CRESCIMENTO ECONÔMICO E AGRONEGÓCIO Gilmar Mendes Lourenço Na década de 1970, o ex‐Ministro da Fazenda e do Planejamento dos governos militares, o professor Mário Henrique Simonsen, destacava que a inflação e a dívida externa eram os principais obstáculos ao crescimento econômico brasileiro. Nos anos 1990, o ex‐presidente Fernando Henrique Cardoso costumava sublinhar que à sua geração coube o restabelecimento da Democracia no País. Neste princípio de milênio, não poucos integrantes do time dos cinquentões, defendem que a sua principal conquista foi a restauração da estabilidade da moeda e a minimização da restrição externa. Em sendo essa argumentação verdadeira, não seria absurdo assinalar que, a despeito das sucessivas incongruências e improvisações cometidas por diferentes governos, especialmente na orientação macroeconômica, que tem servido, na maioria das vezes, mais para atrapalhar e menos para coordenar, induzir e auxiliar as ações dos agentes sociais, a economia do Brasil está irremediavelmente condenada a crescer. Para tanto, basta apressar a feitura da lição de casa, já concretizada pelos países protagonistas do ciclo virtuoso mundial – que inclui melhoria do ambiente de negócios, promoção das reformas microeconômicas (tributária, fiscal, previdenciária, administrativa, trabalhista etc.) e elevação da taxa de investimento, sobretudo em infraestrutura –, e crucial à maximização da renda interna do País em patamares suficientes para minimizar a dependência de poupança externa e assegurar a continuidade das iniciativas públicas e privadas voltadas à drástica diminuição da desigualdade social e regional. No interior da caixa de ferramentas disponível para a edificação deste complexo e abrangente empreendimento de desenvolvimento sustentado, pode ser facilmente identificado o potencial dinâmico do agronegócio atuante no Brasil. De fato, pelo menos nos próximos quatro decênios, o panorama planetário deverá ser marcado pelo aprofundamento da diversificação dos mercados de destino das vendas externas dos diferentes países, com a ampliação da envergadura produtiva, comercial e financeira dos integrantes dos continentes asiático, africano e do Oriente Médio. Mais que isso, deve ocorrer a radicalização da combinação entre o salto no volume, na renda e no grau de urbanização daquelas populações e, consequentemente, a impulsão da demanda por alimentos, ao lado da menor velocidade de expansão da produção agrícola, sendo 1,7% ao ano, nos próximos 20 anos, contra 2,0% a.a., nas décadas anteriores, segundo levantamentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Igualmente esperadas são as drásticas alterações nos hábitos de consumo de produtos essenciais da população mundial, com a troca de fontes de proteína vegetal por aquelas de origem animal, particularmente carnes e derivados lácteos, o que multiplicará os ganhos de mercado das nações produtoras de alimentos e a apreciação das commodities primárias. Convém mencionar que, no caso chinês, há a forte influência do inevitável deslocamento das prioridades de inversões em infraestrutura para os estímulos ao consumo das famílias, em um ambiente de encurtamento estrutural das exportações para o continente europeu e de insuficiência de superfícies de terras adequadas à exploração agrícola e de crônica escassez de água. Parece oportuno recordar que a reprodução dessa trajetória positiva vem assumindo contornos mais nítidos no Brasil desde a década de 1980, em virtude da combinação de componentes favoráveis ligados ao clima, à abundância de água e à disponibilidade de terras agricultáveis. O País utiliza 34,0% da sua superfície de terras com a agropecuária, podendo chegar a 43,0%. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 5, n. 6, agosto 2012 | 1
Assim, o rural brasileiro passou a ser alvo da introdução de técnicas de plantio e de manejo adequadas às distintas condições climáticas, como a safrinha de milho no inverno, que tende a ultrapassar, em volume, a colheita de verão; a soja transgênica, que diminui a utilização de fungicidas e herbicidas; e a modalidade de plantio direto, que reduz a erosão dos solos e o emprego de inseticidas. Houve ainda o rearranjo espacial do processo de industrialização do campo, aprofundado com o esgotamento das terras aptas, a diversificação, a profissionalização e a maior integração com o mercado pelos produtores e a proliferação da modalidade de cooperativismo, na região Sul, e o alargamento da fronteira de expansão na direção conhecida como Centro‐Oeste Ampliado, capitaneada pelos estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Piauí e Maranhão. Como exemplo acabado do extravasamento geográfico do agro, tem‐se o funcionamento do maior complexo integrado de fabricação de rações e industrialização de carnes do grupo Perdigão na América Latina, instalado no município de Rio Verde, no estado de Goiás, desde fins dos anos 1990. Esse movimento reflete, essencialmente, a perseguição, por parte dos capitais agrários e agroindustriais, de pronunciadas economias de escala, em regime de gestão tipicamente empresarial e de utilização de vastas extensões de terras, e do barateamento das despesas de escoamento, com os benefícios logísticos decorrentes do emprego conjugado das alternativas rodoviária, de cabotagem, ferroviária e portuária. Não por acaso, a maioria dos centros de porte médio detentores de elevados índices de desenvolvimento humano no País possuem flagrantes laços com aquele agronegócio assentado em modernas técnicas de produção e contemporâneos métodos de gestão, o que resulta em elevados níveis de eficiência no interior dos estabelecimentos rurais e das fábricas. O que atrapalha a capacidade competitiva setorial são as barreiras expressas no elevado custo Brasil, retratadas nas deficiências infraestruturais, na ausência de flexibilidade, ou mesmo de atualização e transparência, das legislações trabalhista, ambiental e de propriedade da terra, o que tem levado um número cada vez maior de produtores brasileiros a considerar a hipótese de aplicação dos excedentes (ou até a transferência de atividades) em outras paragens que desfrutam de vantagens competitivas nesses quesitos, especialmente na América do Norte, Leste da Europa e África. No fundo, a correção das anomalias descritas e o desfrute pleno das oportunidades de rápida e consistente transformação do Brasil, em autêntico player mundial do agronegócio, requerem a formulação e execução de um programa de média e longa maturação temporal, contemplando a participação das distintas cadeias produtivas nas escolhas estratégicas do País nos campos de segurança alimentar, matriz energética e preservação ambiental, em um contexto de ascensão exponencial da demanda por alimentos e de intensificação das limitações da dotação de recursos naturais. Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v. 5, n. 6, agosto 2012 | 2
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Crescimento Econômico e Agronegócio | Gilmar Mendes