A CERTIFICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE VERIFICAÇÃO DE PRÁTICAS SUSTENTÁVEIS NA PRODUÇÃO DO CAFÉ – ESTUDO DE CASO STARBUCKS 1 André Luiz de Siqueira Márcio Andrey de Matos 2 3 Pedro Carlos Schenini 4 Fernando Ventura de Oliveira RESUMO Este artigo tem como tema as transações internacionais de comércio. Seu objetivo geral é o de efetuar estudos para examinar se o programa de certificação da cadeia produtiva de café proposto pela companhia de café Starbucks contempla os aspectos sociais e ambientais que contribuem para a construção do desenvolvimento sustentável, segundo as normas da agricultura sustentável. Seus objetivos específicos são: identificar e caracterizar o processo de certificação das práticas sustentáveis promovido pelo programa CAFE. Practices da companhia Starbucks; analisar os aspectos sociais e ambientais presentes no questionário de verificação dessa empresa e; avaliar os aspectos sociais e ambientais em relação ao atendimento dos padrões de sustentabilidade propostos pela norma da agricultura sustentável. A metodologia utilizada foi um estudo de caso, qualitativo, descritivo e explicativo. Os resultados obtidos estão descritos no capítulo das análises dos resultados coletados, onde está caracterizada a organização; descrito o processo de certificação CAFE. Practices; analisados os aspectos contidos no questionário CAFE Practices; descritos os aspectos sociais e ambientais e; avaliado o atendimento dos padrões de sustentabilidade. Como conclusão, pode-se afirmar que essa empresa adota as exigências sócioambientais como instrumento de práticas sustentáveis na produção de café. Palavras-chave: questão ambiental; desenvolvimento sustentável; comércio internacional; café. 1 2 3 4 Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Email: [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Email: [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Email: [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Email: [email protected] 2 1 INTRODUÇÃO O tema deste artigo consiste em destacar as transações internacionais do comércio. Seu problema é adequar a cadeia produtiva de café proposta pela Starbucks às normas da agricultura sustentável. Quanto ao estado da arte, nota-se que instituições como a ONU (Organização das Nações Unidas), realizam estudos para monitorar o estado de degradação ambiental. Também se podem encontrar vários trabalhos que tratam da questão em universidades brasileiras, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade de São Paulo (USP), no portal da CAPES, mantido pelo governo federal, dentre outros. O objetivo geral deste artigo é efetuar estudos para examinar se o programa de certificação da cadeia produtiva de café proposto pela companhia de café Starbucks contempla os aspectos sociais e ambientais que contribuem para a construção do desenvolvimento sustentável segundo as normas da agricultura sustentável. Os objetivos específicos são: identificar e caracterizar o processo de certificação das práticas sustentáveis promovido pelo programa CAFE Practices da companhia Starbucks; analisar os aspectos sociais e ambientais presentes no questionário de verificação dessa empresa e; avaliar os aspectos sociais e ambientais em relação ao atendimento dos padrões de sustentabilidade propostos pela norma da agricultura sustentável. A justificativa técnica é que nas preocupações com o meio ambiente são agregados fatores econômicos e sociais e a obtenção do desenvolvimento é resultado do equilíbrio entre os fatores sob uma perspectiva sustentável. A justificativa operacional é que as organizações são fundamentais nesta conjuntura, pois ao incorporarem a ideologia e ao interagirem de forma sustentável disseminam boas práticas no contexto que atuam, agregando, dessa forma, valor ao nome da empresa e/ou ao produto comercializado. A estrutura deste artigo está assim distribuída: no capítulo 1 temos a introdução, que fornece uma idéia geral do assunto; no capítulo 2 temos a fundamentação teórica, que descreverá o que é a questão ambiental, o que é desenvolvimento sustentável, o que é o comércio internacional sob a perspectiva agrícola, e o que é o café. No capítulo 3 será descrita a metodologia utilizada para elaborar este artigo; no capítulo 4 será caracterizada a organização, seu processo de certificação CAFE Practices, análise dos aspectos contidos no questionário CAFE Practices, aspectos sociais e ambientais e avaliação do atendimento aos padrões de sustentabilidade. No capítulo 5 será descrita a conclusão quanto aos objetivos desse artigo e; por último, no capítulo 6 estão as referências bibliográficas utilizadas para embasar este artigo. 3 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Esta etapa pretende aprofundar os conhecimentos teóricos sobre o tema, tomar conhecimento, com detalhes, das várias posições existentes sobre o mesmo, levantar os pontos de concordância e discordância das várias posições, confrontando as colocações de vários autores entre si, com as próprias conclusões do pesquisador, estabelecendo, dessa maneira, a base teórica para continuação do projeto. (TOMANIK, 1994). 2.1 A QUESTÃO AMBIENTAL A sobrevivência do homem está relacionada desde suas origens com a transformação do meio ambiente para satisfazer suas necessidades. O processo de interação entre o ser humano e a natureza com o tempo mostrou-se desequilibrado, repercutindo diretamente na disponibilidade dos recursos naturais e na qualidade de vida das pessoas. Ao tratar a questão ambiental, estão relacionadas idéias como depreciação e desprezo pela natureza, incorporados dentro de um conceito mais abrangente, considerado o ponto central das preocupações. Para Lima e Silva (1999) a degradação, que abrange a alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causado por formas de energia ou substâncias sólidas, líquidas ou gasosas e/ou combinação de elementos produzidos por atividades humanas ou delas decorrentes, em níveis capazes de, diretamente ou indiretamente: Prejudicar a saúde, a segurança e o bem estar da população; Criar condições adversas às atividades sociais e econômicas; Ocasionar danos relevantes à flora, à fauna e a outros recursos naturais. Esse fenômeno instaurou-se na concepção e aprimoramento dos métodos de exploração dos recursos naturais durante séculos e ainda prevalece nos dias atuais. Para compreender os impactos gerados pela continuidade desse modelo é necessário resgatar a escala crescente de destruição e caracterizar as conseqüências resultantes desse processo. A seguir, destaca-se o que vem a ser o desenvolvimento sustentável; sua origem e evolução; seus conceitos básicos; as ações sustentáveis nas organizações e tecnologias limpas. 2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL É difícil afirmar plenamente que se trata de um conceito, uma tendência, um modelo ou uma idéia, porém é clara a sua proposta de alteração de toda a dinâmica para impulsionar melhorias em escala global diante do atual estágio de degradação. Na busca de soluções para este grande desafio, Sachs (1993) propõe um projeto a ser construído, uma alternativa para toda a civilização, centrado na parceria solidária com base filosófica que subordina o desenvolvimento material ao humano e dessa forma melhora o nível de qualidade de vida. 4 2.2.1 Origem e Evolução A formulação do desenvolvimento sustentável tem sua origem relacionada às pesquisas da comunidade internacional sobre a dimensão planetária dos danos ambientais. Os primeiros estudos datam da década de 60 e segundo Bellen (2002, p.21) "rompem com a idéia de ausência de limites para a exploração da natureza, contrapondo-se claramente à concepção dominante de crescimento contínuo da sociedade". Nesse contexto, no ano de 1972 pesquisadores do Clube de Roma elaboraram o relatório Limites do Crescimento que ao apresentar as interligações de recursos, população e meio ambiente à dinâmica do sistema mundial, apontava para uma situação alarmante. Enquanto a população aumentava em progressão geométrica a produção de alimentos tendia a crescer em proporções aritméticas, uma realidade que sem o devido planejamento mundial resultaria em extinção dos recursos naturais no período de 100 anos. (POFFO, 2001). A necessidade de se compreender as formas de operacionalização do desenvolvimento sustentável lançou a base temática para o que anos depois seria a maior e mais representativa conferência mundial de todos os tempos na área ambiental. A conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente e desenvolvimento – CNUMAD, também conhecida como Rio 92 ou Cúpula da Terra, além do evento oficial de caráter intergovernamental contou com eventos simultâneos onde foram discutidos as mudanças climáticas globais, o empobrecimento da vida e a extinção de espécies, e assim, buscava-se uma plataforma concreta para solucionar essa problemática. Barbieri (1997) compreende que através da Rio 92 foram estabelecidas recomendações e os princípios básicos a serem seguidos por todos os povos com respeito ao meio ambiente e ao desenvolvimento. 2.2.2 Conceitos Básicos Na execução de seus estudos, Sachs (1993, p.41) detalha as cinco dimensões do desenvolvimento sustentável: - A sustentabilidade social: que se estende como a criação de um processo de desenvolvimento sustentado por uma civilização com maior equidade na distribuição de renda e de bens, de modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres; - A sustentabilidade econômica: que deve ser alcançada através do gerenciamento e alocação mais eficientes dos recursos e de um fluxo constante de investimentos públicos e privados; - A sustentabilidade ecológica: que pode ser alcançada através do aumento da capacidade de utilização dos recursos, limitação do consumo de combustíveis fósseis e de outros recursos e produtos que são facilmente esgotáveis, redução da geração de resíduos e de poluição, através da conservação de energia, de recursos e da reciclagem; 5 - A sustentabilidade espacial: que deve ser dirigida para a obtenção de uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial dos assentamentos humanos e das atividades econômicas; - A sustentabilidade cultural: incluindo a procura por raízes endógenas de processos de modernização e de sistemas agrícolas integrados, que facilitem a geração de soluções específicas para o local, o ecossistema, a cultura e a área. 2.2.3 Ações Sustentáveis nas Organizações Durante muito tempo a atuação das organizações esteve baseada na exploração sem limites dos recursos naturais, e conseqüentemente na intensificação da poluição e exploração dos trabalhadores. Porém o novo modelo procura equilibrar essas questões ao apresentar a necessidade de estabelecer novos padrões para a definição dos objetivos que venham ordenar o desenvolvimento. (FERREIRA, 1998). As tentativas de colocar em prática um desenvolvimento sustentado têm levado o meio empresarial a tomar medidas que provoquem mudanças de paradigmas, de valores e orientação em seus sistemas operacionais. "Independente da motivação encontrada, as empresas vem se adequando às exigências da preservação pela utilização das técnicas que utilizam racionalmente os recursos e evitam a poluição". (SCHENINI, 1999, p. 39). 2.2.4 Tecnologias Limpas No entendimento de Schenini (2006) as tecnologias limpas são definidas como todas as técnicas que podem ser utilizadas pela empresa, sejam operacionais ou gerenciais, que não afetam as pessoas ou a natureza. A área administrativa das organizações pode contribuir com o desenvolvimento sustentável através da aplicação de tecnologias limpas gerenciais. Essas constituem um grupo de métodos integrados, com diretrizes, estratégias e planejamento formulados que possuem metas ambientais, econômicas e sociais, tornando-se assim componentes de um sistema de gestão. (SCHENINI, 1999). As tecnologias limpas operacionais estão relacionadas à aplicação de novas metodologias no processo produtivo de forma que se gere o menor impacto possível ao meio ambiente. Propõe o uso de conceitos que aumentam a eficiência e previnem a poluição na fonte, reduzindo ou evitando riscos para a população humana e o ambiente em geral. (SCHENINI, 2005). A seguir, será descrito a respeito do comércio internacional sob a perspectiva agrícola. 6 2.3 O COMÉRCIO INTERNACIONAL SOB A PERSPECTIVA AGRÍCOLA As trocas internacionais representam uma esperança de melhorar o nível de vida de milhões de pessoas que estão envolvidas nas atividades produtoras de bens agrícolas. Segundo Requeijo (1998, p.8) "através do comércio internacional os mercados se expandem e aumenta a especialização. Isso significa que a produção, a renda e o emprego de um país pode ser impulsionados pela atividade exportadora agrícola". Os países voltados para a agricultura sofreram um grande impacto, pois foram incitados a abrirem suas fronteiras agrícolas para a produção de gêneros alimentícios destinados à exportação e assim suprir a crescente necessidade mundial. Santos (1995, p.296) afirma que "a pressão para a intensificação das culturas de exportação combinada com técnicas deficientes de gestão de solos levaram a desertificação, a salinização e a erosão e a destruição das florestas tropicais, sobretudo no Brasil e América Latina". 2.3.1 A Organização Mundial do Comércio e a Proteção ao Meio Ambiente A organização mundial do comércio (OMC) surge como a primeira instituição internacional criada com o intuito de regulamentar o comércio, de modo que se possa facilitar o fluxo de bens com o auxílio de práticas e diretrizes que levam em conta a conservação do meio ambiente, e assim, contribuir para o alcance do desenvolvimento sustentável. Com o propósito de controlar as leis ambientais nos países – membros dos acordos, a OMC apóia a harmonização das normas ambientais em caráter internacional, já que isto facilitaria o intercâmbio comercial entre os países. Estimula a utilização de instrumentos regulatórios de política ambiental para a proteção da vida e da saúde humana, animal ou vegetal e relativas a conservação de recursos naturais. (OMC, 2005). 2.3.2 Normas Sustentáveis para a Agricultura A expressão agricultura sustentável passa a ser empregada com maior freqüência em meados dos anos 80, assumindo também dimensões econômicas e sócio ambientais. Segundo Ehlers (1999) as múltiplas definições literárias para definir agricultura sustentável incorporam aspectos como: a) manutenção em longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola; b) mínimo de impactos adversos ao meio ambiente; c) retornos adequados aos produtores; d) otimização da produção das culturas com o mínimo de insumos químicos; e) satisfação das necessidades humanas de alimentos e de rendas. 7 2.3.3 Normas Operacionais do Comércio Internacional Para auxiliar os exportadores brasileiros o Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (DPR) publicou em um guia o que seria a principal normativa do comércio internacional, onde são abordadas as questões que se referem ao transporte, aos seguros das mercadorias e à responsabilidade sobre as operações aduaneiras. Segundo o DPR (2002) os termos ou condições de venda, Incoterms, definem, nas transações internacionais de mercadorias, as condições em que os produtos devem ser exportados. São fórmulas contratuais que fixam direitos e obrigações, tanto do exportador quanto do importador, estabelecendo com precisão o significado do preço negociado. As regras utilizadas para esse fim são diversas, como por exemplo, Ex Works (EX); Free Carier (FCA); Free Along Ship (FAS); Free on Board (FOB); dentre outras. 2.4 CAFÉ Atualmente é considerado produto de destaque na pauta de comercialização agrícola mundial, e suas transações estão pautadas legalmente nas regulamentações de condições de venda e mercadologicamente está associada a padrões ou certificações sustentáveis, onde ocorre a observância de normas que exigem respeito ao meio ambiente, à saúde, à segurança e aos direitos trabalhistas e resultam na agregação de valor por parte do produto. 2.4.1 Dados sobre o Café Os primeiros relatos sobre café são oriundos da Etiópia, porém foi adquirida uma maior visibilidade e começou a ser comercializado durante os séculos XIII e XIV ao chegar na Arábia durante o século XVIII foi levado para a Europa e daí conseqüentemente as colônias européias, onde fatores como clima, disponibilidade de terras e sombra influenciaram na produção de um bom café, sobretudo na América Latina. (CARDOSO, 1994). Em seus estudos sobre a participação mercadológica das espécies de café, Scholer (2004) caracteriza comercialmente as espécies: a) Arábica: é aromático, de sabor refinado e contém cerca de 1% de cafeína. Alcança sempre os melhores preços por ser mais difícil de se produzir e por ser comercializado puro. Ocupa entre 60% e 65% da oferta mundial e sua produção majoritariamente se dá na América Latina; b) Robusta: é considerado de qualidade inferior e contém cerca de 2% de cafeína. Geralmente mais fácil de produzir e é comercializado através de mesclas, o que a torna mais barata. Representa aproximadamente 35% da oferta mundial de café e seu preço equivale a metade do preço da arábica. 8 2.4.2 Certificações Sustentáveis para o Café O primeiro código de conduta foi criado em 2000, para fazendas da Guatemala, pela organização não-governamental UTZ Kapeh – expressão indígena que quer dizer bom café. O código aborda as condições de saúde e trabalho dos funcionários, conformidade com a legislação e preocupação com a sustentabilidade social, ambiental e cultural, dentro da empresa e nas comunidades a seu entorno. (UTZ Kapeh). O café certificado por essa companhia foi produzido segundo os critérios do código de conduta UTZ Kapeh, que é um conjunto de critérios internacionalmente reconhecidos que se baseia no protocolo EUREPGAP de boas práticas agrícolas – critérios para as práticas do cultivo do café, social e ambientalmente apropriados além de uma administração eficiente da organização. O código é reconhecido com o padrão requisitado do café da EUREPGAP e exigido para a entrada no mercado europeu. (UTZ Kapeh). 3 METODOLOGIA A metodologia utilizada para realizar este artigo foi o estudo de caso realizado através de uma pesquisa de campo efetuada na empresa de verificação independente Soren Knudsen Group, qualitativo, pois ela não se baseia em dados numéricos e estatísticos para fundamentar sua conjectura. Além disso, na parte teórica, foi realizada uma pesquisa bibliográfica para saber o que dizem os autores sobre o assunto e quais certificações a serem obtidas para a exportação do café. A pesquisa teve uma classificação exploratória descritiva. As técnicas de coleta de dados utilizadas foram: levantamentos exploratórios de arquivos, por meio de análise de documentos, observações diretas ao questionário e entrevistas não – estruturadas. A limitação deste estudo refere-se à obtenção dos dados econômicos e financeiros da companhia de café Starbucks necessários para caracterizar de forma plena a empresa. 4 ANÁLISE DOS RESULTADOS A seguir, será descrita uma breve caracterização da companhia de café Starbucks; o processo de certificação CAFE Practices; e a análise dos aspectos contidos no questionário CAFE Practices e a avaliação do atendimento aos padrões de sustentabilidade. 4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO A história da companhia de café Starbucks – Starbucks Coffee Company, empresa norte- americana de elevada representatividade no mercado mundial de café inicia no ano de 1971, quando três amigos com um gosto comum por café, Gordon Bowker, Jerry Balawin e Zev Siegl, abriram uma pequena loja e começaram a vender grãos de café de alta qualidade, frescos e 9 torrados, bem como equipamentos para torrar e preparar cafés. Durante o primeiro ano das operações, eles compravam os grãos de café de importadores e ao adquirirem experiência no setor, passaram a comprar os grãos diretamente dos produtores. Atualmente representa a maior cadeia multinacional de cafeterias, dona de uma marca de renome internacional com 10241 pontos de venda – 554 abertos somente no ano de 2005. A sede operacional está na cidade de Seattle/Washington onde estão concentrada todas as diretorias em exceção a diretoria de negócios internacionais. Essa unidade situa-se em Lausanne/Suíça e é a responsável pela compra de café para a companhia. O principal negócio é o café, porém atualmente a carteira de marcas da Starbucks é variada e oferece produtos como o chá Tazo, a coleção de música Hear Music engarrafada Ethos TM TM , a água e os licores da Starbucks . As marcas de café, Seattle’s Best Coffee e TM Torrefazione Italia, permitem a Starbucks atingir uma vasta gama de consumidores ao oferecer uma ampla variedade de sabores de café. A matéria-prima principal do negócio da Starbucks, o café, é um produto agrícola que se cultiva nas regiões tropicais do planeta e é influenciado de maneira decisiva pelas condições ambientais. Resultado das preocupações com o rendimento e a qualidade do café fornecido como matéria-prima, a companhia desenvolveu um programa de certificação para atestar práticas sustentáveis na cadeia produtiva capazes de melhorar os aspectos de qualidade, econômicos, sociais e, sobretudo medir o desempenho ambiental. A aplicação do programa CAFE Practices determinou a realização das compras de café de uma maneira sustentável, relacionada à verificação de aspectos econômicos e de qualidade e a certificação do processo produtivo segundo os padrões sócios ambientais exigidos. Para compreender a certificação da produção sustentável de café, a seguir está descrito o processo de verificação, bem como a identificação e a caracterização dos aspectos sociais e ambientais presentes no questionário. 4.2 O PROCESSO DE CERTIFICAÇÃO CAFE PRACTICES A certificação existe para garantir que o café comprado pela companhia de café Starbucks junto aos seus fornecedores foi cultivado e beneficiado de um modo sustentável. Para isso nos últimos anos vem desenvolvendo o programa "Práticas de equidade entre o café e o produtor" conhecido por sua sigla em inglês CAFE Practices que sistematiza a avaliação da cadeia produtiva segundo os aspectos da qualidade, econômicos, sociais e ambientais. Em síntese, as etapas que compõem a certificação são: 1. Verificação do aspecto da qualidade do produto ⇒ Análise de uma amostra de café 2. Verificação dos aspectos econômicos ⇒ Comprovação de transparência econômica mediante apresentação de documentos financeiros 3. Verificação dos aspectos sociais e ambientais ⇒ Inspeção in loco 10 O instrumento utilizado para verificar as "práticas de equidade entre o café e o produtor" é um questionário. Os procedimentos compreendem 145 perguntas agrupadas em 23 indicadores para que as 09 normas sejam capazes de avaliar os aspectos sociais e ambientais. A cada um dos indicadores é atribuída uma pontuação no caso 1 ponto quando verificado a conformidade com a norma e 0 pontos em caso de não conformidade. Existem ainda casos em que o indicador não se aplica a situação em análise. 4.3 ANÁLISE DOS ASPECTOS CONTIDOS NO QUESTIONÁRIO CAFE PRACTICES O programa de certificação CAFE Practices desenvolvido pela companhia de café Starbucks, prioriza a verificação dos aspectos sociais e ambientais da cadeia produtiva do café de seus fornecedores. Para isso desenvolveu nove normas que abrangem esses aspectos que serão descritos a seguir. 4.3.1 Aspectos Sociais A primeira norma refere-se às práticas de contratação e políticas de emprego nas fazendas. O primeiro indicador aponta para três verificações necessárias: o regulamento sobre salário mínimo, a renda familiar e as horas extras. O objetivo é procurar fornecedores que partilhem do compromisso de melhorar os salários e os níveis de benefícios para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores e suas famílias. Também verifica se a remuneração total para trabalhadores de tempo integral e/ou temporários atende ou excede as leis locais ou nacionais. Existe um segundo indicador que analisa duas questões: a liberdade de associação e as negociações coletivas. O objetivo é assegurar os direitos dos trabalhadores de se organizarem e negociarem livremente com seus patrões de acordo com as leis nacionais e obrigações internacionais. Um terceiro indicador mostra a necessidade de verificar a obrigatoriedade das férias e o tratamento dado aos incapacitados por enfermidade. O objetivo é proporcionar tempo livre previsto em lei aos empregados e conceder aos trabalhadores permanentes o pagamento de incapacidade por enfermidade. O quarto indicador evidencia grande preocupação com o trabalho infantil. Esse é um critério crítico que pode inviabilizar a operação do fornecimento do café. A organização não aceita a contratação direta de pessoas menores de 14 anos. As exceções a esta regra aplicam-se unicamente a fazendas de caráter familiar ou de pequena escala, que regularmente não contratem empregados. A empresa prefere que os fornecedores não contratem pessoas menores de 15 anos. Se as leis locais estipularem que a educação é obrigatória, inclusive para maiores de 15 anos, estes regulamentos serão aplicáveis durante o horário escolar. Os outros dois indicadores são: o trabalho sem discriminação e o trabalho forçado. 11 A segunda norma refere-se às condições dos trabalhadores. Para isso, o sétimo indicador do questionário aponta a verificação de acesso à habitação, água potável e serviços sanitários. O objetivo é verificar os trabalhadores que não contém facilidades locais ou acesso à habitação e dependem de seus patrões para que estes lhes supram as necessidades básicas de ambiente seguro e confortável. Os indicadores de número oito e nove verificam condições básicas para os trabalhadores. Para concluir a abordagem sobre os aspectos sociais, o décimo indicador aponta a necessidade de se verificar o acesso à capacitação e os protocolos de segurança adequados para o uso de pesticidas. 4.3.2 Aspetos Ambientais A terceira norma reflete a preocupação com a proteção dos recursos hídricos, questão fundamental na produção do café. Para isso, o indicador de número onze aborda a proteção das nascentes. O décimo segundo indicador aponta a proteção da qualidade de água. A quarta norma relaciona-se com a proteção dos solos. O décimo terceiro indicador vai direto ao ponto ao estabelecer o controle da erosão. O objetivo é manter a capa fértil da superfície do solo. O décimo quarto indicador complementa essa perspectiva ao apontar a manutenção da qualidade dos solos para assegurar a produtividade agrícola a longo prazo, conservando a saúde dos solos, que tornam possível a produção. A quinta norma faz referência à conservação da diversidade biológica. O indicador de número quinze aponta a conservação do dossel de sombra e vegetação natural de árvores de diversas espécies nativas para manter a biodiversidade da zona. O décimo sexto indicador refere-se à proteção da vida silvestre. O estabelecimento de áreas com ênfase em conservação e restauração ecológica são abordados no indicador de número dezessete com o objetivo de poder conservar ou aumentar a biodiversidade e as funções ecológicas. A sexta norma refere-se ao manejo e monitoramento ambiental. O indicador de número dezoito aponta o manejo ecológico de pragas e redução do uso de agroquímicos com o objetivo de conservar o meio ambiente na produção de café. O indicador de número dezenove avalia a administração de fazendas e práticas de monitoramento. O objetivo é assegurar que as ações administrativas sejam planejadas com cuidado e embasadas no conhecimento das condições dos recursos. A sétima norma refere-se à conservação da água. O vigésimo indicador busca verificar a minimização do consumo de água nas operações de beneficiamento. Já o indicador de número vinte um avalia a redução do impacto das águas residuais para motivar os beneficiadores a operar de maneira tal qual que seja minimizado o impacto das descargas de águas residuais no meio ambiente local. 12 A oitava norma refere-se à gestão de resíduos. Para isso o indicador de número vinte e dois analisa as operações de gestão de resíduos e sua reutilização proveitosa. A nona norma relaciona-se ao uso da energia. Com o objetivo de minimizar a quantidade de energia utilizada e consumida. O vigésimo terceiro indicador avalia a conservação de energia e o impacto ambiental e conclui a abordagem sobre os aspectos ambientais. A seguir, será apresentada essa avaliação segundo a sobreposição das normas. 4.4 AVALIAÇÃO DO ATENDIMENTO AOS PADRÕES DE SUSTENTABILIDADE Para verificar se a normatização estabelecida pelo programa CAFE Practices atende as exigências das normas universais para a produção sustentável de produtos agrícolas, a seguir, serão listados os dez princípios das normas da agricultura sustentável e após, serão relacionados quais foram atendidos e quais não foram atendidos. Os dez princípios são: a) Sistema de gestão ambiental e social; b) Conservação dos ecossistemas; c) Proteção da vida silvestre; d) Conservação dos recursos hídricos; e) Tratamento justo e boas condições de trabalho; f) Saúde e segurança ocupacional; g) Relações com as comunidades; h) Manejo integrado do cultivo; i) manejo e conservação do solo; j) Gerenciamento integrado de resíduos. Dentre os dez princípios das normas da agricultura sustentável que foram listados observou-se três padrões diferenciados: ⇒ Oito, foram atendidos plenamente, às vezes exigindo um grau de rigorosidade e detalhamento maior que o próprio padrão geral; ⇒ Um princípio foi atendido parcialmente, pois as normas do programa avaliavam apenas a aplicação de sistemas de gestão e monitoramento para as questões ambientais e não privilegiava a questão social especificamente neste quesito; ⇒ Um princípio não foi atendido, pois não consta nenhuma observação e/ou forma de avaliação em relação à comunicação entre o produtor e a comunidade onde está inserida a fazenda. A avaliação do programa CAFE Practices quanto ao atendimento dos padrões de sustentabilidade da produção agrícola proposto pelas normas da agricultura sustentável mostra-se satisfatório. O nível de conformidade entre as duas regulamentações mostrou-se elevado, pois busca atingir os mesmos propósitos e utiliza-se de critérios semelhantes para isso. 5 CONCLUSÃO O tema deste artigo foi as transações internacionais de comércio e o seu problema consistiu em adequar a cadeia produtiva de café proposta pela Starbucks às normas da agricultura sustentável. Através desse estudo, pode-se concluir que o objetivo geral foi alcançado com êxito, pois conforme o estudo efetuado no programa de certificação da cadeia produtiva de 13 café proposto pela companhia de café Starbucks, foi possível conhecer e ter-se uma idéia de como está sendo executado este programa com vista a atender às exigências do mercado internacional. Resgatando os objetivos específicos, os quais foram: identificar e caracterizar o processo de certificação das práticas sustentáveis promovido pelo programa CAFE Practices da companhia Starbucks; analisar os aspectos sociais e ambientais presentes no questionário de verificação dessa empresa e; avaliar os aspectos sociais e ambientais em relação ao atendimento dos padrões de sustentabilidade propostos pela norma da agricultura sustentável pode-se concluir que todos foram alcançados, pois através da pesquisa de campo efetuada na Starbucks, pode-se ter uma idéia abrangente da cadeia produtiva de café dessa empresa. Com relação ao primeiro objetivo específico, o qual buscou identificar e caracterizar o processo de certificação das práticas sustentáveis promovido pelo programa CAFE Practices da companhia Starbucks, pode-se dizer que o resultado esperado foi obtido, na medida em que foram relacionadas as etapas que compõe a certificação: a) Verificação do aspecto da qualidade do produto; b) Verificação dos aspectos econômicos e; c) Verificação dos aspectos sociais e ambientais. Já em relação ao segundo objetivo específico, o qual buscou analisar os aspectos sociais e ambientais presentes no questionário de verificação dessa empresa, pode-se destacar que também foram alcançados com êxito, pois através desse questionário pode-se entender as nove normas que abrangem os aspectos sociais e ambientais da cadeia produtiva dos fornecedores da companhia Starbucks e que essas nove normas compreendem vinte e três indicadores. Quanto aos aspectos sociais e ambientais em relação ao atendimento dos padrões de sustentabilidade propostos pela norma da agricultura sustentável, constata-se que existem dez princípios dentre os quais oito deles foram atendidos plenamente; um princípio não foi atendido e um princípio foi atendido parcialmente, levando-se a uma conclusão que de uma maneira geral, este objetivo foi alcançado satisfatoriamente. Pode-se deduzir que este modelo adotado pela companhia de café Starbucks tem condições de ser adotada por outras empresas do ramo, sendo necessária algumas adaptações segundo as atividades realizadas pela empresa e que ele pode ser um início pela busca da sustentabilidade para que se possa minimizar os impactos ambientais. Para finalizar, o objetivo geral deste artigo foi alcançado, pois tinha como intuito efetuar estudos para examinar se o programa de certificação da cadeia produtiva de café proposto pela companhia de café Starbucks contemplava os aspectos sociais e ambientais que contribuem para a construção do desenvolvimento sustentável segundo as normas da agricultura sustentável. Todavia, não se esgota aqui este tema, pois outras companhias podem obter essa certificação e, com isso, contribuir com a melhora da qualidade de vida de uma maneira geral. 14 REFERÊNCIAS BARBIERI, José Carlos. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratégias de mudança da Agenda 21. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997. BELLEN, Hans Michael van. Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. 2002. 220 f. Tese (Doutorado em Engenharia da Produção), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. CARDOSO, A.P. S. Cultura e tecnologia primária. Instituto de Investigação Científica Tropical. São Paulo: Lisboa, 1994. DPR – Departamento de Promoção Comercial. Exportação passo a passo. Brasília, 2002. EHLERS, Eduardo M. Agricultura sustentável. Origens e perspectivas de um novo paradigma. 2 ed. Porto Alegre: Agropecuária Guaíba, 1999. FERREIRA, Leila da Costa. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1998. LIMA e SILVA, P.P. Dicionário brasileiro de ciências ambientais. Rio de Janeiro: Thex, 1999. OMC – Organização Mundial do Comércio. Apresenta informações sobre as estatísticas do comércio mundial. Disponível em: <www.wto.org>. Acesso em: 18 jun. 2006. POFFO, Isabel Regina Depiné. Caracterização e diagnóstico sócio-ambiental do município de Ascurra: o papel das potencialidades locais e regionais na construção do desenvolvimento sustentável. 2001. 99 f. Tese (Mestrado em Engenharia Ambiental), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2001. REQUEIJO, Jaime. Economia mundial: un análisis dos siglos. Madrid: McGraw Hill, 1998. SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel: Fundap, 1993. SANTOS, A. R. Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995. SCHENINI, Pedro Carlos et al. Gestão da produção mais limpa. Gestão empresarial sócio ambiental. Florianópolis: (s.n.), 2005. SCHENINI, Pedro Carlos. Avaliação dos padrões de competitividade à luz do desenvolvimento sustentável: o caso da Indústria Trombini de Papel e Embalagens S/A em Santa Catarina. 1999. 223 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção e Sistemas), Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. SCHENINI, Pedro Carlos. Gestão ambiental no agronegócio. Florianópolis: Papa – livro, 2006. SCHOLER, Morten. Amargo o Dulce? El incierto futuro Del café. Revista Forum de Comercio Internacional, n.2, 2004. TOMANIK, Eduardo Augusto. O olhar no espelho: "conversas" sobre a pesquisa em ciências sociais. Maringá: Eduem, 1994. UTZ KAPEH FOUNDATION. Apresenta informações sobre o Código de Conduta da empresa. Disponível em: <www.utzkapeh.org>. Acesso em: 01 ago.2006.