Revista Eletrônica de Educação de Alagoas Volume 01. Nº 01. 1º Semestre de 2013 LETRAMENTO LITERÁRIO NA ESCOLA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES NA FORMAÇÃO DE LEITORES Antonieta Mírian de Oliveira Carneiro SILVA1 Maria Inez Matoso SILVEIRA2 Resumo: A leitura atende a diversas finalidades e, entre elas, o deleite, a fruição e a reflexão. Entretanto, ultimamente, nas práticas escolares da leitura, os gêneros literários têm servido apenas como pretexto para o ensino da língua ou são vistos como passatempo ou diversão. Nesse sentido, repensar e ressignificar as práticas de leitura literária deve implicar a promoção do letramento literário - uma discussão recente e que precisa ser disseminada na escola. Neste ensaio, são abordados, à luz de autores como Bordini & Aguiar (1993), Cândido (1995), Cosson (2007), Zilberman (1989) dentre outros, o conceito, a gênese e a função social da literatura, bem como o letramento literário e seus postulados. As autoras apresentam uma proposta fundamentada no método recepcional e fazem um convite à reflexão sobre os desafios e as possibilidades da formação de leitores na perspectiva do letramento literário. Palavras-chave: leitura; fruição; letramento literário; formação de leitores Introdução Na sociedade hodierna, em que as informações circulam rapidamente e quase sempre associadas à imagem e à oralidade, tratar da leitura para fruição parece ser assunto anacrônico e paradoxal. Ledo engano! Esta é uma discussão imprescindível, visto que o homem interage no mundo porque é capaz de lê-lo de diferentes formas, com fins e sentidos diversos. Dentre as funções sociais da leitura que a escola deve contemplar em seus projetos e propostas curriculares, está a função que diz respeito à fruição, ao deleite e à experiência estética da palavra. Há de se concordar com Silveira (2005, p.16) quando afirma que: A leitura escolar deve contemplar o aspecto formativo de educando, estimulando-lhe a sensibilidade estética, a emoção, o sentimento [...] o texto literário tem muito a contribuir para o aprimoramento pessoal, para o autoconhecimento, sem falar do constante desvelamento do mundo e da grande possibilidade que a leitura de determinada obra oferece para o 1 Mestranda em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAL. E-mail: [email protected] 2 Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFAL. E-mail: [email protected] 93 descortínio de novos horizontes para o homem, no sentido da formação e do refinamento da personalidade. Se somente a leitura para a fruição/literária, de características sensorial, linear, criativa, não basta para a formação do leitor proficiente, sem ela, dificilmente o sujeito apropriar-se-á de tal proficiência; por isso, na escola, urge repensar concepções e redimensionar práticas vigentes quando se trata desse tipo de leitura. No cotidiano da escola, mais especificamente no âmbito da sala de aula, os gêneros literários têm exercido, muitas vezes, o papel de pretexto para ensinar aspectos gramaticais da língua e como objetos de interpretações prontas e acabadas, e, quando não, são vistos como mero passatempo. Outro equívoco é associar a leitura literária ao mero prazer, como se prazer ou desprazer pela leitura não fosse uma produção social e cultural, pois ninguém nasce gostando ou não de ler; tendo prazer ou não pela leitura. “Os defensores do mero prazer, por vezes, são contraditórios, pois o único valor que atribuem à literatura é o reforço das habilidades linguísticas” (COSSON, 2007, p. 29). As pessoas não leem porque não gostam, mas pelas condições que subjazem à relação leitor/texto que são, muitas vezes, paralisantes e insignificantes. O leitor proficiente não nasce pronto; tal condição é consequência da atmosfera leitora reinante no seu contexto social, principalmente, no que diz respeito à escola e, essencialmente, à sala de aula. Há também os sujeitos para quem a literatura é objeto de luxo, sacralizado e distante do contexto sociocultural, e isso acaba por revelar a condição elitizada dada à literatura pela classe dominante. A exclusão literária parece ser algo natural, ou talvez, inexistente, por ser muito sutil nos discursos dominantes, mas é tão contundente nas políticas e nos programas de leitura e, sobretudo, nas práticas pedagógicas, que sua falta vai deixando um triste rastro. É um silêncio estratificado numa sociedade “não” leitora literária ou de leitores superficiais. Para muitos excluídos literariamente, a ausência da leitura literária em suas vidas dá-se não só por falta de referências culturais, mas, também, pela forma como a literatura lhe é retratada na escola, como um bem inacessível e distante da realidade. Nesse imbróglio, tornar o ensino e a aprendizagem da literatura uma prática significativa é urgente e necessário; para tanto, há que se repensar o seu conceito, o seu valor e a sua função social. Nessa direção estudos recentes apontam para o letramento literário – uma configuração especial de letramento – em que a literatura é compreendida de forma mais ampla. Na perspectiva do letramento literário, o foco não é somente a aquisição de habilidades de ler gêneros literários, mas o aprendizado da compreensão e da ressignificação desses textos, através da motivação de quem ensina e de quem aprende. A literatura precisa de 94 um processo de “escolarização”, mas não de forma descaracterizada e negada sua função social. Nesse sentido, o letramento literário é uma estratégia metodológica no direcionamento, fortalecimento e ampliação da educação literária oferecida aos alunos a fim de torná-los leitores proficientes, dentro e fora do contexto escolar; noutras palavras, é o uso social da literatura. Nessa discussão apresentam-se algumas questões pertinentes: qual o papel do professor na formação do leitor? O que está subjacente à falácia de que “os alunos não gostam de ler”? Qual tem sido a função da leitura literária na escola? Como uma proposta de letramento literário pode contribuir na formação de leitores? Estas questões terão seus desdobramentos no decorrer deste pequeno ensaio, com base em leituras e compilações bibliográficas, e enfocará conceito, gênese e função social da literatura, o letramento literário e seus postulados. A conclusão é um convite à reflexão sobre os desafios e as possibilidades da leitura literária na formação de leitores na perspectiva do letramento. Salientamos que as discussões aqui postas não esgotam a temática; ao contrário, instigam a outras leituras e pesquisas. 1. Literatura: gênese, conceito e função Desde que o mundo é mundo, as crianças crescem, e as pessoas envelhecem, havendo sempre a necessidade de todos os povos, em qualquer parte do mundo, de qualquer credo, de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Impossível e insuportável seria a vida sem as possibilidades de transcendência que a literatura proporciona. A literatura não faz o homem melhor e nem pior; mas o humaniza em sentido profundo, porque o faz viver com todas as contradições e vicissitudes que a vida oferece. Portanto, “negar a fruição da literatura é mutilar nossa humanidade” (CÂNDIDO, 1995, p. 235). Diante de tal lugar na vida do homem, uma definição de literatura não é nada simples, por se tratar de arte feita de palavras, e os sentidos que têm a palavra literária são tantos quantos são os sentidos e os silêncios da vida. Mesmo sendo uma das tantas definições que existem, a creditada a Cândido (1995) atende aos objetivos dessa discussão: Chamarei de literatura, de maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático, em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, até as formas mais complexas e difíceis de produção das grandes civilizações (CÂNDIDO, 1995, p. 242). 95 Ainda de acordo com Cândido (1995), a literatura como força humanizadora exerce três funções na expressão e formação do homem. A primeira é a função psicológica e está ligada à necessidade de ficção e fantasia do ser humano e à capacidade de se reelaborar o real através da ficção. A segunda função é a formativa e se dá através de inculcamentos não maniqueístas, como faz a própria vida. E, por fim, a terceira função que é a de conhecimento do mundo e do ser, pois a literatura é uma forma de representação de uma dada realidade social e humana. E nesse sentido, a humanização é possível porque Ao confirmar e negar, propor e denunciar, apoiar e combater, a literatura possibilita ao homem viver seus problemas de forma dialética, tornando-se um "bem incompressível”, pois confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente" (CÂNDIDO, 1995, p. 243). A prática da literatura consiste exatamente numa exploração das potencialidades da linguagem, da palavra e da escrita. Ela diz o que somos e nos incentiva a desejar e a expressar o mundo por nós mesmos, e isso se dá porque a literatura é uma experiência a ser realizada, pois uma leitura literária nunca será a mesma: o leitor sempre terá algo a ressignificar. No exercício da literatura, podemos ser outros, podemos viver como os outros, podemos romper os limites do tempo e do espaço de nossa experiência e, ainda sim, sermos nós mesmos. É por isso que interiorizamos com mais intensidade as “verdades” dadas pela poesia e pela ficção. Segundo Campos (2003, p.13), “conhecimento e prazer fundem-se no texto literário. No entanto, dentro do currículo escolar tornam-se dicotômicos. Desprovido da sua essência, o texto literário é transformado num empobrecido sistema moralizante primário”. Segundo a teoria estética da recepção, o texto literário tem função diversa da exercida pela linguagem verbal ao longo das rotinas cotidianas. A linguagem literária não se contenta em fotografar os objetos, mas busca revelar o mundo em suas relações. Ela adquire sua inteira dimensão quando o leitor lhe atribui sentido e a percebe enquanto objeto estético e não mais como mero artefato (CAMPOS, 2003, p. 18). Por ter a função maior de tornar o mundo compreensível, transformando sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas é que a literatura tem e precisa manter um lugar especial nas escolas (COSSON, 2007, p. 17). Nesse 96 sentido, a discussão e a promoção do letramento literário são oportunidades e, ao mesmo tempo, desafios no efetivo ensino e aprendizagem da literatura na perspectiva da humanização. 2. Letramento literário: conceito e abordagens No Brasil, já é praticamente consensual a definição de letramento defendida por Soares (2006) como “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita e a leitura”. O letramento literário seria visto, então, como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler texto em verso e prosa, mas dele se apropriar efetivamente por meio da experiência estética; saindo da condição de mero expectador para a de leitor literário. No campo das produções teóricas brasileiras sobre o tema, destacam-se as contribuições do professor e pesquisador Rildo Cosson (2007) que, além do aparato teórico, apresenta também estratégia metodológica a partir de práticas observadas em suas pesquisas. As discussões sobre o letramento literário nesse trabalho estão fundamentadas em seus estudos. O letramento literário precisa acompanhar, por um lado, as três etapas básicas do processo de leitura - antecipação, decifração do código e interpretação - e, por outro, o saber literário associado à função humanizadora da literatura. Segundo Cosson (op.cit), a linguagem literária compreende três tipos de aprendizagem. a) A aprendizagem da literatura, que se dá através da experiência estética do mundo por meio da palavra, e instiga os sentidos, os sentimentos e a intimidade, pois há uma relação tátil, visual, sensorial, emocional do leitor com o texto. b) A aprendizagem sobre a literatura, que envolve os conhecimentos de história, teoria e crítica; prevalência dos didatismos nos currículos escolares. c) A aprendizagem por meio da literatura, que está relacionada aos saberes e às habilidades proporcionadas aos usuários pela prática da leitura literária: ampliação do universo cultural do leitor através dos tantos temas humanos, sociais, políticos, ideológicos, filosóficos, dentre outros, que são tratados nos gêneros literários. Os itens “a” e “c” são imprescindíveis na formação do leitor literário; entretanto, são as oportunidades de aprendizagens mais negadas nas práticas docentes, pois há uma preocupação exacerbada com questões meramente teóricas e, com isso, a literatura tem sido a grande vítima dos desgostos e dos fastios literários dos alunos. 97 O prazer pela leitura literária passa pela interação significativa entre leitor e texto e esta, por sua vez, passa pelas condições de leitura oferecidas e pela imprescindível mediação do professor. A realidade da leitura literária nas escolas e nas práticas pedagógicas ainda aponta para muitos equívocos que travam o desenvolvimento do letramento literário dos alunos. Assim, vale perguntar: e o letramento literário do professor? Pensemos nisso. A seleção de textos literários pelas escolas e pelos professores podem não estar contribuindo significativamente para a ampliação do repertório de leitura dos alunos, pois existem alguns agravantes, tais como os ditames dos programas que determinam a seleção de textos de acordo com os fins educacionais: simples fluência da leitura nas séries iniciais; ratificação de determinados valores, incluindo a cultura nacional, no ensino médio. Consideremos também as condições limitadas e precárias oferecidas para a leitura literária nas escolas, que vão desde a escassez de acervo até a ausência de bibliotecas ou mesmo de salas de leitura. Mas, talvez, o que seja mais determinante é o cabedal de leituras literárias do professor. Como será a seleção de livros e de leituras numa proposta que visa o letramento literário? O letramento literário trabalhará sempre com o atual, seja ele contemporâneo ou não. É essa atualidade que gera a facilidade e o interesse de leitura dos alunos. Para a efetivação do letramento literário, é necessário que o professor selecione os gêneros a partir de alguns critérios, como: a) não desprezar a cânone, pois é nele que encontrará a herança cultural; também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos textos, mas sim em sua atualidade; b) do mesmo modo, precisa aplicar o princípio da diversidade, aqui entendido para além da simples diferença entre os textos que têm lugar na escola, o conhecido e o desconhecido, o simples e o complexo, o novo e o velho, o trivial e o estético, e toda miríade de textos que faz da leitura literária uma atividade de prazer e de conhecimentos singulares. 3. O letramento literário e seus postulados Para a promoção do letramento literário, é necessário ir além da simples leitura do texto literário e superar sofismas sobre leitura e literatura que ainda pertencem ao senso comum, como os relatados abaixo. Primeiramente, acha-se que os livros falam por si mesmo ao leitor – afinal, se lemos as obras literárias fora da escola com prazer sem que nos sejam dadas instruções especiais, por que a escola precisa se ocupar de tal forma da leitura literária? O contraponto a este 98 sofisma é que a nossa leitura fora da escola está fortemente condicionada pela maneira como ela nos ensinou a ler. Os livros, como os fatos, jamais falam por si mesmos. “O que os fazem falar são os mecanismos de interpretação que usamos, e grande parte deles são aprendidos na escola” (COSSON, 2007, p. 26). Outra pressuposição do senso comum é que ler é apenas um ato solitário. No sentido de que lemos apenas com os olhos - a decodificação - a leitura é, de fato, um ato solitário, mas a interpretação é um ato solidário, defende o citado autor. E não pode haver negação de outras formas de leitura – a oral, por exemplo – que tende a ser um ato transitivo. Então, o ato físico de ler pode até ser solitário, mas o significado nunca deixa de ser solidário, uma vez que implica interação e diálogo. Outro sofisma do senso comum é de que é impossível expressar os sentimentos despertados através da leitura literária, pois a verbalização do que foi sentido ou compreendido apenas empobrece o diálogo íntimo entre o leitor e o texto. Nesse caso, a leitura literária é tratada como uma experiência mística, uma epifania. Tal alegação desconsidera que até as experiências místicas são de alguma maneira transmitidas por aqueles que a experienciam. A obra literária vista como objeto de contemplação, adoração e sacralidade, afasta ainda mais os neófitos leitores. 4. Proposta metodológica – o método recepcional A teoria da Estética da Recepção considera o sentido um efeito experimentado pelo leitor, já que o texto lhe causa estranhamento e o faz construir sentidos. Para Zilberman (1989), o leitor deve vivenciar esquemas de textos que o levem a ampliar seus horizontes de expectativas e suas habilidades com a leitura literária. Nessa perspectiva, Bordini & Aguiar (1993) fizeram uma pesquisa acerca dos métodos de ensino de literatura e desenvolveram o Método Recepcional, que consiste em colocar o aluno em contato com textos literários conhecidos e desconhecidos; simples e complexos; novos e antigos; triviais e estéticos, sempre discutindo os textos a partir das leituras e do interesse do grupo. O método recepcional valoriza o papel do leitor em todas as suas cinco etapas, quais sejam: a) Determinação do horizonte de expectativas – etapa em que o professor, através de conversas informais, verificará os interesses dos alunos, o estilo de vida, as preferências, os valores, a fim de pensar em estratégias de ruptura e de ampliação. 99 b) Atendimento do horizonte de expectativas – etapa em que serão proporcionadas à classe experiências com textos literários a partir do desejo dos alunos. Buscam-se textos literários e atividades que sejam prazerosas e atendam aos interesses imediatos. c) Ruptura do horizonte de expectativas – momento em que serão introduzidos textos que abalem as certezas dos alunos, mas a continuidade à etapa anterior se assemelhará no aspecto temático, na estrutura ou linguagem, para que o aluno sinta-se seguro e motivado para continuar participando. d) Questionamento do horizonte de expectativas – fase em que serão comparados os dois momentos anteriores, verificando quais conhecimentos os alunos se apropriaram. e) Ampliação do horizonte de expectativas – etapa em que os alunos, conscientes de suas novas possibilidades e com mais autonomia, partem para a busca de novos textos que atendam às suas expectativas; mas, agora, ampliadas no tocante a temas e composição mais complexos. Este método em espiral parte do pressuposto de que a formação leitora é processual, assim, as ações pedagógicas devem ser planejadas de forma que ampliem a consciência dos alunos em relação à literatura e à vida. Arrematando ideias A leitura literária é um processo de comunicação que demanda respostas do leitor. Este pode penetrar no texto de diferentes maneiras e explorá-lo sob os mais variados aspectos - cognitivos, afetivos, estéticos e sociais. Ninguém nasce sabendo ou gostando de literatura; aprende-se a gostar! Como também, a simples leitura não garante crítica, fruição ou prazer, nem as fichas de leitura meramente classificatórias; os resumos, muitas vezes, mais cerceiam do que ampliam os horizontes do leitor. O segredo maior da literatura é justamente o envolvimento único que ela nos proporciona num mundo feito de palavras. Explorar ao máximo as potencialidades desse tipo de texto propicia condições para que o encontro do aluno com a literatura seja uma busca plena de sentido para ele e para a sociedade em que todos nós estamos inseridos. A ausência da leitura literária, enquanto objeto de ensino com propósito de fomentar o exercício de reflexão e de formação de consciência crítica, tem deixado lacunas e sequelas na formação do leitor; este, cada vez mais, lê menos; compreende menos e mais se distancia da leitura literária. E não pode ser atribuída somente ao aluno a responsabilidade por tal distanciamento, pois no ambiente escolar, sobretudo na sala de aula, o uso dos textos literários tem sido ineficaz e ineficiente, pois está limitado apenas a questões puramente pragmáticas e 100 de ensinamentos didáticos e desconsidera as principais características e função social deste tipo de gênero. O letramento literário na escola se diferencia da leitura literária que fazemos independente da escola. Quando o leitor lê um livro e fica embevecido pelas palavras e estas aninhadas em sua memória, ele externa toda sua emoção e até convence a outras a pessoas a lerem; nesse caso, a leitura literária tem um caráter mais individual, em que a interação/interpretação/ressignificação dá-se entre leitor e texto. Mas a condição de leitor autônomo está associada às estratégias aprendidas durante as vivências escolares. Na escola, é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos construídos individualmente. A razão disso é que, segundo Cosson (2007, p.66), “por meio do compartilhamento de suas interpretações, os leitores ganham consciência de que são membros de uma coletividade e de que essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de leitura.” Por isto, na perspectiva do letramento, não basta apenas o aluno ser “ledor”; a simples leitura, ou as leituras à deriva, muito pouco contribui, pois o aluno lê da maneira como lhe foi ensinado e a competência leitora depende, em grande parte, do modo de ensinar e de aprender na escola. A leitura literária, numa proposta de letramento, tem a função de ajudar ao aluno, e também ao professor, a ler melhor a si mesmo, aos outros a ao mundo através das conexões texto-leitor (relações com as experiências de vida do aluno/leitor), texto-texto (intertextualidade - relações com outros textos) e texto-mundo (relações estabelecidas entre o texto lido e os acontecimentos globais). A leitura para fruição é importante não só porque contribui na formação do leitor criativo e autônomo, visto que os horizontes propostos pela literatura são ilimitados e suas interpretações, dada a natureza polissêmica da palavra literária, infinitas. Mas, sobretudo, porque nos fornece, como nenhuma outra leitura, as ferramentas necessárias para conhecer e interagir com proficiência com o mundo da linguagem a partir do território da subjetividade. Nesse sentido, a contribuição da leitura literária na formação de leitores passa pela efetivação de práticas pedagógicas de leitura que tenham o letramento literário como eixo norteador. Referências BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. 101 CAMPOS, Maria Inês Batista. Ensinar o prazer de ler. 3ª Edição. São Paulo: Olho d’água, 2003. CÂNDIDO, Antônio. Vários Escritos. O Direito à Literatura. 3ª Edição. São Paulo: Duas Cidades, 1995. COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 1ª Edição. São Paulo: Contexto, 2007. SILVEIRA, Maria Inez Matoso. Modelos Teóricos e estratégias de leitura de leitura: suas implicações no ensino. Maceió: EDUFAL, 2005. SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. 2ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história literária. São Paulo: Ática, 1989.