1 AS BOMBAS ATÔMICAS E O BRASIL Fernando de Souza Barros (Julho de 2001) PORQUE ESTA PREOCUPAÇÃO POR BOMBAS ATÔMICAS? Dez anos após o fim da Guerra Fria ainda existem 30.000 armas nucleares. Nenhuma negociação de peso ocorreu após 1995, todas as conferências de desarmamento das Nações Unidas não apresentaram qualquer progresso. O parlamento da Rússia, temendo a expansão da OTAN, uma organização militar nuclear de nações ocidentais liderada pelos Estados Unidos, não ratifica novos tratados para redução dos arsenais nucleares das duas grandes potências nucleares. Mesmo com a ratificação dos dois tratados propostos, existiriam 10.000 armas nucleares no ano 2007, e os arsenais se estabilizariam com 2.000 armas cada um, após esta data ! A posição atual brasileira pelo desarmamento, é respaldada por um veto constitucional às armas nucleares de 1988, e por ter o Congresso Nacional, ao ratificar no ano passado o Tratado de Não Proliferação Nuclear, condicionado esse endosso a atuação do país em iniciativas que levem à eliminação global das bombas atômicas. A participação da América Latina em iniciativas dessa natureza data do início da década de 1980, quando Argentina contribuiu para uma iniciativa de seis países para colocar a União Soviética e os Estados Unidos na mesa de negociações, no auge da Guerra Fria. Indira Gandhi, da Índia, foi o primeiro chefe de governo a participar dessa iniciativa. Recentemente, o Brasil está participando, com outros seis paises, da coalizão denominada “Nova Agenda”, que tornou-se uma liderança diplomática e política para o desarmamento nuclear durante a Conferência de Revisão do TNP no ano passado, graças à sua determinação e habilidade de negociação do documento final da Conferência, junto às cinco grandes potências nucleares (P5). Esta realização dos países membros da Nova Agenda foi consolidada na Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas (UNGA) de novembro de 2000. Embora tenha conseguido o reconhecimento nesta Assembléia, incluindo dos EUA e de todos seus aliados excluindo a França, a adoção daquele documento ainda não está assegurada. Isto ocorre porque certos membros do P5 demonstraram, por palavras ou ações, que não haviam negociado de boa fé – o que também se verificou logo após a Conferência de Revisão e Extensão do Tratado de Não Proliferação (NPT), em 1995. 1 2 INTRODUÇÃO SOBRE A QUESTÃO DAS ARMAS NUCLEARES O inédito poder de destruição das bombas atômicas lançadas em 1945 pelos norteamericanos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, provocou o interesse militar-industrial mundial pelos explosivos nucleares1. As expectativas super otimistas daquela época, de utilização ilimitada de energia nuclear num futuro próximo, também contribuíram para aumentar este interesse pelo “nuclear”. Em 1950, praticamente todos os países industrializados e muitos paises do “terceiro mundo” já possuíam seus “projetos nucleares”. As Nações Unidas, por iniciativa das potências do ocidente, criou então um programa nuclear-guarda-chuva “Átomos para a Paz”, na tentativa de incentivar aplicações pacíficas de energia nuclear, criando a Agência Internacional de Energia Atômica, AIEA, para tal propósito. No Brasil, o CNPq, que acaba de completar seus cinqüenta anos, foi instituído com esta finalidade. Após alguns anos, por questões políticas, a responsabilidade do programa nuclear foi retirado do CNPq, sendo criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear, CNEN. Por outro lado, instalava-se a Guerra Fria entre os blocos de nações liderados pela União Soviética e pelos Estados Unidos. Os arsenais nucleares atingiram proporções alarmantes durante a década de 1960. No início da década de 1970 foi negociado o primeiro tratado internacional para controle de materiais físseis, o Tratado de Não Proliferação, TNP, que tem a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) como seu órgão executor. Pelo TNP, são reconhecidos os arsenais nucleares de cinco paises (Estados Unidos, União Soviética(agora Rússia), China, Inglaterra e França). Estes cinco paises assumiram o compromisso de, eventualmente, eliminarem seus arsenais nucleares. Todos os demais paises signatários aceitam o compromisso de não desenvolverem armas nucleares. O Brasil só assinou o TNP em 1996. Atualmente somente quatro paises não assinaram o TNP: Índia, Paquistão e Israel (com domínio de tecnologia nuclear para montagem de bombas atômicas) e Cuba, que condiciona sua assinatura à questão da base norte-americana na ilha.). Desde 1970, por acordos internacionais, foram criadas ZONAS LIVRES DE ARMAS NUCLEARES em várias regiões do planeta. O Brasil participa da Zona Livre da América Latina, instituída através do Tratado de Tlatelolco. Atualmente, por iniciativa 1 Os termos técnicos principais são definidos no GLOSSÁRIO, ao final do texto. 2 3 do Brasil e da Nova Zelândia, todo o Hemisfério Sul está sendo proposto como Zona Livre de armas nucleares. OS EXPLOSIVOS NUCLEARES2 Os principais explosivos nucleares utilizados em armas nucleares, tecnicamente denominados de “materiais físseis”, são o plutônio (um elemento que não existe naturalmente, tendo que ser fabricado) e o urânio altamente enriquecido (acima de 80%) do isótopo 235. Existem mais de 3200 (três mil) toneladas de materiais físseis estocados atualmente em vários paises, suficiente para mais de 230.000 (duzentos e trinta mil) bombas nucleares. Tem sido bastante difícil a montagem de um sistema internacional para levantamento e controle deste material. As possibilidades de venda clandestina de material físsil vem aumentando, principalmente após o colapso da União Soviética. Existem outros materiais físseis, e a Agência Internacional de Energia Atômica está considerando o monitoramento de dois possíveis materiais: neptúnio 237 e amerício. Um tratado internacional para suspensão da produção de materiais físseis está sendo negociado há vários anos, mas não há qualquer previsão de quando será implementado. Os princípios gerais deste tratado seria: Universalidade (todos os estoques seriam identificados e controlados por órgão internacional);Transparência (todos os paises signatários apresentariam declarações periódicas e padronizadas sobre os respectivos estoques); Irreversibilidade (os materiais físseis retirados de bombas atômicas desmontadas não podendo voltar a ser armazenados); Acessibilidade ( as agências internacionais para inspeção desses estoques teriam acesso aos silos de estoques e a outras instalações relacionadas com a produção de matérias nucleares físseis). É necessário notar que os grandes reatores nucleares para produção de energia elétrica são fontes de materiais físseis. Em 1998, uma estimativa3 dos estoques mundiais de materiais físseis foi a seguinte: 2 Para uma introdução elementar ao tema, veja “Radiação: Princípios básicos, aplicações e riscos” Odair Dias Gonçalves, CADERNOS DIDÄTICOS UFRJ , 1994. 3 The Challenges of Fissile Material Control, David Albright e Kevin O’Neill, editors, ISIS Report 1999. 3 4 ESTOQUES DE MATERIAIS FÍSSEIS NATUREZA Urânio enriquecido (acima de 80%) Plutônio (toneladas) (toneladas) Militar 1.700 250 Civil 20 1.100 Total 1.720 1.350 OS PROJETOS NUCLEARES BRASILEIROS A primeira tentativa brasileira no início da década de 1950 de domínio da tecnologia nuclear foi liderada pelo Almirante Álvaro Alberto, o primeiro presidente do CNPq. Por pressão norte-americana, o equipamento comprado na Alemanha para enriquecimento de urânio natural (centrífugas) teve seu embarque sustado e o projeto foi suspenso. Após o malogro de 1950, todas as demais tentativas brasileiras para aquisição de tecnologias nucleares ocorreram durante os governos militares de 1964-1985. No final da década de 1960 foi comprado da Westinghouse o primeiro reator para geração de energia elétrica. Entretanto, o recebimento previsto na negociação deste reator de equipamento para enriquecimento isotópico, não ocorreu face a alegação norteamericana de que o Brasil não pretendia participar do acordo TNP. A segunda tentativa de montagem de um programa de grande porte para aquisição de tecnologia nuclear ocorreu somente em 1975, no bojo de um acordo com a Alemanha Ocidental. Neste acordo, o Brasil compraria além de oito grande reatores nucleares, até o ano 2000, uma instalação para enriquecimento de urânio e montagem de barras de combustível nuclear, alem de uma instalação para reprocessamento do combustível queimado. Embora os alemães tenham desconsiderado o fato de que o Brasil não era signatário do TNP, todas as instalações importadas estariam sob o regime de inspeção da agência internacional AIEA. As pressões internacionais, e a crise econômica brasileira da década de 1980, afetaram este acordo com graves perdas financeiras para 4 5 o Brasil. O primeiro reator do acordo foi finalizado apenas no ano 2000, Angra II, e, se for iniciado em 2002 a montagem do segundo e último reator alemão, Angra III estaria operando apenas em 2005. Nesta aventura foram gastos vários bilhões de dollars, sem qualquer geração de energia nos primeiros 25 anos de vigência do acordo com a Alemanha. A terceira tentativa do regime militar foi um programa iniciado secretamente pela Marinha brasileira no final da década de 1970. Pormenores desses programas só foram revelados após o final do regime militar, quando seus organizadores começaram a participar de eventos públicos para debate das questões nucleares, tais como as ocorridas durante as décadas de 1970-1980 nas reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em um desses eventos, para depoimentos de seus coordenadores, o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, justificou o programa da Marinha, denominado “Programa Paralelo”, face à constatação de que o acordo com a Alemanha não transferiria qualquer tecnologia significativa para o Brasil, tais como o a do ciclo completo de combustível nuclear, ou de reprocessamento de barras de combustível nuclear após sua utilização no reator de potência. Até o anúncio dos seus primeiros sucessos, este Programa Paralelo operou fora de qualquer sistema de inspeção, tanto nacional como internacional. O programa estava vinculado a Comissão Nacional de Energia Nuclear e, além das instalações de pesquisa e desenvolvimento da Marinha, contava com a colaboração do IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares). Este conjunto se transformou rapidamente em um centro de pesquisa de enriquecimento de urânio 235 pela técnica de bombas centrífugas a gás, da fabricação de combustível nuclear, além de pequenos reatores nucleares. Em 1988, já no regime democrático, foi inaugurado a Planta de Enriquecimento de Urânio-235 em Aramar, uma instalação da Marinha perto da cidade de Iperó, no interior de São Paulo. O próposito oficial da planta foi declarado ser de prover combustível nuclear para sistema de propulsão naval, em particular, de submarinos, os quais são denominados nucleares quando são movidos com energia gerada por reator nuclear. A coordenação de todo programa estava nas mãos do Almirante Othon Pinheiro da Silva, Diretor da COPESP, um centro de projetos especiais da marinha de guerra brasileira. 5 6 Entretanto, o Programa Paralelo não foi o único projeto nuclear secreto montado durante o regime militar de 1964 a 1985. Em 1990, Fernando Collor de Mello, então recém eleito presidente, revelou a existência de um outro projeto secreto, o Projeto Solimões, um programa difuso desenvolvido pelos centros técnicos do Exército e, novamente, fora de qualquer controle civil ou de sistemas de inspeção nacional ou internacional. Em uma iniciativa muito notada no exterior, Collor com seus Ministro de Ciência e Tecnologia, o físico nuclear José Goldenberg, e seu Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, hoje novamente ministro, participaram pessoalmente do ato de fechamento de um poço identificado para testes nucleares, localizado nos terrenos de uma base aérea militar na Serra de Cachimbo, no Pará. Depoimentos posteriores, principalmente do Prof. José Goldenberg, revelaram que este programa não tinha o nível tecnológico do programa nuclear da Marinha. Um dos itens mais evidentes da relação entre o Projeto Solimões e a fabricação de explosivos nucleares foi a existência da montagem de um reator nuclear sub-crítico, moderado a grafite, para aquisição de informações que permitissem a construção de um reator a gás-grafite de 20 megawatts térmicos para produção de plutônio, um explosivo nuclear. Finalmente as Forças Aéreas brasileiras também desenvolveram um projeto nuclear naquela época. O propósito deste projeto era de enriquecimento a laser de Urânio-235, e o destino oficial do material físsil produzido seria sua utilização para o fornecimento de energia para os sistemas de controle de satélites artificiais. Todos os projetos mencionados acima foram desativados ou substancialmente reduzidos após a queda do regime militar. A história destes projetos ainda tem vários furos, mas, considera-se que o Projeto Solimões foi concebido com o propósito de produção de explosivo nuclear; a única finalidade prática do plutônio até a presente data. Atualmente somente o projeto da Marinha continua em operação em escala significativa. Com base em tecnologia alemã, a Marinha pretende construir o primeiro submarino brasileiro com propulsão nuclear. Em 1995 ocorreu uma grande mudança na coordenação dos projetos nucleares da Marinha brasileira. A coordenação é hoje 6 7 realizada no Centro de Tecnologia da Marinha (desapareceu a COPESP), que coordena os contratos com aproximadamente 150 indústrias e vários grupos de pesquisa universitários. A imprensa informou em 1996 que a Marinha tinha suspendido temporariamente o seu projeto do submarino nuclear por falta de verbas. Aproximadamente 700 milhões de dólares já tinham sido gastos, mas faltariam um bilhão de dólares para sua conclusão. Somente o reator nuclear para o submarino estava estimado em 500 milhões de dólares, contrastando com um orçamento de apenas 200 milhões que a Marinha teria recebido em 1996. Em 2000 o governo federal decidiu reiniciar este projeto mas a perspectiva é que o submarino nuclear só esteja concluído em dez anos. O outro projeto da Marinha, a planta para enriquecimento de Urânio-235, pretende ser comercializada e todas as atividades são oficialmente reconhecidas e inspecionadas por agências nacionais e internacionais. Em 2000, a Marinha anunciou que havia vendido a planta de enriquecimento de Urânio-235 à empresa estatal “Indústrias Nucleares do Brasil (UNB), sediada em Resende. O tamanho da planta é de uma produção de 100.000 SWU/ano4, mais que suficiente para alimentação semestral de combustível nuclear para o reator Angra II. O preço da planta é de US$130 milhões e seu primeiro módulo de 20,000 SWU/ano deve estar concluído no final deste ano. A POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA APÓS O REGIME MILITAR As discussões decisivas, a partir de 1989, para os acordos nucleares entre os governos da Argentina e do Brasil, que evitaram a possibilidade de uma corrida armamentista no Cone Sul, só foram possíveis pois estavam assentadas em esforços diplomáticos realizados na década de 1980. Mas as outras iniciativas que na época facilitaram esses esforços, foram os debates, as consultas e as declarações conjuntas realizadas por pesquisadores e professores argentinos e brasileiros, no marco das suas sociedades. Seria muito difícil dimensionar a importância dessas sociedades para os acordos entre os dois países, pois, na maioria das oportunidades elas foram apenas palcos para manifestações de caráter ético ou pacifista, consideradas por alguns como ingênuas por ignorar as dificuldades técnicas para a implementação dos acordos que envolviam aspectos de segurança nacional. 4 Ver definições no GLOSSÁRIO. 7 8 Essas manifestações, entretanto, ajudaram a levar a questão nuclear para um público maior, através da mídia; permitindo uma concientização que abriu o caminho para as ações futuras dos governos civis dos dois países. Durante 25 anos a Argentina e o Brasil recusaram-se a assinar o Tratado de Tlatelolco de Proibição de Armas Nucleares na América Latina, opondo-se a qualquer tipo de inspeção internacional às suas instalações nucleares. Em 1991, entretanto, esses dois países concordaram em estabelecer um sistema bilateral de inspeções, com a intervenção da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA). Essa iniciativa abriu o caminho para a homologação argentina e brasileira do Tratado de Tlatelolco, e do Tratado de Não Proliferação, TNP, em 1995 pela Argentina e mais recentemente, em 1998, pelo Brasil. Foi portanto muito singular o caminho adotado por esses dois países para implantar salvaguardas internacionais contra armas nucleares em seus territórios. Não existe outro exemplo de países que adotaram as salvaguardas internacionais mantendo-se fora do Tratado de Não Proliferação, TNP, o tratado que legalizou os arsenais nucleares dos primeiros cinco países que se nuclearizaram. O TNP tem sido duramente criticado por outro países -- por exemplo a Índia e o bloco dos países não alinhados – mas são somente esses dois países, com nível tecnológico suficiente para fabricação de bombas atômicas, que mantiveram por vários anos a coerência de serem críticos ao TNP mas permitindo inspeções internacionais de suas instalações nucleares através de tratados alternativos. Por vários anos, Argentina e Brasil utilizaram a possibilidade de aplicações pacíficas de explosões nucleares para não homologarem o Tratado de Tlatelolco. Foi a necessidade da inserção dos dois países na dinâmica das relações comerciais globais que motivou, em 1990, a declaração conjunta de Foz do Iguaçu, assinada pelos presidentes Fernando Collor de Mello e Carlos Menem, que possibilitou o processo de criação de salvaguardas internacionais contra armas nucleares. Esta cooperação nuclear entre a Argentina e o Brasil demonstrou para o mundo que projetos nucleares rivais de natureza altamente nacionalista podem ser controlados através de iniciativas transparentes entre as nações envolvidas. Esses acordos, 8 9 entretanto, tiveram que esperar o fim dos regimes militares dos dois países, na Argentina em 1983 e no Brasil em 1988, e o início dos entendimentos entre seus governos civis. Na época, sabia-se que ambos países possuíam programas de enriquecimento de urânio. Existia então um clima de desconfiança gerado pela possível utilização de instalações nucleares em projetos secretos, um ingrediente necessário em qualquer corrida armamentista, que necessitava ser eliminado. Foram portanto providenciais as intervenções dos primeiros presidentes civis nesse processo de abertura. Em 1987, a Argentina convida o presidente José Sarney – sucessor de Tancredo Neves—para visitar as instalações nucleares de Pilcaniyeu, perto de Bariloche, para enriquecimento de urânio. Em 1988, o presidente Raul Alfonsin visita a planta de Aramar, no estado de São Paulo. Foram essas as iniciativas transparentes que deram a tônica para todas deliberações posteriores entre os dois países. A real necessidade dessas iniciativas foi demonstrada em setembro de 1990, quando o presidente Fernando Collor de Mello revelou a existência de um programa nuclear secreto. Collor garantiu entretanto que nenhum dispositivo nuclear tinha sido construído no Brasil. O processo democrático iniciado nos dois países durante a década de 1980, permitiu aos seus legisladores e às organizações não governamentais como as sociedades científicas, a promoção aberta da necessidade de mecanismos para o controle civil dos programas nucleares. Essas campanhas certamente criaram um ambiente para implementação dos acordos de inspeção mútua entre a Argentina e o Brasil. O acordo Argentina-Brasil foi estabelecido em julho de 1991 em Guadalajara, México, e ratificado pelos dois países em 12 de dezembro de 1991. Esse acordo é a base legal para criação da agência ABACC de salvaguardas bilaterais . ABACC foi instalada oficialmente no Rio de Janeiro em 9 de dezembro de 1992, iniciando-se imediatamente a montagem das instalações necessárias para as inspeções. ABACC é reconhecida internacionalmente como uma iniciativa bem sucedida. Seu corpo técnico é formado de igual números de argentinos e brasileiros. Suas missões de inspeção são realizadas por técnicos que pertencem às agências nucleares dos dois países, tendo sido formado um “pool” da ordem de 60 técnicos que podem eventualmente ser chamados para as inspeções; os brasileiros inspecionam as instalações argentinas e 9 10 argentinos inspecionam as brasileiras. Problemas técnicos específicos são resolvidos com a participação de laboratórios externos aos da ABACC. As atividades gerais da ABACC (incluindo estatísticas e naturezas das inspeções) são divulgadas anualmente ao público, em relatórios bem elaborados. AS QUESTÕES NUCLEARES CONTEMPORÂNEAS: Em dezembro de 1999 comemorou-se o décimo aniversário da queda do Muro de Berlim. Em 1989, com o início da desintegração da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, a OTAN previa a perda de seus inimigos históricos! Em julho de 1991 o presidente George Bush dos EEUU visita a União Soviética e, com Mikhail Gorbachev, assina o primeiro tratado estratégico para redução mútua de armas nucleares (START I), fruto de negociações iniciadas em 1983. Mas apenas três meses depois, um golpe de estado fracassado em Moscou reacende os temores da Guerra Fria: durante três dias, a potencial autorização para início de uma guerra nuclear passou de Gorbachev para o ministro de defesa, e daí para o chefe do comando das forças armadas! Em 1995 a Conferência para Revisão e Extensão do Tratado de Não Proliferação, TNP, foi concluída sem uma expressão clara de consenso. O TNP foi renovado indefinidamente, mas a fragilidade de sua negociação minou efetivamente sua legitimidade. Alguns dias após a extensão do TNP, a China reiniciava testes nucleares, seguida imediatamente por testes franceses no Pacifico Sul que geraram uma reação mundial de repúdio. A resposta das potências nucleares às denuncias desse comportamento incoerente, principalmente por organizações não governamentais de países do primeiro mundo, foi a de concluir rapidamente, em 1996, o Tratado para Eliminação de Testes Nucleares. Esse tratado, que deveria ter sido aprovado 42 anos antes quando foi proposto pela Índia, foi homologado no mesmo ano de 1996 na Assembléia Geral das Nações Unidas, mas não se pode prever quando entrará em vigor, e há fortes evidências de que ele não será efetivo para impedir a modernização dos arsenais dos paises tecnologicamente avançados A partir de 1997 todas as negociações para eliminação dos arsenais nucleares perderam força. Nos últimos anos, as conferências de desarmamento ocorridas em 10 11 Genebra fracassaram. Também fracassaram as conferências preparatórias para a Conferência de Revisão do TNP, que será realizada no ano 2000. A conferência preparatória de maio de 1998 foi encerrada sem qualquer conclusão consensual, e, na de maio de 1999, o único consenso alcançado foi o de que era permitido discordar ! Apenas a Corte Internacional de Justiça deu ao mundo uma contribuição significativa nesses últimos anos quando, em 8 de julho de 1996, divulgou parecer solicitado pelas Nações Unidas confirmando “que tanto a ameaça como a utilização das armas nucleares são contrárias às regras de conduta dos países”, e que a “as negociações para o desarmamento nuclear global são obrigações legais dos signatários do TNP”. Os riscos de ataques acidentais não apenas permaneceram como cresceram com o envelhecimento dos arsenais e as dificuldades econômicas de países nucleares, principalmente da Rússia. Um relatório do ”New England Journal of Medicine” de abril de 1998 [”Accidental Nuclear War - A Post-Cold War Assessment” [The New England Journal of Medicine, The Massachusetts Medical Society, April 1998], pp1326-1331.] concluiu que esse perigo está também presente nos arsenais norteamericanos: o relatório mostra um quadro impressionante de militares dos Estados Unidos afastados de suas funções de operação e de manutenção de armas nucleares por desvios comportamentais. Tem ocorrido também uma variedade alarmante de acidentes ou incidentes nas instalações nucleares militares dos EEUU. [General Lee Butler USAF (Ret), discurso proferido no National Press Club, Washington DC, 4 de dezembro de 1996. General Butler comandou as forças nucleares norte-americanas]. AS QUESTÕES NUCLEARES INTERNACIONAIS E A AMÉRICA LATINA Para surpresa de muitos, a América Latina ocupa uma liderança mundial em acordos que superam os impasses atuais do Tratado de Não Proliferação (TNP). Existem hoje no continente três acordos de não proliferação independentes do TNP, todos homologados pelos signatários e de alcance abrangente quanto às salvaguardas contra bombas atômicas. Por ordem cronológica, eles são: a) o Tratado de Tlatelelco (mais antigo que o próprio TNP); b) o Acordo Bilateral Brasil-Argentina; e c) o Acordo Quadripartite que envolve a Argentina, o Brasil, a Agência Internacional de Energia 11 12 Atômica (AIAE) e a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). O Tratado de Tlatelolco, iniciado em 1967, após a confrontação entre a União Soviética e os Estados Unidos com a instalação de mísseis soviéticos em Cuba, foi a primeira iniciativa mundial de criação de uma zona livre de armas nucleares. (Exemplo adotado atualmente por, praticamente, todas as nações do Hemisfério Sul.) Os acordos latino-americanos vêm atraindo o interesse de muitos países. A agência ABACC está sendo examinada como protótipo de agências de inspeção que poderiam reduzir as tensões entre países do Oriente Médio, da região sul da Ásia e da península da Coréia. Nessas regiões, o estabelecimento de acordos semelhantes permitiria uma maior liberdade de escolha das instalações que seriam inspecionadas. No Oriente Médio, por exemplo, tal acordo permitiria inspeções em instalações nucleares de Israel e em instalações químicas ou bioquímicas de países árabes. E na península da Coréia, poderiam ser negociadas inspeções de instalações nucleares da Coréia do Norte e de bases militares da Coréia do Sul que possam abrigar armas nucleares dos Estados Unidos. O AGRAVAMENTO RECENTE DAS QUESTÕES NUCLEARES E A ATUAÇÃO BRASILEIRA Os testes nucleares da Índia e do Paquistão, em maio de 1998, despertaram a opinião pública mundial, especialmente, os governos dos cinco países nucleares membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas– China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Esses testes demonstraram que somente após a decisão firme destes países de banir seus próprios arsenais nucleares será possível interromper o processo gradual da nuclearização mundial. A “Coalizão para uma Nova Agenda”, entre o Brasil e outros seis países, representa o surgimento de uma nova liderança de países denominados “potências intermediárias”, que entendem que as negociações para o cumprimento das obrigações expressas no Artigo VI do TNP, para o eventual desarmamento nuclear total, não podem depender apenas dos países nucleares. A proposta desta coalizão é realista e prática, baseada na necessidade de negociações multilaterais para se chegar ao último estagio de uma Convenção Mundial de Armas 12 13 Nucleares (ver artigo em Ciência Hoje de janeiro-fevereiro de 1996). A Nova Agenda propõe medidas concretas tais como: a retirada negociada do estado de alerta das forças nucleares das potências nucleares chaves; remoção negociada das ogivas nucleares dos seus mísseis estratégicos; formalizar as iniciativas unilaterais já implementadas de desmonte das plataformas de lançamento de mísseis estratégicos; iniciar as negociações para o registro internacional dos atuais arsenais e dos estoques de explosivos nucleares; colocar esses arsenais sob um regime de inspeção internacional; ampliar essas inspeções para as instalações de pesquisa, desenvolvimento e testes de componentes dessas armas; ampliar as atuais zonas livres de armas nucleares; e desenvolver finalmente o processo de verificação necessário para garantir um mundo livre de armas nucleares. Em 13 de novembro de 1998, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a proposta da Nova Agenda por 97 votos a favor, 19 contra e 32 abstenções. Os Estados Unidas lideraram os opositores, mas, surpreendentemente, 12 membros da OTAN não acompanharam os EEUU e se abstiveram. Desde então, membros importantes da OTAN, como Alemanha e Canadá, passaram a reconhecer a necessidade de reexame da “solução TNP” para o desarmamento total global. Abriu-se também a possibilidade de discussão interna, entre os membros da OTAN, da real necessidade de se manter a “opção nuclear” como pedra angular de sua estratégia militar. O fim da divisão polar do mundo não eliminou os arsenais nucleares, não cancelou o risco de seu uso deliberado e talvez tenha aumentado o risco de destruição em massa acidental. Grupos de cientistas da América Latina, conscientes dos atuais impasses das negociações pró desarmamento, continuam dedicados a campanhas, algumas com mais de duas décadas de existência, pela eliminação de armas nucleares, químicas e biológicas. Após 55 anos de armas nucleares, os depoimentos de embaixadores, generais e especialistas de todas as partes do planeta, salientam o perigo de armas nucleares para os grandes centros populacionais e a fragilidade dos atuais sistemas de segurança contra “acidentes nucleares” nos equipamentos militares nucleares de grandes e médias potências nucleares; devendo-se incluir dentre esses, até a eventual posse dessas armas por grupos terroristas. Continuam assim necessárias as campanhas para exigir mudanças radicais das posturas das grandes potências. Uma solução plena 13 14 às essas ameaças só poderá ocorrer através do controle internacional, redução e eliminação final dos atuais arsenais nucleares. Face à situação atual, governos de paises não nucleares e organizações não governamentais começaram a considerar a alternativa das vias diplomáticas informais para contornar o impasse descrito acima sobre as questões nucleares. Com este propósito foi criado a organização não-governamental MPI (Middle Powers Initiative) em agosto de 1999. A proposta da “Iniciativa das Potências (Estados) Intermediárias” (MPI) é a campanha coordenada por várias organizações internacionais (não governamentais) para promover o reconhecimento, pelas lideranças das grandes potências, da necessidade de se libertarem da “lógica” da Guerra Fria, assumindo iniciativas práticas e objetivas que reduzam os perigos das armas nucleares, iniciando as negociações necessárias para sua eliminação definitiva. O DILEMA ATUAL Num recente encontro do MPI nas Nações Unidas (em abril de 2001)foram ouvidos vários diplomatas e representantes de países preocupados com recentes decisões das grandes potências,principalmente dos Estados Unidos. Jayantha Dhanapala, SubSecretário-Geral para Assuntos de Desarmamento da ONU, abriu formalmente este encontro, considerando as armas nucleares “como um vírus que contamina progressivamente o corpo político mundial”. Dhanapala observou que existem “sinais inquietantes“ advindos de iniciativas tais como a possibilidade de que algumas potências estejam desenvolvendo novas armas nucleares, em aparente confronto ao acordado no TNP, isto é, “de uma gradual diminuição da função dessas armas”. O Embaixador Abdallah Baali de Argélia, que foi o Presidente da Conferência de Revisão do TNP do ano 2000, preocupado com as políticas da administração de Bush que não aparentam demonstrar interesse por compromissos multilaterais, enfatizou que o fruto da Conferência de Revisão TNP do ano 2000 é o compromisso público junto a ONU de “uma ação inequívoca, não ambígua“ pró eliminação das armas nucleares. Conclui afirmando que compromissos devem ser respeitados. O Embaixador Henrik Salander de Suécia, representante de um governo da Nova Agenda, observa que nada indica que as 13 Etapas tenham vida além da própria Conferência de Revisão do ano passado. Recorda que quando a Nova Agenda apresentou o desenho de sua resolução na Assembléia Geral das Nações Unidas, no 14 15 outono de 2000, “nossa meta era fortalecer o Tratado de Não Proliferação“. Esta era uma decisão arriscada, continua, “por que expôs o TNP a riscos imprevisíveis… a fim de se ampliar seus compromissos além do próprio mecanismo do Tratado“. A impressionante aprovação da resolução (apoiada por 154 países membros das Nações Unidas, recebendo três votos contra e oito abstenções) validou esta abordagem. Registrando sua preocupação que a “ação inequívoca” aprovada pode ser interpretado apenas "como palavras", Salander afirma entretanto que “há um ano atrás nós não tínhamos nem mesmo essas palavras, agora podemos usá-las”. Quatro peritos não-governamentais apresentaram avaliações sobre atuais posições de capitais chaves (Washington, Moscou, Ottawa) e de outros estados de OTAN. Embaixador Thomas Graham, Jr., Presidente dos Aliança dos Advogados para Segurança Mundial, nos Estados Unidos, considera algumas negociações como essenciais para o fortalecimento do TNP: (a) acordo para o término da produção de material nuclear fissionável; (b) implementação dos Tratados START; (c) vigência do Tratado CTBT; e (d) continuidade do Tratado ABM. Graham acentua que a situação de desarmamento é “realmente sombria“, conceituando como “pobre” a atuação das potências nucleares para implementação das 13 Etapas. Sua conclusão, face ao fato de que os EUA não apresentam condições de liderança para a nãoproliferação, é que o futuro do planeta repousa agora na habilidade dos seus aliados, da Nova Agenda e de alguns outros Estados. Alexander Pikayev, Pesquisador em Residência no Centro Carnegie em Moscou, afirma que o governo de Putin decidiu que a verdadeira ameaça para a Rússia “vem da sua fronteira ao sul, onde as armas nucleares são inúteis“. Portanto, o esforço russo de renovação militar foi transferido das armas nucleares para forças convencionais. Pikayev pondera que a União Soviética e a Rússia fizeram “enormes concessões unilaterais“ nos últimos 15 anos, mas que face às atuais metas dos EUA de dominar a terra, os oceanos, os espaços aéreo e interplanetário, além da informação, “a era das concessões unilaterais russas terminou”. Embora os possíveis cortes unilaterais armas nucleares pela administração de Bush não “sejam uma idéia ruim“, tais cortes não seriam verificáveis nem irreversíveis. Face às presentes circunstâncias Pikayev considera que não haverá condições para continuidade de verificação de instalações nucleares US/Rússia após o término do Tratado START I, em 2009. O Embaixador Christopher Westdal, do Canadá, concorda que a perspectiva do desarmamento nuclear é “crescentemente 15 16 sombria“ e afirma que a liderança dos EUA é “absolutamente indispensável“ para se superar os retrocessos atuais. Rebecca Johnson, Diretor Executivo do Instituto Acronym em Londres, avaliou o impacto dos compromissos do TNP2000 na Conferência de Revisão da OTAN. Com base no relatório do encontro de dezembro 2000 da OTAN, que reitera o papel essencial de armas nucleares no futuro previsível, Rebecca Johnson concluiu que o impacto do acordo na Conferência de Revisão do TNP é “nenhum“. Ela argumenta que a OTAN está aparentemente tentando “administrar” a atual função das armas nucleares nos seus planos militares, e sugere uma estratégia com cinco pontos principais para pressionar a Aliança. Esses pontos seriam: (1) tentar obter uma resposta da OTAN às 13 Etapas; (2) levantar a questão da retirada das armas nucleares táticas da Europa; (3) induzir um aumento de transparência para os próprios membros da OTAN; (4) fortalecer as garantias de segurança, desafiando a insistente ambigüidade da OTAN sobre quando seu arsenal nuclear poderia ser utilizado; e (5) contestar o compartilhamento de armas nucleares, inerente aos países da Aliança. Richard Butler, ex-Embaixador da Austrália e Diplomata em Residência no Conselho de Relações Estrangeiras, participou da Mesa Redonda da Cerimônia de Instalação da Consulta, na noite de 29 de abril. Ele acentua que as implicações profundas das armas nucleares para paz internacional devem ser entendidas no contexto básico de que “o problema das armas nucleares é as próprias armas nucleares”. Butler enfatiza que as políticas das potências nucleares reconhecidas pelo TNP, dos países fora do Tratado armados com armas nucleares e dos membros não-nucleares do TNP obstinados em obtê-las, apontam para o fato de que essas armas “têm um futuro assegurado”. Reconhecendo o papel central dos Estados Unidos nessas questões, Butler afirma que qualquer mudança só será possível após mudanças da opinião pública nos EUA e nos aliados ocidentais. Com o advento da administração de George W. Bush, surgiram mensagens que sinalizam incertezas para todo o processo de desarmamento, em particular para o processo de aprimoramento do Tratado de Não Proliferação, TNP. O pronunciamento de 10 maio de 2001 do Presidente Bush, que coincidiu com o fim da Consulta de Estratégia do MPI, afirma que o atual regime legal de contenção do uso de armas nucleares (nuclear deterrence) não seria efetivo contra terroristas que eventualmente adquiram essas armas de destruição em massa (weapons of mass destruction, WMD). Bush acredita que o desenvolvimento de escudos contra mísseis balísticos é 16 17 necessário para conter eventuais ataques terroristas. Este é a razão por que os EUA estão revisando fundamentalmente sua postura sobre armas nucleares, incluindo aí a função do sistema de aniquilação mútua assegurada (mutual assured destrucion, MAD) com milhares de ogivas militares nucleares estratégicas mantidas em estado de alerta. Um corte unilateral do arsenal nuclear norte-americano está sendo considerado também. Mas sua motivação talvez seja a de facilitar a aceitação, pela sociedade civil, de um sistema múltiplo de defesas contra mísseis balísticos, além de possíveis desenvolvimentos de “pequenas” armas nucleares para neutralizar arsenais enterrados profundamente em abrigos subterrâneos. O discurso de Bush foi ampliado pelo Secretário de Defesa Rumsfeld quem, em seu pronunciamento de 8 maio último, considerou a possibilidade de militarização do espaço para defesa de interesses norteamericanos e anunciou uma nova estrutura de comando dos EUA para controlar programas espaciais. A intenção de Bush de modificar, e talvez até rejeitar, o Tratado Contra Mísseis Balísticos (ABM) não só ameaça o processo de aperfeiçoamento do TNP, como enfraquece a base dos tratados internacionais para o desarmamento. É de importância fundamental reafirmar a primazia dos diplomas legais (the rule of law), resistir aos planos da nova administração dos EUA mais firmemente do que se pode esperar dos seus aliados, e enfatizar a urgência da crise do desarmamento nuclear; iniciativa esta que não deve ser menosprezada junto aos próprios cidadãos norte-americanos. Estes desenvolvimentos requerem uma reformulação do debate em termos estratégicos, consistente com a liderança comprovadamente responsável que vem sendo exercitada pelos países da Nova Agenda. As 13 Etapas aprovadas no documento final da Conferência de Revisão do TNP, em 2000, integram um processo multilateral, cooperativo, de ações embasadas em leis internacionais que passo a passo levam à eliminação das armas nucleares. Contrastando com esta expectativa, em menos de um ano da aprovação das 13 Etapas, uma facção influente da nova administração de EUA está propondo uma ordem “global“ unilateral, a ser mantida por ameaças crescentes, e que atentam à confiança e ao respeito ao regime de tratados internacionais (rule of law), possibilitando uma nova corrida armamentista nuclear. Certamente, o processo proposto pela Nova Agenda – selado no documento da Conferência de Revisão do TNP de 2000 – oferece maior estabilidade, por ser 17 18 diploma legal internacional, enquanto as propostas de EUA vão estimular novas incertezas e uma perigosa corrosão da ordem internacional. Uma estratégia para enfrentar a crise atual foi delineada neste recente encontro do MPI nas Nações Unidas. Seus pontos principais são: 1. FIM DO ESTADO DE ALERTA (DE-ALERTING): A permanência do estado de alerta para o pronto lançamento de mísseis estratégicos com ogivas nucleares (diretamente ativado por eventual detecção de ação inimiga), e que abrange 5,000 ogivas dos EUA e da Rússia, é irresponsável e inaceitável, especialmente agora, com a afirmativa do Presidente Bush no seu pronunciamento de 1 de maio de 2001, de que “nós não somos e nem pretendemos ser adversários estratégicos”. A meta deveria ser a eliminação global deste estado de alerta. Os EUA deveriam adotar esta meta como elemento central de sua Revisão de Postura Nuclear, estando preparado para levar em consideração a natureza assimétrica das respectivas forças nucleares estratégicas (russas e norte-americanas) e oferecendo propostas significativas para a remoção dessas ogivas de combates nucleares estratégicos do estado caracterizado pelo próprio Presidente Bush como “prontidão com o dedo no gatilho” 2. PRESERVAÇÃO DO TRATADO ABM: O Tratado de ABM deve ser preservado e fortalecido, por que são potencialmente sérias as conseqüências do seu cancelamento para todo o regime de não-proliferação nuclear e desarmamento, assim como para segurança global. Esta Etapa torna-se mais urgente após o pronunciamento do Presidente Bush de 1 de maio último. É evidente a intenção de Bush de construir um sistema com opções múltiplas de defesa contra mísseis balísticos, arriscando um reinício da corrida armamentista e estimulando a militarização espacial. Na Consulta do MPI, ficou patente a necessidade de que países com interesses políticos afins organizem uma conferência (fora do âmbito da Conferência para o Desarmamento, CD,) cujo mandato seria o de iniciar negociações para um Tratado para Prevenção de Conflitos Armados Espaciais. 3. UNILATERALISMO VERSUS DIPLOMAS LEGAIS: A abordagem desarmamento nuclear em tratados internacionais deve ser continuada e do reforçada, jamais negligenciada. A recente resistência dos EUA a este princípio, comprovada pela 18 19 rejeição do senado norte-americano do CTBT e reforçada pela atual tendência de renúncia ao Tratado ABM , caso for necessário para os interesses da atual administração, deve ser revertida, especialmente no contexto mais amplo da falta de cooperação em outros compromissos internacionais, tais como o Protocolo de Kyoto de Mudanças Climáticas. Entretanto, um desarmamento unilateral pode ser produtivo se levado a cabo para apoiar, não enfraquecer, diplomas legais. A intenção de cortes unilaterais, declarada no pronunciamento do Presidente Bush em 1 de maio próximo passado, é bem vinda e lembra os cortes unilaterais mútuos, de 1991, promovidos por seu pai e Gorbachev. Porém, cortes unilaterais de armas nucleares fora do âmbito de tratados internacionais, podem ser revertidos por falta de transparência e de verificação. Esses cortes só serão significativos se acompanhados por iniciativas que os tornem transparentes e verificáveis, medidas que deveriam ser codificadas como parte do processo do desarmamento. 4. IRREVERSIBILIDADE: Os estados signatários deveriam insistir que o compromisso inequívoco assumido pelas potências nucleares reconhecidas no TNP (Etapa 6), garanta os ganhos já alcançados no desarmamento nuclear e que não podem ser revertidos pela possível alienação do regime de não-proliferação, conseqüência provável da implantação pelos EUA de um sistema de defesa contra mísseis. Por outro lado, o princípio de irreversibilidade deveria ser aplicado a todos os cortes já realizados, incluindo, em particular, as reduções unilaterais de 1991 dos EUA e da Rússia, o desmantelamento de armas nucleares não-estratégicas viabilizado pelos tratados START, bem como as armas nucleares desmontadas pelo Reino Unido e pela França. Seria parte deste processo, o re-direcionamento das atividades dos laboratórios de armas nucleares, os quais deveriam ser acessíveis à verificação da eliminação dessas atividades. 5.ARMAS NUCLEARES NÃO-ESTRATÉGICAS: A questão das armas nucleares não-estratégicas necessita ser enfrentada urgentemente, já que estas seriam as primeiras a serem utilizadas em conflitos. As sugestões consideradas foram: (1) apoio a uma resolução de ONU sobre esta questão; (2) atuar para que estas armas sejam localizadas nos territórios nacionais dos respectivos detentores; (3) criação de um diploma legal com base nas declarações de 1991 de Bush e Gorbachev; (4) formação de sistema de registro, com ampla transparência para verificação de 19 20 dados; e (5) inclusão dessas proposições ou no START III ou num novo tratado global. 6. RATIFICAÇÃO DO CTBT SEM TESTES DURANTE TODO O PROCESSO: Todos os signatários do TNP estão politicamente comprometidos com o Documento Final da Conferência de Revisão de 2000, no qual se conclama a moratória de testes nucleares até a completa ratificação do tratado para prevenção global de testes nucleares CTBT (Comprehensive Test Ban Treaty). Este compromisso foi enfatizado durante a Consulta, considerando-se necessária uma atuação direta de ministros – especialmente dos países da Nova Agenda e dos países da OTAN reconhecidos como “OTAN-5” – na conferência sobre a Ratificação do CTBT a ser realizada em Nova Iorque de 25 a 27 de setembro de 2001. Considera-se necessária esta participação ministerial a fim de se obter o apoio dos EUA, sem o qual não se prevê grande progresso. Enquanto isso, deveria ser aumentada a pressão para fechar locais de testes nos EUA, na Rússia e China (a França fechou seu local de provas no Pacífico Sul). 7. INVENTÁRIO DE MATERIAIS FÍSSEIS: O estabelecimento de um inventário (registro e banco de dados) de todos os materiais físseis utilizáveis para fabricação de bombas (mais o elemento trício) é proposto para se progredir durante o impasse atual das negociações do acordo para o término da produção de material nuclear fissionável (Fissile Materials Cut-off Treaty). Recomenda-se o apoio ao estabelecimento de um inventário de materiais físseis utilizáveis em artefatos militares nucleares (mais o elemento trício), possibilitando registro e banco de dados. Este empreendimento deveria ser conduzido por organizações não-governamentais especializadas, tais como ISIS e VERTIC, que proveriam liderança e perícias para começar a iniciativa. Foi observado que o Departamento de Assuntos de Desarmamento da ONU, com orçamento para um banco de dados sobre armas de destruição em massa, poderia considerar sua participação. É proposto que reuniões informais entre NGOs e governos solidários sejam organizadas o mais cedo possível, com a perspectiva de preparação de mensagem para Assembléia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2001. 8. PADRONIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES: Os relatórios das potências nucleares para as conferências preparatórias do TNP deveriam ter formato com base em critérios. Esta padronização deveria ser implementada o mais cedo possível (talvez, com o apoio do Departamento de Assuntos de Desarmamento da ONU e participação de NGOs). Os 20 21 relatórios deveriam ser anuais, com informações específicas (por exemplo, número de ogivas destruídas ou desmontadas, orçamentos, estagio do processo de término de prontidão de mísseis nucleares), que abrangessem tanto as metas como as realizações. Estes relatórios deveriam estar vinculados ao seguintes critérios: (1) do compromisso de “ação inequívoca (Etapa 6), que não pode ser indefinidamente adiado; (2) da Etapa 9F, que os poderes nucleares se empenhem apropriadamente nesta etapa; e (3) do subparágrafo unânime 105f da Recomendação de 1996 do Tribunal Mundial. Relatórios semelhantes devem também ser exigidos, nacionalmente, recomendando-se sua apresentação aos respectivos parlamentos. 9. URGÊNCIA : É imperioso o reconhecimento da urgência do processo de desarmamento nuclear. A ênfase devendo ser a conscientização do problema central das armas nucleares: a inflexibilidade dos países que as possuem. Face aos informes desta Consulta, revelando que nada mudou desde o acordo da Conferência de Revisão do TNP do ano 2000, as sugestões propostas que receberam o maior apoio foram: (1) Encorajar a proposta do Secretário-Geral de ONU para uma conferência internacional sobre os riscos das armas nucleares. Conferência a ser considerada se a Conferência Preparatória do TNP do ano 2002 terminar num completo impasse. A conferência deveria ser concebida para apoiar, não atropelar, o TNP; (2) A Nova Agenda deveria intensificar sua atuação junto aos Presidentes e Ministros; (3) A liderança da Nova Agenda deveria levar à opinião pública o processo de desarmamento, empenhando-se especialmente junto ao público dos EUA. (Como exemplo, foi lembrado que o Ministro da Suécia Olof Palme fez exatamente isto na questão do Vietnã, o que possibilitou, então, a Iniciativa das Seis Nações.) Tanto os governos como a sociedade civil devem colaborar no atual esforço das Nações Unidas para educação sobre desarmamento e não-proliferação. 10. NOVAS CONFERÊNCIAS: Contribuindo para o fomento da urgência do desarmamento nuclear, a Consulta recomenda outras conferências além das estabelecidas para o TNP e a Conferência de Desarmamento. São sugeridas: (1) Utilizar a Conferência de Cúpula (G8) para salientar a crise de desarmamento nuclear; (2) realização de macro conferência entre os signatários de Zonas Livre, mais Mongólia, para fortalecer essas zonas e prover um forum para novas iniciativas; (3) Realizar reuniões de trabalho paralelas à Conferência de Desarmamento sobre aspectos 21 22 técnicos pendentes que são necessários para o embasamento subsidiário do desarmamento nuclear. GLOSSÁRIO ABACC: O acordo bilateral entre a Argentina e o Brasil gerou a agência ABACC, sendo complementado pelo Acordo Quadripartite, assinado em 1991. Este último acordo possibilitou à AIEA realizar inspeções independentes nos dois países e estabeleceu na prática um sistema de salvaguardas tecnicamente equivalente ao exigido pelo TNP. O próprio TNP, está atualmente homologado por todos países latino-americanos, com a exceção de Cuba. A importância dos acordos de origem latino-americana manifesta-se nos seguintes pontos: a) tornam as inspeções muito mais robustas, por admitir uma dupla verificação em áreas sensíveis de instalações nucleares; b) oferecem maior confiabilidade a todo o processo de inspeção, já que inspetores dos próprios países participam independentemente de todo o sistema de salvaguardas; c) permitem aos governos desses países o acesso mútuo às informações sobre as instalações do país vizinho, o que não é previsto no TNP; e d) elimina o contexto político “Norte versus Sul” das inspeções, já que as duas agências atuam em um mesmo plano hierárquico. Actinídio: Elemento pesado e radioativo com número atômico maior que 89 (actínio) e menor do que 103 (lawrêncio). A sério dos actinídios inclui o urânio (número atômico 92), neptúnio (93), plutônio (94), e amerício (95). Amerício: Elemento artificial fissionável que pode ser usado na produção de explosivos nucleares. O principal isótopo, amerício-241, é gerado pelo decaimento de plutônio-241. Combustível nuclear de mistura de óxidos (MOX em inglês): Material composto da mistura de óxidos de urânio e de plutônio, o que inviabiliza a utilização deste material como explosivo nuclear. Enriquecimento: Qualquer processo físico-químico que aumenta a concentração de um isótopo de uma dado elemento. (No caso de urânio, trata-se do aumento percentual do seu isótopo 235.) Instalação declarada: Se a instalação foi notificada a agência de inspeção (no caso dos signatários do TNP, a agência será a Agência Internacional de Energia Atômica 22 23 (AIEA) e se está disponível à inspeção sem prévia autorização, de acordo com as obrigações estabelecidas pelo tratado. Para os países que não possuem bombas atômicas, as obrigações do tratado determinam que todas as instalações com atividades nucleares devem ser declaradas. Para os cinco paises que possuíam bombas na data da homologação desse acordo, as inspeções ocorrem apenas naquelas instalações determinadas pelos mesmos. Instalação não-declarada: A descoberta pela Agência Internacional de uma instalação nuclear não declarada é considerada uma violação do TNP. Isótopo: Os núcleos dos átomos de um mesmo elemento têm o mesmo número de prótons mas a quantidade de nêutrons pode variar, resultando em diferentes isótopos para o mesmo elemento. Urânio-235 e Plutônio-238 são exemplos de isótopos de elementos diferentes. Massa crítica: É a massa mínima necessária para manter uma reação nuclear em cadeia. Esta massa varia com vários fatores, tais como: o tipo de isótopo utilizado, sua concentração, forma química e, principalmente, pelo arranjo geométrico do material. Material físsil: Material composto de átomos com núcleos atômicos que se fragmentam quando são irradiados por nêutrons com baixa energia cinética (lentos). Os materiais físseis mais comuns são urânio-235 e plutônio-239. O termo é empregado para indicar plutônio e urânio altamente enriquecido do isótopo 235. Entretanto, o urânio 233 é também físsil, assim como o amerício-241 e o neptúnio237. MPI: A organização não-governamental MPI trabalha na mobilização dos interesses políticos de “paises (poderes) intermediários”, influentes no cenário internacional, na campanha para eliminação de armas de poder massivo de destruição. O MPI tem um programa de esclarecimento com seminários, publicações e consultas junto aos governos e organizações civis. Atualmente a coordenação do MPI é presidida pelo Senador Douglas Roche, O.C., que já atuou como embaixador canadense em conferências de desarmamento das Nações Unidas, e conta com representações em todos continentes. Neptúnio-237: Um isótopo artificial que pode ser utilizado como explosivo nuclear. Neptúnio-237 é formado pela irradiação de U-235 ou U-238 dentro de um reator nuclear. Nova Agenda: Em 1998, uma iniciativa que aponta claramente nessa direção, isto é, evitar a nuclearização do planeta, foi adotada por oito países. Em 9 de junho de 1988, 23 24 os ministros das relações exteriores da África do Sul, Brasil, Egito, Eslovênia, Irlanda, México, Nova Zelândia e Suécia, divulgaram uma declaração conjunta denominada “A Necessidade de uma Nova Agenda para Liberar o Planeta das Armas Nucleares” (Towards A Nuclear Weapon-Free World: The Need For A New Agenda). Essa declaração, reconhecida atualmente como a “Coalizão para Nova Agenda”, critica a atual postura das nações nucleares, e da Índia, Israel e Paquistão. A declaração conclama esses países a dar início imediato às iniciativas práticas e às negociações efetivas para a eliminação de seus arsenais nucleares: “Temos a certeza de que as nações rejeitariam esses arsenais nucleares se estivessem devidamente informadas dos seus perigos inerentes e das conseqüências de seu uso, e não permitiriam que seus governos as mantivessem em nome de uma pretensa autodefesa.” País não-nuclear: Um país que assinou o tratado TNP, isto é, um país que permite inspeções que confirmam a inexistência de atividades (ou utilizações de material nuclear) não declaradas. País nuclear: Um país que possuía arsenal de armas nucleares antes de 10 de janeiro de 1967, data da implementação do TNP. Esses paises, pela quantidade de estoques de armas na época, foram: Estados Unidos, União Soviética (Rússia), Reino Unido, França e China. Paises nucleares “de facto”: Qualquer país não-signatário do TNP com instalações nucleares não declaradas. Atualmente, são Índia, Israel e Paquistão. Plutônio com padrão combustível: Plutônio contendo 6 a 18 % do isótopo Pu-240. Plutônio explosivo padrão: Plutônio contendo mais de 18% de Pu-240. Plutônio-239: Produto artificial físsil, formado no interior das barras de combustíveis dos reatores nucleares, quando U-238 do material combustível é irradiado e captura neutros térmicos. Este é um dos principais matérias para produção de bombas atômicas, o que justifica a proteção e o controle dos depósitos de combustível nuclear “queimado”, isto é, material retirado dos reatores nucleares após sua utilização para geração de energia. Plutônio-240: Outro material nuclear produzido durante a “queima” do combustível nuclear. Pu-240 não é um explosivo nuclear, entretanto, o que “complica” a utilização do combustível nuclear queimado na fabricação de bombas atômicas. 24 25 Quadripartite: O acordo Quadripartite foi assinado em 21 de dezembro por Argentina, Brasil, ABACC e AIEA. Esse acordo permite uma atuação independente da Agência Internacional baseado em normas internacionais (INFCIRC/153). O Acordo Quadripartite foi ratificado pela Argentina em dezembro de 1992 e pelo Brasil em 9 de fevereiro de 1994. Queima de material físsil: desintegração nuclear controlada por núcleos atômicos para geração de calor. Quantidades significativas: quantidades mínimas para produção de uma bomba atômica. A Agência Internacional de Energia Atômica considera que o desvio ou desaparecimento de um estoque posto no regime de salvaguardas de quantidades de 8 kg de Plutônio ou de 25 kg de urânio enriquecidos, são quantidades significativas que merecem providências especiais dos seus inspetores. Reator nuclear de pesquisa: um reator construído para ser utilizado como uma fonte de nêutrons oriundos da desintegração de núcleos atômicos. Reator nuclear de potência: um reator nuclear construído para produção de energia elétrica. É um reator estruturalmente diferente daqueles para produção de isótopos ou que são utilizados como fontes de nêutrons. Reator nuclear para propulsão naval: um reator construído para movimentar navios ou submarinos. Reprocessamento: tratamento químico do combustível “queimado” para separa um ou mais isótopos (na maioria das vezes, isótopos de urânio e de plutônio). Salvaguardas: providências ou ações definidas por tratados internacionais que permitem que equipes de inspetores localizem, identifiquem e determinem as quantidades existentes de materiais nucleares explosivos em qualquer país signatário do TNP. O propósito das salvaguardas é o de evitar o desvio desses matérias para finalidades militares. TNP: no início da década de 1970 foi negociado o primeiro tratado internacional para controle de materiais físseis, o Tratado de Não-Proliferação, TNP, que tem a AIEA como seu órgão executor. Pelo TNP, são reconhecidos os arsenais nucleares de cinco paises [Estados Unidos, União Soviética (agora Rússia), China, Inglaterra e França]. Estes cinco paises assumiram o compromisso de, eventualmente, eliminar seus arsenais nucleares. Todos os demais paises signatários aceitam o compromisso de não desenvolverem armas nucleares. O Brasil só assinou o TNP em 1998. Atualmente somente quatro paises não assinaram o TNP: Índia, Paquistão e Israel (todos com 25 26 domínio de tecnologia nuclear para montagem de bombas atômicas) e Cuba, que condiciona sua assinatura à questão da base norte-americana na ilha.). Unidade de trabalho de separação (do inglês Separation Work Unit): medida da energia utilizada para separação e acúmulo de urânio ou plutônio enriquecido. Uma grande instalação de separação atinge várias centenas de milhares de SWU. A instalação brasileira (sob responsabilidade da Marinha), que ainda está em fase de testes, atingirá 20.000 SWU e deveria estar pronta ainda em 2001. Urânio altamente enriquecido: urânio no qual o percentual do isótopo 235 é artificialmente aumentado de 0,71% (teor natural) para além de 20% -- usualmente as bombas são feitas com 90% de U-235. A montagem de uma bomba com baixo teor de U-235, por exemplo 20%, requer uma grande quantidade de material, quando comparado com ~25 kg necessários para uma bomba com 90% de urânio-235. Urânio empobrecido: uma quantidade de urânio com menos de 0,71% de urânio-235, o percentual deste isótopo no urânio natural. Este tipo de material é um produto do próprio processo de enriquecimento de urânio-235. Urânio fracamente enriquecido: material urânio com teor de U-235 entre 0,71% e 20%. A maioria dos reatores nucleares utilizam urânio fracamente enriquecido, entre 3-5%. Urânio natural: urânio contendo um teor de 0,71% de U-235. Urânio-233: material físsil formado a partir da irradiação de tório-232 por neutros. Urânio-235: único material (isótopo) encontrado na natureza que pode ser utilizado para fabricação de bombas atômicas. Urânio-238: o principal isótopo (99,3%) do urânio natural. Zona Livre: desde 1970, por acordos internacionais, foram criadas ZONAS LIVRES DE ARMAS NUCLEARES em várias regiões do planeta. O Brasil participa da Zona Livre da América Latina, instituída através do Tratado de Tlatelolco. Atualmente, por iniciativa do Brasil e da Nova Zelândia, todo o Hemisfério Sul está sendo proposto como Zona Livre de armas nucleares. REFERÊNCIAS • F. Souza Barros e L.Pinguelli Rosa, “Latin-American nuclear questions: The Brazilian case”, International Symposium on Scientists, Peace and Disarmament, 26 27 Buenos Aires (April 11 to 15 1988), Proc. Editor World Scientific Publishing Co., . • F. Souza Barros, A. R. de Castro e Luiz Pinguelli Rosa, “Brazil’s nuclear shakeup: military still in control”, Bulletin of Atomic Scientists 45 No.4, 22 (1989). • L.Pinguelli Rosa, F. Souza Barros e S.R.Barreiros “A Política Nuclear no Brasil”, monografia editada por Greenpeace (1992). • José Goldemberg e Harold Feiveson, “Denuclearization in Latin America”, 14 de dezembro de 1993, publicação do Center for Energy and Environment Studies, Princeton University, USA. • Odair Dias Gonçalves, “Radiação: Princípios básicos, aplicações e riscos” CADERNOS DIDÄTICOS UFRJ , 1994. • F. de Souza Barros, Ciência Hoje, vol.20, no.117, pp.59-61, janeiro-fevereiro 1996. • David Albright e Kevin O’Neill, 1 “The Challenges of Fissile Material Control”, ISIS Report, 1999. 27