual of Omaha case. Mutual of Omaha Insurance Company held 35 year old trademark registrations for its insurance services and for the "Mutual of Omaha's Wild Kingdom" television show it sponsored. The marks included a well-known Indian head logo. The defendant, a designer, created a line of products such as coffee mugs, buttons, caps, sweatshirts and tee shirts with the term "Mutant of Omaha", a profile of an emaciated human head wearing an Indian war bonnet and the words "Nuclear Holocaust Insurance", or bearing the words "Mutant Kingdom" or "Mutant of Omaha's Mutant Kingdom". Based in part on survey evidence, the court found a likelihood of confusion among consumers that the products were in fact approved or authorized by Mutual of Omaha as a statement against nuclear weapons. The court held that there could indeed be confusion that Mutual of Omaha was behind the anti-nuclear protest. The parody aspect of the message was insufficient to overcome a likelihood of confusion. More recently, the Southern District of New York made a similar finding in the case of "Dom Popignon Champop". The plaintiff produced Dom Perignon champagne and held a United States trademark registration for "Cuvee Dom Perignon" and for the label bearing those words on a shield design directly above a horizontally striped star. The trademark registrations were over 20 years old and, the plaintiff claimed, famous. The defendant marketed popcorn, which it called "champop", in a container shaped like a champagne bottle and bearing a label essentially identical to the "Dom Perignon" label, but bearing the words "Dom Popignon" in black script over the horizontallystriped star. The court held, on the basis of survey evidence, that a number of consumers believed the champagne producers had authorized the popcorn product, that Dom Popignon was not a sufficiently strong parody to avoid likelihood of confusion. Even absent confusion evidence a Washington District Court rejected a parody defense in the "Hard Rock Cafe" case. A Washington State maker of transfers for tee shirts created a design with the words "hard rain" in the center of a circle with the word "cafe" 7 under them. The design was essentially identical to the "Hard Rock Cafe" logo which the defendant admitted was famous. The defendant claimed that the design was intended only as a parody on the plaintiff's design, a parody which tourists to Washington State would find humorous because of the almost constant hard rain that falls in Washington. The court rejected this argument, saying that the copying was not slight nor the subject social commentary. Although the court did not use the word "misappropriation", it stressed that virtually the entire Hard Rock Cafe logo had been used, solely for commercial gain. Generally, however, an absence of likelihood of confusion results in a permissible parody and a finding of no trademark infringement. For example, the Ninth Circuit failed to find confusion with the use of the mark "Bagzilla" on "monstrously strong" garbage bags despite the objections from the owner of the movie monster character mark "Godzilla." A florist's use of "This Bud's For You" for fresh-cut flowers was held not to infringe Anheuser Busch's slogan as there was no likelihood of confusion. Finally, "Lardashe" as a mark for large size women's pants was determined, by the federal court in New Mexico, not to infringe the "Jordache" mark because of a lack of likelihood of confusion. Liberdade de expressão e direito autoral Domínio Público e Patrimônio Cultural, em http://denisbarbosa.addr.com/bruno.pdf Mote de luta, estandarte de campanha, “domínio público” deixa de ser uma noção jurídica morna e baça. O espaço real e mítico do domínio público passa a ser a terra prometida e os Campos Elísios da Era da Informação. A transformação criativa A transformação criativa, uso de material pré-existente como base de nova criação, é um dos mais importantes aspectos do domínio público. Como observação dos autores mais atuais, ou evocação do constitucionalismo clássico brasileiro, o tema surge como central. Lydia Loren vê na questão o ponto de maior tensão de interesses no campo autoral: “However, because any work inevitably builds on previous works, some to a greater extent than others, providing too large a monopoly will actually hinder the development of new works by limiting future creators use of earlier works. Herein lies the fundamental tension in copyright law.” 13 João Barbalho, por sua vez, explica através da transformação criativa a necessidade de que os direitos autorais sejam temporários, com um texto que evoca intensamente a citação anterior de Thomas Jefferson: 13 Lydia Pallas Loren, Redefining the Market Failure Approach to Fair Use in an Era of Copyright Permission Systems, the Journal of Intellectual Property Law, Volume 5 Fall 1997, No. 1 8 Com efeito por mais proprietário que se queira considerar o autor de uma obra científica, literária ou artística, não se pode deixar de reconhecer que o pensamento, o princípio, a verdade, a noção que em seu trabalho ele incorpora, consagra, expõe, ensina, mostra, não lhe pertence como a exclusivo dono e senhor proprietário de uma idéia? Dono de um pensamento? Por outro lado, o mundo das idéias é uma comunhão e acumula o que lhe são legado a título gratuito, as cogitações dos doutos, dos gratuitos as cogitações dos doutos, dos genios de muitas e muitas gerações. Desse repositório comum e inesgotável, desse patrimônio intelectual da humanidade tiram seus elementos formadores as novas concepções no domínio das ciências, das letras, das artes. O modo de combinar nisto os interesses do autor e da comunhão, do publico, as nações cultas tem feito consistir no reconhecimento e garantia do direito daquele por um certo tempo limitado, entrando a obra findo esse prazo no domínio social, comum á todos. 14 A questão da transformação criativa transcende o domínio público. Em um julgado seminal 15, o Tribunal Constitucional Alemão enfrentou o problema do conflito do direito de usar a obra protegida como meio de expressão, constitucionalmente protegido, em confronto com os direitos patrimoniais de exclusiva e mesmo os direitos morais de tutela de integridade. Tratava-se do caso do dramaturgo Henrich Müller, que usava, como meio de expressão literária, extensos trechos de Bertold Brecht; contra os interesses dos herdeiros de Brecht, o Tribunal afirmou que, no casos especial de uma obra expressiva de grande importância cultural, e sem maior lesão patrimonial para os titulares de direitos da obra transformada, prevaleceria o interesse da nova criação 16. O caso suscita a hipótese de uma licença de dependência autoral, pela qual o acréscimo crítico ou estritamente criativo não pudessem ser objeto de vedação, desde que garantidos os direitos patrimoniais 17. 14 João Barbalho, Comentários à Constituição de 1891, ed. 1902 15 Germania 3 - BVerfGE 825/98 from 29.06.2000. 16 On the one hand, there is the author who needs to be protected from unauthorized exploitation of his work. On the other, there is the interest of other authors to create and discuss art in a free environment sheltered from encroachments in terms of content or limited by the threat of financial repercussions. Concerning this balance, the [Constitutional] Court held that a negligible encroachment in the rights of the copy right holder without the existence of a danger of considerable economic disadvantages, do not outweigh the interests of the public to make (unauthorized) use of copy right protected work in order to discuss art in a free environment. Markus Schneider, The Balance Of Interests And Intellectual Property Laws – The European Approach, memorando, março de 2002, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/markus2.doc . 17 Copyright, Fair Use and Transformative Critical Appropriation, David Lange & Jennifer Lange Anderson, There is no question of enjoining the transformative critical appropriation, and no question of punishment, either, for the very idea of punishment is unwarranted; and this is so though harm from the appropriation is possible, even likely, even to be presupposed. Suppression and damages do not sensibly figure in this scenario, then, and cannot sensibly be required. But there may still be reason in some cases to contemplate some provision for sharing with the proprietor of rights in the antecedent work an equitable portion of such profits, if any, as may be reaped from an appropriation. 9 Liberdade de expressão e informação O tema aqui é o da liberdade de expressar-se e de ter acesso à informação. O domínio público importaria, em tese, na segurança dessas liberdades; mas o modelo de produção de mercado tenderia a estagnar o conteúdo do domínio público, pelo desincentivo ao investimento privado criativo; a visão de eficiência econômica e mesmo perspectiva política aconselhariam o estímulo a esse investimento privado, livre de influência da opinião do Estado 18. A solução, como já vista, é a exclusividade no uso da expressão criada, por tempo e condições limitadas. Mas a exclusividade tolhe, necessariamente, o acesso ao bem expressivo; é exatamente essa sua finalidade. O conflito entre a liberdade de expressão e a atuação do Estado Em trabalho anterior, analisei a questão da ação estatal em face da liberdade de expressão. O contexto era diferente: o caso das passeatas como meio de expressão, em face de outros interesses constitucionalmente relevantes, e da atuação do Estado como conciliador desses interesses 19. Mas a analogia da questão justifica a citação. O interesse público no investimento criativo se contrapõe ao interesse, público também, no livre acesso ao conhecimento e à cultura. As soluções do conflito merecem balanceamento, que nunca é abstrato ou universal. Vejamos: Sigamos a análise de Tribe 20, nos parágrafos a seguir. Segundo o constitucionalista de Harvard, a atuação do Estado que possa afetar a liberdade de expressão pode ter duas modalidades: a que se volta diretamente contra o conteúdo da expressão, e a que apenas incidentalmente pode afetar a liberdade de manifestação, mas se voltam a outros interesses públicos devidamente justificados 21. Enquanto naquela impõe-se em absoluto a garantia 18 Yochai Benkler ,Through the Looking Glass: Alice and the Constitutional Foundations of the Public Domain, 2001; “ Copyright law is defined by constant tensions between exclusive private rights on the one hand and the freedom to read and express oneself as one wishes on the other hand. As a matter of economics, copyright represents a tension between the advantages of market-based production of information and cultural goods on the one hand and the intrinsic limitations of property rights as institutional solutions to the public goods problem of information production on the other hand. As a matter of political morality copyright supports democracy by creating a grounding for some types of expression that are independent of government patronage, but in doing so imposes substantial risks of harm to democracy and individual autonomy”. 19 A Liberdade de Ir e Vir e a Liberdade de Reunir-se: Balanceamento de Dois Direitos Constitucionais, in A Eficácia do Decreto Autônomo, Estudos de Direito Público, Lumen Juris, 2002. 20 Laurence Tribe, Constitutional Law, Foundation Press, 1988, p. 1440., 12-2. 21 “Government can "abridge" speech in either of two ways. First, government can aim at ideas or information. (…) Second, without aiming at ideas or information in either of the above senses, government can constrict the flow of information and ideas while pursuing other goals, either (a) by limiting an activity through which information and ideas might be conveyed, or (b) by enforcing rules compliance with which might discourage the communications of ideas or information. Government prohibitions against loudspeakers in residential areas would illustrate (a). Governmental ceilings on campaign contributions. The first form of abridgment may be summarized as encompassing government actions aimed at communicative impact; the second, as encompassing government actions aimed at noncommunicative impact but nonetheless having adverse effects on communicative opportunity. (…) 10 de expressão (salvo exceções a serem interpretadas de maneira restritíssima), nesta o conflito de interesses igualmente relevantes induz à necessidade do balanceamento 22. Como exemplo do primeiro tipo, teríamos a proibição da obscenidade, ou da propaganda subversiva – o que implica em critérios muito estreitos de contenção do Estado. Tais ações do Estado seriam objeto de um tipo de análise constitucional que Tribe denomina como “rota um”. No segundo tipo, ter-se-íam limitações como as de trânsito ou acesso em certas áreas, com vistas a ressalvar interesses de terceiros, a paz pública, regras ambientais relativas ao nível de ruído, etc.. Estas seria objeto do que Tribe denomina “ rota dois” 23 . A Propriedade Intelectual não tem sido usada, primordialmente, como restrição ao conteúdo, mas simplesmente como restrição ao acesso; é dessa feita, a analogia com a rota dois que nos interessa. Nesta segunda hipótese, que nos interessa de plano, a ação do Estado pode ser constitucional, mesmo que tenha efeitos quanto à expressão das idéias, desde que essas não sejam indevidamente constritivas do fluxo de comunicação 24. Tal consideração leva à análise causal, individual, sem possibilidade de topologias categóricas. Any adverse government action aimed at communicative impact is presumptively at odds with the first amendment. 22 A government action belonging to the second category is of a different order altogether. If it is thought intolerable for government to ban all distribution of handbills in order to combat litter, for example, the objection must be the values of free expression are more important constitutionally than those of clean streets at low cost; if a ban on noisy picketing in a hospital zone is acceptable, the reason must be that the harmful consequences of this particular form of expressive behavior, quite apart from any ideas it might convey, outweigh the good. Where government aims at the noncommunicative impact of an act, the correct result in any particular case thus reflects some "balancing" of the competing interests; regulatory choices aimed at harms not caused by ideas or information as such are acceptable so long as trey do not unduly constrict the flow of information and ideas. 23 “The Supreme Court has evolved two distinct approaches to the resolution of first amendment claims; the two correspond to the two ways in which government may "abridge" speech. If a government regulation is aimed at the communicative impact of an act, analysis should proceed along what we will call track on. On that track, a regulation is unconstitutional unless government shows that the message being suppressed poses a "clear and present danger, " constitutes a defamatory falsehood, or otherwise falls on the unprotected side of one of the lines the Court has drawn to distinguish those expressive acts privileged by the first amendment from those open to government regulation with only minimal due process scrutiny. If a government regulation is aimed at the communicative impact of an act, its analysis proceeds on what we will call track two. On that track, a regulation is unconstitutional, even as applied to expressive conduct, so long as it does not unduly constrict the flow of information and ideas. On track two, the "balance" between the values of freedom of expression and the government's regulatory interests is struck on a case-by-case basis, guided by whatever unifying principles may be articulated.” 24 “The two poles of this debate are best understood as corresponding to the approaches, track one and track two; on the first, the absolutists essentially prevail; on the second, the balances are by and large victorious. (…) On track two, when government does not seek to suppress any idea or message as such, there seems little escape from this quagmire of ad hoc judgment, although a few categorical rules are possible (…) The second type of abridgment - abridgment on track two, in which government does not aim at ideas or information but seeks a goal independent of communicative content or impact, with the indirect result that the flow of information or ideas is in some significant measure constricted.” 11 Tribe coloca a hipótese de uma sistema constitucional em que qualquer atividade da rota dois, se neutra em seus propósitos, seria tida por constitucional 25. Na tradição constitucional americana, porém, não basta que a restrição seja neutra em intenção; a análise da Suprema Corte desde o caso Schneider v. State , 308 U.S. 147 (1939) 26 conduziu-se no sentido de que – independente dos propósitos – os efeitos da regulação estatal não podem ser admitidos no que deixem pouco acesso à atividade comunicativa, ou permitam ao povo pouco acesso aos canais de comunicação. Para Tribe, os elementos da ponderação são, de um lado, a extensão em que a comunicação é coarctada; de outro, os interesses servidos pela restrição. Dois elementos influem decididamente no balanceamento: o primeiro é o grau de desigualdade em que a restrição cai sobre os vários grupos na sociedade 27. O segundo, e muito importante para nossas cogitações, é a proporção que as restrições incidem sobre um lugar tradicionalmente reservado para a expressão coletiva, o que o constitucionalismo americano chama de “foro público” 28. 25 “One could imagine a constitutional system in which such governmental behavior would automatically be upheld, however devastating its consequences for freedom of expression. In such a system, government's ply duty would be to avoid gratuitous and deliberate suppression of ideas; so long as government's aims were ideologically neutral, speakers would have to take what they could get. That is not our system; at least since 1939, 25 it has been established that even a wholly neural government regulation or policy, aimed entirely at harms unconnected with the content of any communication, may be invalid if it leaves too little breathing space for communicative activity, or leaves people with too little access to channels of communication, whether as would-be speakers or as would-be listeners”. 26 Tribe aponta como o caso fundamental o de Schneider v. State, 308 U.S. 147 (1939), que citaremos a seguir como uma das bases fundamentais de nosso parecer. Mas há que se ver também Teamsters Union v. Vogt, 354 U.S 284, 295 (1957); Kunz v. New York, 340 U.S. 290, 293 (1951); Niemotko v. Maryland, 340 U.S. 268, 276-77 (1951) (Frankfurter, J., concurring); Follett v. McCormick, 321 U.S. 573 (1944); Martin v. Struthers, 319 U.S. 141 (1943); Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 308 (1940); Hague v. CIO, 307 U.S. 496, 515-16 (1939) (Roberts, J.). 27 “To be weighed in the balance are, on the one hand, the extent to which communicative activity is in fact inhibited; and, on the other hand, the values, interests, or rights served by enforcing the inhibition. Two variables have been important in structuring the balancing process, and in deciding how heavy a burden of justification -and how large a sacrifice of other goals - to impose on government. The first has been the degree to which any given inhibition on communicative activity falls unevenly upon various groups in the society. (…) At the same time, when deciding whether a particular ban or a specific regulation of time, place, or manner does indeed have a disproportionate impact on expression by the unpopular, the dispossessed, or the little-known, the Court has demanded more than speculative argument that such an impact might exist”.. Vide também Lee, William E. "Lonely Pamphleteers, Little People, and the Supreme Court: The Doctrine of Time, Place, and Manner Regulations of Expression" (1986), 54 Geo. Wash. L. Rev. 757. 28 “The second variable has been the degree to which the inhibition on communicative activity operates to shut down places that have traditionally been associated with the public exchange of views, or places that have been specifically opened by government to such exchange. A governmental action that excludes a communication from such a public forum cannot be defended by pointing to the availability of alternative ways to transmit the same message; like a governmental abridgment based upon the content of an expression, an abridgment in this special realm is not deemed insignificant simply because alternative channels are available to the speaker or to the listener. “. O conceito foi elaborado a partir de um artigo do Prof. Harry Kalven, Jr. The Concept of the Public Forum: Cox v. Louisiana", [1965] Sup. Ct. Rev. 1, at pp. 11-12, no qual se define a noção da seguinte forma: “ . . in an open democratic society the streets, the 12 Conforme nota Tribe, a construção jurisprudencial do foro público distingue três situações diversas 29: 1. Os lugares voltados à expressão coletiva, seja pelo Estado, seja segundo a tradição, compreendendo, por exemplo, ruas e parques. 2. Lugares instituídos pelo Estado especificamente para determinados tipos de expressão coletiva, como auditórios de universidade; 3. Bens públicos não destinados à expressão coletiva. No primeiro caso, o balanceamento penderá significativamente para a proteção da expressão coletiva em detrimento de qualquer outro interesse estatal, especialmente considerando a importância de tais lugares para a expressão de pessoas que não tem outras formas mais elaboradas ou mais dispendiosas de comunicar suas idéias. Assim, a restrição ao uso de um lugar tradicionalmente usado para passeatas – na visão da construção jurisprudencial americana – exigiria justificativas de muito peso 30. Diz Tribe, analisando a elaborada construção da tese na Suprema Corte americana, que não se pode afetar a expressão de idéias num foro publico, a não ser se a restrição é: a) neutra quanto ao conteúdo da expressão; e b) atende um interesse estatal parks, and other public places are an important facility for public discussion and political process. They are in brief a public forum that the citizen can commandeer; the generosity and empathy with which such facilities are made available is an index of freedom.” Vide também Dienes, C. Thomas. "The Trashing of the Public Forum: Problems in First Amendment Analysis" (1986), 55 Geo. Wash. L. Rev. 109. Farber, Daniel A. and John E. Nowak. "The Misleading Nature of Public Forum Analysis: Content and Context in First Amendment Adjudication" (1984), 70 Va. L. Rev. 1219.Jakab, Peter. "Public Forum Analysis After Perry Education Association v. Perry Local Educators' Association -- A Conceptual Approach to Claims of First Amendment Access to Publicly Owned Property" (1986), 54 Fordham L. Rev. 545. Moon, Richard. "Access to Public and Private Property Under Freedom of Expression" (1988), 20 Ottawa L. Rev. 339. Moon, Richard. "Freedom of Expression and Property Rights" (1988), 52 Sask. L. Rev. 243. Post, Robert C. "Between Governance and Management: The History and Theory of the Public Forum" (1987), 34 U.C.L.A. L. Rev. 1713. 29 “In its principal attempt at a comprehensive doctrinal synthesis, the Court set out three categories of forums: (1) traditional, "quintessential public forums"- "places which by long tradition or by government fiat have been devoted to assembly and debate, "such as "streets and parks", (2) "limited purpose" or state-created semi-public forums opened "for use by the public as a place for expressive activity, "such as university meeting facilities or school board meetings; and, finally, (3) public property "which is not by tradition or designation for public communication" at all.” 30 “The "public forum" doctrine holds that restrictions on speech should be subject to higher scrutiny when, all other things being equal, that speech occurs in areas playing a vital role in communication such as in those places historically associated with first amendment activities, such as streets, sidewalks, and parks - especially because of the threshold how indispensable communication in these places is to people who lack access to more elaborate (and more costly) channels. Public forum analysis adds a frequently location-specific dimension - or at least a location-specific label - to inquiry of whether the values of free expression are involved in a given case. In some places, some activities are said to be entitled to greater first amendment protection than the same activities might claim in other places. The designation "public forum" thus serves as shorthand for the recognition that a particular context represents an important channel of communication in the system of free expression” . 13 significante; e, também c) deixa aberto outros canais relevante de expressão coletiva 31. O paralelo poderia ser construído da seguinte forma: um sistema de restrições ao acesso à informação e a cultura seria aceitável enquanto atender adequadamente os propósitos de estimular o investimento criativo; quando deixa aberto outros canais relevante de expressão coletiva; e enquanto o equilíbrio entre os dois interesses em confronto evita agravar a desigualdade em que a restrição cai sobre os vários grupos na sociedade, e se exercita em favor da expressão de pessoas que não tem outras formas mais elaboradas ou mais dispendiosas de comunicar suas idéias e receber informação e cultura. Certamente muita elaboração O caso Eldred v. Ashcroft A questão do conflito entre a liberdade de expressão e informação e as exclusivas autorais teve um momento central, com o caso da Suprema Corte dos Estados Unidos Eldred v. Ashcroft 32. O tema era a possibilidade de extensão do prazo da exclusiva com efeitos na massa já protegida, e mesmo em face de certos elementos já em domínio público. Como tive ocasião de notar 33, no caso dos direitos autorais, a restrição à liberdade se configura mais evidentemente como negativa ao acesso à informação. Em fevereiro de 2003, a Suprema Corte americana enfrentou exatamente essa questão – que a propriedade sobre os bens do intelecto nega a liberdade de informação – argumentando que não há lesão maior, pois que o direito autoral não protege conteúdo, mas forma (Eldred v. Ashcroft). Mas o que nos toca neste contexto é o tratamento dado pela decisão aos argumentos de que o aumento da exclusiva atentaria contra as liberdades de expressão, que no direito americano se acham inscritos na Primeira Emenda 34. 31 “It is only when the law does not regulate the content of messages as such, and when there is no evidence of a governmental motive to discriminate in favor of or against a particular viewpoint, that the Court properly inquires into such factors as the place of the speech, the character of the particular activity being regulated, and the nature of the restriction imposed.” 32 Eldred v. Ashcroft 537 US 186 (2003) 239 F.3d 372, affirmed. Caso encontrado em http://straylight.law.cornell.edu/supct/html/01-618.ZS.html , visitado em 14/11/05. 33 Prefácio ao livro de Marcos Wachowicz Propriedade Intelectual do Software e Revolução da Tecnologia da Informação, Juruá, 2004. 34 Os efeitos da decisão são relevantes para o Direito em todos os países, e não só nos Estados Unidos. Como tive ocasião de notar em uma lista de discussão (Fri, 17 Jan 2003 14:24:To: [email protected]) “I would think it appropriate to stress that the damage done by Ginsburg decision is larger than hitherto seen. The integrity of the public domain in authorship's right shall be sought, no doubt, but the effective denial of the same principle for patents (see footnotes 9 and 22) and revocation of Sears Roebuck & Co. v. Stiffel Co., 376 U.S. 225, 231 (1964) (even in obiter) will have probably more stringent effects. I my country (incidentally, Brazil), Sears Roebuck was being used as a compelling argument to oppose ex post extensions of patent terms. Extending the life of a patent beyond its expiration term was arguably unconstitutional on many legal systems, as the right to use the teachings of the patent at the end of monopoly term is (as the argument goes) vested on public simultaneously as the patent owner gets its grant. The idea that copyright and patents have different exchange terms (offered on page 24-25 of Ginsburg's opinion) is not entirely bad, but footnote 22 dismisses all positive content to such finery. They are distinct, but have the same result: divesting the public from its constitutional right to free use of creations. My worry is equally shared between free flow of ideas and availability of medicines to fight AIDS. Eldred has certainly a worldwide import.” 14 A Corte entendeu que não haveria, de raiz, qualquer incompatibilidade entre as exclusivas autorais e as liberdades de expressão; The Copyright Clause and First Amendment were adopted close in time. This proximity indicates that, in the Framers' view, copyright's limited monopolies are compatible with free speech principles. Indeed, copyright's purpose is to promote the creation and publication of free expression. As Harper & Row observed: "[T]he Framers intended copyright itself to be the engine of free expression. By establishing a marketable right to the use of one's expression, copyright supplies the economic incentive to create and disseminate ideas." Além disso, os excessos eventuais de exclusiva teriam mecanismos de correção embutidos no sistema legal: In addition to spurring the creation and publication of new expression, copyright law contains built-in First Amendment accommodations. First, it distinguishes between ideas and expression and makes only the latter eligible for copyright protection. Specifically, 17 U. S. C. §102(b) provides: "In no case does copyright protection for an original work of authorship extend to any idea, procedure, process, system, method of operation, concept, principle, or discovery, regardless of the form in which it is described, explained, illustrated, or embodied in such work." (...) . Due to this distinction, every idea, theory, and fact in a copyrighted work becomes instantly available for public exploitation at the moment of publication O elemento relevante, aqui, é a conclusão final, de que não há lesão à Constituição desde que “cada idéia, teoria, e fato numa obra sob exclusiva autoral se tornem imediatamente disponíveis para a exploração pública desde o momento da publicação”. Ou seja, num a contrario sensu não menos delicioso com ser perigoso, conclui-se que o uso do direito autoral para proteger soluções de conteúdo é inconstitucional. Um direito substantivo de acesso à informação Conquanto convincentes, os argumentos acolhidos pela Corte de compatibilidade em tese das exclusivas autorais com a liberdade de expressão presume a existência de um direito substantivo de acesso à informação e de manifestação do pensamento. Esse direito não está, porém, consolidado na doutrina e na jurisprudência. As primeiras noções que indicamos acima, à luz da análise de Tribe, merecem alentado desenvolvimento. Um interessante texto para a elaboração desse direito é o da proposta de Tratado de Acesso ao Conhecimento (A2K), como suscitado por entidades da sociedade civil como elemento de discussão nos foros internacionais 35. “... os direitos patrimoniais dos titulares das exclusivas autorais (que incluem, entre outros, os direitos à reprodução, à distribuição, à exposição, à execução 35 Vide http://www.cptech.org/a2k/consolidatedtext-may9.pdf , visitado em 14/11/05. Sobre a situação da proposta do tratado, vide http://www.access2knowledge.org/cs/ . 15 pública, o desempenho, à adaptação e à comunicação ao público), não se aplicarão a: i.O uso de excertos, de seleções, e de citações relevantes para os fins de descrição e ilustração em relação à educação sem fins lucrativos e ao trabalho acadêmico; ii. O uso de excertos, de seleções e de citações relevantes para as finalidades de crítica e comentário, inclusive, entre outros, as de paródia: iii. O uso das obras, por instituições educacionais, como leituras secundárias por estudantes registrados; iv. O uso das obras por instituições educacionais, como material primário de instrução, se tal material não tiver sido imediatamente disponível pelos titulares de direito por um preço razoável; garantido a tais titulares a remuneração justa; v. O uso das obras para fins de biblioteca ou de preservação de arquivo, ou para migração a um formato novo; vi. O uso das obras para efeitos de engenharia reversa legítima; vii. O uso das obras especificamente para promover o acesso a pessoas com com deficiência de visão ou audição, com problemas de aprendizado, outras necessidades especiais; viii. O uso por bibliotecas, arquivos ou instituições educacionais, para finalidades da preservação, da instrução ou da pesquisa , podendo fazer cópias das obras protegidas pelo direito autoral mas que não são atualmente objeto de exploração comercial. ix. O uso das obras em relação aos mecanismos de busca do Internet, desde que os titulares não imponham medidas razoavelmente eficazes impedir tal acesso pelos mecanismos de busca de Internet, e o serviço de busca do Internet forneça meios convenientes e eficazes para remover as obras das bases de dados se assim o solicitar o titular. (b) Presumir-se-á que estes usos constituem os casos especiais que não se opõem à exploração normal da obra e não prejudicam desrazoavelmente os interesses legítimos dos titulares de direito.” A proposta é interessante, elaborando consideravelmente determinados aspectos sob o resguardo das exceções e limitações às exclusivas autorais, em particular à luz da jurisprudência da OMC que analisa TRIPs 36. Paródia Manoel, Tese 36 Sob esse tema, vide o nosso 16 A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos no chamado caso Pretty Woman37, que constitui o julgado mais recente desse tribunal sobre essa matéria, trouxe uma nova dimensão para os limites do Direito de Autor que poderá ser eventualmente aplicável aos casos de aperfeiçoamentos ou melhorias de programas de computador. O caso Pretty Woman trata de uma paródia da música de mesmo nome, realizada por um conjunto “rap”. Ao entender que essa paródia constituía uso lícito da obra preexistente, o tribunal reexaminou alguns dos fatores que tradicionalmente informam a teoria do “fair use” no direito norte-americano, propugnando pela sua avaliação no conjunto e não isoladamente38. O julgado entendeu que o uso comercial da nova obra não afasta a licitude da conduta, imprimindo mais ênfase no fato de que a nova obra configurava uma transformação da primeira, no sentido de que “...adds something new, with a further purpose or different character”39. Esse uso derivado da obra originária tenderia assim a produzir um efeito menos prejudicial à obra protegida e a legitimar a transformação. A teoria poderia ser utilizada em casos de contrafação de elementos não-literais de programas de computador mediante a alegação de que um uso derivado da obra não prejudica necessariamente o autor, visto constituir uma “transformação” lícita da obra alheia mediante a introdução de aperfeiçoamentos ao programa pre-existente. Parody as fair Use – an interesting and entertaining aspect of copyright law By Eric S. Slater, Esq., Manager, Copyright, ACS Publications Division Who says copyright can’t be fun? In a bit of a diversion from my previous Copyright Corner articles, in which I’ve taken more of a “straight arrow” approach in discussing copyright issues, this month I’m taking a “fun” approach. I’ll take a look at three different areas where parodies are most common—comic book characters, music, and written works. There's a long tradition protecting parody as a fair use, even though it's not specifically mentioned in the United States Copyright Law, if the parody otherwise seems reasonable under the four factors (Section 107 of the United States Copyright Act, see http://www4.law.cornell.edu/uscode/html/uscode17/usc_sec_17_00000107----00037 Campbell v. Acuff-Rose Music, Inc., 510 U.S. 569, 114 S.Ct. 1164 (1994). 38 Esses fatores são: a finalidade ou caráter do uso; a natureza da obra protegida; a quantidade de uso da obra originária; e o efeito do uso no mercado potencial ou no valor da obra protegida, cf. Seção 107 da Lei Autoral dos EUA. Vide William T. McGrath, “Fair Use”, p. 102/103. 39 Cf. 114 S.Ct. 1164, p. 1171, apud D.C. Toedt, Oh, pretty woman: muddying software copyright even further with “transformative fair use”, p. 15. 17 .html; http://www.copyright.gov/fls/fl102.html). Examples of protected parody run the gamut from film and television to music and written works, in advertising and even in an old childhood favorite, MAD magazine. Parody is likely one of the more interesting areas in how fair use can be applied, given the nature of how original material is creatively transformed. For our purposes here, I will focus on several court cases and how parody has been interpreted. It most certainly can differ from court to court and from case to case. The key factor that courts seem to consistently apply is how “transformative” the new use of the work is compared with the original work. In parody, some degree of copyright infringement is taking place. In fact, it is not unusual for a satirist or parodist to utilize the creative work of another, for the purpose of poking fun at either the borrowed work itself or some altogether extrinsic social and political phenomenon. The satirist generally identifies the borrowed work and writes for an audience that is familiar with that work; furthermore, in order for the parody to be effective, it will have had to reproduce parts of earlier copyrighted works (see Gorman, Robert A. and Ginsburg, Jane C., Copyright For The Nineties, 4th ed., The Michie Company: Charlottesville, VA, 1993, pp. 586-87). In looking at comic book characters, the courts have been divided depending on how the parody is portrayed and how much of the original work is used. For example, MAD magazine has done many parodies of Disney characters including Mickey Mouse, and has never been sued by Disney. Perhaps this is because MAD is known for this type of humor, is not taken seriously, and takes only what is necessary to parody. Also taken into consideration is that Disney characters are universally recognizable and do not have to be copied in exact fashion to be recognized. MAD, in its portrayal of the characters, has never lifted exact copies from the original Disney works—they use just enough to conjure up the images necessary to make the parody successful. In comparison, Disney sued and emerged victorious in a case from the 1970's when the defendants published a comic book that featured Disney characters by copying exactly from the originals (see Walt Disney Productions v. Air Pirates, http://www2.tltc.ttu.edu/Cochran/Cases%20&%20Readings/Copyright-UNT/airpirates). The defendants copied the characters in their entirety, thereby taking more than what was necessary to pull off the parody. Furthermore, the parody element was lost in that the Disney characters were portrayed in unsavory ways (i.e., in sexual situations and using drugs)—certainly not the wholesome, family-friendly atmosphere Disney likes to portray. The only Supreme Court decision was a case involving a musical parody (Acuff-Rose v. Campbell, http://straylight.law.cornell.edu/supct/html/92-1292.ZO.html). Here, the defendants were the rap group known as 2 Live Crew, sued by the publisher of Roy Orbison's classic “Pretty Woman”. The 2 Live Crew version of that song adopted and altered the melody and tracked the lyrics of Orbison's song (“pretty woman,” which was changed to “two-timin’ woman,” and “bald-headed woman,” among other not-sopositive incarnations). The parodied version also reproduced (sampled) a guitar riff that recurs throughout the Orbison original. The lower court rejected 2 Live Crew's fair use argument, but the Supreme Court emphasized the “transformative” nature of the parody, and implied the work was sufficiently transformative to meet the four-part fair use test. Even though the Court did not explicitly find that this was a fair use, the language used by the Court makes clear its tolerance for parodies, hence the wider interpretation on the fair use spectrum discussed earlier. 18 Maybe there's a creative and musically inclined chemist who will become famous by transforming a popular song into parody by using chemical terms in place of the real lyrics – perhaps “It's Raining Isotopes” would be a fun rendition of the mid-1980’s hit “It’s Raining Men” by the Weather Girls. I’m sure other terms inherent in chemistry (i.e., molecules, compounds, structures, elements, etc.) can be substituted for the real thing in written works as well as musical ones. The final area we will look at is when parody is applied to written works. Ostensibly, if the four factors are met, then the chances are good that a court will rule favorably to a fair use defense. Again, though, it depends on what is being parodied and how. A few years ago, a federal district court in Georgia ruled that The Wind Done Gone, written to parody Gone With the Wind, was not a parody, but effectively a sequel, and blocked publication (SunTrust Bank v. Houghton Mifflin Co., http://laws.lp.findlaw.com/11th/0112200opnv2.html). Alice Randall wrote the new work from an African-American point of view as a retelling of the original Margaret Mitchell classic. The court ruled that Randall's work went too far to be merely a parody—the judge held that the new work copied the heart of Gone With the Wind’s characters and scenes. It didn't pass the fair use test because it is still the same fictional world, described in the same way, and inhabited by the same people, who are doing the same things. The publisher of Randall's work, Houghton Mifflin, argued that Randall borrowed certain scenes and characters from the original and sufficiently “transformed” them to create a new story replete with social commentary about the African-American experience in the South. This decision was later overturned by the U.S. Court of Appeals for the 11th Circuit— apparently, this court was convinced that Randall borrowed only what was necessary from the original to effectuate the parody. I feel it is necessary here to provide rulings of both the lower court and the appellate court, as interpretation can vary, even among the courts. In the last example, the defendants argued under the same theory that had worked for 2 Live Crew and ultimately prevailed on appeal in The Wind Done Gone case—the new work was “transformative” enough to be protected under fair use. Again, the transformative nature of the new work would appear to be the benchmark used by the courts. O fair use no Direito Autoral J. OLIVEIRA ASCENSÃO, , Pág. 73 REVISTA FORENSE - VOL. 365 DOUTRINA Assim, o art. 5/3 k da recente Directriz da Comunidade Europeia nº 01/29, de 22 de maio, sobre aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, admite como limite a utilização para fins de caricatura, de paródia e de pastiche. Mas na realidade não há sequer um limite, porque a matéria está fora da abrangência do direito de autor. Há uma livre utilização, que é figura diferente, e que é emanação da liberdade de criação intelectual de todos nós. Cf. sobre esta matéria André Lucas - H. J. Lucas, Traité de la Propriété Littéraire et Artistique, 2ª ed., Paris, Litec, 2001, nº 343. Do mesmo modo, quando o art. 8º da Lei brasileira nº 9.610, de 19.2.98, exclui as idéias e outras realidades do objecto de protecção do direito, não estabelece limites, mas exclusões do âmbito. 19 Os direitos constitucionais do interesse social pelo acesso ao conhecimento, à informação e à cultura e a função social da propriedade de outro Manoel, parecer para a ABDR Tendo em vista a demanda promovida pelo INSTITUTO INTERNACIONAL E DE DIREITO DO COMÉRCIO DESENVOLVIMENTO – IDCID, perante a ...... Vara Cível do Foro Central desta Capital, consulta-me a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS – ABDR a respeito da interpretação do Artigo 46, II Lei de Direitos Autorais vigente, formulando as seguintes indagações: 1. De que forma podem relacionar-se a garantia constitucional da exclusividade do direito de autor positivada no artigo 5º, XXVII, da Constituição Federal de um lado, e os direitos constitucionais do interesse social pelo acesso ao conhecimento, à informação e à cultura e a função social da propriedade de outro? Desde a Carta Magna de 1891, consolidou-se a chamada “constitucionalização” do Direito de Autor em função da qual o elemento fundamental da garantia constitucional tem sido o direito de exclusividade de utilização da obra pelo autor40. Por um lado, sustenta-se que o Direito à Informação, à Educação e à Cultura são direitos fundamentais do Homem, assegurados pela Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (Artigos XIX, XXVI e XXVII) e pela nossa Constituição, nos termos dos Artigos 5°, XIV, 205, 206, I e II, 215 e 220 do texto de 1988. Há ainda o interesse social garantido nos preceitos contidos nos Artigos 5°, XXIII e 170, III da Constituição Federal, que tratam da função social da propriedade. Vide Manoel J. Pereira dos Santos, Princípios Constitucionais e Propriedade Intelectual – O Regime Constitucional do Direito Autoral no Brasil, in APDI, Direito da Sociedade da informação, vol. VI, Coimbra, Coimbra Ed., 2006, p. 122. 40 20 Por outro lado, argumenta-se que o Direito de Autor também é, desde a primeira Constituição Republicana, assegurado como um direito fundamental, conforme dispõe o Artigo 5°, XXVII do texto de 1988. É também o que afirma o Artigo XXVII da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, ao dispor que “2. [t]oda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor”. Portanto, há uma inegável tensão entre determinadas Liberdades Públicas e o Direito de Autor na medida em que um parece condicionar ou qualificar o outro. Desse fato decorreria uma possível colisão de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, mas que representa na verdade um conflito aparente de normas constitucionais para cuja solução impõe-se estabelecer a necessária harmonização mediante a aplicação do princípio da ponderação de valores41. Como afirma Oliveira Ascensão, “o direito de autor é um direito como qualquer outro. Por isso, como todo direito, tem limites”42. Isto significa que, mesmo sendo reconhecido como um direito fundamental, não é um direito absoluto e, por essa razão, sempre houve a consciência dos limites no âmbito do Direito Autoral. Na verdade, porém, a proteção dos outros direitos fundamentais também é relativa porquanto há igualmente a necessidade de conciliar diferentes interesses igualmente legítimos e tutelados43. É clássica a noção de que o Direito de Autor deve estabelecer o equilíbrio ideal entre o interesse da coletividade pela difusão e pelo progresso do conhecimento e o interesse O princípio da unidade da Constituição pressupõe a inexistência de antinomias reais entre as normas constitucionais. Vide Carlos Roberto Siqueira Campos, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, Rio, Forense, 2003, p. 59/60. 41 José de Oliveira Ascensão, O “Fair Use” no Direito Autoral, in APDI, Direito da Sociedade da informação, vol. IV, Coimbra, Coimbra Ed., 2003, p. 90. 42 “A proteção constitucional à informação é relativa, havendo a necessidade de distinguir-se as informações de fatos de interesse público,da vulneração de condutas íntimas e pessoais, protegidas pela inviolabilidade à vida privada, e que não podem ser devassadas de forma vexatória ou humilhante”, Alexandre de Moraes, Direitos Humanos Fundamentais, 5ª. ed., SP, Atlas, 2003, p. 162. “Os direitos da personalidade, apesar de serem considerados absolutos, sofrem limitações em seu exercício”. Silvio Romero Beltrão, Direitos da Personalidade de acordo com o Novo Código Civil, São Paulo, Atlas, 2005, p. 30. Vide também Carlos Roberto Siqueira Campos, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, p. 62. 43 21 privado pela proteção do esforço criativo e do investimento realizado pelo autor44. Portanto, ao contrário da propriedade comum e a despeito de ser muitas vezes considerado como uma propriedade especial, trata-se de um direito de conformação diferente do instituto da propriedade clássica porque, à semelhança do que ocorre com outros ramos da Propriedade Intelectual, é caracterizado pela temporalidade, um princípio aplicado em todos os regimes jurídicos deste instituto45. Além disso, o direito de exclusividade garantido ao autor sofre limitações próprias da disciplina autoral. Há, também, usos lícitos efetuados dentro do âmbito pessoal do indivíduo que não interferem na exclusividade de exploração comercial da obra pelo autor. Há, por outro lado, formas de utilização coletiva que são permitidas justamente para assegurar a liberdade de expressão, o acesso à informação e a difusão da cultura. Assim, a Lei permite o direito de citação, a paráfrase, a paródia, o direito de crítica e a resenha de notícias46. Mas, de forma geral, trata essas hipóteses como exceção à proteção legal e, no nosso sistema, implementa-as de maneira taxativa. Apesar de se afirmar que a consciência do interesse público “perdeu-se quase totalmente no século 20” porque “o espaço de liberdade sofre uma perigosa restrição”47, a tendência crescente de restringir o acesso e o uso de obras intelectuais, sobretudo quando disponibilizadas no ambiente digital, é uma reação ao perigo de esvaziamento da proteção autoral em face da evolução dos recursos tecnológicos. Chega-se assim à questão central dessa controvérsia, que diz respeito à própria essência do Direito de Autor. Em face da manifesta política de expansão dos direitos de “Le utilizzazioni che possono essere comprese nella privativa dell’autore trovano um limite in questi diritti del pubblico”. Eduardo Piola Caselli, Códice del Diritto di Autore, Torino, UTET, 1943, p. 283. 44 Ao dispor que o Direito de Autor é transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar, o Constituinte deixou claro que se trata de um direito exclusivo de caráter temporário. “A perpetuity in literary property involves some inconveniences, which may come to be serious;...”, George Tichnor Curtis, A Treatise on the Law of Copyright, 1847, 3rd. reprinting, New Jersey, The Law Book Exhange, 2006, p. 24. “A temporalidade dos direitos patrimoniais também se funda na defesa dos interesses sociais sobre a cultura, …”, Eduardo Vieira Manso, Direito Autoral: Exceções Impostas aos Direitos Autorais (Derrogações e Limitações), São Paulo, Bushatsky, 1980, p. 34. 45 46 Artigos 46 e 47 da Lei 9.610/98. José de Oliveira Ascensão, Direito Intelectual, Exclusivo e Liberdade, in Revista da ABPI, Rio, No. 59, Jul-Ago de 2002, p. 42. 47 22 propriedade intelectual, como conciliar esses interesses aparentemente opostos sem produzir o efeito inverso, ou seja, sem recusar a tutela ao criador e a seus sucessores? Suscita-se aqui uma tese intrigante: há um direito natural à cópia? Alguns sustentam que há a faculdade geral de usar toda criação intelectual como parte do acervo comum porque seria considerar como exclusivo o que já era de todos48. De fato, estabelece o Artigo 215 de nossa Constituição que o Estado garantirá acesso às fontes da cultura nacional, englobando-se as criações intelectuais no conceito de patrimônio cultural brasileiro (Artigo 216). Contudo, o Legislador constituinte igualmente se compromete a apoiar e incentivar a difusão das manifestações culturais de forma a garantir a produção das fontes de cultura. Portanto, garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais não significa apenas assegurar o pleno acesso às fontes de cultura nacional, como se poderia supor de forma simplista. A tutela jurídica dos bens culturais é baseada num tripé que inclui a preservação desses bens e a valorização de sua produção49. Argumenta-se que, em função do interesse social inerente a todo direito de exclusividade, “há por isso uma prioridade da liberdade”50. Mas, novamente e como já se mencionou antes, a liberdade de cultura e de informação não é igualmente absoluta. Ela encontra limites em outros direitos igualmente tutelados. E o Direito de Autor é um deles, pois ele é também um limite a outros direitos. Não há, portanto, uma hierarquia de interesses jurídicos mas um “direito expresso em camadas” em que o exercício de um direito de propriedade comum se dá dentro do limite de outro direito de natureza coletiva e difusa51. 48 Denis Borges Barbosa, As Bases Constitucionais do Sistema de Proteção das Criações industriais, in Manoel J. Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 18. Vide Lúcia Reisewitz, Direito Ambiental e Patrimônio Cultural, São Paulo, Juarez de Oliveiras, 2004, p. 78/79. 49 50 José de Oliveira Ascensão, Direito Intelectual, Exclusivo e Liberdade, p. 49. Vide Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Bens Culturais e sua Proteção Jurídica, 3ª. ed., Curitiba, Juruá, 2005, p. 29. 51 23 A forma primária de consecução desse objetivo é a determinação do objeto da tutela legal. Na sistemática do Direito de Autor é tradicional a distinção entre forma e conteúdo, estando este no domínio das idéias ou do acervo cultural comum e aquele no domínio da expressão, ou seja, da criação intelectual a que a legislação reconhece determinados direitos de exclusividade em favor do criador. Trata-se da chamada dicotomia forma-conteúdo ou idéia-expressão, que nossa Lei 9.610/98 codificou no Artigo 8°, tornando explícito o que já era implícito na sistemática deste instituto52. Portanto, a potencial colisão de direitos fundamentais está de início salvaguardada pelo fato de o Direito de Autor, além de conferir uma exclusividade de natureza temporária, não incidir sobre o conteúdo em sentido estrito da obra intelectual. Daí decorre que a res communis ominum é a idéia no seu sentido mais amplo, existente no acervo cultural comum e insuscetível de apropriação exclusiva por determinada pessoa53, não aquilo que o criador aportou ao patrimônio cultural existente mediante esforço criativo pessoal e muitas vezes investimento em recursos humanos e materiais, como foi sempre aceito pela doutrina54. Não é por outra razão que nossa lei exige devam as obras protegidas estar “expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte”, no sentido de que a tutela legal incide sobre uma forma de expressão que foi concretizada e manifestada por qualquer meio que seja perceptível pelos sentidos humanos. Excluem-se, portanto, as idéias Vide Hermano Duval, Violações dos Direitos Autorais, Rio, Borsoi, 1968, p. 56 (“Nessa base, a mais rudimentar análise desde logo revela que em qualquer obra literária, artística ou científica coexistem dois elementos fundamentais à sua integração: a idéia e a forma de expressão. Assim, se duas obras, sob forma de expressão diversas, contêm a mesma idéia, seguese que nenhuma poderá ser havida como plágio da outra. Tão somente porque a forma de expressão é diversa? Não. Mas porque a idéia é comum, pertencendo a todos, não pertence exclusivamente aos autores das obras em conflito.”). Maria Adalgisa Caruso, Disciplina Giuridica del Software e Interesse dellla Collettività, Milano, Giuffrè, 1989, p. 34. 52 “The right claimed by an author, after publication, is not the exclusive possession or appropriation, intellectually, of the ideas and sentiments which he originates and puts upon paper.”, George Tichnor Curtis, A Treatise on the Law of Copyright, 1847, p. 9.; O que definiria esse espaço é a livre utilização de seu conteúdo por todos, o ser res communis omnium, coisa que a todos pertence e de que ninguém pode apropriar-se. O uso livre comporta tanto a fruição – de um leitor ou espectador – quanto a transformação criativa; neste caso, pode haver a apropriação dessa, deixando a matéria-prima transformada em completa liberdade para outras transformações e fruições”, Denis Borges Barbosa, Domínio Púbico e Patrimônio Cultural, in Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Marcos Wachowicz, Direito da Propriedade Intelectual, Curitiba, Juruá, 2006, p. 125. 53 “The right to multiply copies of what is written or printed, and to take therefor whatever other possession mankind are willing to give in exchange, constitutes the whole claim of literary property”, George Tichnor Curtis, A Treatise on the Law of Copyright, p. 9. 54 24 abstratas (ou seja, não concretizadas) e aquelas criações que permanecem na mente do indivíduo (ou seja, sem serem exteriorizadas). Sugeriu-se que a exclusividade do direito de utilização poderia ser substituída, sobretudo no ambiente digital, por um direito de remuneração genérico uma vez que a autorização individual e prévia seria impraticável55. Alguns países já adotam há algum tempo, por exemplo, o sistema de remuneração pela cópia privada56. Existem, contudo, diversas críticas a esta solução. De um lado, argumenta-se o risco de privatizar o que de outra forma já era livremente acessível. De outro, adverte-se para a dificuldade de estabelecimento de um sistema de remuneração justa que não acabe por privar o titular de seu interesse econômico ao criar um direito difuso e esvaziado57. É verdade que o Direito de Autor não é um ramo isolado do sistema geral e que, por essa razão, devem ser harmonizados todos os princípios jurídicos. Impõe-se, pois, a aplicação do princípio da integração sistêmica das normas constitucionais uma vez que não se pode admitir a existência de antinomias em sede constitucional58. A melhor interpretação, portanto, pressupõe que se encontre uma solução que evite a predominância de um interesse em detrimento de outro, embora respeitando a filosofia básica do ordenamento constitucional. O Tribunal Constitucional Alemão decidiu de maneira interessante a forma de balanceamento desse conflito, em 1971, no caso Schulbuchprivileg59. Em 1965, o legislador alemão promulgou uma Lei Autoral permitindo (Seção 46) a reprodução de obras por instituições de ensino e bibliotecas para fins educacionais. Esta norma foi questionada judicialmente como conflitando com o direito de exclusividade concedido aos autores na Seção 14 da Lei. O Tribunal Constitucional entendeu que o interesse do 55 Vide discussão desta tese em Manoel J. Pereira dos Santos, O Direito Autoral na Internet, in Marco Aurélio Grecco e Ives Gandra da Silva Martins (coord.), Direito e Internet, São Paulo, RT, 2001, p. 159. 56 Vide José de Oliveira Ascensão, Direito Autoral, 2ª. ed., Rio, renovar, 1997, p. 249. 57 José de Oliveira Ascensão, Direito Autoral, p. 695. 58 Carlos Roberto Siqueira Campos, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, p. 59/60. 59 BVerfGE 31, 229 de 7.7.1971. 25 público no acesso livre aos bens culturais justificava que obras intelectuais pudessem ser usadas nas escolas sem autorização do autor, mas não justificava que o autor devesse tornar seu trabalho disponível para tais fins sem remuneração, ou seja, a permissão de reprodução gratuita era um ônus excessivo ao autor e contrário à exclusividade concedida pela Seção 14 da Lei Autoral60. Ao mesmo resultado dever-se-ia chegar no nosso sistema jurídico. Nosso Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de abordar problemática similar a esta na questão das antologias61, chegando a conclusão análoga. Tratava-se da interpretação do permissivo constante do inciso I do Artigo 666 do Código Civil62 em confronto com a garantia constitucional inserta no Artigo 153, § 25 da Constituição de 196963. A controvérsia centrou-se na fixação do “sentido técnico da ‘utilização’ da obra literária, artística ou científica, da qual o autor tem direito exclusivo”. O Pretório Excelso entendeu que o “direito exclusivo conferido aos autores de obras literárias de utilizá-las não permitiria que o legislador ordinário considerasse que as compilações, qualquer que fosse seu fim, não seriam ofensivas dos direitos do autor”, razão pela qual a norma infraconstitucional havia sido derrogada pelo preceito constitucional do parágrafo 25 do Artigo 153 da Constituição de 1969 “por contrariar explicitamente a regra de que aos autores das obras literárias pertence o direito exclusivo de utilizá-las”. Por força da Diretiva 2001/29/CE da União Européia de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a Lei Autoral foi modificada em 10.9.2003, passando a estabelecer um regime de remuneração equitativa pelo uso de obras intelectuais para fins educacionais (Seção 52ª). Vide Adolf Dietz, Germany, in Paul Edward Geller (coord.), International Copyright Law and Practice, vol. II, USA, LexisNexis, 2006, § 8[2][c][i]. 60 61 Recurso Extraordinário n° 83.294-RJ, Primeira Turma do S.T.F., Rel. Ministro Bilac Pinto, j. 31.5.1977. 62 “Art. 666 – Não se considera ofensa aos direitos de autor: I – A reprodução de passagens ou trechos de obras já publicadas e a inserção, ainda integral, de pequenas composições alheias no corpo de obra maior, contanto que esta apresente caráter científico, ou seja, compilação destinada a fim literário, didático, ou religioso, indicando-se, porém, a origem de onde se tomaram os excertos, bem como o nome dos autores.” A norma constante do § 25 do Artigo 153 foi incorporada e ampliada na Constituição de 1988, cujo Artigo 5° inclui, no inciso XXIX, não só direito de utilização como também o direito de publicação e reprodução, adotando, assim, uma expressão, embora repetitiva, claramente mais abrangente. Para uma melhor análise dessa questão, vide Manoel J. Pereira dos Santos, Princípios Constitucionais e Propriedade Intelectual – O Regime Constitucional do Direito Autoral no Brasil, p. 118. 63 26 Estabelecendo-se a ponderação dos valores constitucionais contrapostos, ou seja, o direito à informação e à cultura de um lado, e o direito de recompensa do criador de outro, deve-se aplicar o chamado princípio da proporcionalidade ou razoabilidade64, em virtude do qual se exige um critério de moderação na prevalência de um direito sobre outro quando ambos são igualmente garantidos, uma vez que a preponderância de um direito não pode significar o desaparecimento do outro65. Em resumo, deve-se prestigiar o direito à informação, à educação e à cultura, permitindo o acesso do usuário às obras protegidas por direitos autorais na medida do justificado; mas tal prestígio não importa em acesso gratuito em qualquer caso porque isso implica privar os autores de um direito juridicamente tutelável e 66 constitucionalmente garantido . De que maneira poder-se-ia atingir esse objetivo? O problema não parece estar na possibilidade de se ampliarem os casos em que a autorização prévia do autor seria dispensada porque inviável67. A solução consiste em regular a obrigação de remuneração do autor para essas situações, preservando-lhe o direito de exclusividade na utilização econômica da obra, “com exceção dos casos em que a gratuidade efetivamente se justifique”68. Tem sido entendido que, embora não previsto expressamente no direito brasileiro, o princípio da proporcionalidade é também uma regra de interpretação constitucional. Em sentido estrito, expressa “o sopesamento (balanceamento) dos valores do ordenamento jurídico, em que se procura atingir a mais oportuna relação entre meios e fins para melhor garantir os direitos do cidadão em situações concretamente relacionadas”. André Ramos Tavares, Curso de Direito Constitucional, 3ª. ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 666. Embora possam ser conceitos distintos, muitos dos doutrinadores equiparam proporcionalidade e razoabilidade. Vide também Carlos Roberto Siqueira Campos, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, p. 82/83. 64 Quando ocorre o que a doutrina denomina de “colisão de direitos”, deve-se aplicar o método da “ponderação de bens, interesses, princípios e valores”, sem que um exclua o outro, cf. Carlos Roberto Siqueira Campos, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, p. 68. 65 “Nem o acesso à cultura tampouco o direito à educação podem servir de pretexto para fazer os autores pagarem o preço da educação”. Bruno Jorge Hammes, O Direito de Propriedade Intelectual, 3ª. ed., São Leopoldo, UNISINOS, 2002, p. 115. 66 Como afirma Oliveira Ascensão, “[n]inguém pensa que um instituto de pesquisa, antes de fazer uma reprodução para os seus trabalhos, anda à procura de um tal Nielsen que publicou um artigo sobre corrosão sob tensão para lhe pedir licença...”, Direito Autoral, p. 252. Acrescenta o mesmo jurista em outra passagem: “Um caso exemplar é-nos dado pela reprodução de obras já divulgadas mas que não estão no mercado”, o.c., p. 268. 67 68 José de Oliveira Ascensão, Direito Autoral, p. 268. 27 Infelizmente, os que advogam uma maior flexibilização das regras do Direito de Autor para a consecução da sua finalidade social subordinam o Direito de Autor ao Direito à Informação e à Cultura em vez de procurar harmonizar todos os interesses em jogo. 28 29 30