Agronegócio e Modernização da Fronteira Agrícola: Uma Avaliação a Partir da Análise de Indicadores Socioecômicos de Municípios Selecionados Autoria: Elizabeth Rosa, Marco Aurelio Ruediger, Vicente Riccio Resumo Este artigo tem o objetivo de realizar uma análise exploratória do impacto do agronegócio sobre a região de fronteira agrícola, por meio da comparação de indicadores socioeconômicos municipais. A finalidade é verificar se esses indicadores sinalizam, ou não, um efeito modernizante do agronegócio sobre a região, conforme sugere a cobertura jornalística sobre o tema. Para isso foram selecionados cinco municípios da fronteira agrícola que ocupam posição de liderança no ranking nacional do valor adicionado da agricultura, cujos indicadores foram comparados com o de outras cinco cidades-espelho, selecionadas nos mesmos estados que as anteriores, nas quais o Produto Interno Bruto (PIB) é majoritariamente formado por contribuições dos setores industrial e/ou de serviços. Buscou-se, então, verificar se os indicadores apresentam desempenho semelhante em todas as cidades do agronegócio selecionadas e como se comportam em relação aos indicadores das cidades-espelho. A análise aqui realizada não sinalizou que o agronegócio tenha influenciado o comportamento dos indicadores sociais urbanos de forma mais expressiva do que a indústria e/ou os serviços. Mas parece ter permitido que cidades menos expressivas do ponto de vista demográfico ascendessem à condição de pólos econômicos regionais, rivalizando com municípios de maior porte. Introdução O setor agrícola brasileiro, nas últimas quatro décadas, passou por um profundo processo de modernização das suas bases técnicas e econômicas, as quais se viram crescentemente orientadas para as demandas do mercado internacional. Nesse período, consolidou-se em grande parte do País uma agricultura organizada em moldes capitalistas, assentada na técnica, na mecanização, na grande propriedade e na produção em escala global (ALVES, 2005 e 2005a ; ELIAS, 2006, 2006a e 2006b; VENTURIERI ET ALL, 2007). Esse modelo é a face mais visível do advento do agronegócio, termo usado para definir a cadeia produtiva agropecuária que vai “desde a fabricação de insumos até o consumidor final, passando pela produção no campo e pela transformação industrial” (MAPA, 2008:05). Ou seja, a partir da década de 1970, parcela significativa da agricultura brasileira integrou-se de forma coordenada a uma cadeia produtiva mais ampla, que abriga também as agroindústrias e os serviços de apoio como pesquisa, assistência técnica, processamento, transporte, comercialização, crédito e exportação dos produtos oriundos do campo. Nos últimos anos, essa cadeia vem se consolidando como um dos setores mais dinâmicos da economia nacional: em 2006, o agronegócio foi responsável por 92,6% do superávit da balança comercial e, em 2007, por 23,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. Neste último ano, o Brasil despontou como o primeiro exportador mundial de carne bovina, carne de aves, açúcar, café e suco de laranja, ocupando a segunda posição no ranking de três produtos ligados à cadeia da soja – grãos, farelo e óleo (MAPA, 2008). O fortalecimento econômico do setor foi acompanhado de uma crescente difusão espacial do agronegócio pelo País, particularmente associada à necessidade de terras planas e baratas capazes de suportar a produção em larga escala de commodities agrícolas altamente valorizadas no mercado global, como é o caso da soja. Assim, embora inicialmente tenha buscado abrigo nas áreas de produção rural mais tradicionais, localizadas no Sudeste e no Sul, o modelo de agricultura comercial predominante no agronegócio moderno e globalizado rapidamente se expandiu em direção à fronteira agrícolai, representada pelas áreas de ocupação ainda não consolidadas existentes no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do País. Nas três primeiras 1 regiões – Sul, Sudeste e Centro-Oeste – apresenta-se hoje de forma praticamente contígua. Nas duas últimas – Norte e Nordeste – ainda aparece como pequenas manchas dispersas pelo espaço geográfico (ALVES, 2005 e 2005a; MARION ET ALL, 2005; ELIAS, 2006, 2006a e 2006b; VENTURIERI ET ALL, 2007). Porém, embora se encontre presente em praticamente todo o País, é na fronteira agrícola que o agronegócio se impõe de forma hegemônica, encontrando nos cerrados do Centro-Oeste, particularmente no Mato Grosso; no oeste da Bahia e no sul do Maranhão e do Piauí, o seu território mais significativo (GIRARDI, 2008). Ao se deslocar para a fronteira, o agronegócio fez com que surgissem na região vários municípios nos quais a vida econômica e social local encontra-se fortemente atrelada às suas demandas. Trata-se das chamadas “cidades do agronegócio”, termo sob o qual se abrigam aqueles municípios que surgiram ou se expandiram a partir do recente boom experimentado pelos negócios associados ao campo – a partir da década de 1970, mas principalmente nos anos de 1990. Nesses municípios, verifica-se uma simbiose cada vez mais estreita entre o urbano e o rural, estimulada pela coexistência local de uma série de atividades conectadas ao agronegócio, distribuídas a montante e a jusante das porteiras das fazendas: agroindústrias, empresas de produção agropecuária, unidades de pesquisa e distribuidores comerciais de produtos e insumos (ENGEL e SOARES, 2003; ALVES, 2005; ELIAS, 2006). No conceito de cidade do agronegócio poderiam ser enquadrados municípios como Sertãozinho, Matão e Bebedouro, no estado de São Paulo; Cascavel, no Paraná; Linhares, no Espírito Santo, e Unaí, em Minas Gerais. Porém, esse tipo de cidade vem se desenvolvendo principalmente na região de fronteira agrícola, onde se encontram cidades do agronegócio como Sorriso e Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso; Balsas, no Maranhão; Uruçuí, no Piauí; e Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia. Ainda hoje, migrantes oriundos de diversas partes do País – agricultores, trabalhadores rurais, profissionais liberais e empreendedores de áreas diversas – continuam a chegar a tais cidades, atraídos pelas oportunidades econômicas que surgem a partir da produção agropecuária e das atividades a ela associadas. Na cobertura jornalística, o surto de crescimento urbano apresentado por essas cidades e as histórias de grandes fortunas construídas no local acabam por difundir a idéia de que o agronegócio teve efeito modernizador sobre a fronteira agrícola do Paísii. Na pesquisa acadêmica, porém, não há consenso sobre a questão. Ora prevalece uma percepção positiva dessa cadeia, pelo seu impacto na geração de riquezas e de empregos (FARINA, 2001; GUARINZOLI, 2006), ora se denuncia que a modernização por ela ensejada é espacialmente restrita a alguns pontos do território nacional, além de beneficiar somente os grandes produtores rurais e as agroindústrias (PIRES, 2000; ALVES, 2005; PEDROSO E SILVA, 2005; ELIAS, 2006). No caso específico das cidades do agronegócio existentes na fronteira agrícola, diferentes autores apontam-nas como espaços de exclusão social, por promoverem a segregação espacial dos contingentes mais pobres da população, normalmente confinados à periferia desses centros urbanos. Tais autores denunciam, também, que nessas cidades mantêm-se a margem das oportunidades econômicas trabalhadores não qualificados para as demandas do agronegócio globalizado (PIRES, 2000; ALVES, 2005 e 2005a; CHRISTOFOLLI, 2006; ELIAS, 2006 e 2006b). Assim, a proposta deste artigo é fazer uma análise exploratória da questão, a partir da comparação de como evoluem os indicadores socioeconômicos de algumas cidades do agronegócio da fronteira agrícola em relação aos indicadores de outros municípios das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste que têm os setores industrial ou de serviços como base da sua economia. O objetivo é verificar se tais indicadores têm comportamento homogêneo nas cidades do agronegócio selecionadas e se, quando comparados aos indicadores de outros tipos de cidade, efetivamente apontam melhoria no quadro econômico e nas condições de vida da população local. Acredita-se aqui que uma evolução positiva desses indicadores sinalizaria o 2 efeito de modernização, abrindo-se espaço para futuras pesquisas de campo, a serem realizadas nos municípios selecionados. O artigo encontra-se dividido em 4 seções, além desta Introdução e da Conclusão. A primeira seção resume o recente processo de ocupação da fronteira agrícola do Brasil, com o objetivo de esclarecer como se difundiu na região o modelo de agricultura comercial e a importância dos fluxos migratórios na mudança do padrão produtivo. Na segunda seção são apresentados alguns indicadores socioeconômicos e de urbanização das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, com a finalidade de oferecer uma visão panorâmica sobre o objeto do artigo. Também são destacados os problemas sociais que diferentes autores identificam nas cidades do agronegócio existentes na fronteira. A terceira seção apresenta a metodologia do trabalho e a quarta traz a análise dos indicadores dos municípios selecionados. 1. Agronegócio e expansão da fronteira agrícola do Brasil O desenvolvimento agrícola do Centro-Oeste brasileiro remonta às décadas de 1930 e 1940, quando novas áreas começaram a ser incorporadas à produção para fazer frente ao crescimento da demanda em mercados do Sudeste. Porém, foi apenas a partir dos anos de 1970 que o avanço da fronteira agrícola promoveu uma efetiva reconfiguração da população e da economia regionais. Nessa época, foram lançadas diferentes iniciativas estatais objetivando modernizar a agricultura local, como o Programa de Desenvolvimento da Região de Grandes Dourados (PRODEGRAN), o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e o Programa de Cooperação Nipo Brasileira de Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). Essas iniciativas estimularam a ida de novos investidores e agricultores capitalizados para a região, possibilitando que fosse criada no local a necessária infraestrutura de suporte à produção rural (PIRES, 2000). Atraídas por esses programas e por projetos privados de colonização, correntes migratórias, oriundas principalmente do Sul do País, iniciaram o seu deslocamento para a região. Novos agricultores começaram a chegar ao cerrado do Mato Grosso por volta de 1972, e três anos depois, ao sul de Goiás. No final da década de 1970 e início da de 1980, os fluxos migratórios estenderam-se com mais força para o cerrado nordestino, fixando-se principalmente no oeste da Bahia e no sul do Maranhão e do Piauí. Nestes casos, contudo, desde o início a ocupação teve como carro-chefe o grande capital financeiro e as empresas transnacionais, atraídas para a região tanto em função da expectativa de retorno econômico quanto dos créditos subsidiados oferecidos pelo governo militar (MARION ET ALL, 2005). A exemplo do ocorrido no Centro-Oeste, a modernização técnica do campo nos cerrados nordestinos foi comandada por migrantes sulistas, que estabeleceram na região um novo padrão de ocupação agrícola. Enquanto os nativos se dedicavam à pecuária extensiva e à agricultura familiar ou de subsistência, os sulistas chegaram com o objetivo de produzir commodities valorizadas no mercado internacional, principalmente a soja, em escalas viáveis apenas com o amplo emprego da mecanização. Vale ressaltar que, no caso do Piauí, muitos dos migrantes que ainda hoje se deslocam para o local são oriundos de famílias pioneiras na ocupação da fronteira agrícola do Centro-Oeste. Embora descendam de produtores de origem camponesa, tais agricultores chegam à região com capital suficiente para investir em propriedades de médio e grande portes, assim como na infra-estrutura necessária ao desenvolvimento da agricultura comercial (ALVES, 2005). No Norte do Brasil houve registro de movimentos migratórios de pequenos agricultores do Sul e Sudeste também na década de 1970. Eles se dirigiram principalmente para os estados de Roraima, Rondônia e do Pará, atraídos por projetos públicos e privados de colonização agrícola. Porém, a chegada da agricultura mecanizada de grãos – arroz, milho e soja – é um processo ainda recente, desencadeado apenas nos anos de 1990 e de 2000. Nesse período, sojicultores oriundos do norte do Mato Grosso começaram a se deslocar para os 3 municípios de Santarém e Belterra, localizados no estado do Pará, no chamado Baixo Amazonas (VENTURIERI ET ALL, 2007). A agricultura comercial, contudo, ainda não é expressiva nos estados da região, onde se destacam a pecuária e a exploração florestal voltada para a produção de madeira. Movidas pelas possibilidades comerciais projetadas para o etanol, as lavouras de cana também começam a chegar ao estado de Roraimaiii, mas ainda não há produção expressiva no local. Em todas essas regiões, conforme se discute na próxima seção, os migrantes foram protagonistas de profundas transformações, dentre elas o desencadeamento de um novo surto de crescimento demográfico e de urbanização. Eles estiveram diretamente envolvidos na criação de várias cidades do agronegócio da fronteira agrícola, como Sorriso, Canarana e Alta Floresta, no Mato Grosso. Também contribuíram para que vários municípios já existentes na região reorganizassem suas funções urbanas de acordo com as demandas do agronegócio, situação nas quais se encaixam as cidades de Rio Verde, em Goiás, e Rondonópolis, no Mato Grosso (MARION ET ALL, 2005). 2. Urbanização e indicadores sociais na fronteira agrícola Mudanças nos padrões urbanos e migratórios de um país ou região tendem a resultar da soma de uma série de fatores. No caso do Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil, porém, há um amplo reconhecimento de que o deslocamento espacial da agricultura pelo território nacional foi um dos principais responsáveis pelas alterações registradas no comportamento demográfico e no ritmo de crescimento das cidades locais (ELIAS, 2006; GIRARDI, 2008). Em 2000, o IBGE constatou que o contingente populacional existente no Norte e Centro-Oeste do País correspondia, respectivamente, a 7,0 e a 6,7 vezes o montante encontrado em 1950, enquanto para as demais regiões esses números variavam entre 2,5 e 3,5 vezes. No período de 1991 a 2000, a taxa média de crescimento anual da população foi de 2,86% no Norte e 2,37% no Centro-Oeste, muito acima da média de 1,63% verificada em âmbito nacional (IBGE, 2000). Embora o deslocamento do fluxo demográfico para a fronteira agrícola tenha sido influenciado pelas oportunidades econômicas existentes no campo, ele não resultou em uma expansão da população rural existente na região, mas sim, do contingente de pessoas que vive nas cidades locais: segundo o IBGE, no intervalo 1991-2000, o Norte e o Centro-Oeste foram as duas regiões do País com maior crescimento relativo da sua população urbana (IBGE, 2000). Isso talvez se explique pelas novas formas de interrelação entre a cidade e o campo verificadas no Brasil contemporâneo, onde se tornam cada vez mais fluidas as fronteiras entre os dois espaços: empreendimentos antes tidos como tipicamente urbanos – a indústria de alimentos, por exemplo – instalam-se em zonas rurais, ao mesmo tempo em que a cidade passa a funcionar como uma extensão do campo, abrigando os trabalhadores e as atividades e serviços de apoio à produção agropecuária (ALVES, 2005; ELIAS, 2006). Ao se deslocarem para a fronteira agrícola, as atividades integrantes da cadeia do agronegócio incrementaram a economia urbana local, com fortes impactos sobre o padrão de consumo, a dinâmica populacional e o mercado local de trabalho. Em agosto de 2005, a revista Exame, uma das principais publicações brasileiras da mídia especializada em economia, pediu que consultores, empresários, produtores rurais, pesquisadores, entidades do setor e integrantes do governo listassem os pólos de agronegócio mais dinâmicos do País. Dentre os 10 mais votados, quatro encontram-se no Centro-Oeste – Mineiros (GO), Primavera do Leste (MT), Rio Verde (GO) e Sorriso (MT); três no Nordeste – Luís Eduardo Magalhães (BA), Balsas (MA) e Uruçui (PI); e dois na região Norte do País – Santarém (PA) e Vilhena (RO)iv. 4 Embora a expansão demográfica na fronteira agrícola seja estimulada pelas oportunidades econômicas geradas pelo agronegócio no âmbito local, estudos sobre as cidades da região indicam que, nesses municípios, as novas formas de urbanização exercem efeitos contraditórios. Por um lado, o sucesso dos negócios associados ao campo estimula o consumo, a instalação de novos empreendimentos industriais e comerciais, o emprego qualificado e o crescimento de setores como a construção civil. Por outro, contribui para a expulsão de pequenos produtores que não têm acesso à propriedade da terra, a degradação ambiental e a segregação espacial de trabalhadores desqualificados e sem capacidade de inserção na nova lógica de produção agrícola. Indicam também que, como os migrantes sulistas passaram a controlar parte significativa dos recursos econômicos disponíveis no lugar, acabaram por se impor como referência do morador que interessa a esse tipo de município: o produtor com recursos para investir na agricultura comercial, o empreendedor em condições de diversificar a economia local, o profissional de alta capacitação técnica capaz de dar respostas às crescentes exigências do mercado global de commodities agropecuárias. Isso, segundo tais autores, originou um processo de segregação sócio-espacial dos migrantes com perfil oposto ao dos sulistas, sem recursos e qualificação para atender às demandas da agricultura modernizada, normalmente oriundos da própria região, que chegam às cidades do agronegócio em busca de oportunidades de trabalho (PIRES, 2000; ALVES, 2005 e 2005a; CHRISTOFOLLI, 2006; ELIAS, 2006 e 2006b). Indicadores mais amplos sobre as regiões nas quais se encontra a fronteira agrícola sugerem que os ganhos econômicos advindos do incremento das atividades associadas ao campo não foram acompanhados, por exemplo, da esperada desconcentração de renda. Tomese como referência o caso do Centro-Oeste, epicentro da recente difusão espacial do agronegócio aqui abordada. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007, naquele ano, foi lá que o rendimento médio mensal real das pessoas em idade ativa (10 anos ou mais de idade) atingiu seu ponto máximo, ficando em R$ 760, ante R$ 759 no Sul, R$ 749 no Sudeste e R$ 634 na média nacional (Tabela 1). Porém, a despeito desse bom desempenho, a região figurou como a mais desigual do Brasil quando analisado o índice de Gini da distribuição desse rendimento (Tabela 2). Em 2007, tal índice foi equivalente a 0,564 no Centro-Oeste, para uma média nacional de 0,534. Entre 1997 e 2007 – com exceção de 2000, ano sobre o qual não há dados disponíveis – o índice de Gini da região só não se mostrou o mais elevado do País em 2003 e 2004, quando foi superado pelo do Nordeste (Tabela 2). Tabela 1 –Rendimento médio mensal real das pessoas de 10 anos ou mais de idade, por Grandes Regiões – 1997/2007 Ano 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Rendimento médio mensal real das pessoas de 10 anos ou mais de idade (RS) (1) Grandes Regiões Brasil (2) Norte urbano Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Total 588 472 318 742 650 646 591 459 331 736 657 655 556 433 314 685 636 605 566 441 315 699 649 625 566 439 322 696 641 650 526 391 297 642 630 586 542 429 316 645 657 627 574 450 331 693 681 654 621 483 374 747 727 698 634 497 381 749 759 760 5 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, pesquisa nacional por Amostra de Domicílios 1997/2007. Nota: Exclusive as informações de pessoas sem declaração de rendimento. (1) Valores inflacionados pelo INPC com base em setembro de 2007. (2) Exclusive o rendimento das pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Pará e Amapá. Tabela 2 – Índice de Gini da distribuição do rendimento mensal das pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento, por Grandes Regiões – 1997/2007 Rendimento médio mensal real das pessoas de 10 anos ou mais de idade (RS) (1) Grandes Regiões Ano Brasil Norte urbana Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste (2) Total 1997 0, 588 0, 574 0, 589 0, 566 0, 556 0, 606 1998 0, 584 0, 569 0, 581 0, 561 0, 558 0, 600 1999 0, 576 0, 553 0, 575 0, 551 0, 559 0, 591 2001 0, 572 0, 543 0, 566 0, 554 0, 543 0, 585 2002 0, 573 0, 551 0, 576 0, 552 0, 536 0, 591 2003 0, 566 0, 534 0, 570 0, 543 0, 535 0, 568 2004 0, 559 0, 527 0, 571 0, 533 0, 530 0, 570 2005 0, 552 0, 517 0, 551 0, 534 0, 519 0, 564 2006 0, 548 0, 516 0, 556 0, 529 0, 510 0, 558 2007 0, 534 0, 510 0, 540 0, 510 0, 505 0, 564 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, pesquisa nacional por Amostra de Domicílios 1997/2007. (1) Exclusive as informações das pessoas sem declaração de rendimento. (2) Exclusive o rendimento das pessoas da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Pará e Amapá. Algumas conclusões mais genéricas, voltadas para o País como um todo, e não apenas para a fronteira agrícola, caminham na mesma direção. Girardi (2008), por exemplo, ao analisar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios brasileiros em 2000, informa que “as piores condições de vida estão principalmente no campo, com exceção da região de campesinato de Santa Catarina e do Rio grande do Sul”. A análise é estendida pelo autor às regiões Norte e Nordeste do País quando considerados os indicadores sociais referentes à segurança alimentar. Trata-se, contudo, de dados relativos a grandes regiões que, acredita-se, análises comparativas como as propostas neste trabalho podem ajudar a enriquecer. 3 – Metodologia A seleção das cidades do agronegócio da região de fronteira agrícola adotou como ponto de partida o ranking dos 100 maiores municípios brasileiros em relação ao valor adicionado da agropecuária, tendo-se como referência o ano de 2006, constante da pesquisa Contas Nacionais 2003/2006, elaborada pelo IBGE (2007). Desta listagem foram selecionados 5 municípios, obedecendo-se aos critérios de melhor posicionamento no ranking e localização na região de fronteira agrícola. Assim, foram excluídos da lista todos os municípios situados fora do Centro-Oeste, Norte e Nordeste e, dentro dessas regiões, aqueles localizados em áreas de ocupação mais antiga e já consolidada, não consideradas de fronteira agrícola, como é o caso de Campo Verde, 2º colocado no ranking e integrante da mesorregião do Sudeste Matogrossensev. O município de Sapezal, 6º colocado no ranking do valor adicionado na agropecuária, também foi excluído da seleção por não contar com séries históricas de diversos indicadores nos bancos de dados consultados. 6 Chegou-se, assim, às seguintes cidades do agronegócio: São Desidério e Barreiras, na Bahia; Sorriso, Campo Novo do Parecis e Diamantino, no Mato Grosso (Tabela 3). Observase em todas elas uma significativa preponderância do valor adicionado da agropecuária em relação ao valor adicionado da indústria. É plausível supor, portanto, que os resultados no geral bastante significativos quanto ao valor adicionado nos serviços esteja profundamente associado às atividades agropecuárias. Para o estudo comparativo proposto foram escolhidos cinco municípios-espelho, um para cada cidade do agronegócio. Procurou-se selecionar municípios com Produto Interno Bruto (PIB) de valor aproximado ao da cidade do agronegócio equivalente e que tivessem um valor adicionado na agropecuária pouco expressivo em relação aos valores adicionado na indústria e nos serviços. No caso do Mato Grosso, porém, o município com PIB mais próximo do de Sorriso apresentava também um elevado valor adicionado na agropecuária, o que poderia comprometer a comparação. Optou-se, assim, por tomar Várzea Grande como espelho do município, embora o PIB da segunda cidade seja significativamente maior. Ao final, chegou-se aos seguintes municípios-espelho: Catu e Eunápolis, na Bahia; e Alto Araguaia, Várzea Grande e Alto do Garças, no Mato Grosso (Tabela 4). Tabela 3 – Municípios selecionados na região de fronteira agrícola Município/ Unidade da Federação Mesorregião São Desidério/BA Sorriso/MT Posição no ranking dos 100 maiores municípios em valor adicionado da agropecuária – (2006) (1) 3º PIB a Preços de Mercado Corrente – (2006) Mil Reais (2) Valor Adicionado na Agropecuária (2006) (2) Extremo Oeste 580.056 404.780 Baiano Norte Mato8º 1.016.682 284.560 grossense Barreiras/BA Extremo Oeste 9º 1.186.988 274.157 Baiano Campo Novo Norte Mato10º 995.089 269.783 do Parecis grossense Diamantino Norte Mato12º 516.184 240.268 grossense Fonte: (1) Contas Nacionais 2003/2006 (2) IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais. Valor Adicionado Na Indústria (2006) (2) Valor Adicionado nos Serviços (2006) (2) 20.107 129.455 135.036 469.322 146.980 645.697 87.505 477.451 28.121 207.445 Tabela 4 – Municípios-espelho selecionados Município/ Unidade da Federação Catu/BA Alto Araguaia/MT Mesorregião Metropolitana de Salvador Sudeste Matogrossense PIB a Preços de Mercado Corrente – (2006) Mil Reais (1) 617.514 701.091 Valor Adicionado Agropecuária (2006) (1) Valor Adicionado Na Indústria (2006) (1) Valor Adicionado nos Serviços (2006) (1) Cidade do Agroneg. equivalente 7.690 413.295 173.264 84.310 223.588 288.838 São Desidério Campo Novo do Parecis 7 Várzea Grande/MT Centro-Sul 2.121.659 30.587 410.551 Matogrossense Eunapólis/BA Sul Baiano 913.641 45.721 355.771 Barra do Nordeste 562.020 45.887 131.661 Garças/MT Matogrossense Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais. 1.372.330 Sorriso 396.755 321.872 Barreiras Diamantino A coleta dos indicadores foi realizada nos bancos de dados do IPEADATA, disponível em http://www.ipeadata.gov.br; no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, disponível em http://www.pnud.org.br; e no SIDRA, IBGE Cidades@ e IBGE Estado@, disponíveis em www.ibge.gov.br. Diante da limitação de indicadores municipais, optou-se por trabalhar com aqueles tradicionalmente utilizados em pesquisas socioeconômicas: População, Produto Interno Bruto (PIB), Produto Interno Bruto per capita e IDH. 4. Análise dos Indicadores Crescimento demográfico Entre 1970 e 1980, quando se iniciaram os movimentos migratórios mais expressivos para a fronteira agrícola, duas das 3 cidades do agronegócio sobre as quais há dados disponíveis – Barreiras e Diamantino – apresentaram um impressionante crescimento populacional, de 98,7% e 178,6% respectivamente. O salto foi muito mais expressivo do que aquele verificado em âmbito nacional, de 27,8%. Ressalte-se que, no período, a população da Bahia cresceu em conformidade com a média nacional, elevando-se em 26,2%, enquanto a do Mato Grosso aumentou em 90,2%. Ou seja, tanto em Barreiras como em Diamantino, entre 1970 e 1980, o crescimento demográfico foi muito maior que o verificado no Brasil como um todo ou nos respectivos estados de cada um dos municípios. A tendência, contudo, não foi acompanhada por são Desidério, cuja população apresentou no período variação positiva de 16,7%, salto inferior ao observado em todas as cidades-espelho sobre as quais há dados disponíveis: 34,2% em Catu; 48,8% em Alto Araguaia; 64,1% em Barra do Garças e impressionantes 324,7% em Várzea Grande, o município com desempenho mais expressivo dentre todos os selecionados (Tabela 7). Tabela 5 – População Residente Total– 1970 a 2000 e 2006 Municípios BA-Barreiras BA-São Desidério MT-Campo Novo do Parecis MTDiamantino MT-Sorriso Municípios BA-Catu BA-Eunápolis MT-Alto 1970 (1) 20.864 1980 (1) 41.454 1991 (1) 92.640 1996 (1) 113.695 2000 (1) 131.849 12.790 14.926 18.977 18.693 19.006 6.311 16.949 17.638 16.620 15.387 18.580 16.107 1991 43.430 70.545 10.770 26.711 1996 47.250 85.982 11.030 35.605 2000 46.731 84.120 11.410 2007 (2) 129.501 25.158 22.322 5.076 14.144 1970 27.893 1980 37.429 7.547 11.230 18.428 55.134 2006 48.697 93.984 13.790 8 Araguaia MT-Barra do Garças MT-Várzea Grande 26.570 43.601 45.651 47.133 52.092 18.053 76.678 161.958 193.401 215.298 Estado/Região 1970 (3) 1980 (3) 1991 (3) BR-Brasil 93.134.846 119.011.052 146.825.475 BA-Bahia 7.493.437 9.455.392 11.867.991 MT-Mato 598.849 1.138.918 2.027.231 Grosso NE-Região 28.111.551 34.815.439 42.497.540 Nordeste CO-Região 4.551.391 6.806.720 9.427.601 Centro-oeste Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 1996 (3) 157.070.163 12.541.675 2000 (3) 169.799.170 13.070.250 2.235.832 2.504.353 44.766.851 47.741.711 10.500.579 11.636.728 53.243 230.307 2006 (3) 183.987.291 14.080.654 2.854.642 51.534.406 13.222.854 No período seguinte (1980 –1991), a tendência de crescimento populacional voltou a ser bastante expressiva em Barreiras, onde o número de habitantes subiu 123,5%; ganhou fôlego em São Desidério (27,1%) e atingiu patamares menos significativos em Diamantino (17,5%). O ritmo de expansão demográfica também foi desacelerado nas cidades-espelho, cujo desempenho ficou abaixo da média nacional (23,4%), à exceção de Várzea Grande, que novamente voltou a apresentar um impressionante salto em sua população residente: 111,2%. É importante ressaltar que neste período, embora tenha se reduzido em relação ao intervalo anterior, a expansão demográfica do Mato Grosso manteve-se muito à frente da média nacional, atingindo a marca de 90,2%. Os dados sugerem, assim, um crescimento demográfico mais generalizado no estado, provavelmente concentrado em pólos urbanos regionais mais dinâmicos, tanto ligados ao agronegócio quanto ao setor industrial e de serviços. Nos períodos seguintes, quando o ritmo de expansão demográfica apresentou tendência de desaceleração em âmbito nacional e mesmo nos estados (Bahia e Mato Grosso) e regiões (Nordeste e Centro-Oeste) pesquisados, chama a atenção o comportamento da dinâmica demográfica em Sorriso, onde a população residente cresceu 65,8% entre 1991 e 1996 e, depois, 33,3% entre 1996 e 2000 e 54,8% entre 200 e 2007. A tendência de crescimento também se manteve firme em Campo Novo do Parecis, com saltos de 168,6% entre 1991 e 1996; de 4,1% entre 1996 e 2000 e de 26,5% entre 200 e 2007. Barreiras parece ter continuado a se apresentar como grande pólo de atração populacional até o final da década de 1990, apresentando saltos demográficos de 22,73% entre 1991 e 1996 e de 15,97% entre 1996 e 2000. Entre 2000 e 2007, porém, sua população residente encolheu 1,8%. Este resultado, a exemplo do verificado em Diamantino (-0,8%), contraria a tendência observada nas outras três cidades do agronegócio, dado que, neste último período, a população cresceu 32,4% em São Desidério e, conforme observado anteriormente, 26,5% em Campo Novo do parecis e 54,8% em Sorriso. Nas cidades-espelho, nos períodos analisados, o destaque continuou a ser Várzea Grande que, embora em ritmo menos acentuado do que o verificado em Sorriso e Campo Novo do Parecis, viu sua população aumentar 19,4% entre 1991 e 1996; 11,32% entre 199e e 2000 e 7% entre 200 e 2007. Quando considerado o período mais amplo de 1991 a 2007, para o qual há dados disponíveis em todos os municípios, o que se observa são comportamento destoantes em duas cidades do agronegócio, Campo Novo do Parecis e Sorriso, onde a população cresceu 256,7% e 242,3% no período, respectivamente. Trata-se de saltos muito expressivo quando comparados à média nacional (25,3%) e aos resultados do Mato Grosso (25,6%) e região Centro-Oeste (40,2%). Na outra cidade do agronegócio mato-grossense, Diamantino, o salto foi de apenas 10,9%. Já nos municípios de Barreiras e São Desidério, o crescimento 9 populacional no período, de 39,8% e 32,6%, respectivamente, também esteve acima da média nacional e dos desempenhos registrados na Bahia (18,6%) e região Nordeste (21,3%), embora os números não sejam impressionantes como os de Campo Novo do Parecis e Sorriso. Na verdade, nestes casos (Barreiras e São Desidério), o comportamento parece mais próximo daquele verificado nas cidades-espelho. Entre 1991 e 2007, Várzea Grande e Eunapólis viram suas populações aumentarem 42,2% e 33,2%, respectivamente, resultados também superiores às médias nacional, estadual e regional. No caso de Alto Araguaia, o crescimento de 28% ficou acima da média nacional e do desempenho do Mato Grosso, porém aquém do verificado na região Centro-Oeste como um todo. Catu e Barra do Garças, por seu turno, tiveram aumento de 12,2% e 16,6% no período considerado, respectivamente, resultados aquém das médias nacional, estadual e regional (Tabela 7). Produto Interno Bruto A análise do comportamento do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios selecionados entre 2002 e 2006 não sugere um comportamento vigoroso para a economia das cidades do agronegócio da fronteira agrícola neste período. Considerando-se as duas pontas (2002 e 2006), os resultados só foram realmente expressivos em Campo Novo do Parecis, onde o PIB cresceu 30,26%, expansão bem acima da média nacional (14,6%) e das médias do Mato Grosso (20,5%) e da região Centro-Oeste (13,8%). Em Barreiras e São Desidério, o PIB cresceu, respectivamente, apenas 11,2% e 13,6% no intervalo analisado, desempenho próximo ao da Bahia como um todo (13,8%) e aquém do verificado no Nordeste (16,1%). Em Diamantino e Sorriso, o PIB teve retração de 4,6% e 11,7% no período analisado (Tabela 6). Tabela 6 – Produto Interno Bruto (PIB) a Preços Constantes – 2002 a 2006 (R$ mil) Municípios 2002 2003 2004 BA-Barreiras 633.580,91 712.288,23 828.539,97 BA-São 302.918,85 405.838,58 640.708,27 Desidério MT-Campo 453.477,81 498.948,60 658.265,75 Novo do Parecis MT321.339,31 351.473,20 469.895,62 Diamantino MT-Sorriso 683.323,95 809.364,73 1.113.395,08 Municípios 2002 2003 2004 BA-Catu 290.330,55 307.197,64 403.161,82 BA-Eunápolis 295.275,98 303.767,60 451.253,65 MT-Alto 155.904,35 361.117,59 475.927,58 Araguaia MT-Barra do 282.692,15 306.524,11 330.541,51 Garças MT-Várzea 922.607,53 1.096.665,77 1.236.214,73 Grande Estado/Região 2002 2003 2004 BR-Brasil 1.226.733.235,14 1.240.799.172,19 1.311.677.726,68 BA-Bahia 50.363.425,04 49.740.734,70 53.428.687,15 MT-Mato 17.383.080,39 20.356.052,06 24.970.962,13 Grosso NE-Região 159.039.332,01 158.416.555,75 166.902.103,73 Nordeste CO-Região 107.620.710,69 111.751.001,18 119.453.882,22 Centro-este Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais 2005 779.033,81 2006 704.667,93 502.703,04 344.356,51 663.726,38 590.745,09 476.905,92 306.438,24 701.519,82 2005 343.910,89 453.361,64 603.563,66 2006 366.593,61 542.392,66 436.424,50 416.209,90 335.777,18 333.649,34 1.272.306,42 1.259.545,00 2005 1.353.122.396,20 57.294.493,56 2006 1.406.854.513,60 57.323.218,30 23.609.850,35 20.946.995,11 176.790.634,43 184.732.279,36 119.844.050,86 122.508.282,14 10 Também considerando as duas pontas do intervalo, as cidades-espelho selecionadas colheram resultados econômicos bem mais robustos no período. Entre 2002 e 2006, o crescimento do PIB foi de 167% no Alto Araguaia, 83,7% em Eunapólis, 36,52% em Várzea Grande, 23,6% em Catu e 18% em Barra do Garça. Ou seja, todos tiveram desempenhos acima das médias nacional, regional e estadual, com uma pequena exceção para Barra do Garça, cujo PIB evoluiu abaixo da média registrada pelo Mato Grosso. É importante observar que os municípios-espelho contam com forte atividade econômica nos setores secundário e terciário, conforme indicado pelo seu valor adicionado na indústria e nos serviços em 2006, tendendo a apresentar alguma diversificação econômica. Assim, é bastante provável que o comportamento desfavorável do PIB das cidades do agronegócio reflita quedas de preços nos mercados internacionais de commodities agrícolas, dado que a região onde se encontram tais municípios é altamente concentrada em produtos como a soja e o algodão. Ou seja, suas economias mostram-se particularmente sensíveis ao comportamento dos preços internacionais de uma gama restrita de produtos. Quando verificadas separadamente as variações anuais, observam-se desempenhos expressivos da economia das cidades do agronegócio em determinados períodos. De 2003 para 2004, por exemplo, quando o PIB da Bahia cresceu 7,4%, o de São Desidério deu um salto de 57,9%. No mesmo intervalo, o PIB aumentou 37,56% em Sorriso, 33,7% em Diamantino e 31,9% em Campo Novo do Parecis, variações bem superiores às médias do Mato Grosso (22,6%) e da região Centro-Oeste (6,9%). Porém, mais uma vez, não se identifica nesses municípios um comportamento mais expressivo que o registrado nas cidades-espelho. Na mesma comparação, três delas, Eunapólis, Alto Araguaia e Catu, também viram seu PIB aumentar expressivos 48,5%; 31,8% e 31,2%, respectivamente. Nesses municípios, há crescimentos bastante atípicos do PIB em alguns anos, como o salto de 131,6% registrado em Catu de 2002 para 2003 (Tabela 6). Tabela 7 – Produto Interno Bruto (PIB) per capita – 2006 (R$) Município BA-Barreiras 8.599 BA – São Desidério 30.486 MT – Campo Novo do Parecis 37.463 MT – Diamantino 25.197 MT – Sorriso 20.087 Município BA – Catu 12.561 BA – Eunápolis 9.707 MT – Alto Araguaia 58.999 MT – Barra do Garças 9.886 MT – Várzea Grande 8.329 Estado/Região BR – Brasil 16.688 BA – Bahia 6.922 MT – Mato Grosso 12.350 NE – Região Nordeste 6.029 CO – Região Centro-Oeste 15.551 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais PIB per capita PIB per capita PIB per capita Quando se analisa o PIB per capita (Tabela 7) observa-se um quadro mais favorável às cidades do agronegócio, consideradas em seu conjunto. Em 2006, quando o PIB per capita chegou a R$ 15.551 no Centro-Oeste e R$ 6.029 no Nordeste, o indicador atingiu a marca de R$ 37.463 em Campo Novo do Parecis; R$ 30.486 em São Desidério; R$ 25.197 em 11 Diamantino e R$ 20.087 em Sorriso. Nas cidades–espelho, à exceção de Alto Araguaia, onde o PIB per capita bateu em R$ 58.999 em 2006, os resultados mostraram-se próximos ou aquém das médias regionais, com o indicador chegando a R$ 12.561 em Catu; R$ 9.886 em Barra do Garças; R$ 9.707 em Eunápolis e R$ 8.329 em Várzea Grande. Desenvolvimento Humano Em 1991, apenas uma das cidades do agronegócio analisadas, São Desidério, apresentava IDH municipal (IDHM) baixo, ou seja, inferior a 0,499, situação revertida em 2000. No período, o IDH da cidade subiu de 0,489 para 0,61 e, dentre as cidades do agronegócio analisadas, essa melhoria só foi inferior à registrada em Barreiras, onde o indicador saltou de 0,628 para 0,723 no período. É importante ressaltar, também, que em 2000 duas dessas cidades chegaram a um IDH classificado como alto (superior a 0,8): Sorriso (0,824) e Campo Novo do Parecis (0,809). Dentre as cidades-espelho, todas mantiveram o seu IDH no nível médio (entre 0,500 e 0,799) mas, quando se considera a evolução do indicador, observa-se que esta se processa de forma bastante semelhante à registrada nas cidades do agronegócio (Tabela 8). Tabela 8 – Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – 1991 e 2000 Município Barreiras (BA) São Desidério (BA) Campo Novo do Parecis (MT) Diamantino (MT) Sorriso (MT) Município Catu (BA) Eunápolis (BA) Alto Araguaia (MT) Barra do Garças (MT) Várzea Grande (MT) Estado IDHMRenda, 2000 IDHMLongevi -dade, 1991 IDHMLongevidade, 2000 IDHM, 1991 IDHM, 2000 IDHMRenda, 1991 0,628 0,723 0,627 0,68 0,593 0,645 0,664 0,845 0,489 0,61 0,472 0,509 0,593 0,655 0,401 0,665 0,728 0,809 0,709 0,815 0,708 0,745 0,766 0,866 0,736 0,788 0,722 0,72 0,708 0,769 0,777 0,876 0,742 0,824 0,717 0,797 0,869 IDHM, 2000 IDHMRenda, 1991 IDHMEducação, 1991 0,622 0,716 0,546 0,598 0,805 IDHMLongevidade, 2000 0,679 0,797 IDHM, 1991 0,712 IDHMLongevi -dade, 1991 0,603 0,717 0,87 0,607 0,704 0,572 0,654 0,627 0,662 0,623 0,796 0,674 0,786 0,641 0,683 0,667 0,813 0,715 0,861 0,72 0,791 0,668 0,719 0,672 0,738 0,82 0,915 0,703 IDHM, 0,79 IDHM, 0,632 IDHM- 0,693 IDHM- 0,673 IDHM- 0,773 IDHM- 0,803 IDHM- 0,903 IDHM- IDHMRenda, 2000 IDHMEducação, 1991 IDHMEduca-ção, 2000 IDHMEduca-ção, 2000 12 1991 2000 Renda, 1991 Renda, 2000 Brasil 0,696 0,766 0,681 0,723 Bahia 0,59 0,688 0,572 0,62 Mato Grosso 0,685 0,773 0,661 0,718 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil Longevi dade, 1991 0,662 0,582 Longevida de, 2000 Educação, 1991 Educação, 2000 0,727 0,659 0,745 0,615 0,849 0,785 0,654 0,74 0,741 0,86 Em todos os municípios do agronegócio, a educação contribui de forma bastante positiva para a sustentação do IDH local, a exemplo do que também se verifica nas cidadesespelho, à exceção de Alto Araguaia. No primeiro grupo, o IDHM Renda de 2000 só supera o IDHM geral em Campo Novo do Parecis, situação que, para o IDHM Longevidade, só se verifica em São Desidério. Já nas cidades-espelho, à exceção da Educação, um IDHM setorial – neste caso o de Longevidade – só é mais elevado que o IDHM geral em Alto Araguaia. Na comparação entre 2000 e 1991, destacam-se melhorias expressivas do IDHM Educação em praticamente todos os municípios selecionados. Já o IDHM Renda teve salto significativo apenas em Campo Novo do Parecis, enquanto o IDHM Longevidade melhorou mais em Alto Araguaia e Várzea Grande. Conclusões A análise de indicadores aqui realizada não forneceu sinalizações contundentes de que o agronegócio tenha, de fato, um efeito mais modernizador sobre a região de fronteira agrícola do que as outras atividades econômicas que lá também se instalaram, distribuídas pelos setores secundário e terciário. Não realidade, em todos os aspectos considerados –– População Total, PIB, PIB per capita e IDHM – não se observou um comportamento homogêneo nos municípios pesquisados. Isso sugere que os efeitos do agronegócio sobre as condições socioeconômicas das cidades da região encontram-se condicionados às variáveis locais, situação que caberia analisar em futuros estudos: por que as atividades associadas a essa cadeia têm efeitos mais positivos em uma cidade do que em outra? O que leva o agronegócio a funcionar como efetivo instrumento de desenvolvimento local? A falta de homogeneidade no comportamento dos indicadores deixa clara a limitação desse tipo de análise, sem uma incursão empírica nas regiões estudadas, dado que muitas das sinalizações encontradas muitas vezes só podem ser compreendidas a partir de levantamentos qualitativos e de avaliações mais específicas. É importante ressaltar, contudo, que a proposta deste trabalho foi de uma análise exploratória dos efeitos do agronegócio sobre a região de fronteira agrícola, a qual abriria espaço para futuras investigações. Do ponto de vista do crescimento demográfico, os indícios são de que o agronegócio teve significativo impacto no aumento da população local a partir da década de 1970, quando se iniciou a migração mais efetiva para a região. Esse ritmo, porém, vem se reduzindo desde o final dos anos de 1990, embora centros urbanos como Sorriso, Campo Novo do Parecis e Barreiras pareçam continuar a funcionar como pólos de atração demográfica, a despeito de pequenas reversões pontuais dessa tendência. No caso das cidades-espelho, parte da expansão demográfica expressiva verificada na análise dos indicadores pode encontrar-se ligada às oportunidades econômicas criadas pelo agronegócio, dado que nem todos os serviços de apoio ao setor ou de processamento industrial da sua produção localizam-se exatamente ao lado da produção agropecuária. Várzea Grande, por exemplo, beneficia-se da sua localização muito próxima a Cuiabá, capital do Mato Grosso, pois recebe muitos dos investimentos naturalmente direcionados para regiões metropolitanas, em função da diversidade da infraestrutura de serviços disponível nesses locais. 13 O PIB das cidades do agronegócio também não teve comportamento superior ao PIB das cidades-espelho no período analisado, resultado que, conformo observado anteriormente, deve refletir quedas nos preços internacionais de commodities agrícolas. Porém, ao se analisar o PIB per capita dos municípios selecionados em 2006, verifica-se um quadro positivo para as cidades do agronegócio. Ou seja, a chegada a essas cidades de uma série de atividades direta ou indiretamente ligadas à agropecuária parece ter permitido que municípios menores em termos expressivos ascendessem à condição de pólos econômicos regionais, rivalizando com municípios de maior porte dedicados à indústria e/ou aos serviços. A análise do IDHM Municipal também não sugeriu diferenças marcantes no comportamento das variáveis que compõem o indicador quando as cidades do agronegócio são comparadas às cidades-espelho. Em ambos os grupos, os municípios tendem a se situar na faixa de IDHM médio, verificando-se, de forma generalizada, um grande peso da Educação na sustentação positiva do indicador. Referências Bibliográficas ALVES, Vicente Eudes Lemos. 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Disponível em http://portalexame.abril.uol.com.br/revista/exame/edicoes/0849/economia/m0080017.html, acesso em 12/03/2007. v Marion et all (2005) excluem da área de fronteira agrícola todo o Sudeste do Mato Grosso. Mueller e Marta Jr. fazem o mesmo em relação ao Sudoeste deste estado. 15