UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VALDETE CÔCO
A DIMENSÃO FORMADORA DAS PRÁTICAS DE ESCRITA DE PROFESSORES
NITERÓI
2006
2
VALDETE CÔCO
A DIMENSÃO FORMADORA DAS PRÁTICAS DE ESCRITA DE PROFESSORES
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor em Educação.
Campo de confluência: Linguagem, Subjetividade
e Cultura.
Orientadora: Profª. Drª. Cecília Maria Aldigueri
Goulart.
NITERÓI
2006
3
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA UFF – GRAGOATÁ
C667 Côco, Valdete.
A dimensão formadora das práticas de escrita de
professores / Valdete Côco. – 2006.
262 f.
Orientador: Cecília Maria Aldigueri Goulart.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense,
Faculdade de Educação, 2006.
Bibliografia: f. 198-209.
1. Professores - Formação. 2. Linguagem. 3. Escrita. I.
Goulart, Cecília Maria Aldigueri. II. Universidade Federal
Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.
CDD 370.1
4
5
AGRADECIMENTOS
Aos professores participantes da pesquisa, que permitiram a aproximação a seus universos
de escrita e de formação.
À professora Cecília Maria Aldigueri Goulart, que aceitou orientar-me neste trabalho.
Sempre afetuosa com palavras que confortam e encorajam, sem abdicar das críticas que
estimulam a ir além.
Às professoras Sônia Kramer e Sandra Escovedo Selles, que acompanharam o trabalho
desde a qualificação. Suas sugestões, naquele momento crucial, foram muito importantes
para a construção da trajetória.
À professora Regina Helena Silva Simões, que me acompanhou desde o mestrado. Sempre
solícita a partilhar sua experiência.
Ao professor Antônio Augusto Batista, por dispor-se a participar da banca examinadora, um
momento tão significativo do trabalho.
Ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal
Fluminense, que acolheu esta possibilidade de pesquisa. Aos professores, funcionários e
colegas, em especial a Helenice Rocha que se tornou minha interlocutora assídua, meus
agradecimentos pelo aprendizado e convivência.
Aos meus colegas do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, pelo
interesse no meu trabalho.
Aos meus pais, irmãos e demais familiares, que acompanharam com carinho os caminhos
que percorri.
Aos amigos, que me acolheram em momentos decisivos. Em especial, à Rosangela de
Matos Cardoso pela solidariedade nas reflexões sobre a vida do professor.
Ao Antônio Henrique Pinto, pela solidariedade acadêmica e amparo afetivo nesse
aprendizado.
6
Demorei a atenção nuns cadernos de capa
enfeitada por três faixas verticais, borrões, nódoas
cobertas de riscos semelhantes aos dos jornais e
livros. Tive a idéia infeliz de abrir um desses
folhetos, percorri as páginas amarelas, de papel
ordinário. Meu pai tentou avivar-me a curiosidade
valorizando com energia as linhas mal impressas,
falhadas, antipáticas. Afirmou que as pessoas
familiarizadas com elas dispunham de armas
terríveis. Isto me pareceu absurdo: os traços
insignificantes não tinham feição perigosa de
armas. Ouvi os louvores, incrédulo.
Graciliano Ramos, Infância
7
RESUMO
O estudo aborda a escrita de professores investigando como se materializa em registros
escritos o trabalho docente e quais as referências decorrentes dessa sistematização.
Indagamos, em síntese: Como os professores utilizam a escrita em seu contexto
profissional? Essa problemática é investigada observando os sentidos estabelecidos para as
práticas de escrita, as formas de sua materialidade, as condições em que se efetivam os
atos de escrita e as interações que negociam os processos de escrita efetivados pelos
professores. O trabalho na escola e a participação em processos de formação continuada
são integrados à dinâmica da vida do professor, observando-se o confronto entre as
demandas de escrita e os processos responsivos dos professores. Ancorado nos princípios
teórico-metodológicos de Bakhtin e de Certeau, o estudo tem como pressupostos a
linguagem em sua dimensão social, as relações entre a escrita, os valores e as solicitações
sociais e a formação como um processo contínuo, entre outros. A pesquisa qualitativa de
caráter etnográfico envolve professores atuantes de 5ª a 8ª série do ensino fundamental
vinculados ao Sistema Municipal de Ensino de Vitória – Espírito Santo. Os dados foram
coletados por meio da observação, em encontros de formação continuada, questionários,
entrevistas e materiais consultados.
A pesquisa indica que os professores estão
enfrentando novos desafios frente às práticas de escrita. No trabalho, os sentidos para as
práticas de escrita constituem uma complexidade que envolve o confronto entre as
demandas efetivas do trabalho com seu repertório próprio (planejamentos, avaliações,
formulários, relatórios, projetos, etc.) e as expectativas de integração em esferas que, de
maneira geral, apresentam o texto acadêmico e científico como referência, para a
continuidade dos estudos, para a participação em congressos e seminários e para a
visibilidade e o reconhecimento da atuação docente. As práticas privadas de escrita se
voltam para práticas de gestão da vida (bilhetes, listas, anotações, etc.) e, nos momentos
críticos, como processo de elaboração de conflitos, através de cartas e poesias,
principalmente. Em função das demandas vivenciadas pelos professores, o espaço da
formação continuada se apresenta como um espaço em que os professores experimentam
algumas atividades de escrita e têm oportunidade de discutir, elaborar e reelaborar sua
relação com a escrita envolvendo as dimensões de sua atuação em interface com a
dinâmica social de desenvolvimento escriturístico. Como práticas vinculadas às condições
materiais do exercício da docência, as práticas de escrita se relacionam com condições
limitadas de tempo e de espaço no conjunto das solicitações que os professores são
chamados a responder no cotidiano profissional. A pesquisa revela a dinâmica de atuação
dos professores com o desejo de participação nos espaços privilegiados de conversação
sob a forma escrita e com os diferentes processos de apropriação das práticas de escrita
que integram o jogo tenso da luta pelos bens produzidos pela humanidade.
Palavras-chave
Educação – Formação de professores – Linguagem – Escrita – Trabalho docente
8
ABSTRACT
This study is focused on the teacher’s writing investigating the way it shows up on written
registers of the teachers work and which are the references through this systematization. We
inquire in brief: How do teachers use the writing within their professional context? This issue
is investigated observing the senses established through the written practices as ways of its
materiality, the conditions on which the written acts are effectivated by teachers. The work in
the school and the participation in processes of continued learning are integrated to the
dynamics of the teacher’s life, observing the confront to the demands of the writing and the
responsive processes. Anchored on the theoric methodological of Bakhtin and Certeau, the
study has as antecedents the language in its social dimension, the relations among writing,
values and the social pleadings and the learning as a continuing process among others. The
qualitative research having an ethnographic characters involving working teachers from 5th to
8th grade “Fundamental” teaching linked to the Public School Teaching of Vitória – Espírito
Santo. Data were collected through observation, at meetings of continued learning, inquiries,
interviews and consulted materials. The research points out to teachers are facing new
challenges according to written practices. At work, the senses to written practices constitute
a complexity which involve the confronting among effective of the work with its own repertoire
(planning, evaluations, formularies, report, projects, etc) and the expectations of integration
within levels that, in a general way present the academics and scientific text as a reference
for the continuity of the studies, for the participation in congresses and seminaries and for the
visibility and the recognition of the teacher work. The private practices of writing they return
to practices of life administration (messages, lists, notes, etc) and, on critical moments, as
process of elaboration of conflicts, through letters, poetries mainly. Because of the demands
lived by teachers, the space of continued learning presents itself as a space in which the
teachers experience some activities of writing and they’ve got the dimensions of their work
linked with a social dynamic of development turistically written, as practices linked to the
material conditions of the teaching process, the written practices relate themselves with
limited time conditions in the set of pleadings which the teachers are called to answer the
daily professional life. The research reveals the dynamic of teacher’s work with the desire to
participate into the privileged spaces of conversations under the written form and with
different processes of appropriation of written practices which integrate the tense game of
fighting for the produced assets by humanity.
Key – words
Education - Teacher’s Education – Language - Writing – Teacher’s Work
9
RÉSUMÉ
L’étude aborde l’écriture des professeurs en faisant des recherches sur comment se
matérialise dans des registres écrits le travail de l’enseignant et quels sont les références qui
résultent de cette sistematisation. Nous posons la question en syntèse : Comment est-ce
que les professeurs utilisent l’écriture dans leur contexte professionel ? Cette problematique
est cherchée en observant les sens établits par les pratiques de l’écriture, les formes de sa
materialité, les conditions oú s’effectivent les actes de l’écriture et les interactions qui
négocient les processus de l’écriture effectivés par les enseignants. Le travail à l’école et la
participation dans des processus de formation continue sont intégrés à la dinamique de vie
de l’enseignant, en observant la confrontation parmi les besoins de l’écriture et les processus
résponsifs des enseignants. Basées sur les principes téoriques méthodologiques de
Bachtion et de Certau, l’étude pressuppose le langage dans sa dimension sociale, les
relations entre l’écrit, les valeurs et les solicitations sociales et la formation comme un
processus continu, parmi d’autres. La recherche qualitative de caractére etnografique
envellope les enseignants de 5ª à 8ª sériesde l’enseingement fundamental reliés au Sistema
Municipal de Ensino de Vitória – Espírito Santo. Les donnés ont été collectés à travers
l’observation, dans des rencontres de formation continue, quentionnaires, entrevues et des
matériaux cherchés. La recherche indique que les enseingnants sont devant les nouveaux
défis face aux pratiques de l’écriture. Dans le travail, les sens pour les pratiques de l’écriture
constituent un compléxité qui envellope le confrontement parmi les demandes effectives du
travail avec son propre repértoire (plans, évaluations, formulaires, rapports, projets, etc.) et
les expectatives d’intégration dans des domaines qui, en général, présentent le texte
académique et scientifique comme reférence pour la continuité des études, pour la
participation dans des congres et séminaires et pour la visibilité et la reconnaissance du
travail de l’enseignant. Les pratiques privées de l’écriture se tournent vers les pratiques de
gestion de la vie (des billets, des listes, de notes, etc.) et, dans les moments difficiles,
comme processus d’élaboration de conflits, à travers les lettres et principalement les
poèmes. En fonction des besoins vécus par les enseignants, l’espace de la formation
continue se présente comme un espace où ils testent certaines activités écrites et ont
l’opportunité d’en discuter, élaborer et réélaborer, y inclus les dimensions de son travail et
l’interface avec la dinamique sociale de devellopement de l’écriture. En tant que pratiques
reliés aux conditions matérieles de l’excercice de l’enseignement, les pratiques de l’écriture
ont une relation avec les conditions limités de temps et d’espace dans l’ensemble des
solicitations que les enseignants, dans le quotidien professionnel, sont invités à y répondre.
La recherche révèle la dynamique de travail des enseignants et le désir de participation dans
les espaces privilegiés de conservation sous forme écrite et avec les différents processus
d’apropriation des pratiques d’écriture qui intégrent le jeu tendu de lute en faveur des biens
produits par l’humanité.
Mot-clé
Education – Formation des professeurs – Langage – Ecrit – Travail des professeurs
10
LISTA DE SIGLAS E CÓDIGOS
CA
-
(Professor) Coordenador de Artes
CC
-
(Professor) Coordenador de Ciências
CEF
-
(Professor) Coordenador de Educação Física
CEMEI
-
Centro Municipal de Educação Infantil
CG
-
(Professor) Coordenador de Geografia
CGCA
-
Coordenação (coordenador) Geral dos Coordenadores de Área
CH
-
(Professor) Coordenador de História
CI
-
(Professor) Coordenador de Inglês
CM
-
(Professor) Coordenador de Matemática
CP
-
(Professor) Coordenador de Português
CREAD
-
Centro Regional de Educação a Distância
DC
-
Diário de Campo
E
-
Entrevista
EC
-
Escolas da Ciência
EMEF
-
Escola Municipal de Ensino Fundamental
ES
-
Espírito Santo
FC
-
Formação Continuada
MEC
-
Ministério da Educação da Educação
PA
-
Professor de Artes
PAL
-
Palestrante
PC
-
Professor de Ciências
PCNs
-
Parâmetros Curriculares Nacionais
PEF
-
Professor de Educação Física
PG
-
Professor de Geografia
PH
-
Professor de História
PI
-
Professor de Inglês
PM
-
Professor de Matemática
PMV
-
Prefeitura Municipal de Vitória
PP
-
Professor de Português
PQ
-
Pesquisadora
Q
-
Questionário
R
-
Registro
SEME
-
Secretaria Municipal de Educação
11
SUMÁRIO
1
APRESENTAÇÃO ...........................................................................................
13
A LINGUAGEM, A ESCRITA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES .....
18
1.1 A problemática da escrita de professores na pesquisa e o Sistema Municipal de
Educação de Vitória ..............................................................................................
19
1.2 A inserção da pesquisadora no itinerário da formação de professores ................
22
1.3 Os estudos sobre a escrita na formação de professores: um (re)encontro dos
campos da formação e da linguagem ...................................................................
23
1.4 A análise das práticas de escrita numa concepção discursiva .............................
34
2
1.4.1
A perspectiva de atuação do sujeito: atuação, interação e criação ........
1.4.2
O letramento na perspectiva da dimensão formadora das práticas de
38
escrita de professores .............................................................................
47
A PESQUISA COM OS PROFESSORES .................................................
57
2.1 O processo de coleta de dados: acesso ao campo, seleção dos participantes e
instrumentos da pesquisa .....................................................................................
2.1.1
59
Observações em encontros de formação continuada registradas em
diário de campo .......................................................................................
62
2.1.2
Aplicação do questionário .......................................................................
66
2.1.3
Realização de entrevista .........................................................................
69
2.2 O contexto dos encontros de formação continuada e os sujeitos da pesquisa ....
72
3
A ESCRITA NA VIDA DOS PROFESSORES: A ESCOLARIZAÇÃO, O
TRABALHO, A PAPELADA, OS PRAZOS, O SISTEMA .........................
89
3.1 A escrita na escolarização ....................................................................................
89
3.2 A escrita na profissionalização .............................................................................
100
3.2.1
O repertório de gêneros discursivos da atividade docente .....................
101
3.2.2
A consolidação e as implicações da elaboração de projetos...................
114
3.2.3
O planejamento de ações de escrita centradas no aluno .......................
125
3.3 A escrita na vida pessoal ......................................................................................
129
12
4
A ESCRITA NA FORMAÇÃO CONTINUADA ..........................................
137
4.1 A rotina e as metodologias formativas ..................................................................
138
4.2 As referências, as atividades e os textos produzidos ...........................................
142
4.2.1
A oralidade ..............................................................................................
142
4.2.2
A leitura ...................................................................................................
154
4.2.3
A escrita ..................................................................................................
161
4.3 Expectativas e limites da escrita na formação continuada ...................................
176
5
CONCLUSÃO ............................................................................................
185
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................
198
ANEXOS E APÊNDICES ...........................................................................
210
A-
O município de Vitória e seus espaços educativos .....................................
211
B-
Instrumentos orientadores da Formação Continuada .................................
216
C-
Síntese das etapas de coleta dos dados .....................................................
217
D-
Instrumentos da pesquisa ............................................................................
218
E-
Tabelas de recolhimento dos dados ............................................................
223
F-
Excertos do Diário de Campo ......................................................................
224
G-
Atividade proposta em apresentação ..........................................................
233
H-
Imagens auxiliares à pesquisa ....................................................................
234
I-
Dados do questionário .................................................................................
236
13
APRESENTAÇÃO
Na multiplicidade de fios que tecem as possibilidades de estudos envolvendo a linguagem e
a formação de professores, esta pesquisa aborda a escrita de professores, a partir das
demandas de escrita postas à categoria. Essas demandas, bem como a responsividade dos
professores, são analisadas considerando o desenvolvimento progressivo do contexto social
escriturístico. Nesse contexto, as atividades humanas se constituem cada vez mais
intensamente a partir de formas de interação em que a escrita se apresenta como um
suporte privilegiado para o acesso e a produção de conhecimentos (CERTEAU, 1994).
Numa sociedade que vem sofrendo uma enorme gama de mudanças com notórias
transformações nas áreas relativas aos modos de produção, às tecnologias de informação e
à democracia política, a palavra escrita ganha novos contornos (BAUMAN, 1999; 2000).
Analisando as transformações das práticas escriturísticas em face das transformações
sociais, Certeau (1994, p. 224) afirma que a prática escriturística assumiu valor mítico
reorganizando aos poucos todos os domínios por onde se estendia a ambição ocidental de
fazer sua história. Com isso, aprender a escrever define a iniciação em uma sociedade
capitalista e conquistadora. Como uma “prática iniciática fundamental” precisa ser
atualizada, conforme as transformações e demandas do contexto porque “o progresso é do
tipo escriturístico” (CERTEAU, 1994, p. 227). Cada vez mais vivenciamos novas maneiras
pelas quais experimentamos o tempo e o espaço, ciência e técnica não param de
surpreender e novos requisitos são exigidos para a implementação de atividades que
envolvem a escrita (BIANCHETTI, 2001). A escrita se apresenta, assim, como uma prática
social de alcance político porque se materializa como atividade constitutiva de sujeitos
capazes de inteligir no mundo e nele atuar (BRANDÃO, 1997).
Observando o enraizamento da escrita no tempo e no espaço, parto da perspectiva da
instabilidade dos sujeitos, da história e da natureza na constituição social. Nessa lógica,
observo a instituição das relações de poder na formação social com vistas ao controle das
decisões a respeito de como o futuro haverá de ser construído. Nesse sentido, a escrita
serve tanto à expressão quanto ao silenciamento, constituindo-se como um produto de
relações entre homens situados. Considerando a linguagem, especialmente no seu
desdobramento relativo à escrita, como ponto central na constituição dos sujeitos sóciopolíticos da contemporaneidade, esta pesquisa se volta para o sujeito professor no exercício
do seu trabalho na escola e na participação em atividades de formação continuada – FC –
14
incorporando esses focos ao contexto da vida do professor através da indagação como os
professores utilizam a escrita em seu contexto profissional? Busco integrar a vida
pessoal e profissional dos professores ao investigar suas práticas de escrita, conforme
preconizado nos trabalhos de Nóvoa (1991; 1992), considerando os sentidos estabelecidos
para as práticas de escrita, as formas de sua materialidade, as condições em que se
efetivam os atos de escrita e as interações que negociam os processos de escrita.
Amorim (2001, p. 19) enfatiza que “o objeto que está sendo tratado num texto de pesquisa é
ao mesmo tempo objeto já falado, objeto a ser falado e objeto falante”. Nessa perspectiva, a
pesquisa foi tecida a partir de um diálogo triangular entre os aspectos contextuais que
constituem a temática e a problemática de investigação, o aporte teórico da teoria crítica da
modernidade e da cultura – aqui referenciada nos trabalhos de Bakhtin e Certeau – e os
dados que possibilitaram a interlocução com os professores participantes. Professor.
Formação. Linguagem. Escrita. O estudo de campos tão complexos e imbricados torna-se
aqui – nas pessoas e nas palavras – um texto que foi se constituindo implicado com a
premissa de que a inserção crítca na cultura escrita é um direito de todos. Na intenção de
organizar as idéias formando um todo arquitetônico que favoreça as contrapalavras dos
leitores, a tese está estruturada em cinco capítulos.
No primeiro capítulo, detalho a pesquisa explorando a problemática da escrita de
professores e integrando o campo de estudos da formação de professores ao campo de
estudos da linguagem. Bakhtin ensina que a produção de sentidos se efetiva no espaço
entre sujeitos socialmente organizados. Ao lidar com novas exigências e referências sobre
as práticas de escrita, os professores estão lidando com índices de valor que os mobilizam
integralmente nas interações sociais em todos os âmbitos da vida. Esses aspectos
indicaram a necessidade de articular a trajetória do campo da formação de professores e do
campo da linguagem buscando as aproximações que culminaram na proposição das
atividades relacionadas à linguagem como atividades formadoras de professores. Para
concluir o capítulo, a partir do aporte relativo à concepção sócio-histórica da educação,
desenvolvo os princípios teóricos referenciados em Bakhtin e Certeau que sustentam a
análise das práticas de escrita numa concepção discursiva.
No segundo capítulo, apresento as diretrizes metodológicas da pesquisa. A meta de
configurar a escrita na atuação docente se efetiva num estudo qualitativo com professores
atuantes nas séries finais do ensino fundamental (5ª a 8ª) que participaram da FC no
município de Vitória – Espírito Santo - em 2003. A coleta de dados através das observações
nos encontros de FC por área de conhecimento (Português, Matemática, História,
15
Geografia, Ciências, Artes, Educação Física e Língua Estrangeira), da aplicação do
questionário, da realização de entrevistas e do recolhimento de materiais exigiu
intervenções ao longo do percurso de modo a integrar os dados em etapas que
possibilitassem o aprofundamento na pesquisa. A FC constituiu o espaço adequado para a
coleta porque na FC, os professores não só vivenciavam atividades com a escrita, mas
também discutiam, elaboravam e reelaboravam sua relação com essa ação. Tal reflexão
envolvia não só os outros espaços de sua profissão, mas também a inter-relação entre as
atividades de escrita e a dinâmica da sociedade em curso. Com isso, um dos desafios
presentes em todo o trabalho foi fazer os dados dialogarem, não só com os pressupostos
delineados no projeto, mas com os outros dados que iam emergindo com o avanço da
pesquisa no campo investigado. Esse desafio implicou muitas idas e vindas, muitas
(re)elaborações e (re)definições de caminhos para a organização do material. Esse
processo foi facilitado pela responsividade dos professores. Desde a proposta da pesquisa à
saída do campo, passando pelos retornos para discussão e apresentação de dados parciais,
foi possível constatar o quanto a temática da pesquisa se mostra como uma das urgências
da categoria. Outro desafio que se impôs ao longo da pesquisa foi não sucumbir a outras
possibilidades de pesquisas que foram se anunciando: o papel da escrita nas formas de
regulação do espaço escolar, a constituição dos processos interativos no registro dos
projetos de trabalho, os diferentes trabalhos efetuados com os alunos, a literatura produzida
pelos professores e que circula informalmente entre os pares, as histórias de vida com as
atividades de escrita, etc.
Para falar da escrita, os professores sempre retomavam a escolarização vivenciada. Esse
retorno à escolarização me motivou a focalizar as suas relações com a escrita englobando a
a trajetória (com atenção à escolarização), a atuação profissional e a FC integradas na vida
dos professores. Esses aspectos estão organizados em dois focos inter-relacionados: “a
escrita na vida dos professores: a escolarização, o trabalho, a papelada os prazos, o
sistema...” e a “escrita na FC”. Esses dois focos, que constituem o terceiro e o quarto
capítulo, permitem uma articulação envolvendo aspectos das vivências anteriores com a
escrita, das necessidades imediatas e dos projetos futuros. Essa articulação se constituiu a
partir da observação de que as questões relacionadas à escrita mobilizavam intensamente
os professores. A visão globalizante dos atos humanos proposta por Bakhtin (1993) indicou
a observação de todo um complexo de valores impregnado nas discussões. Foi se
delineando um território em que qualquer enunciação sobre a escrita suscitava uma
responsividade ativa com índices de valores a partir dos sentidos sociais construídos
previamente, do confronto com novos sentidos e das respostas dirigidas. O empenho dos
professores em expor suas posições sobre a escrita permitiu captar os esforços para
16
interferir no mundo. Tezza (2003, p. 184) destaca que, para Bakhtin, “o mundo como evento
não é simplesmente um dado indiferente; está sempre relacionado com algo ainda por ser
alcançado”. Nessa perspectiva, Bakhtin (1992), ao desenvolver a noção de memória de
futuro, indica que é o futuro, como categoria de sentido, que organiza nosso modo presente
de viver. É do futuro que tiramos os valores para qualificar o presente, um futuro que não
está predeterminado e desacreditado pela existência (p. 132). Esse agir dos professores
com a escrita evidencia o empenho em atuar tendo como horizonte uma temporalidade que
não se constitui como um futuro que continua a mesma vida, mas um futuro em que é
sempre possível e necessário transformar formalmente essa vida (p. 136). Com isso, a
pesquisa se aproxima dos sentidos para as práticas de escrita a partir dos percursos
anteriores, das demandas do trabalho e da FC, das necessidades pessoais e dos projetos
futuros, captando as interfaces e as relações estabelecidas com os elementos de valoração
para a escrita no contexto escriturístico.
No terceiro capítulo, para tratar da escrita na vida professores, considero a trajetória de
escolarização, a atuação docente focalizando o trabalho na escola com suas demandas e
oportunidades e as práticas privadas de escrita. Permeando esses aspectos, exploro as
práticas de escrita consideradas significativas e as expectativas dos sujeitos.
No quarto capítulo, continuando a análise da escrita na vida do professor, abordo a
responsividade dos professores às práticas de escrita focalizando a FC a partir das rotinas e
das metodologias, das interações e das referências, das atividades propostas e dos textos
produzidos. As ações envolvem conversas, leituras, discussões, apresentações, produção
de materiais e textos. Essas atividades, que fornecem sentidos para a escrita na FC, são
realizadas através de palestras, trabalhos de grupo, oficinas e estudos coletivos. Na análise
dos dados atenho-me à vinculação das ações de FC à oralidade, à leitura e à escrita
explorando também, as expectativas e limites do desenvolvimento da escrita na FC.
No quinto capítulo, retomo as questões propostas para a investigação apresentando as
perspectivas construídas na trajetória do estudo. A análise de como os professores retrabalham as demandas de escritas a que são chamados a responder vincula os sujeitos ao
contexto de sua atuação indicando que estes, ao contemplar o mundo para nele encontrar a
escrita, percebem-se como parte deste mundo. No contexto escriturístico, a atuação frente à
escrita e suas implicações se efetiva imersa num mundo de escrita em que se convive com
ela no dia-a-dia em suas diferentes possibilidades, aproveitando seu aspecto facilitador e
enfrentando também situações de desconforto, dificuldade e estranhamento no jogo
interativo da vida social. Ao concluir o relatório, reafirmo que desejei falar no plural e na
17
multiplicidade das práticas e dos sujeitos, de modo que a pesquisa, não desprestigiando as
denúncias necessárias, possa anunciar a atuação dos professores em meio aos desafios
que se apresentam.
Acreditando no trabalho docente como mobilizador da produção de conhecimento, na
formação como um direito e na constatação do papel imperioso da escrita, busco
compreender a apropriação das práticas de escrita pelos professores em suas
singularidades tomando como referência a complexidade do fenômeno da escrita, com suas
diferentes metamorfoses no contexto atual. Bakhtin ensina que uma experiência humana é
não-reproduzível. O caráter de acontecimento desta pesquisa - realizada com os
professores do município de Vitória, ES - indica que sua relevância é da ordem da
enunciação. Dela “só podemos tirar lições, princípios, orientações e inspirações” para
produzir novas referências sobre a temática em foco (LIMA, 2005, p. 15-16). Bakhtin
também nos ensina sobre a infinitude do contexto dialógico: “não há uma palavra que seja a
primeira ou a última” (1992, p. 413-414). Nesse sentido, concluir o relatório não implica
esgotar o assunto. O recorte relativo a práticas de escrita de professores na pesquisa não
objetiva totalizar as discussões a respeito da linguagem na formação de professores, uma
vez que essa discussão ultrapassa as fronteiras das áreas do conhecimento, ganha nova
complexidade quando vista sob o ponto de vista de uma área ou do diálogo entre elas e se
relaciona diretamente ao contexto das transformações sociais. Enfim, consiste numa
discussão de múltiplas possibilidades. Como um espaço polissêmico e polifônico de
reflexões, rupturas e transformações, a escrita na vida do professor, com seus elementos
entrecruzados com a dinâmica social, indica possibilidades que se revitalizam. Esse trabalho
pretende penetrar nessa cadeia dialógica dos trabalhos realizados e provocar novas
responsividades.
18
1 A LINGUAGEM, A ESCRITA E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Pesquisar sobre a escrita de professores no quadro proposto para esta pesquisa requer
observar a atuação dos sujeitos na linguagem relacionando a ação humana ao contexto
situacional. Nesse sentido, não são apenas palavras o que pronunciamos e/ou escrevemos,
mas palavras em relação porque na vida tentamos compreender, julgamo-nos do ponto de
vista dos outros, buscamos identificar as impressões que podemos causar, levamos em
conta o valor conferido pelo contexto aos aspectos que tomamos como pauta para nossa
atuação... Nossas manifestações são sempre endereçadas ao outro. Nessa perspectiva de
atuação dos sujeitos, as palavras carecem de contexto, “são tecidas a partir de uma
multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os
domínios” (BAKHTIN, 1997, p. 41). Expressões como ceder a palavra, cassar a palavra,
lutar com as palavras, ganhar a palavra, perder a palavra, ficar sem palavras, papel da
palavra, reencontro com a palavra, entre outras, ganham sentido no movimento de
compreensão do discurso. Nas vicissitudes da palavra encontram-se as vicissitudes da
sociedade dos usuários da palavra (BAKHTIN, 1997, p. 194). O jogo social se constitui na
circulação de palavras que promovem o diálogo entre interlocutores e entre discursos. Esse
princípio dialógico que funda a linguagem, proposto por Bakhtin, indica um campo vasto
para estudos e pesquisas que concebem a leitura e a escrita como práticas sociais,
No contexto da leitura e da escrita como práticas sociais, Frago (1993, p. 91) destaca que a
análise histórica e antropológica da escrita interessa-se pelas técnicas de execução
empregadas, pelos signos e caracteres utilizados e por seus usos e funções. Essa análise
busca configurar uma tipologia de observação da escrita em sua ampla diversidade, em
cada sociedade e momento dado, constituindo-se, como um campo múltiplo e interrelacionado que envolve tanto a diversidade literária quanto a tipologia e análise dos
suportes materiais e dos instrumentos de escrita. Nesse campo procura-se observar as
diversas funções, modos e contextos de uso da escrita, assim como as normas, limites e
difusão dos atos de escrita. Com isso, a expressividade gráfica se mostra relacionada ao
direito, à liberdade e à transgressão, enfim, ao poder. Frago (1993, p. 91) destaca ainda que
na escrita, junto com outros signos, grafias e imagens evocam aprendizagens e usos em
âmbitos e dimensões tão diferentes quanto o cotidiano, o intelectual e o estético. Nessa
perspectiva, os usos, as funções, as formas e as modalidades só podem ser estudados
atravessados pelas interações e relações do contexto.
19
O atravessamento da escrita no contexto social possibilita observá-la do interior de nossa
sociedade letrada sob duas perspectivas: como instância guardiã da tradição e como
instância instauradora de diálogos. Como instância guardiã da tradição, devido ao seu papel
documental. Como instância instauradora de diálogos porque é fundamentalmente através
da palavra que a humanidade tem preservado e repassado sua história, servindo-se de
adjetivos tanto para acentuar suas conquistas quanto para atenuar suas tragédias. Portanto,
as palavras são agenciadoras a partir de determinadas concepções, são práticas instituintes
e não receptáculos passivos. A centralidade da escrita no contexto permite observar tanto
seus recursos expressivos quanto os recursos de silenciamento e seleção (RAMA, 1985).
Permite também observar tanto os processos de apropriação impostos quanto a subversão
que desvia os códigos compondo formas inéditas e não esperadas de uso (CERTEAU,
1994).
Nesse campo múltiplo de possibilidades, nesses lugares de escrita, interesso-me pelos
professores. Numa perspectiva associada à idéia da atuação humana na construção social,
este trabalho tem como objetivo compreender contextualmente a responsividade dos
professores às demandas em linguagem que destacam a escrita como um requisito para a
atuação docente.
1.1 A problemática da escrita de professores na pesquisa e o Sistema Municipal de
Educação de Vitória
Para compreender o encontro entre as atividades de escrita e a atuação docente, essa
pesquisa aborda os registros efetuados pelos professores tendo como problema central a
indagação: Como os professores utilizam a escrita em seu contexto profissional?
Essa indagação é explorada considerando o princípio dialógico da linguagem proposto por
Bakhtin. Nessa perspectiva, a língua escrita é entendida na pesquisa como uma modalidade
da linguagem verbal desenvolvida a partir dos processos de socialização em meios que
demandam tal atividade. Com isso, a pesquisa se ancora na observação das relações entre
a escrita, os valores e as solicitações sociais que atuam no estabelecimento dos sentidos
para as práticas de escrita valorizadas e estimuladas pelo contexto de atuação dos
professores.
20
Em face dessa complexidade que vincula a escrita às demandas do contexto, a pesquisa
tem como meta investigar como se materializa em registros escritos o trabalho contínuo de
estudos, reflexões e sínteses na prática docente e quais as referências decorrentes dessa
sistematização. Essa meta é trabalhada considerando os sentidos da escrita, sua
materialidade, as condições de produção e as interações estabelecidas. Esses aspectos,
que constituem a problemática das práticas de escrita de professores proposta nessa
pesquisa, são trabalhados a partir das seguintes questões de estudo:
a) Em relação aos sentidos da escrita:
-
Que referências sobre as práticas de escrita estão presentes nas memórias dos
professores?
-
Como essas referências se relacionam às expectativas dos professores e às
demandas postas à categoria?
-
Que motivações levam os professores a escrever?
-
Como se explicitam as recusas e interdições?
-
Como se caracterizam os professores enquanto autores e/ou executores de
propostas de trabalho escrito?
b) Em relação à materialidade da escrita:
-
O que escrevem os professores?
-
Que estratégias textuais/protocolos de escrita são utilizados nos registros
efetuados pelos professores em relação à mediação com o aluno na sala de aula,
à reflexão sobre o trabalho realizado, ao processo formativo e à vida pessoal?
c) Em relação às condições e interações:
-
Como se caracterizam as condições em que se efetivam os atos de escrita?
-
Como se materializa a política de escrita no âmbito institucional?
-
Como se efetivam os processos interativos e as dinâmicas discursivas que
negociam/gerenciam/incentivam os processos de escrita dos professores?
-
Como se caracterizam as formas individuais, colaborativas e coletivas de
produção textual?
-
Quem são os interlocutores e o público leitor da escrita dos professores?
Sob a perspectiva de uma concepção enunciativa da linguagem, para responder às
questões orientadoras do estudo, as práticas de escrita, observadas a partir do trabalho dos
professores na escola, da participação em processo de FC, são integradas ao conjunto da
vida dos professores. A partir da concepção sócio-histórica da educação, a pesquisa
21
qualitativa de caráter etnográfico tem como principais pontos de ancoragem os princípios
teórico-metodológicos de Bakhtin e de Certeau. É efetivada com professores atuantes nas
séries finais do ensino fundamental (5ª à 8ª) tendo como procedimentos de coleta as
observações sistematizadas em 44 registros no diário de campo, a aplicação de
questionário a 327 professores, a realização de 09 entrevistas e o recolhimento de materiais
distribuídos e produzidos na FC implementada pela Secretaria Municipal de Educação de
Educação (SEME) de Vitória, Espírito Santo.
Considerando dados de 2005, o sistema de ensino municipal conta com 42 Centros de
Educação Infantil (CMEIs) e 44 Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs). Vitória
é a capital do Espírito Santo, integra a região metropolitana e se caracteriza como uma
cidade de zona urbana (ANEXO A1). A cidade possui cerca de 265.800 habitantes com uma
taxa de alfabetização de 95,7%. No mapeamento do atendimento educacional do município,
as instituições escolares são reunidas por regiões constituindo sete zonas escolares:
Centro, Santo Antônio, Jucutuquara/Bento Ferreira, Maruípe, Praia do Canto, Continental e
São Pedro. Cada zona escolar congrega as escolas localizadas num conjunto de bairros
próximos. A região de São Pedro reúne os bairros mais carentes e a região da Praia do
Canto, os bairros mais abastados da cidade (ANEXO A2). Além das escolas regulares, o
sistema municipal de educação possui uma Escola da Ciência - Física, uma Escola da
Ciência – Biologia e História, uma Praça da Ciência e, em parceria com a Universidade
Federal do Espírito Santo, um planetário (ANEXO A3). O sistema educativo também utiliza
museus, galerias de arte, parques e reservas da cidade em projetos escolares (ANEXO A4).
Nos CMEIs são atendidas as crianças de seis meses a seis anos de idade em turmas de
berçário, maternal, jardim e pré-escola. Os alunos dos CMEIs, ao concluirem a pré-escola,
são encaminhados para as EMEFs que atendem à faixa etária a partir dos sete anos. As
EMEFs oferecem ensino regular diurno e dezenove delas também oferecem ensino voltado
para o atendimento a jovens e adultos no horário noturno. Todos os CMEIs e as EMEFs
integram alunos com necessidades educativas especiais e são institucionalmente vinculados
a SEME, que possui equipes de supervisão e apoio às instituições escolares. Dentre as
ações das equipes integrantes da secretaria, consta a responsabilidade pela política de FC.
A escolha de ater-me aos professores atuantes de 5ª a 8ª séries se deu, inicialmente, devido
a uma carência de estudos nesse segmento do ensino, posterior ao período mais
comumente associado à alfabetização, onde muitas pesquisas acadêmicas têm concentrado
suas investigações. Tal carência instigou minha atenção. Soma-se a essa carência o fato de
que existem poucas oportunidades de se realizarem pesquisas que possam envolver
22
professores atuantes nas diferenciadas áreas de conhecimento, devido à dificuldade de
acesso a grupos integrados por esses profissionais. Essa possibilidade me motivou ao
desafio. Ainda, presenciei em vários momentos da minha atuação profissional (como
professora e pedagoga) depoimentos de professores atuantes nesse nível do ensino
enfocando suas dificuldades com a escrita, atribuindo-as à formação específica numa área
de conhecimento. Esse conjunto de fatores mobilizou-me em direção à realização da
pesquisa com os professores do segmento mencionado.
Quanto à opção pela escola pública, destaco a opção política relacionada ao fato de a
escola pública atender em sua maioria à clientela de estratos populares. Certeau (1979, 17)
já alertara sobre a impossibilidade de “apagar a particularidade do lugar onde eu falo e do
domínio por onde conduzo uma investigação”. Trabalhar com esses professores significa
manter-me próxima a uma realidade de que faço parte, uma vez que é nesse lugar e no
encontro com outras trajetórias que fiz e estou fazendo a minha história com a escrita, com
a leitura, com a docência, com a vida...
1.2 A inserção da pesquisadora no itinerário da formação de professores
Diante da possibilidade de trabalhar na pesquisa com os estudos de Bakhtin e de Certeau,
em que diferentes focalizações são possíveis e que podem iluminar questões em vários
campos do saber, julgo ser importante apresentar meu lugar de fala. Minha trajetória
profissional abarca duas dimensões da atuação docente. A atuação como professora e
pedagoga na escola básica e a atuação como formadora de professores no curso de
Pedagogia e em projetos de FC. Como professora, atuei nos sistemas de ensino dos
municípios da Serra e de Vitória e no sistema estadual do Espírito Santo. Essas dimensões,
que em alguns momentos da carreira foram exercidas simultaneamente, me permitiram
problematizar as atividades relacionadas à escrita no trabalho docente tanto no meu
exercício pessoal como professora quanto em grupos de professores nos trabalhos de que
participei. A troca estabelecida com os colegas favoreceu a análise de diferentes aspectos
do desenvolvimento das práticas profissionais que demandam a escrita. Oportunizou o
confronto entre minhas impressões e as referências de outros profissionais.
Focalizei o interesse na formação de professores associado ao campo da linguagem no
curso de mestrado abordando a leitura de professores (CÔCO, 2000a). A partir desse
trabalho, tenho me concentrado em autores que subsidiam a temática, em especial nos
23
trabalhos de Bakhtin (CÔCO, 2000b e 2003a). Tendo como suporte teórico-metodológico
esses autores, na continuidade dos estudos, abordei o enfrentamento dos alunos jovens e
adultos em processo de alfabetização e o trabalho do professor com a linguagem no
contexto das demandas escriturísticas (2003b), interagi com um grupo de professores
observando suas demandas de formação em pesquisa (2004c) e explorei a sistematização
através da escrita na produção do trabalho de conclusão de curso na formação inicial de
professores (2005b).
Esses trabalhos me auxiliaram na proposição e no desenvolvimento dessa pesquisa focada
nas práticas de escrita dos professores realizadas no exercício do trabalho na escola e na
participação na FC (2004a; 2004b; 2005a). Tal proposição foi motivada pela minha
observação de que a singularidade da escrita na vida do professor tem afetado e impactado
seu cotidiano de modo cada vez mais consistente. Nas “fórmulas correntes” (BAKHTIN,
1997, p. 126) de enunciações no contexto do trabalho com seu repertório e auditório
organizado, as demandas em escrita avançam dos textos dos planejamentos e avaliações
típicos do trabalho no interior da sala de aula para textos que ultrapassam tanto a sala de
aula quanto o universo escolar. No contexto atual, espera-se que os professores registrem o
trabalho pedagógico e o desenvolvimento dos alunos em textos endereçados a serviços
pedagógicos da escola ou de outras instituições, que preencham formulários de dados
necessários ao registro e controle do trabalho, que efetuem as solicitações de reprodução
de cópias e de reservas de materiais que demandam outros profissionais em sua execução,
que elaborem os projetos que precisam ser comunicados a secretarias de ensino, que
atualizem as informações aos pais... Tem-se ainda a expectativa de que ele participe de
projetos de FC, estudos, fóruns, simpósios, seminários e congressos. Essas transformações
nas demandas de escrita postas aos professores, que culminam na proposição das práticas
em linguagem como atividades formadoras, serão exploradas a seguir a partir dos estudos e
pesquisas que marcam o campo da formação de professores em sua interação com o
campo da linguagem.
1.3 Os estudos sobre a escrita na formação de professores: um (re)encontro dos campos da
formação e da linguagem
A dialogicidade proposta por Bakhtin ensina que todo dizer se orienta pelo “já dito”, espera
uma resposta e é internamente dialogizado porque articula múltiplas vozes sociais. Para
mapear o “já dito” no campo da formação de professores no encaminhamento desta
24
pesquisa, é importante observar que no cenário educacional ocorre (principalmente a partir
dos anos de 1980) uma ampliação significativa de estudos e pesquisas de variados campos
de saber que promovem uma interface com a formação de professores. Um olhar
panorâmico dos trabalhos permite observar a proposição da necessidade de mudanças, o
questionamento dos papéis atribuídos aos profissionais da educação e a compreensão da
escola como um espaço que integra dimensões culturais, sociais e políticas. Os estudos
indicam a complexidade da atuação docente num quadro institucional intrincado de
implementação de reformas educacionais. Nesse quadro, os professores são olhados com
desconfiança e acusados de terem uma formação deficiente e, ao mesmo tempo, são
bombardeados com uma retórica que os afirma como elementos essenciais para melhoria
do ensino e para o progresso social e cultural (NÓVOA, 1998, p. 34). Nesse contexto de
complexidade da atuação docente, a expansão dos estudos envolve diferenciadas temáticas
e abarca tanto a formação inicial quanto a formação continuada.
No que se refere ao diálogo entre a formação e a linguagem, base dessa pesquisa, essa
parceria vem se estabelecendo há muito tempo visto que “o modo de socialização escolar é
indissociável da natureza escritural dos saberes a transmitir” (VICENT, LAHIRE e THIN,
2001, p. 29). A dinâmica escritural dos saberes acolhidos no espaço escolar faz com que a
escrita se transforme, cada vez mais intensamente, num símbolo-chave para a finalidade da
escola e do encontro pedagógico. No entanto, a observação da linguagem como prática de
formação intencional constituiu-se como um movimento recente no quadro dos estudos e
pesquisas sobre a formação de professores.
Para explorar essa parceria é necessário considerar, por um lado, que a história da
docência não pode ser tomada isolada de sua herança histórica e, obviamente, das
transformações que requereram (e requerem) esse tipo de trabalho e que, portanto, criaram
e transformaram os trabalhadores que o executam. Por outro, considerar a relação entre a
escrita e a docência implica também observar o desenvolvimento particular dos campos, as
aproximações e distanciamentos no contexto do desenvolvimento de estratégias e
mecanismos que permitiram ou dificultaram um repensar tanto das atividades de linguagem
quanto da formação dos docentes. Desse modo, as interfaces entre os campos não podem
desconsiderar as transformações dos próprios campos.
Na perspectiva de focalizar as
transformações dos campos e, simultaneamente, observar os diálogos estabelecidos entre
os campos, passo então, a explorar as transformações que culminaram em novas
exigências de escrita para os professores.
25
De maneira geral, os estudos que focalizam o diálogo entre a formação de professores e a
linguagem indicam dois movimentos inter-relacionados. Um movimento referente aos atores
e outro referente às práticas. Focalizando os atores, observa-se a expansão da
preocupação centrada nos alunos em escolarização inicial para a observação de diferentes
sujeitos em processos educativos (escolares e não-escolares). A incorporação dos novos
atores nos estudos indicou mudanças no foco das práticas. A prioridade de focalização nos
métodos de ensino foi ampliada para a observação da leitura e da escrita como práticas
sociais que implicam, além da apropriação, seus usos. Os usos, por sua vez, só podem ser
abordados relacionados às demandas do contexto. Com isso, em relação aos atores, temos
trabalhos voltados tanto para alunos como para professores, pais, bibliotecários, editores,
autores, mídia, políticas de acesso e distribuição de materiais, etc. Em relação às práticas,
temos trabalhos focados tanto nos vários intervenientes do processo de alfabetização
quanto na observação das práticas de leitura e de escrita relacionadas ao contexto de
estudos em diferenciados níveis de escolarização, de demandas profissionais, de exigências
sociais, etc. Essa movimentação foi efetivada a partir das transformações no campo da
linguagem e no campo da formação de professores, aspecto que passo a explorar a seguir.
O percurso do campo dos estudos relativos à teoria da linguagem retrata a passagem de
uma tendência concernente à epistemologia clássica, que concebe a palavra como sinal que
requer decodificação, para uma epistemologia moderna, que concebe a palavra como signo.
Compreender a palavra como signo significa apreender a linguagem enquanto atividade,
ação entre os interlocutores, dialogicidade. Essa passagem faz emergir uma nova maneira
de ver a língua apreendendo-a no seu funcionamento concreto, observando sua mobilidade
conferida pelo contexto (BRANDÃO, 1997, p. 284). Nessa perspectiva, as análises das
manifestações relativas à linguagem adquirem novos contornos associadas à observação da
constituição gradativa da sociedade grafocêntrica em que a escrita vai ganhando destaque.
Bottéro e Morrison (1995) afirmam que os anos oitenta foram os anos da escrita no domínio
científico. A origem desse movimento se associa à obra de Jack Goody, The domestication
of the savage mind, publicada em inglês, em 1976, e traduzida para o francês, em 1979, sob
o título La raison graphique. A partir de então, as publicações se multiplicaram. A escrita se
apresenta como “um objeto que nos permite reescrever a história do espírito humano do
ponto de vista da sua principal ferramenta prática”. Ela “mostra como tratar de maneira
concreta, sob o ângulo das condições materiais que as tornam possíveis, as mais abstratas
operações do entendimento” (BOTERO e MORRISON et al, 1995, p. 7).
26
Em sua relação com a escolarização, a escrita se torna o ponto decisivo do aprendizado
porque somente a capacidade de escrever permite uma escolarização prolongada e a
autonomia social no espaço político e econômico das sociedades (CHARTIER, 1998, p.12).
Nesse contexto, a relação do sujeito com a palavra como um ato solitário ligado apenas a
habilidades individuais é revista em função de que a compreensão da relação do sujeito com
a palavra demanda a observação da relação que esse indivíduo estabelece com os outros e
com a própria linguagem (MATENCIO, 2004).
O diálogo da formação de professores com o campo da linguagem em suas transformações
indicou alterações no itinerário dos estudos e pesquisas. Os primeiros estudos focalizavam
o trabalho docente no ensino da leitura e da escrita, ou seja, as metodologias de ensino
utilizadas pelos professores no trabalho com os alunos. Com o desenvolvimento do campo,
passou-se pela preocupação com a formação do leitor até envolver diferenciadas dimensões
da relação entre a linguagem e o processo formativo de alunos e professores.
Numa perspectiva psicológica e pedagógica, as principais pesquisas envolvendo a relação
entre a linguagem e a formação de professores no Brasil, inicialmente, concentraram-se nos
processos de aquisição e na metodologia de ensino tendo como sujeitos privilegiados os
alunos em processo inicial de escolarização. Nesse contexto, parecia haver um consenso de
que os professores seriam bons leitores por terem passado por um processo mais longo de
escolarização. Como adultos formados e escolarizados, não poderiam apresentar lacunas
ou espaços a serem desenvolvidos em seu processo formativo. As pesquisas se voltavam
então para o processo de apropriação dos alunos e para as práticas de ensino dos
professores (FRADE e SILVA, 1998).
Mais recentemente, pesquisas de tendência histórica e antropológica propiciam um
alargamento da temática abarcando questões tais como a formação do leitor, os processos
de recepção dos textos, a história das práticas e dos objetos de leitura. Progressivamente, o
professor vem sendo envolvido nos estudos e pesquisas, principalmente nos estudos
relativos às práticas de leitura. No mapeamento da produção do campo, a leitura do
professor é colocada como questão central no final da década de oitenta e cresce e se
consolida nos anos noventa. Numa síntese dos trabalhos focalizados na leitura de
professores, Ferreira (2001; 2004) destaca que num primeiro momento esses trabalhos,
orientados por um modelo de leitor ideal, denunciaram a ausência de leitura por parte do
professor. Em meados de 90, reconhecendo as práticas de leitura dos professores, o
professor é visto como “um leitor interditado, desavisado, mas é considerado um leitor” nos
estudos e pesquisas do campo (FERREIRA, 2004, p. 20).
27
Desse modo, partindo do conhecimento da prática social de leitura desse grupo profissional,
de uma sociologia da leitura de professores, começaram a surgir questionamentos sobre a
formação em linguagem do professor numa dinâmica de integração entre a vida pessoal e a
vida profissional. Centrados principalmente no pólo da leitura foram realizados estudos
(MOURA, 1994; BATISTA, 1996 e 1998; KRAMER, 1997 e 1998; FREITAS, 1998; BRITTO,
1998; EVANGELISTA, 1998; PINTO, 2001, ROCHA, 2000; PORTO, 2004 e outros)
buscando investigar as leituras de professores “enfocando o que lê, quando lê e como lê
esse sujeito sociocultural que foi construído como leitor no decorrer de sua vida pessoal e
profissional” (FRADE e SILVA, 1998, p. 94).
A partir desses estudos e do desenvolvimento do conceito de letramento1 no campo da
linguagem (SOARES, 1998), a preocupação com a dimensão da escrita veio integrar
consistentemente esse campo de estudos ratificando, por um lado, a indivisibilidade do par
leitura e escrita e, por outro, as especificidades de cada ação com seus requisitos próprios.
Assim, ocorre uma expansão dos focos de pesquisa em diversificadas perspectivas, muitas
em andamento.
A especificidade relativa à escrita e formação de professores, foco deste estudo,
encontra-se em fase inicial de realização de estudos e pesquisas (KRAMER, 1999; SILVA,
2004; LETA, 2005; PRADO e SOLIGO, 2005 e outros). Cabe ressaltar a implementação de
experiências de pesquisas ligadas à leitura e à escrita na atuação de professores em
determinadas áreas do conhecimento, tais como Matemática (FIORENTINI e MIORIM,
2001), Ciências (BELLINI, 1997) e Educação Física (NASCIMENTO e KREBS, 1997). Desse
modo, o campo de estudo que busca uma interface entre a linguagem e a formação de
professores tem se constituído como um campo consistente de experiências que ratificam
sua validade demandando ainda novas pesquisas. O contexto de inserção da especificidade
da escrita de professores no âmbito da pesquisa se fortalece nos últimos anos a partir das
transformações no campo da formação de professores.
O grande desenvolvimento da formação de professores, a partir dos anos oitenta,
integrando estudos sobre os processos de regulação e profissionalização, as inovações e
mudanças e suas implicações organizacionais, curriculares e didáticas, indicou o
crescimento da área. Nesse crescimento, observa-se a expansão da preocupação restrita
com formação inicial para o envolvimento da formação continuada e a permanência de
conflitos entre perspectivas.
1
Esse conceito será explorado na análise das práticas de escrita numa concepção discursiva, tópico
seguinte deste capítulo.
28
Em relação à formação continuada, Pineau (2002) afirma que a idéia de formação
permanente é muito antiga. Nas culturas tradicionais, os sábios aprendiam por mais tempo,
ou melhor, pelo longo tempo de vivência. Com a institucionalização da educação formal
através da escola, na primeira metade do século XX, passou-se a acreditar que todo o saber
importante poderia ser abstrato, concentrado teoricamente e transmitido nos primeiros anos
de vida para que fosse aplicado em práticas profissionais nas etapas seguintes da vida do
sujeito. Na segunda metade do século XX, as transformações que implicaram uma evolução
acelerada das práticas profissionais, técnicas, científicas e socioculturais indicaram a
necessidade de uma educação permanente. Essa necessidade de educação permanente foi
formalmente reconhecida em 1972 pela UNESCO a partir de um estudo internacional sobre
educação. No documento “Aprender a ser” a educação permanente foi considerada como
princípio organizador das práticas educativas futuras. Esse reconhecimento da educação
permanente permite uma abertura temporal, indicando a possibilidade de aprendizado ao
longo de toda a vida, e uma abertura espacial, em que a educação permanente abarca
todos os níveis e setores.
Na literatura pedagógica, a formação permanente envolve as diferentes atividades de
formação dos profissionais que já concluíram a formação inicial (graduação). Estas
formações aparecem sob várias denominações: educação em serviço, educação
continuada, educação contínua, formação continuada, formação em serviço... Os nomes
assemelhados indicam as ênfases colocadas nos processos.2 De modo geral, a formação
permanente se efetiva através de atividades, tais como palestras, oficinas, cursos com
temas específicos, eventos e grupos de estudos. Para a especificidade da presente
pesquisa, a coleta de dados foi efetuada a partir da inserção da pesquisadora no projeto de
FC do Município de Vitória-ES. Os professores participavam de reuniões quinzenais
distribuídos por área de conhecimento (Português, Matemática, História, Geografia,
Ciências, Língua Estrangeira, Artes e Educação Física). Eles chamavam essas reuniões de
encontros de formação continuada e/ou grupos de estudos dos Parâmetros
Curriculares Nacionais - PCNs, referindo-se à motivação inicial para a retomada dos
encontros sistemáticos entre os professores no município.
Em relação à permanência de conflitos e disputas entre as perspectivas para a formação de
professores, Zeichner e Liston (citados por NÓVOA, 2002, p. 38), em obra datada de 1990,
apresentam quatro grandes tradições no movimento de reforma da formação de
professores: a tradição acadêmica com prioridade aos saberes disciplinares a ensinar; a
2
Para um mapeamento dos estudos sobre a formação continuada de professores ver: ANDRÉ, Marli
(org.). Formação de professores no Brasil (1990-1998). Brasília: MEC/Inep/Comped, 2002.
29
tradição da eficiência social com prioridade aos saberes pedagógicos e ao domínio dos
instrumentos e métodos de ensino; a tradição desenvolvimentista com prioridade ao
desenvolvimento psicológico dos atores educativos e a tradição reconstrucionista social com
prioridade à inserção social das práticas de formação de professores. Pérez Gomez (1998),
fazendo referências a vários autores, propõe uma síntese de quatro perspectivas básicas
que estiveram em conflito ao longo da história na maioria dos programas formalizados de
formação: a acadêmica, a técnica, a prática e a de reconstrução social. Nessas sínteses,
observa-se a permanência do confronto entre a idéia do professor como um executor de
propostas e a possibilidade da produção de conhecimentos pelo professor.
Em estudo sobre o professor como profissional na transição paradigmática, Carvalho (2002)
aponta quatro tendências atuais: a do professor como um profissional competente, a do
professor como um profissional reflexivo, a do professor como um profissional orgânico
crítico e a do professor como um profissional pós-crítico. A partir das tendências apontadas
por essa autora, é possível inferir as demandas de linguagem que se apresentam no
contexto da atividade docente.
Transplantada das grandes corporações capitalistas para a instituição escolar, a tendência
que concebe o professor como profissional competente destaca a habilidade para produzir
resultados com otimização máxima de recursos humanos e materiais. Essa tendência,
centrada em resultados mensuráveis, considera as competências e habilidades humanas de
modo desvinculado das dimensões de lugar, de tempo e de espaço indicando uma
dissociação entre o trabalho docente e as condições sociais de seu exercício (CARVALHO,
2002, p. 22). Nessa tendência podemos inferir que as atividades de linguagem requeridas
aos professores se reduzem às ações específicas do ensino e aprendizagem da língua
tendo como foco as metodologias de ensino e as ações de prestação de contas dos
resultados desejáveis, tais como planos, projetos, relatórios e justificativas de trabalhos.
A tendência que concebe o professor como profissional reflexivo3 “emerge no contexto de
uma perspectiva praxeológica/pragmática de ação profissional” tendo como base os estudos
de Schön (1995; 2000) que, influenciado pelo pragmatismo de Dewey, propõe uma nova
espistemologia da prática voltada ao conhecimento profissional. Essa segunda tendência
“tem como ponto de partida a competência e a arte inerentes a uma prática profissional
3
No enfoque reflexivo sobre a prática, Pérez Gómez (1998, p. 365) observa que aparecem metáforas
alternativas para representar o novo papel do professor em função da crítica generalizada à
racionalidade técnica. O autor destaca que o professor, “como profissional confrontado com situações
complexas, mutantes, incertas e conflitantes”, é chamado de investigador na aula por Stenhouse
(1984), de profissional clínico por Griffin (1982) e de profissional prático reflexivo por Schön (1983).
30
habilidosa” concentrando-se “na reflexão-na-ação (pensar o que fazem enquanto fazem)
que os profissionais desenvolvem em situações de incertezas”, buscando-se “a superação
do dilema entre o rigor (conhecimentos científicos, técnicos e abstratos) e a relevância
prática (conhecimentos úteis)” (CARVALHO, 2002, p. 24). Nessa perspectiva, as atividades
de linguagem se mostram também como suporte para a compreensão das ações e para o
registro do processo reflexivo efetivado.
Com a preocupação em desenvolver uma linguagem pública de transformação e esperança
com vistas a uma política de luta democrática, a tendência que concebe o professor como
profissional orgânico crítico sugere a união entre os educadores e outros trabalhadores
culturais para o engajamento na luta pela direção intelectual e moral da sociedade. Como
síntese, “tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico” (CARVALHO,
2002, p. 26). Desse modo, as atividades de linguagem permitem não só o encaminhamento
e o registro da elaboração e execução do trabalho, mas também o estabelecimento de
parcerias entre os trabalhadores e a visibilidade pública dessa atuação.
A tendência que concebe o professor como um profissional pós-crítico “refere-se à
perspectiva do professor como um profissional inserido no debate da pós-modernidade” que,
não se opondo ao crítico, “busca ampliar e repensar os campos de possibilidade do saber,
fazer e poder do professor como profissional” (CARVALHO, 2002, p. 26). Nessa tendência
podemos inferir a ação pela linguagem também para a visibilidade associada à inserção em
espaços sociais de prestígio e de poder.
Como costumeiramente as tradições e perspectivas implicam projetos de formação
diferenciados que não dialogam entre si, Nóvoa (2002, p. 38) propõe dois eixos estratégicos
de formação contínua: a pessoa-professor e a organização-escola “buscando apelar a uma
transversalidade que permita a mobilização de diferentes tradições e correntes científicas”.
Nessa dinâmica dos estudos relacionados à formação de professores se destaca ainda a
necessidade de considerar o processo de aprendizagem dos professores observando a
integração das orientações internas (aprender por si mesmo) às orientações externas e/ou
colaborativas (aprender mediante um supervisor, um livro, um relatório, etc.) (KORTHAGEN,
1998). Também são observadas as diferentes etapas do desenvolvimento profissional ou
fases do ciclo de vida na elaboração de planejamentos de processos de formação que
envolvam a identidade docente e a atuação profissional (SIKES, 1985; HUBERMAN, 1989;
ERIKSON, 1980, TARDIF e RAYMOND, 2000).
31
Essa movimentação do campo aponta para o reconhecimento de que, na atualidade, o
ensino parece mais complexo do que foi no passado. Com uma trajetória iniciada na ênfase
sobre os conteúdos a serem ensinados, as questões de sistema e organização curricular,
focalizando, em seguida, os processos de ensino e de aprendizagem, “convive-se,
atualmente, com uma mudança de foco para dar atenção à profissão e ao desenvolvimento
dos docentes” (LIMA, 2005, p. 20). De maneira geral, observa-se que, na reformulação do
campo, avançou-se do paradigma do “aprender a ensinar” na direção “da indagação sobre
os processos pelos quais os professores geram conhecimentos, além de sobre quais tipos
de conhecimentos adquirem” (MARCELO, 1998).
O desenvolvimento do campo da formação implicou marcadamente a necessidade de que
os professores descrevam e justifiquem a sua ação. As demandas de captar o pensamento
e os dilemas da atividade docente fortalecem a valorização da linguagem no contexto do
trabalho docente. Os registros escritos, em suas diferentes modalidades (registro biográfico
de experiências pessoais dos professores como estudantes, registro de experiências em
cursos de formação, diários de acontecimentos significativos, planejamentos de trabalhos,
etc.) constituem uma das estratégias formativas vinculadas à auto-análise, à comparação, à
implementação de pesquisas e ao engajamento social.
Bullough (1993, p. 394), analisando dossiês produzidos por professores em formação,
destaca que o processo de elaboração de textos permite o contato com o processo pessoal
de desenvolvimento, aumenta a autoconfiança (porque o sujeito se vê como produtor de
conhecimento legitimado), ajuda na consideração dos valores pessoais e facilita a reflexão
dos professores. Vale destacar também que os registros favorecem uma forma particular de
diálogo com o outro através da leitura, o reconhecimento de si e de suas contradições, o
confronto entre o que se pensava fazer e o que realmente aconteceu e o uso da razão no
desenvolvimento da escrita objetiva sobre a experiência vivida (ZABALZA, 1994).
Reconhecendo a importância dos processos de desenvolvimento encadeados pelo trabalho
com a linguagem escrita no exercício da atividade docente, Marcelo (1998) adverte que as
análises de registros efetuados em diários indicam que “por si sós, as reflexões escritas não
conduzem necessariamente a um pensamento mais analítico” demandando a associação
com outras vivências.
Nesse desenvolvimento do campo da formação em parceria com a linguagem, fortalece-se a
idéia de que os professores constroem seu próprio conhecimento quando submergem num
diálogo com a situação e com os pressupostos que orientam sua ação no cenário concreto
do fazer docente. Nesse sentido, a dimensão política do trabalho docente ganha relevância.
32
Procura-se dar voz ao professor4 tomando-o como protagonista com o pressuposto de que
nunca se acaba de aprender. Nóvoa (2002, p. 36) destaca que o professor “tem que possuir
certos saberes, mas, sobretudo tem que os compreender de modo a poder intervir sobre
eles, desestruturando-os e reorganizando-os”. Nessa lógica, evidencia-se que os
professores são produtores de materiais de ensino, são criadores e inventores de
instrumentos pedagógicos e que são profissionais críticos porque “encontram-se perante
uma atividade constante de produção e de invenção” (NÓVOA, 2002, p. 36-37). O
desenvolvimento profissional é tomado como um processo contínuo. Nessa perspectiva, o
contexto da escola ganha relevância para a formação. A concepção de escola reflexiva
envolve a dimensão pessoal da mudança em relação aos aspectos institucionais e sociais.
Sob a perspectiva da formação como um processo constante, aposta-se na capacidade de
os professores tomarem decisões com base nos seus conhecimentos, na sua experiência e
na interação com a situação. Advoga-se o investimento na formação de profissionais
visando à constituição da escola como uma organização aprendente que qualifica não só os
que nela aprendem, mas também os que nela ensinam, além de todos os que apóiam
professores e alunos (ALARCÃO, 2001). Com isso, são esboçados os contornos de uma
nova profissão docente indicando aos professores um novo papel englobando três
dimensões: pedagógica, científica e institucional (NÓVOA, 2002, p. 27).
Tomando como proposta os dois eixos: a pessoa-professor e a organização-escola, Nóvoa
(2002, p. 38) defende que a FC “deve contribuir para a mudança educacional e para
redefinição da profissão docente”. Defende também que “o espaço pertinente da formação
contínua já não é o professor isolado, mas sim o professor inserido num corpo profissional e
numa organização escolar”. Nesse contexto que postula a produção de conhecimentos pelo
professor, a formação pela pesquisa vem sendo valorizada como um importante instrumento
de formação. Se, por um lado, a temática da pesquisa ainda não obteve uma grande
penetração na área educacional e as condições concretas do trabalho docente no Brasil
4
Questiono a expressão “dar voz ao professor” tão utilizada no campo da formação de professores.
Reconhecer o professor enquanto autor de sua prática indica um diálogo recíproco que vai além de
permitir a voz, mas ouvi-la e considerá-la. Esse aspecto começou a ser enfatizado no cenário
nacional a partir da chegada dos trabalhos organizados por Nóvoa. É importante resgatar a
expressão completa para evitar essa fragmentação. Num desses trabalhos, Goodson (1992), falando
a partir do contexto canadense, observou a urgência de nos programas e projetos de formação se
“dar voz e vez aos professores” (grifo meu), permitindo que suas experiências redimensionem as
estratégias formativas. Tomando a perspectiva bakhtiniana da linguagem, a expressão é
potencializadora das ações uma vez que “a expressão precede e organiza a experiência, dando-lhe
forma e direção” (KRAMER, 2004). Nesse sentido dar voz aos professores implica também considerar
seus interlocutores porque as enunciações se dirigem ao outro, respondem, refutam, dialogam e
mudam de acordo com as respostas do outro. Enfim, busca-se mais que o direito à palavra, mas o
direito ao diálogo reconhecendo a tensão dialógica presente no convívio humano.
33
dificultam a inserção da pesquisa no perfil dos professores da escola básica, por outro, a
concepção de pesquisa como uma práxis dialógica, reflexiva, crítica e transformadora vem,
cada vez mais, sendo fortalecida como uma demanda do processo pedagógico e da prática
formativa (LÜDKE et al., 2001). Essa perspectiva demanda, diretamente, atividades de
linguagem e, principalmente, atividades de escrita na elaboração, desenvolvimento e
sínteses das possíveis pesquisas realizadas.
Nóvoa (2002, p. 40), a partir de um trabalho coletivo de FC realizado por McBride (1989),
destaca quatro linhas de consenso sobre a FC de professores. Na primeira linha de
consenso, apresenta-se o reforço de modelos de colaboração através de trabalho em
conjunto, cooperação e dispositivos contratuais entre os atores envolvidos. Na segunda
linha, valorizam-se as dinâmicas de investigação-ação, que subsidiem as práticas reflexivas
como espaço de formação. Na terceira, focalizam-se as escolas como espaços privilegiados
para a formação destacando também a importância de articulação com os projetos
organizacionais e com as mudanças das próprias instituições escolares. Por fim, na quarta
linha de consenso aposta-se em estratégias de FC que contribuam para o desenvolvimento
profissional dos professores. Nóvoa (2002, p. 40), analisando esses consensos, destaca
ainda a necessidade de uma grande flexibilidade devido à diversidade de papéis que a FC é
chamada a desempenhar. Em função dessa variedade de objetivos que a FC pode atender
é preciso assegurar margens de manobra aos atores envolvidos: aos professores e às suas
associações, às escolas, às instituições de formação, etc.
Desse modo, na diversidade de perspectivas e sínteses possíveis do campo da formação,
diferentes modos de compreender e de implementar os processos de formação têm se
configurado. Não desconsiderando a constatação de que algumas iniciativas “são
nitidamente, tentativas ou formas de viabilizar reformas educacionais em curso e de adaptar
e conformar os professores às políticas neoliberais” (LIMA, 2005, p. 20), é importante
destacar, em face do propósito dessa pesquisa, que ocorre um reencontro decisivo da FC
com as atividades de linguagem. As atividades de linguagem se configuram não só como
atividades de ensino, mas também como atividade formadora em interface com o
engajamento social. Com isso, vemos se materializar no campo da formação de professores
um discurso da importância da escrita que, em muitos momentos, se constitui em processos
de avaliação dos professores.
Nesse sentido, tomando uma abordagem contextual da linguagem, o discurso da
importância da escrita do professor não pode ser dissociado do contexto de sua produção.
O estudo da escrita do professor envolve também as interdições derivadas das condições
34
de existência no espaço educacional. Essa perspectiva demanda conceber as diferenças de
desempenho bem como as questões a elas pertinentes como elementos integrantes do
contexto social (no caso atual, de um contexto de instauração de desigualdades). Já no
primeiro contato com os sujeitos, evocou-se uma das facetas da dimensão contextual em
que as práticas de escrita se apresentavam aos professores participantes da pesquisa:
_ Você tem um problemão de pesquisa. Aqui é uma dificuldade para fazer esse povo escrever (PM2).
(DC-R3)
Esta evocação, por um lado, ratificou a pertinência da pesquisa (para tranqüilidade da
pesquisadora) e, por outro, evidenciou a complexidade da investigação que não poderia ser
descolada das diferentes dimensões da escrita no mundo social. Para inter-relacionar os
aspectos contextuais da escrita na vida do professor, a pesquisa foi ancorada numa
concepção discursiva da linguagem.
1.4 A análise das práticas de escrita numa concepção discursiva
Tratar a linguagem, e particularmente as práticas de escrita de professores, numa
concepção discursiva, tendo como foco o trabalho do sujeito na linguagem, supõe uma
teoria que conceba, a partir da interação, a possibilidade de o homem se constituir e de
reinventar a si e à sociedade continuamente. Para isso, a partir de um aporte teórico relativo
à concepção sócio-histórica da educação, esta pesquisa tem como principais pontos de
ancoragem os princípios teórico-metodológicos de Bakhtin5 (1895 - 1975) e de Certeau
(1925 - 1986). A construção teórica desses autores engloba diferenciados campos do
conhecimento. Os temas constituidores dos arcabouços teórico-metodológicos demonstram
suas especificidades e particularidades. Nessa parte introdutória, apresento esses autores e
exploro alguns aspectos com vistas à análise das práticas de escrita dos professores numa
concepção discursiva.
5
Os estudos de Bakhtin encontram-se inseridos no grupo de trabalho chamado de Círculo de
Bakhtin. Trata-se de um grupo de amigos que durantes os anos 1920-1930 se encontravam e
trabalhavam juntos. Além de M. M. Bakhtin pertenciam ao grupo Matjev Isaevch Kagan (1889-1937),
Pavel Nikolaevich Medvedev (1891-1938), Lev Vasilevich Pumpjanskij (1891-1940), Ivan Ivanovitch
Solletinskij (1902-1944) e Valentin Nikolaevich Voloshinov (1895-1936). Considerando a problemática
da definição das referências das obras sintetizadas sob a autoria do Círculo de Bakhtin, e atentando
para não reduzir a obra de um autor à sombra do outro, todas as obras com “identidades duplas”
serão referenciadas pelos seus autores na bibliografia desse trabalho. Sobre as obras disputadas no
Círculo, ver Tezza (2003), Faraco (2003) e Seriót (2005).
35
A construção da obra de Bakhtin não é unívoca. Assistimos a uma disputa póstuma por sua
alma política com a apropriação de seus estudos pelas mais diversas correntes ideológicas
(STAM, 1993, p. 150). A obra do Círculo de Bakhtin recebeu enfoques diferentes de acordo
com a época e o local de recepção (SÉRIOT, 2005, p. 59-60). Temos referências a Bakhtin
como pensador (SCHNAIDERMAN, 1997; AMORIM, 2001), filósofo (CLARK e HOLQUIST,
1998; FARACO, 2003; VELMEZOVA, 2005), historiador da literatura (FIORIN, 1998), filólogo
(VELMEZOVA, 2005; FIORIN, 1998) e crítico literário (VELMEZOVA, 2005). No entanto,
conforme Faraco, Castro e Tezza (2001, p. 9), Bakhtin “resiste às classificações” porque “ele
é menos um seguidor e muito mais um formulador original de idéias”. Bakhtin, ao se
envolver com as perguntas dos outros (o idealismo lingüístico, as diversas correntes da
psicologia, os formalistas russos e as teorias estéticas em geral) e ao criticar suas
respostas, foi construindo todo um pensamento que transcende seus interlocutores de
partida.6
Ao estudar a linguagem, Bakhtin discute temas como a luta de classes e a ideologia
possibilitando situar seu trabalho num contexto mais amplo. Tratando da temática da
responsabilidade ligada à perspectiva da arte, Bakhtin afirma: “cada um de nós é
responsável, ou respondível, por nossas atividades”. Como nossas atividades correm nas
fronteiras entre o eu e o outro, a comunicação entre as pessoas tem centralidade na obra do
autor (STAM, 1992, p.17). Na noção de heteroglossia, podemos captar uma importante
contribuição política de Bakhtin. Essa noção pressupõe uma cultura fundamentalmente não
unitária na qual diferentes discursos existem em relações cambiantes e multivalentes de
oposição (STAM, 1992, p. 101). Nesse caráter contextual de seus conceitos, algumas
categorias, tais como polifonia, carnavalização e dialogismo, dão respostas muito ricas para
questões que, nascidas no terreno da especialização literária, transcendem esses limites
(TEZZA, 2004, p. 50). Nessa fertilidade dos estudos de Bakhtin, Todorov (1992) destaca que
a unidade da obra do autor está em sua concepção de que “o inter-humano é constitutivo do
humano”. Enfim, a fertilidade da obra de Bakhtin, penetrando campos e abordagens
diferenciadas e possibilitando análises ampliadas de variados eventos, representa uma fonte
inesgotável para estudos. Na dinâmica desta pesquisa, a leitura de sua obra intenciona a
apropriação de alguns traços de seu pensamento para trabalhar com a problemática da
escrita do professor situada no contexto do desenvolvimento escriturístico. É na dimensão
de filósofo, como ele mesmo se entendia (FARACO, 2003, p. 35),7 que ele oferece uma
6
Sobre a interação entre Bakhtin e a lingüística soviética, entre seus textos e seu contexto intelectual,
ver Lähteenmäki (2005) e Zandwais (2005).
7
Para uma maior aproximação do caráter filosófico dos estudos de Bakhtin, ver Faraco (2003, p. 3443).
36
concepção de linguagem ancorada no social, importante para este trabalho. Trabalhar com
pressupostos bakhtinianos a partir de sua dimensão filosófica traz para a pesquisa o desafio
de não tratar seus conceitos como ferramenta técnica, mas substancialmente como uma
visão de mundo que só tem significado num conjunto complexo de elementos enraizados na
realidade histórica e inseparável da idéia de valor (TEZZA, 2003, p. 182-184).
Bakhtin concebe a enunciação em sua natureza social. A linguagem se constrói nas
relações sociais implicando conflito, dominação, resistência, adaptação, compondo um
espaço de batalha social numa produção incessante. Cada enunciado se constitui como
parte de um encadeamento mais amplo, aberto e sem fim. Essa idéia de movimento
associada à constituição no social e na criação coletiva evidenciadas no pensamento
bakhtiniano indica a aproximação a Certeau. Nos contextos de uso, colocando o ato na sua
relação com as circunstâncias, Certeau afirma que “o ato de falar é um uso da língua e uma
operação sobre ela” (1994, p. 97). Nesse sentido, seus trabalhos indicam que “o ato de
palavra não pode separar-se das circunstâncias” (1994, p. 82). Essa compreensão
contextual do discurso, em que é observado o processo de circulação das enunciações no
jogo negociativo em que efetiva a compreensão, marca uma possibilidade de leitura
discursiva dos autores. Essa perspectiva comum na obra de Bakhtin e de Certeau se
mostrou importante para integrar os aspectos relativos às práticas de escrita vivenciadas
pelos professores com os sentidos dessas ações nas interações sociais. Com isso, a
observação da expressão e do silenciamento (também na escrita) dos professores é
efetivada na pesquisa considerando o contato entre os interlocutores, as posturas
assumidas, o lugar de onde se fala...
No entrecruzamento das disciplinas e dos métodos (GIARD, 1995, p. 7), os estudos de
Certeau se relacionam a sua condição de jesuíta em que – como teólogo crítico à ação da
igreja (principalmente após as viagens à América Hispânica e ao Brasil) e como historiador
atento às várias manifestações da crença – transfere a ênfase do doador para o receptor, da
transmissão para a apropriação (BURKE, 2000, p. 248). Ao centrar seus estudos na
perspectiva do grupo social, da criação de seu espaço de movimentação, desenvolve uma
visão inovadora de cultura. Sob a concepção de cultura no plural (reconfigurada para
múltipla) com ênfase na operacionalidade e na virtuosidade das práticas correntes, é
possível captar o espaço de atuação dos sujeitos. Conceber esse espaço implica o
reconhecimento da luta de classes e da ideologia presente na vida cotidiana. Implica
também a observação da multiplicidade de componentes e de contradições nas interações
que constituem a dinâmica social. Nesse sentido sua obra nos convida a encontrar maneiras
37
de descobrir o que há de não previsto nas ações, sempre sociais, dos sujeitos (POSSENTI,
2004, p. 116).
Não gostando de se definir ou de classificar o que fazia nas categorias disciplinares,
Certeau proclamou sua identidade primeira como historiador. Fiel a uma epistemologia da
variação, sua obra focaliza a análise “das práticas através das quais os homens apropriamse, à sua maneira, dos códigos e lugares que lhes são impostos, ou então subvertem as
regras aceitas para compor formas inéditas” (CHARTER, 2002, p. 160). Certeau é um
pensador plural cuja interpretação das práticas culturais contemporâneas possibilita
observar as operações dos usuários deslocando a atenção do consumo supostamente
passivo dos produtos recebidos para a criação anônima (GIARD, 1995). A superação do
limite da obediência, da uniformização e do assujeitamento para perceber as diferenças e a
inventividade na materialidade discursiva ofereceu um enfoque coerente para as
perspectivas deste trabalho. A proposição de Certeau de colocar em relevo as formas de
apropriação das práticas pelos sujeitos em face da dinâmica social em sua complexidade e
contradições se mostra muito importante ao desenvolvimento desta pesquisa. Tratar a
escrita de professores como prática social vinculada a um contexto implica captar os
processos de apropriações envolvendo os estímulos, as recusas, as interdições, as
transformações, enfim, todo processo negociativo que constitui a aproximação dos
professores com as demandas de escrita que são chamados a responder.
Os autores, base deste trabalho, que viveram durante certo tempo em uma mesma época,
além de possuírem aproximações em sua formação acadêmica ligada às Ciências Sociais e
Humanas (Bakhtin cursou História e Filologia;8 Certeau cursou História, Letras Clássicas,
Filosofia e Teologia), destacam a linguagem nas mediações sociais, dão importância à
subjetividade (ao considerarem o homem um ser expressivo e produtor de objetos culturais)
e concebem a constituição do sujeito como ser histórico e social.
A partir desses
pressupostos, a concepção de escrita proposta para esta pesquisa não reduz a linguagem a
uma codificação lingüística. Comporta também gestos, objetos, rituais, valores, intenções,
funções e relações implicadas nas diferentes dimensões da organização da vida social.
Esse
referencial também
possibilita considerar
a autoria dos
sujeitos em
sua
invenção/atuação cotidiana e a potencialidade das ações.
A partir dos pressupostos, brevemente enunciados anteriormente, que sugerem que as
produções teóricas de Bakhtin e de Certeau se iluminam mutuamente, busco um diálogo
8
Para uma análise do retrospecto dos estudos de Bakhtin, ver Poole (2001, p. 125).
38
entre suas abordagens estabelecendo ligações entre a idéia de ação humana, a concepção
de linguagem e a perspectiva do sujeito. A seleção efetuada na obra dos autores para o
diálogo proposto a seguir pretende, sem estabelecer superposição ou pasteurizar
diferenças, realçar que algumas questões que os dois discutem se tocam e inspiram a
análise da escrita de professores relacionada à dinâmica do contexto social. Para observar a
atuação dos professores frente às demandas de escrita, elenco as categorias de atuação,
interação e criação estabelecendo ligações entre a idéia de ação humana e a concepção
de linguagem. Nesse sentido, a pesquisa sobre as práticas de escrita dos professores se
direciona para a atuação do sujeito frente à constituição progressiva do contexto
grafocêntrico. Ao focar a atuação do sujeito na pesquisa, integro o letramento como um
conceito importante para relacionar as implicações do desenvolvimento da sociedade
grafocêntrica com a função da escrita na análise das políticas de distribuição do saber.
1.4.1 A perspectiva de atuação do sujeito: atuação, interação e criação
Buscando uma formulação superadora da antinomia indivíduo-sociedade, através do
enfoque sócio-histórico sobre a ação humana, proponho, conforme Wertsch (1998, p.60),
que o funcionamento mental e o contexto sociocultural sejam entendidos como momentos
dialeticamente interativos da ação humana. Nessa proposição, a ação humana fornece um
contexto dentro do qual o indivíduo e a sociedade são entendidos como momentos interrelacionados. O estatuto do sujeito e do sentido, conforme vem sendo encaminhado, não
está ligado a uma filosofia do sujeito neutro, transparente a si próprio (metafísica idealista),
nem tampouco a uma filosofia do sujeito sem determinações sócio-ideológicas (materialismo
mecanicista), mas se refere à complexidade da constituição do sujeito. Envolve tanto sua
inserção em universos (de discursos) em que se inscreve (constituição social, histórica,
ideológica...) onde sua subjetividade é resultado da polifonia social, quanto, e ao mesmo
tempo, seu papel de agente ao reelaborar os discursos e os sentidos na práxis. É nessa
perspectiva, que o diálogo entre os trabalhos de Bakhtin e de Certeau - proposto nesta
pesquisa - parte da centralidade da ação humana na produção social da realidade, como já
foi adiantado.
A centralidade da ação humana pode ser captada no pensamento bakhtiniano a partir da
premissa do enunciado como forma de ação (BAKHTIN, 1992, p. 334). O homem tem a
especificidade de expressar-se criando textos. Essa expressão só pode compreendida no
interior do contexto dialógico de seu tempo, ou seja, observando os aspectos interrelacionais da vida humana. O texto é o “reflexo subjetivo de um mundo objetivo”, é a
“expressão de uma consciência que reflete algo” (1992, p. 340). Desse modo, o princípio
39
dialógico-constitutivo ressalta o papel da interação discursiva na constituição dos sujeitos e,
simultaneamente, da língua.
A noção de sujeito se sustenta no modo como Bakhtin
concebe a enunciação: “processo em que o eu se constitui pelo outro e como outro do
outro”. A questão da subjetividade está ligada à da alteridade, ambas vinculadas a uma
concepção dialógica da linguagem que indica que “o sujeito bakhtiniano advém na
intersubjetividade, dialogizado por um
terceiro que tem
substância e atravessa
constitutivamente o um” (TEIXEIRA, 2004, p. 690).
O princípio dialógico – que tem importância fundamental no pensamento e no método de
Bakhtin – apresenta como idéia central a relação entre o enunciado e outros enunciados
comportando o diálogo entre interlocutores e o diálogo entre discursos que configuram uma
sociedade, uma comunidade, uma cultura. Esse princípio não confina a linguagem a um
sistema fechado de regras e exceções, mas observa sua constituição nas situações
concretas que lhe dão sentidos. Numa concepção dialógica, a linguagem se destaca como
um espaço em que os valores contraditórios se expressam, como “o modo mais puro e
sensível da relação social” (BAKHTIN, 1997, p. 36), como produto da interação viva das
forças sociais em que “cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros
enunciados” (BAKHTIN, 1992, p. 291). Destaca-se também como fenômeno histórico, pois
cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso. É um fenômeno
associado ao ato consciente que tem implicações na comunicação humana, pois penetra
todas as relações dos indivíduos. Na dimensão da ação na interação, a linguagem será
entendida como uma prática viva, “sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido
ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 1997, p. 95).
Fincando a linguagem no terreno dos signos, ou seja, tratando a língua como um fenômeno
social, Bakhtin aborda a construção da língua a partir do fenômeno social da interação
verbal, realizada através da enunciação (ou das enunciações) que renova(m) sem cessar a
“síntese dialética viva entre o psiquismo e o ideológico, entre a vida interior e a vida exterior”
(BAKHTIN, 1997, p. 66). Em resumo: na concepção dialógica da linguagem, discurso e
contexto compõem a dinâmica social dos indivíduos. Sendo assim, a linguagem é,
principalmente, uma criação coletiva, “integrante de um diálogo cumulativo entre o ‘eu’ e o
‘outro’, entre muitos ‘eus’ e muitos ‘outros’” (MARQUES, 2001, p. 41). A alteridade constitui
a marca do humano; o outro é imprescindível. Assim, a dialogia se constitui no jogo social
em que o confronto das entoações e dos sistemas de valores, que posicionam as mais
variadas visões de mundo dentro de um campo de visão, se materializam na construção da
vida (BAKHTIN, 1992, p. 35-36).
40
A palavra penetra todas as relações entre indivíduos. Na noção de dialogismo, Bakhtin
recupera a importância do referente, isto é, além do significante e do significado, entra o
contexto das relações sociais em processo de interação. Com isso, “nenhuma enunciação
verbalizada pode ser atribuída exclusivamente a quem a enunciou: é produto da interação
entre falantes e, em termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que ela
surgiu” (2001, p. 79). Nessa dinâmica de uma esfera mais rica da linguagem, a palavra é
contemporânea do pensamento, ou seja, na medida em que eu me expresso, tomo
consciência do que eu sei, reelaboro o que eu tenho, implicando um sentido de atuação ao
discurso e de possibilidade de organização e expressão da atividade mental. Bakhtin
enfatiza o “encontro com o outro” na formação da consciência. Considerando os
fundamentos sociológicos da consciência, afirma que ela “adquire forma e existência nos
signos criados por grupo organizado no curso de suas relações sociais” (1997, p. 35).
Propondo a dialética do interno e do externo, mediada pela interação verbal, o autor
reafirma a atuação do sujeito implicado em sua realidade social declarando que “o
pensamento humano nunca reflete apenas o ser de um objeto que procura conhecer; com
este ele reflete também o ser do sujeito cognoscente, o seu ser social concreto” (2001, p.
22).
Os pressupostos bakhtinianos nos indicam que o conhecimento e o fundamento do sujeito
se constituem e se expressam no discurso que ele produz, portanto, seu conhecimento só
pode ser dialógico. Bakhtin ancora o sujeito na comunidade, uma vez que o todo verbal no
comportamento do homem pertence ao seu grupo social concebendo a existência humana
dentro das condições sócio-econômicas objetivas de uma sociedade (2001, p. 22 e p. 8487). Essa dinâmica implica um sujeito incompleto em busca da “completude inconclusa”
(MARQUES, 2001, p. 56) em permanente atuação/criação, desmascara o mito da
autonomia individual e concebe a realidade como contraditória e em permanente
transformação (STAM, 1992, p. 30).
Reforçando a importância do discurso vivido e partilhado pelos seres humanos no processo
de interação social, Bakhtin afirma que o diálogo se caracteriza como uma forma privilegiada
de interação (1997, p. 123). Essa recuperação do referente na perspectiva da heteroglossia
(pluralidade de vozes) pressupõe uma idéia de cultura não unitária, pois implica a tomada de
consciência quanto à pluralidade dos modos de discurso, de suas especificidades e de suas
relações com os elementos de valoração presentes no contexto, ou seja, um jogo social de
trocas constantes e versáteis de oposição (MARQUES, 2001, p. 59; STAM, 1992, p. 101).
Nesse embate, para além da repetição, a categoria de criação se expressa porque as
41
possibilidades e as perspectivas que estão latentes na palavra são infinitas (BAKHTIN,
1992, p. 348).
A obra de Bakhtin gira em torno do eixo do eu e do outro, demonstrando que a vida é vivida
na fronteira entre a experiência individual e o excedente de visão (BAKHTIN, 1992). Nesse
sentido, os fatos só são acessíveis a partir do lugar dos sujeitos, então, não posso ver em
mim aquilo que é visto pelo outro (p. 45) indicando que “o homem tem uma necessidade
estética absoluta do outro, da sua visão e da sua memória: memória que o junta e o unifica
e que é a única capaz de lhe proporcionar um acabamento externo” (p. 55). A necessidade
de complementaridade das visões interna e externa na constituição do acabamento (sempre
provisório) do homem demonstra que “nossa individualidade não teria existência se o outro
não a criasse” (p. 55). Desse modo, Bakhtin é um teórico da realização do humano através
do diálogo. Cada sujeito se abre para a experiência do outro incorporando as diferenças e
assumindo seu inacabamento (KONDER, 1990). Mas essa constituição pela palavra se
mostra um processo doloroso porque pressupõe embates sobre o trabalho, a natureza, o
modo de viver, o modo de dizer o mundo e de se dizer nele (LIMA, 2005, p. 28). Nesse
sentido, Stam (1993, p. 167) destaca que a visão profundamente relacional de Bakhtin é
polifônica e celebratória porque “qualquer ato de troca verbal ou cultural [...] deixa ambos os
interlocutores modificados”. No entanto, Stam adverte que uma análise bakhtiniana deve
considerar os perigos do discurso pseudopolifônico. A idéia de polifonia deve ser
suplementada pela idéia de heteroglossia. À simultaneidade harmoniosa de vozes indicada
pela polifonia se associa as “sugestões de conflito social, enraizado, não nas dissonâncias
individuais aleatórias, mas nas profundas clivagens estruturais da vida social” (p. 167). Em
resumo: “os enunciados não são indiferentes uns aos outros, nem tampouco autosuficientes; têm consciência um dos outros e se refletem mutuamente” (BAKHTIN 1986, p.
91 apud STAM, 1993, p. 166). A teoria bakhtiniana nos permite um duplo movimento: de
celebração e de crítica.
Bakhtin (1992, p. 41- 47) considera a ideologia9 de forma abrangente a partir da contradição.
Nesse sentido, concebe a luta de classes tendo o signo como a arena onde ela se
desenvolve. Essa paisagem social, que configura a luta da classe dominante contra a
plurivalência do signo e a tentativa de estabelecer uma monovalência social desse, implica
relações recíprocas entre a infra-estrutura e a superestrutura num contexto ideológico
completo e único. Essa relação constante indica o movimento entre idéias relativamente
instáveis e idéias já relativamente estáveis na concretude do acontecimento (MIOTELLO,
9
Para um estudo sobre o conceito de ideologia na obra do Círculo de Bakhtin, ver Miotello (2005) e
Faraco (2003, p. 45-49).
42
2005). Nesse jogo de vozes diversas ecoando nos signos, a palavra adquire um caráter
criativo no processo de apropriação das palavras alheias na constituição da palavra pessoal
(BAKHTIN, 1992, p. 405 - 406).
Nessas possibilidades infinitas da palavra, observando a relação entre o dado e o criado no
enunciado verbal, Bakhtin afirma que o enunciado nunca é simples reflexo de algo préexistente, fora dele. Ele sempre cria algo novo e irreproduzível, algo que está sempre
relacionado a um valor (a verdade, o bem, a beleza, etc.). Entretanto, a criação sempre
ocorre a partir de uma coisa que é dada. O dado se transfigura no criado. Nessa infinitude,
“os limites dialógicos entrecruzam-se por todo o campo do pensamento vivo do homem”
(BAKHTIN, 1992, p. 348). Sendo assim, o sujeito bakhtiniano possui um estatuto
heterogêneo. Um sujeito aberto e inconcluso, susceptível aos discursos partilhados. Ele se
constitui em atuação, reage, modifica seu discurso em função de outros discursos, emerge
do outro, existe a partir do diálogo com o outro (SOBRAL, 2005, p. 22-25).
Ao sujeito interativo de Bakhtin, é possível associar a idéia de sujeito inventivo de Certeau.
Em Certeau, a ação se relaciona às estratégias e às táticas que retratam as práticas e
resistências das ações humanas no jogo social. Os conceitos de estratégia e de tática
assinalam os indicadores de criatividade nas práticas de apropriação e reemprego dos
produtos. A estratégia se refere as ações que, por postularem um lugar de poder, “elaboram
lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes) capazes de articular um conjunto de
lugares físicos onde as forças se distribuem”. A tática, por sua vez, se refere a arte do mais
fraco que, por não ter um lugar próprio, joga com o terreno que lhe é imposto (1994, p. 97102). A tática, diferentemente da estratégia, não conta com um lugar de poder, tem que
jogar “com os acontecimentos para transformar em ocasiões”. É um cálculo que não pode
contar com uma fronteira, que só tem por lugar o do outro. Ela aí se insinua. Dependente
das circunstâncias, “pelo fato do seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigiando para
‘captar no vôo’ possibilidades de ganho” (1994, p. 46-47).
Certeau (1994, p. 105) advoga a análise das estratégias e das táticas em sua relação. O
estudo das táticas cotidianas não pode desconsiderar o horizonte de onde vêm, e, no outro
extremo, o horizonte para onde as práticas poderiam ir. Nessa perspectiva, por outros
caminhos, Certeau também considera o diálogo com o outro na constituição dos sujeitos na
arena social. Na inventividade é possível captar um espaço de movimentação/atuação do
sujeito onde pode surgir uma liberdade (GIARD, 1995, p. 14). Antes de pensar no sujeito
como sempre assujeitado e no coletivo como uma massa amorfa (como no arcabouço
teórico de base estruturalista), é preciso observar as situações de interlocução nas práticas
43
cotidianas. O contexto também é destacado pelo autor. Por mais que haja processos de
isolamento e silenciamento, “a voz se impõe por toda a parte, constituindo a relação com o
outro nas práticas cotidianas” (CERTEAU, 1996, p. 337). Essas práticas revelam a atuação
do “homem ordinário” em suas “táticas para tirar partido das forças que lhes são estranhas”
explicitando sua inventividade na atuação social (CERTEAU, 1994, p. 47).
A articulação do pensamento dos autores possibilita a compreensão de que o sujeito se
constitui, é constituinte e é inventivo na sociedade (e no discurso). É possível captar um
sujeito ativo, criativo e inventivo fincado em seu contexto como um campo de possibilidades
construído continuamente em processo de interação. Pode-se destacar o reconhecimento
de que a sociedade engendra os sujeitos num processo em que, ao mesmo tempo, os
sujeitos atuam, inventam, produzem significações. Está posta a possibilidade de o homem
se constituir e de reinventar a si e à sociedade constantemente.
Potencializar o sujeito a partir das práticas implica observar as operações efetuadas em
função de objetivos e de relações sociais. Certeau destaca como aspectos dessas
operações o estético, o polêmico e o ético. No aspecto estético, o autor, comparando a
prática cotidiana a um gesto poético que “dobra a seu desejo o uso da língua”, afirma que a
prática cotidiana abre um espaço próprio num reemprego transformante. No aspecto
polêmico, o autor observa as relações de força na apropriação das informações para
apoderar-se de um saber e com isso mudar de direção traçando caminhos de resistência
com operações quase invisíveis. Por fim, no aspecto ético, o autor observa que a prática
cotidiana restaura o espaço do jogo possibilitando a defesa da autonomia de algo próprio
(CERTEAU, 1996, p. 339-340). Advogando a importância de se observar as práticas como
algo essencial que foge às planificações (1994, p. 13), Certeau afirma que pelas práticas
produzem-se mobilizações e estagnações que permanecem em grande parte ignoradas
(1995, p. 233-234).
Essa perspectiva, focada nas práticas integradas às relações humanas e às transformações
das estruturas da vida social, indica que Certeau também trabalha com a noção de
complexidade social e de relações sociais. O autor rejeita a concepção dicotômica de cultura
popular e cultura erudita para afirmar a idéia de cultura no plural (reconfigurada para
múltipla). Cultura é uma prática significativa em que cada um “marca aquilo que outros lhe
dão para viver e pensar” (1995, p. 143). Envolve as “revoluções invisíveis” que “delineiam a
chance de um outro dia” (p. 239). A cultura se revela como atividade social requerendo uma
forma específica de apropriação, um trabalho que deve ser realizado em toda a extensão da
vida social. Implica “um lugar especial que ocupamos e que nos determina na sociedade” (p.
44
228). Portanto, a perspectiva desenvolvida pelo autor o aproxima de Bakhtin na proposição
de uma cultura não unitária.
Nas artes de fazer o cotidiano envolvendo a linguagem e o sujeito, Certeau advoga que
além das estagnações, ocorrem também mobilizações (e esse é seu foco de interesse
investigativo) que revelam as ações dos sujeitos na materialidade discursiva. Nesse
aspecto, a categoria de criação é realçada pelo autor. Ele afirma que, “na realidade, a
criação é uma proliferação disseminada. Ela germina” (1995, p. 242). No entanto, a
ideologia da reprodução nega a ação do sujeito na sociedade e na língua. Desse modo, o
autor também envolve a luta de classes na produção social da realidade. Para o autor
(1995, p. 245), “de certo modo, um meio particular impõe a todos como a lei àquilo que é
somente a sua lei. Uma classe privilegiada marca assim seu poder na educação e na
cultura”. No entanto, não consegue, de todo, controlar os campos de criação presentes no
cotidiano. A ênfase na criação não trabalha com a idéia do isolamento do sujeito10 nos seus
momentos irruptivos de criação, mas a sustenta na idéia de coletividade11 ligada às
transformações da estrutura da vida social. Nessas transformações, as ações culturais
constituem movimentos, inserem criações nas coerências legais, inscrevem trajetórias
inesperadas... Mudam, pouco a pouco, os equilíbrios das constelações sociais (CERTEAU,
1995, p. 250),
Nesse movimento do sujeito, a linguagem também ocupa uma centralidade no projeto
investigativo de Certeau de captar as operações dos usuários na produção social da
realidade. É possível captar em seus trabalhos uma concepção de linguagem que se
aproxima dos pressupostos desenvolvidos por Bakhtin. A linguagem como uma prática viva
se materializa na idéia de que “o ato de falar (e todas as táticas enunciativas que implica)
não pode ser reduzido ao conhecimento da língua” (CERTEAU, 1996, p. 40). Trabalhando
sob a perspectiva da enunciação, o autor afirma que seu objeto de estudo privilegia o ato de
falar que
opera num campo de um sistema lingüístico, coloca em jogo uma
apropriação, ou uma reapropriação, da língua por locutores; instaura um
presente relativo a um momento e a um lugar; e estabelece um contrato
com o outro (o interlocutor) numa rede de lugares e de relações (CERTEAU,
1996, p. 40).
10
O autor (1994, p. 37-38) afirma que o exame das práticas “não implica o regresso aos indivíduos”,
esse postulado está fora do seu campo de estudo. Ele esclarece que seu foco é a relação social e os
modos de operação ou esquemas de ação.
11
Para o autor (1995, p. 242), “somente isso [a coletividade] lhe permite introduzir-se na duração”.
45
A linguagem, em sua natureza social e em suas diferentes modalidades, mostra-se
determinante na produção de significados e na produção de identidades sociais, sendo
também condição para a ação humana. Através dela os seres humanos “dão forma àqueles
modos de falar que constituem sua percepção do político, do ético, do econômico e do
social“ (GIROUX, 1999, p. 31) na arena cotidiana. Para Bakhtin, a língua não é um presídio,
mas um instrumento coletivo e uma arena de combate. Nesse sentido a luta política também
ocorre no terreno da linguagem. Na vida social do enunciado cada palavra está sujeita a
pronúncias e acentos sociais diversos (STAM, 1993, p. 158-159).12
Os autores observam a linguagem no movimento constitutivo do sujeito. Certeau, através da
noção de inventividade nas operações culturais da linguagem ordinária. Bakhtin, através da
idéia de polifonia,13 polissemia e do dialogismo. O termo polifonia refere-se, embora de um
ângulo distinto, ao mesmo fenômeno designado por dialogismo e heteroglossia. A idéia de
polifonia observa a coexistência de uma pluralidade de vozes que não se fundem numa
unicidade, mas existem em registros diferentes, gerando entre si um dinamismo dialógico.
“Nem a heteroglossia nem a polifonia apontam para a simples heterogeneidade como tal,
mas para o ângulo dialógico em que as vozes se justapõem e se contrapõem, de modo a
gerar algo que vai além delas mesmas” (STAM, 1993, p. 164).
Bakhtin (1993a; 1993b) esclarece que com a ajuda da linguagem se criam e se formam os
sistemas ideológicos, a ciência, a arte, a moral, o direito, etc. Ao mesmo tempo, a linguagem
atua na formação da consciência de cada homem. Toda a vida interior do homem se
desenvolve em relação com os meios que lhe servem para expressá-la. Qualquer
fenômeno, situação, desejo, necessidade, etc. provoca no homem uma reação orgânica que
faz nascer a linguagem interior. Esta facilmente se transforma em linguagem exterior.
Ambas se encontram igualmente orientadas para o “outro”.14 Tanto o falante quanto o
ouvinte são participantes do acontecimento da enunciação e ocupam posições
interdependentes.
12
A teoria bakhtniana possui um conjunto de termos, dotados de conotações verbais e musicais, para
evocar os complexos códigos sociais e lingüísticos que regem as pronúncias e sotaques rivais:
acento social, avaliação social, tato e entonação (STAM, 1993, p. 59).
13
Stam (1993, p. 164) informa que o termo polifonia é derivado da música e foi originalmente
formulado em referência à complexa interação de vozes ideológicas na obra de Dostoievski.
14
Bakhtin (1993a, p. 252) salienta que mesmo o discurso interior é dialógico, exemplificando que
quando temos que tomar uma decisão, discutimos com nós mesmos e nossa consciência parece
dividir-se em vozes que se contrapõem.
46
Para o autor, a linguagem interior e a linguagem exterior mantêm uma relação de
interdependência, uma vez que a linguagem interior reaviva a linguagem exterior ao mesmo
tempo que é determinada por ela. Nesse processo, as “razões sociais particulares” causam
os diferentes conflitos na expressão. No momento da expressão, da passagem da sensação
como expressão interior para a enunciação realizada exteriormente, ocorre o contraponto
com o ambiente exterior, com o ouvinte, o leitor, o crítico, etc. em que toda a orientação
social se manifesta. Ocorre a prova da verificação, da necessidade do domínio do “material”
para ser compreendido. O material também se constitui como um produto ideológico, uma
obra como realmente existente, que representa um conjunto de idéias e valores que se quer
transmitir oportunizando inserir-se num grupo que comunga com essas idéias, dialogar com
outros grupos, responder, refutar, etc. A linguagem é tanto material como instrumento da
criação. Ainda, a obra deve adaptar-se às condições técnicas exteriores. O seu fim – ser
oralizada para um ouvinte presente, ser lida para uma platéia, ser impressa para ser
distribuída ou vendida, ser submetida a um comitê editorial, etc. – é um dos elementos que
asseveram a presença do ambiente social em toda a dinâmica complexa da criação.
Em nossas relações, vivenciamos várias formas de intercâmbios comunicativos e para cada
momento efetuamos os processos de adequação necessários à comunicação, considerando
os participantes da situação. Para efetivação dos intercâmbios comunicativos nas diferentes
esferas da atividade humana, o enunciado refletirá as condições de cada uma das esferas
de sua materialização. As diferentes esferas da atividade humana, por sua vez, demandam
gêneros específicos para seus intercâmbios comunicativos. Então, o conteúdo temático, o
estilo verbal e a construção composicional indicam as condições de produção do enunciado
nos intercâmbios efetivados a partir das demandas das esferas da atividade humana. No
estudo dos gêneros, Bakhtin (1992, p. 277-287) propõe uma primeira grande classificação
em dois tipos: primários e secundários. Considerando esses dois tipos de gêneros como
realidades interdependentes, o autor afirma que os gêneros primários pressupõem a
situação de produção enquanto que os secundários abstraem completamente a situação de
produção, aparecendo em circunstâncias de comunicação cultural mais complexas.
Referenciando-se em Bakhtin, Goulart (2005a) afirma que ler e escrever são atividades
altamente complexas que envolvem o conhecimento de linguagens sociais. A autora
destaca ainda que:
As linguagens sociais ligadas às esferas sociais do conhecimento nos dizem
das muitas possibilidades que temos de olhar para o mundo, são
perspectivas sociais; e os gêneros do discurso são formas de ação social
nesse mundo, nessa realidade. Ampliam, portanto, nossas possibilidades
discursivas, ampliando nossas possibilidades de participar de forma mais
ativa e compreensiva da sociedade.
47
Uma síntese representativa dos pressupostos de Bakhtin e de Certeau a partir das
categorias elencadas para esta pesquisa (atuação, interação e criação) se configura na idéia
de que a relação do homem com o mundo se efetiva através dos intercâmbios
comunicativos. Em diferentes instâncias, o jogo social é posto na rede interativa da vida
cotidiana. Na relação interativa, o espaço do sujeito pode ser captado em Bakhtin na
dialética do subjetivo e do objetivo mediada pela linguagem na interação social (eu/outro em
interação pela linguagem). Uma interação com apropriações, resistências, conflitos... Em
Certeau, a concepção de cultura no plural demonstra a possibilidade de que, nas operações
dos usuários (re-apropriação), o espaço do sujeito em processo criativo e inventivo seja
preservado. A obra do autor permite a observação das clivagens sociais quando recomenda
considerar a origem e a direção das práticas, ou seja, considerar as estratégias e as táticas
em relação. Ambos consideram a subjetividade na possibilidade da autoria ao destacarem a
inventividade, a criatividade e o estabelecimento de sentidos e ao conceberem o homem
como um ser expressivo e produtor de objetos culturais. Apontam a importância do social na
constituição do sujeito, mas assinalam que seu determinismo não se configura uma vez que
“quanto mais o homem compreende que é determinado (reificado), mais perto está de
compreender também, e de realizar, a sua verdadeira liberdade” (BAKHTIN, 1992, p. 379).
Conforme encaminhado anteriormente, os pressupostos teóricos de Bakhtin e de Certeau
incorporam o social, o cultural e o histórico permitindo uma aproximação a uma abordagem
ético-cultural necessária à proposta desta pesquisa. Em continuidade, integro o conceito de
letramento ao quadro teórico proposto para esta pesquisa explorando o contexto
escriturístico na perspectiva de configurar uma dimensão formadora das práticas de escrita.
1.4.2 O letramento na perspectiva da dimensão formadora das práticas de escrita
A proposição central da perspectiva bakhtiniana concebe a linguagem como uma prática
social, tendo, portanto (e inevitavelmente), relação com a ideologia, com a sociedade e com
a história (SILVESTRE e BLANCK, 1993, p. 21). Como produto da vida social, a linguagem
tem, ao mesmo tempo, uma enorme influência sobre o desenvolvimento da vida econômica
e sociopolítica (BAKHTIN, 1993a, p. 242). Na dinâmica da natureza social da linguagem,
Bakhtin (1993a, p. 242) explora a organização do trabalho na sociedade e a luta de classes
como indicadores da origem e desenvolvimento da linguagem. Perseguindo essa sociologia
da linguagem, as transformações contextuais do mundo contemporâneo, com suas
implicações na dinâmica do conhecimento e da linguagem, apresentam indicadores
importantes para o delineamento desta pesquisa. Nesse sentido, as práticas de escrita
48
nesse mundo escriturístico15 estão imbricadas com os “fenômenos da globalização, com os
avanços científicos e tecnológicos e com a adesão a um projeto neoliberal do mundo e da
sociedade” (CARVALHO, 2002).
Conforme Williams (1992), a escrita pressupõe aprendizagem específica. Diferentemente de
poder assistir a uma dança, olhar uma escultura ou ouvir uma música, a escrita como uma
técnica cultural é inteiramente dependente de processos intencionais e especializados de
aprendizagem implicando relações sociais particulares com essa prática cultural ao longo de
sua trajetória histórica. O caráter imperativo da escrita no contexto atual é fruto de um
percurso que, de forma resumida, pode ser retratado no seguinte itinerário traçado pelo
autor:
A escrita passou de (1) uma função de apoio e de registro, em sociedades
em que a composição e a tradição orais ainda eram predominantes, por (2)
uma etapa em que a essa função agregou-se a composição escrita para ser
representada oralmente e por (3) um estágio ulterior em que a composição
era também escrita apenas para ser lida, até (4) a etapa mais recente,
conhecida por todos, em que a maioria ou virtualmente toda composição era
escrita para leitura silenciosa e, por essa razão, foi, finalmente, generalizada
como ‘literatura’ (WILLIAMS, 1992, p. 94).
As vantagens da escrita, com sua enorme expansão de tipos então possíveis de
continuidade e de acesso, têm como contraponto as desvantagens da especialização
implícita da faculdade de produção e recepção produzindo divisões culturais. No entanto,
tomando como referência os trabalhos de Bakhtin e de Certeau, essas divisões não se
explicam apenas na técnica, é preciso relacioná-las ao contexto da linguagem em suas
relações sociais. A compreensão do percurso em que a escrita, mesmo como uma atividade
mobilizadora da diversidade, se impõe como elemento de dominação passa por questões da
diversidade lingüística e da subordinação da oralidade à escrita que só se explicam nas
decisões tomadas pela humanidade (GERALDI, s/d, p.8). Certeau (1994) observa que a
instituição dos aparelhos escriturísticos foi acompanhada pelo duplo isolamento do povo. O
isolamento em relação à burguesia e o isolamento em relação à voz, com dificuldade de
acesso à escrita promovendo, assim, “a convicção que longe, bem longe dos poderes
econômicos e administrativos o povo fala”. Uma voz constituída em voz do povo por
repressão, “objeto de nostalgias, controle e, sobretudo imensas campanhas que a
rearticulam sobre a escritura por meio da escola” (CERTEAU, 1994, p. 222). Geraldi (s/d, p.
9) destaca que o exercício do poder possibilitado pela restrição ao mundo da escrita aos não
15
O conceito de escriturístico (CERTEAU 1994) ou escriturário (CERTEAU, 2000), conforme a
tradução, se refere tanto às operações da escrita quanto ao momento em que a escrita funda uma
nova economia que se distancia da oralidade, mundo das vozes e da tradição.
49
convidados permitiu a seleção, a distribuição e o controle do discurso escrito. A história da
escrita é também a história da dominação. A escrita, a partir do sentido de unificação da
linguagem que exige, tem sido o espaço de centralização da linguagem. A escrita parece
carregar o peso da verdade e a evocação da autoridade (TEZZA, 2004)
Assim, na mediação humana, a escrita se constitui um importante instrumento de
dominação e também um objeto de desejo porque a busca de sua apropriação, e da
escolarização logo a ela associada, resultou da percepção do povo de sua significação e
relevância no percurso social (GERALDI, s/d, p. 8). Como uma atividade que não se encerra
em si, ao longo do tempo foram estabelecidos processos conflitivos na distribuição dos
saberes letrados. Os poderes constituídos, na intenção de controlar os processos de
apropriação, foram permitindo apropriações parciais (fruto da luta por essa conquista e das
demandas do desenvolvimento econômico) e reservando, para o segmento designado a
exercer o controle social, as ações que demandam uma sofisticação da atividade.
Nesse percurso do estabelecimento do domínio da palavra (escrita), alguns termos são
ressignificados no cenário. Segundo Soares (1998, p. 15), a palavra letramento chega ao
vocabulário da Educação e das Ciências Lingüísticas na segunda metade dos anos 80, num
campo semântico de expressões, tais como analfabetismo, analfabeto, alfabetizar,
alfabetização, alfabetizado, letrado e iletrado, até então familiares ao nosso contexto. O
sentido do letramento está relacionado ao “resultado da ação de ensinar ou de aprender a
ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como
conseqüência de ter-se apropriado da escrita” (p.18). Essa conceituação implica o
reconhecimento da natureza complexa e heterogênea das dimensões individual e social do
letramento. Quando o foco é posto na dimensão individual, o letramento é visto como um
atributo pessoal relacionado à posse das tecnologias mentais complementares de ler e
escrever. Quando o foco se desloca para a dimensão social, “o letramento é visto como um
fenômeno cultural, um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita, e de
exigências sociais de uso da língua escrita” (p. 66). A autora afirma ainda que há
dificuldades para estabelecer uma definição consistente de letramento porque seu conceito
“envolve um conjunto de fatores que variam de habilidades e conhecimentos individuais a
práticas sociais e competências funcionais e, ainda, a valores ideológicos e metas políticas”
(p. 80 - 81).
Tolchinsky-Landsmann (s/d), trabalhando com a noção de alfabetismo, apresenta o aspecto
prático, o científico e o literário como componentes dessa noção. O primeiro acentua a
importância de dominar a escrita para adaptar-se à vida moderna, executar atividades de
50
trabalho, de transação, de transporte, etc. O segundo, enfatiza seu papel no avanço de um
indivíduo, grupo ou comunidade ressaltando o papel da linguagem escrita no acesso à
informação e a formas superiores de pensamento, como possibilitadora de novas formas de
compreensão. O terceiro, inclui um componente relacionado ao “estado de graça”,
destacando o belo. A autora ressalta que todos fazem parte de nossa representação cultural
de alfabetismo, não só dos já alfabetizados, mas também daqueles que estão em processo
de alfabetização e daqueles que ficaram fora dele.
Explorando as contribuições de Bakhtin, em especial as noções de heteroglossia e
hibridização, para a compreensão do letramento, Goulart (2005b) trabalha com a noção de
condição letrada. Para a autora, a condição letrada se mostra como “a possibilidade de
inclusão e participação dos sujeitos no tecido social por meio da apropriação de diferentes
textualidades de linguagem escrita” (p.1). Está associada à condição de inserção de modo
crítico “aos conteúdos e linguagens sociais, que atravessados pela escrita, disputam o jogo
do poder no espaço político das relações sociais” (p. 13). Nessa inserção, a heteroglossia
revela o espectro discursivo social indicando diferenças, afastamentos, semelhanças,
aproximações entre cada um e os outros no jogo de tensões e conflitos. A condição letrada
está intimamente relacionada aos discursos que se elaboram em diferentes instituições, em
práticas
sociais
orais
e escrita que instituem
diferentes linguagens sociais, e,
simultaneamente, aos objetos, instrumentos, procedimentos e atitudes. Os enunciados,
nessas relações, constituem as formas sociais de expressão que vão se renovando
continuamente na apropriação das palavras alheias (p.13).
Esses conceitos relacionados à problemática que constitui o letramento nos levam a
observar a complexidade da “sociedade burocrática de consumo dirigido” (LEFEBVRE,
1991, p. 77) caracterizada pelo desenvolvimento tecnológico incessante associado a uma
realidade capitalista (em que a desigualdade se naturaliza) que dita demandas e encaminha
políticas. Bakhtin expressou seu temor da submissão da vida humana ao mundo da
tecnologia afirmando que tudo que é tecnológico, quando divorciado da unidade única da
vida e entregue à vontade da lei imanente de seu desenvolvimento, é assustador e pode
irromper como uma força terrível e irresponsavelmente destrutiva (BAKHTIN, 1993c, p. 7).
Assistimos à produção e à convivência de letrados analfabetos16 com letrados
especializados, de alto nível, que respondem às novas demandas do mundo do trabalho
(KUENZER, 2000, p. 135-160). Convive-se com uma multiplicidade de letramentos
16
São assim denominados porque, embora não saibam ler e escrever, envolvem-se em práticas
sociais de leitura e de escrita, uma vez que estão imersos numa cultura letrada.
51
(informático, tecnológico, lingüístico, literário, estético, visual, especializado, escolar, etc.) e
suas valorações sociais associadas a uma interdição ao conhecimento crítico e reflexivo. É
importante assinalar uma forte ênfase no visual (SONTAG, 1981, p. 171).17 Estudos indicam
que o uso do visual descolado da palavra e do contexto pode produzir encantamentos
limitando o processo reflexivo. Desse modo, tragédias podem se transfigurar em imagens
belíssimas em que o apocalíptico se transforma no decorativo.
Retornando a Bakhtin e a Certeau na necessidade de situar o discurso no contexto para sua
compreensão, o letramento, nesta pesquisa, será entendido como uma condição sem fim
que pode ser alargada ou comprimida, conforme as experiências vivenciadas e as decisões
que estabelecem os modos de convivência e as oportunidades humanas. Ele pode ser
instrumento para uma diversidade de fins. Nesse contexto - em que a escrita se transforma
em meio de acesso, ou obstáculo, à participação social - a escrita de professores é
observada na pesquisa a partir da relação entre o letramento efetivado nas aprendizagens
decorrentes da atuação institucional no trabalho e na FC e das demandas necessárias às
atividades profissionais e comunitárias em confronto com os processos decisórios que
estabelecem a valoração para a diversidade do letramento no contexto social. A partir da
visão bakhtiniana que apreende o ato tanto em seu processo como em seu conteúdo
(considerando os agentes e os valores que mobiliza), os atos de escrita são entendidos
como atos concretos que advêm de e evocam outros atos igualmente concretos que se
integram numa rede de interlocução retrospectiva e prospectiva num movimento incessante
de constituição do sujeito e do sentido. Observa-se o pressuposto de que “a experiência
verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e
permanente com os enunciados do outro” num processo ativo em que “as palavras dos
outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos,
reestruturamos, modificamos” (BAKHTIN, 1992, p. 313-314).
Conceber o letramento em sua perspectiva de não-exclusão (uma vez que somos todos
letrados porque estamos imersos numa cultura letrada) permite valorizar as experiências
não formais de apropriação do conhecimento, as aprendizagens anteriores aos processos
de escolarização e aquelas posteriores aos processos formativos institucionais. Permite
também questionar os padrões de valoração que estabelecem legitimidade para os bens
17
Sontag (1981, p. 171) afirma que: “Uma sociedade capitalista exige uma cultura baseada em
imagens [...] A câmara define a realidade de dois modos indispensáveis ao funcionamento de uma
sociedade industrial avançada: como seus óculos (para as massas) e como seu objeto de vigilância
(para os dirigentes). A produção de imagens fornece também uma ideologia dominante. A
transformação social é substituída por uma transformação das imagens. A liberdade de consumir uma
pluralidade de imagens e de bens equivale à própria liberdade. A contração da liberdade de opção
política em liberdade de consumo econômico exige a produção ilimitada e o consumo de imagens”.
52
culturais (uma vez que a própria cultura se tornou um produto) e para o uso formal da
língua. No entanto, essa perspectiva não pode ocultar que as mediações humanas têm, na
diversidade do letramento, sustentado as interdições normativas dos interesses do capital e
os conflitos por direitos. Na necessidade inerente ao ser humano de dar sentido à vida e à
transitoriedade, o letramento se apresenta no jogo das aprendizagens possíveis dessa
caminhada.
Atentando para o fato de que a escrita se insere no campo da análise das relações entre
linguagem, cognição e sociedade e sem desconsiderar o histórico do desenvolvimento da
temática e suas diferenciadas abordagens,18 esta pesquisa busca observar os aspectos que
caracterizam a perspectiva funcional da escrita. Nesse sentido, a perspectiva da escrita na
formação de professores é observada contextualmente considerando principalmente como
os professores usam a escrita, as práticas sociais efetivas de uso da linguagem, em
confronto com as exigências de escrita postas a esses professores e com os elementos de
valoração do contexto.
Gerken, considerando que a escrita se constitui num modelo que possibilita pensar a
linguagem, afirma que no movimento de pensar sobre a linguagem é que
[...] a escrita teria deixado de representar as coisas (sistemas icônicos) ou
as idéias (sistemas logográficos), começando a representar a própria
linguagem, com os sistemas silábicos e, posteriormente, os fonemas com os
sistemas alfabéticos. O resultado desse longo processo de reflexão sobre a
linguagem é a constituição de uma nova forma metalingüística, onde as
palavras se tornam coisas para pensar, o que inauguraria os novos regimes
analíticos sobre a origem do mundo, do ser e de seu devir (GERKEN, 1989,
p. 16).
Destarte, escrever nos transforma de falantes em usuários da língua tendo como implicação
a possibilidade de participação em comunidades textuais e de compartilhamento de
discursos (OLSON, 1997, p. 289 - 290). A inserção numa comunidade textual exige
(desenvolve e sofistica) a capacidade de identificar as regras que governam a produção
apropriada dos atos de linguagem em determinados contextos lingüísticos e extralingüísticos
em que o ato verbal é produzido. Essas regras se referem a quando o falante pode e
quando não pode se manifestar (falar/escrever), aos tipos de conteúdos referenciais
consentidos e à variedade lingüística desejada. Essa exigência de previsão decorre da
diferenciação lingüística como um resultado histórico de um processo complexo, ou seja, do
18
Para uma análise dos avanços, tensões e disputas do campo relacionado à cognição e às
abordagens do estudo da mente ver Geertz (2001, p. 174). Para o autor, o itinerário desse campo de
pesquisa revela uma alteração significativa “não só no modo de pensar sobre como pensamos, mas
também nosso modo de pensar sobre aquilo que pensamos” (p.63).
53
fato de que nem todos têm acesso a todas as variedades lingüísticas e a todos os
conteúdos referenciais (GNERRE, 1998, p. 5 - 11). Na vida, trabalha-se com enunciados
completos ligados as suas esferas de utilização que, por sua vez, elaboram seus “tipos
relativamente estáveis”. Assim, quanto mais complexa é uma sociedade, mais complexos
serão os gêneros do discurso a serem percebidos nas diferentes esferas de utilização da
língua (BAKHTIN, 1992).
Esse domínio do uso da escrita, que se relaciona com o pensamento numa perspectiva de
multiplicidade de formas de aprendizado, tendo como pressuposto a reflexão sobre a
linguagem, permite inferir uma dimensão formadora da escrita. No entanto, não é possível
precisar medidas para essa dimensão, uma vez que ela é decorrente da diversidade textual,
das diferentes comunidades textuais e da mediação humana com a produção, circulação e
recepção da escrita. Reconhecer, diferenciar e realizar suposições, inferências e conclusões
na força das enunciações e relacioná-las entre si e com o contexto na cultura pós-escrita, de
certa forma, está disponível a todos, se a considerarmos como uma produção da
humanidade em seu percurso social e, por conseguinte, um bem coletivo. No entanto, é
necessário relacionar essa disponibilidade às oportunidades e formas de apropriação. A
escrita requer processos intencionais de aprendizagem, é uma operação que influi nas
formas escolhidas e nos conteúdos referenciais (GNERRE, 1998, p. 8). Leva a pressupor
que, no trabalho com a linguagem, cruzam-se elementos de ordem interna (cognitiva) com
outros de natureza externa (contexto social, cultural e histórico). Como esses procedimentos
implicam processos de aprendizagem que incluem, além da normalização da língua, as
referências sociais, que se transformam conforme a dinâmica contextual, eles carecem,
pois, de um processo contínuo de aprendizagem.
O número incontável de comunidades textuais e sua relação com os elementos de
valoração social no mundo contemporâneo grafocêntrico indica que o domínio da escrita
traduz as solicitações para participar de esferas privilegiadas que, em muitos casos, são
fontes de poder e de prestígio. Nessa conjuntura, o domínio da escrita precisa ser encarado
como condição, ao mesmo tempo, cognitiva e social. A linguagem usada e o quadro de
referências implícito constituem um verdadeiro filtro de nossa sociedade. É necessário um
aparato de conhecimentos sócio-políticos para “ter um acesso qualquer à compreensão e
principalmente à produção de mensagens”. Nesse contexto complexo e multifacetado,
“adquirir os conhecimentos relevantes e produzir mensagens está ligado, em primeiro lugar,
à competência nos códigos lingüísticos de nível alto” (GNERRE, 1998, p. 21). A partir dessa
lógica, é possível inferir que a dimensão formadora da escrita se relaciona diretamente com
a noção de letramento, uma vez que na escrita se agregam – e se inter-relacionam –
54
dimensões cognitivas, elementos de valoração social e dinâmicas de relações no jogo
social. Inserida na idéia de letramento, a escrita se torna um instrumento de múltiplas
possibilidades, uma condição que pode ser expandida ou comprimida no fazer social dos
homens. Analisar os professores em suas práticas de escrita, bem como as conseqüências
dessas práticas, implica na pesquisa compreendê-los como profissionais e como pessoas
que se relacionam com a escrita. Suas experiências pessoais e profissionais formam o
conjunto das ações que lhes permitem o estabelecimento das significações atribuídas à
natureza do trabalho docente, à escrita e a sua condição de escritores.
Barthes (1999, p. 31-39) distingue o escritor do escrevente. Para ele, o escritor é aquele
para quem o ato de escrever é intransitivo, ao passo que a escrita do escrevente é
transitiva, tem um objetivo, um fim. O escritor realiza uma função, o escrevente uma
atividade. O autor afirma ainda que o estatuto do escrevente é mais embaraçoso porque sua
palavra é produzida e consumida “à sombra de instituições que têm, na origem, uma função
bem diversa da de fazer valer a linguagem” (p. 36). Para a pesquisa, considerei que os
professores constituem sua identidade no entrelaçamento da vida pessoal e profissional, por
isso, o aspecto institucional se manifesta como um importante espaço de construção de
sentidos para as atividades docentes e, no interior destas, para as atividades de escrita.
Considerando que “a funcionalidade toma de empréstimo seu sentido fora de si mesma”
(CASTORIADIS, 1982, p. 175), as atividades necessárias ao exercício da profissão docente
ganham sentido no jogo social. Nessa perspectiva, as práticas de escrita são avalizadas
como prática social, implicando sua superação enquanto técnica e a inclusão dos elementos
instituídos (marcas estabelecidas no percurso histórico: valores de uso) e instituintes (uso
cotidiano que permite um espaço de criação, de ressignificação das marcas históricas) do
uso dessa ação no contexto social.
Sendo assim, as práticas de escrita não indicam um fim, mas apontam a possibilidade – e a
esperança – de transformações que possam incluir um número maior de pessoas em
práticas privilegiadas de inclusão em espaços de poder e decisão. Busca-se a superação da
escrita enquanto consumo/repetição, para concebê-la como a possibilidade de aprender
com o passado, analisar o presente e imaginar/planejar o futuro na observação do
referencial mundo/realidade presente nos mais diversos objetos e práticas da escrita. No
entanto, não se pode cair no vazio de pregar a redenção pelas práticas de escrita porque
seu valor de uso e sua distribuição encontram-se imbricados na dinâmica de poder das
sociedades. Conforme Britto (1999, p. 5) é preciso não perder de vista que produção e
circulação de textos escritos, como de resto toda a informação de ampla circulação, estão
diretamente articulados ao modo como se exerce o poder. Nesse sentido, “nem todos
55
escrevem e muito menos têm a possibilidade de ter seus textos circulando, do mesmo modo
que não têm o direito de fazer circular suas opiniões, idéias, etc”.
Na dimensão política, com implicações cognitivas, culturais e sociais, a escrita consiste em
um espaço de atuação. Na diversidade de uso e funções, a relação com o “outro” por meio
da escrita possibilita que determinados elementos constitutivos dessa ação sejam
internalizados, uma vez que
A época, o meio social, o micromundo – da família, dos amigos e
conhecidos, dos colegas – que vê o homem crescer e viver, sempre possui
seus enunciados que servem de norma, dão o tom; são obras científicas,
literárias, ideológicas, nas quais as pessoas se apoiam e às quais se
referem, que são citadas, imitadas, servem de inspiração. Toda época, em
cada uma das esferas da vida e da realidade, tem tradições acatadas que
expressam e se preservam sobre o invólucro das palavras, das obras, os
enunciados, das locuções, etc. (BAKHTIN, 1992, p. 313).
É nesse processo de troca, que se faz quotidianamente, que os sentidos são revistos,
transformados ou consolidados. No embate dessas significações, processa-se o status de
cada indivíduo ou segmento social. Nessa paisagem, a escrita nas ações docentes pode
experienciar diferentes possibilidades formativas a partir da diversidade textual. Acredito,
conforme Bosi (2002, p. 261), que “é possível identificar, na dinâmica dos valores vividos,
certas motivações que levam à atividade social da leitura e da escrita. Trata-se de descobrir
o leitor-escritor potencial”. É importante pensar o professor também como agente da escrita,
num processo de restaurar o valor do sentido da palavra humana. Não o direito ao discurso
simplesmente, mas o cultivo da autoria da palavra num espaço de recuperação constante do
sujeito (BAKHTIN, 1992, p. 334). Com isso, reconhecer nosso legado na pluralidade de
interlocutores afetos e vinculados à construção social.
Na conexão entre o sujeito e a palavra, o conhecimento se mostra como uma criação
polissêmica que pode oportunizar ao homem descobrir a própria realidade como produto
histórico-social de suas ações e representações simbólicas.19 Sendo assim, esta pesquisa
enfoca o professor enquanto sujeito ativo e criativo, não apartado da sua linguagem, mas
imerso nas relações sociais que distribuem os bens da palavra. Na perspectiva de tomar o
19
Em relação às possibilidades do conhecimento, Demo (1997, p. 299) destaca que o conhecimento
pode ser: a) o distintivo principal do ser humano, devido nossa capacidade de conhecer ou de
aprender; b) virtude do ser humano, quando comparece como emancipação; c) o método de análise
da realidade, conferindo condição de intervenção consciente e competente; d) a ideologia com base
científica a serviço da elite e/ou da corporação dos cientistas; e) a artimanha do ser humano quando
constrói consciência crítica para deturpá-la nos outros; e f) a perversidade do ser humano, quando é
feito e usado para destruição. O autor adverte que “o conhecimento padeceu sempre muito mais de
ética do que de cientificidade”.
56
saber como “coisa pública – como direito à sua produção por parte de todos” (CHAUÍ, 1993,
p. 2) - o letramento consiste numa diversidade de formas de realização humana: de
processo seletivo e classificatório a opções de desenvolvimento pessoal e social. O
letramento possibilita também contribuir para a apropriação coletiva da experiência humana.
A partir da formação como um processo contínuo, compreender a expressão da
potencialidade humana a partir dos trabalhos de Bakhtin e Certeau implica o
reconhecimento da possibilidade constante de elaboração e reelaboração do discurso.
Trata-se menos de dar ao aprendiz (seja ele aluno ou professor) algo que lhe falta pela
transmissão, mas provocar algo que, de certo modo ele já tem, o impulso à compreensão. A
possibilidade de compreensão reside na necessidade humana de dar e reconstruir sentido a
si, aos outros e ao contexto. A importância do contexto implica a tomada de consciência
quanto à pluralidade dos modos de discurso, de suas especificidades e de suas relações
com os elementos de valoração negociados na dinâmica social.
É essencial que não se perca o caráter histórico-cultural constitutivo da linguagem, uma vez
que a linguagem concebida como um objeto independente das pessoas que a utilizam
implica o aprisionamento do sujeito. Com isso, a proposta de observar as práticas de escrita
dos professores, foco de interesse desta pesquisa, considera as relações históricas do
desenvolvimento da escrita e dos seus produtores situadas no complexo processo de
partilha (desigual) do bem cultural que a escrita representa (GOULART, 2003). Nesse
sentido, observando o cenário de sofisticação das práticas de letramento, a atuação docente
na escola e na FC é entrelaçada com a dinâmica da vida dos professores observando as
aprendizagens decorrentes das solicitações que os professores são chamados a responder.
Associando as demandas relacionadas à escrita as possibilidades formadoras, este trabalho
concebe a formação como “reapropriação da experiência e articulação com novas
situações” (BOLÍVAR, 2002, p. 102). O destaque para o espaço da formação se relaciona
com a perspectiva da formação como um direito integrado a uma política cultural (KRAMER,
1993). A partir desses pressupostos que ancoram a observação das práticas de escrita dos
professores situadas no contexto em que se materializam, desenvolvo, a seguir, a
metodologia implementada no trabalho.
57
2 A PESQUISA COM OS PROFESSORES
A temática relacionada às atividades de escrita dos professores provocou uma série de
questões sobre o encaminhamento da pesquisa empírica. Os dilemas, as relações e os
sentidos da escrita no trabalho do professor se caracterizam como um fenômeno vivencial,
conflituoso e, com freqüência, paradoxal. Essas questões demonstram a necessidade de se
buscar uma abordagem metodológica que contemple o dinamismo das ações relacionadas
ao processo de letramento na vida do professor. Valorizando a interpretação, a descoberta,
o aprofundamento e assumindo que fatos e valores se relacionam, desenvolvo um estudo
qualitativo que se aproxima do que André (1995) caracterizou como estudo do tipo
etnográfico. Tomando como referência a perspectiva socio-histórica, essa aproximação se
constitui através:
−
Do emprego de técnicas de observação participante, entrevista e coleta de materiais:
foram realizadas observações em 44 encontros de FC com duração, em média, de
quatro horas cada; foi aplicado questionário a 327 professores; foram realizadas 09
entrevistas e coletados materiais produzidos e distribuídos nos encontros de FC.20
−
Da interação constante entre a pesquisadora e os sujeitos pesquisados: a
participação da pesquisadora nos encontros de FC possibilitou o contato direto com
os professores durante o segundo semestre de 2003. Permitiu a inserção em
diferentes atividades, tais como: conversas informais, leituras, estudos, lanches,
comemorações, visitas a escolas e a outros espaços educativos, produção de textos
e de materiais.
−
Da intenção de configurar, não só em descrições, mas também em significados, a
versão que os professores dão às ações de registrar por meio da escrita.
20
Segundo André (1995, p. 28) “a observação é chamada de participante porque parte do princípio
de que o pesquisador tem sempre uma grande interação com a situação estudada, afetando-a e
sendo por ela afetado. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os
problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno,
explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras
fontes”.
58
As práticas de escrita dos professores são observadas considerando as dimensões
institucional ou organizacional, instrucional ou pedagógica e sociopolítica/cultural, de modo
inter-relacionado (ANDRÉ, 1995, p. 42-44). Na pesquisa, a dimensão institucional ou
organizacional envolve os aspectos referentes ao contexto do trabalho docente e da FC em
sua rede de relações que, nas interações, negociam e gerenciam tanto as demandas em
escrita postas aos professores quanto as condições de execução dessas demandas. A
dimensão instrucional ou pedagógica abrange as situações em que as práticas de escrita
são efetivadas pelos professores envolvendo os objetivos, as atividades solicitadas, os
recursos e procedimentos disponíveis, bem como as interações discursivas que animam
essas práticas. Nesse sentido, na efetivação das práticas de escrita encontram-se a história
pessoal de cada sujeito com a escrita, as condições específicas que facilitam e/ou dificultam
os processos apropriativos relacionados a essa prática, bem como as inter-relações com o
ambiente em que realizam as práticas. A dimensão sociopolítica/cultural envolve os
determinantes macroestruturais do contexto educacional, da formação docente e das
práticas de escrita na sociedade. Inclui a observação das forças políticas e sociais e das
concepções e valores presentes na sociedade acerca da escrita e do trabalho docente
(ANDRÉ, 1995, p. 42–44). Essas dimensões iluminaram o processo de coleta de dados.
Para
efeito
de
análise,
os
dados
estão
organizados
em
dois
grandes
focos
interdependentes: “A escrita na vida dos professores: a escolarização, o trabalho, a
papelada, os prazos, o sistema...” (capítulo 3) e “A escrita na formação continuada”
(capítulo 4).
Essa perspectiva metodológica inserida na concepção de homem como produtor de textos
(BAKHTIN, 1992, p. 334) objetiva destacar que para compreender o professor como um ser
histórico social é preciso “um olhar processual [...], um olhar que o perceba inclusive no
incessante movimento e na multiplicidade que é a sua vida” (KRAMER, 1998, p. 22). No
caso da FC, envolvendo as várias dimensões do trabalho docente, as condições concretas
da escrita no trabalho do professor dizem respeito às relações de conhecimento produzidas
nos diferentes espaços formadores. Nessas relações, os professores ocupam lugares
sociais diferenciados e hierarquicamente organizados nas instituições possibilitando a
emergência de formas variadas de apreensão e articulação dos conhecimentos que estão
sendo elaborados. A hierarquização dos lugares ocupados pelos interlocutores colocando
em circulação, explicitamente ou não, uma multiplicidade de sentidos a eles relacionados
imprime marcas diferenciadas nas relações. Na negociação dos poderes institucionais
instauram-se modos de interlocução com vistas ao controle dos sentidos em circulação
(FONTANA, 1993, p. 127).
59
Nesse contexto da dinâmica da vida do professor integrando o trabalho e a participação na
FC, analisar depoimentos (escritos e orais) e outros elementos semióticos (tais como atos,
objetos, materiais, gestos, práticas de escrita) como suporte à pesquisa demanda uma
diversidade de instrumentos de coleta para contemplar o professor em suas práticas de
escrita como, e ao mesmo tempo, um sujeito comum e um sujeito institucional em interação
com outros sujeitos e discursos. As suas maneiras de fazer nas práticas cotidianas
(CERTEAU, 1994, p. 143) – dados aparentemente negligenciáveis – constituem um ponto
de apoio importante para o conhecimento sobre a escrita de professores no contexto de
uma prática social constitutiva das mediações humanas.
2.1 O processo de coleta de dados: acesso ao campo, seleção dos participantes e
instrumentos da pesquisa
Os estudos de Bakhtin apontam sua identificação com um fazer científico nas ciências
humanas materializado por gestos interpretativos numa contínua atribuição de sentidos
(FARACO, 2003, p. 40-43). A ênfase no processo e a preocupação com os sentidos
implicam um trabalho de coleta de dados que favoreça a “escuta sensível” (BARBIER,
1993). Na inserção aprofundada no cotidiano docente em seu processo formativo, foram
realizadas as seguintes etapas interdependentes: acesso ao campo e seleção dos
participantes, observações realizadas nos momentos de FC com registro (R) em diários de
campo (DC), aplicação de questionário (Q), realização de entrevistas (E) e coleta de
materiais. Apoiada em um plano flexível, procurei estar atenta à observação de que os
princípios gerais da metodologia utilizada na pesquisa são suportes, mas, sendo genéricos,
não levam em consideração as variações locais e peculiaridades da problemática focalizada
nesta pesquisa (BECKER, 1997, p. 12).
A intenção de realizar uma pesquisa explicitando meus interesses requer a autorização para
estar com os sujeitos e a colaboração deles na constituição de um terreno que favoreça a
produção dos dados (ZAGO, 2003, p. 293). A busca inicial pelo acesso ao campo se deu
através de visitas exploratórias a grupos de professores vinculados à Secretaria Municipal
de Educação de Vitória (SEME) que se reuniam quinzenalmente para estudos. As oito
visitas informais que ocorreram no primeiro semestre de 2003 auxiliaram na análise da
pertinência da pesquisa a ser implementada no espaço da FC. A autorização formal de
acesso ao campo se deu no mês julho de 2003 em visita à SEME. É importante salientar
que a efetivação da coleta com professores que participavam de um programa institucional
60
de FC demandou considerar toda uma gama de interfaces da escrita com a dinâmica das
políticas de FC de professores no cenário nacional. A prática da pesquisa foi articulada com
a prática da formação (com seu calendário e atividades próprias), de modo que a
pesquisadora pudesse inserir-se na FC implementada no campo de estudo. Ainda é
importante observar que se o próprio evento da FC se institui como uma instância
circuladora de vozes/discursos ocorrendo a presença de regras controladoras do dizer,
essas regras não são sempre legitimadas. Na emergência da palavra dos professores,
podem ser captados movimentos discursivos que destacam, acatam, tensionam ou negam
determinados discursos afetando a construção de novos sentidos com os quais se constitui
a compreensão dos sujeitos. Nesse processo ativo ecoam na FC diferentes discursos em
torno da escrita de professores.
No primeiro contato junto à coordenação responsável pela FC (CGCA) em julho de 2003,
conheci a política de FC do sistema de ensino municipal para os professores atuantes nos
diferentes segmentos do ensino oferecido pela secretaria. Apresentei a proposta da
pesquisa focada nos professores atuantes de 5ª a 8ª série no horário diurno, tive acesso aos
instrumentos orientadores da FC (ANEXO B) e obtive autorização para assistir aos
encontros dos professores. Já nesse primeiro momento, fui informada de que, em relação à
escrita, tem sido vivenciada uma recusa do professor, demonstrando a complexidade da
questão de estudo proposta para a pesquisa (DC-R1). A partir de então, pude inserir-me
formalmente nos encontros de FC durante o segundo semestre de 2003 (ANEXO C). Em
seguida, busquei também a autorização dos professores.
Os professores atuantes de 5ª à 8ª séries, foco da pesquisa, reuniam-se quinzenalmente,
por área de conhecimento, em encontros de FC realizados em espaços vinculados ao
sistema municipal de ensino: às segundas reuniam-se os professores de Matemática (PM)
no auditório da SEME; às terças, os professores de Geografia (PG) na SEME e os de
História (PH) no auditório da Escola da Ciência (EC) do Parque Moscoso; às quartas, os
professores de Ciências (PC) na SEME; às quintas, os professores de Português (PP) na
SEME e os de Inglês (PI),21 em uma das salas do Centro Regional de Educação à Distância
(CREAD), e, por fim, às sextas, os professores de Educação Física (PEF) na SEME e os de
Artes (PA), no CREAD. O envolvimento dos professores na pesquisa e o movimento em
direção à escrita permitiram capturar dilemas, desejos, angústias e desafios muito
importantes para a complexificação do estudo. A FC constituiu um contexto em que os
professores puderam tratar do que sabem, do que não sabem, do que acreditam, do que
21
A quase totalidade das escolas do sistema municipal de ensino oferece o Inglês como Língua
Estrangeira. Por isso, para esse trabalho sempre farei referências a professores de Inglês.
61
desejam, do que sentem e suas discordâncias públicas minimizando as resistências de se
expor e de partilhar problemas e iniciativas. No entanto, tomar a FC como um espaço
privilegiado para a coleta de dados não significa um desprestígio das iniciativas individuais
de desenvolvimento da escrita.
Considerando a aproximação com os professores vinculados ao município de Vitória,
conforme destacado no capítulo anterior, o desenvolvimento da pesquisa indicou a
necessidade de atenção à complexidade que envolve o estudo do familiar. Velho (2004a, p.
121-132) alerta para o fato de que o que sempre vemos e encontramos não é
necessariamente conhecido. Os mapas cristalizados utilizados para nossa vida cotidiana
podem nos levar a julgamentos apressados e preconceituosos.
Por isso, é necessário
relativizar nosso saber sobre o que está próximo e atentar para a necessidade da reflexão
sistemática. O autor afirma que essa demanda não chega a ser um impedimento para o
estudo do que está próximo porque, por outro lado, o familiar oferece vantagens em termos
de possibilidades de rever e enriquecer os resultados das pesquisas com as opiniões dos
sujeitos. Então, confrontando diferentes versões e interpretações existentes a respeito das
questões envolvidas na pesquisa, é possível transcender as limitações de origem e chegar a
ver o familiar como uma realidade bem mais complexa do que aquela representada pelos
mapas e códigos através dos quais fomos socializados.
Nesse processo de estranhamento do familiar, trago minha experiência de quem vivencia a
formação de professores por dentro procurando um ponto de observação privilegiado para
discussão do tema escolhido. Busco valorizar as oportunidades de rever e enriquecer os
resultados da pesquisa a partir do confronto, intelectual e emocional, das diferentes versões
e interpretações a respeito dos fatos e situações relacionadas à escrita. Essa dinâmica foi
favorecida com o movimento dos grupos de professores sempre dispostos a discutir
coletivamente os dados que emergiam. Esses momentos de revisão do olhar percorrem
diferenciados sentimentos, uma vez que “o olho que perscruta e quer saber objetivamente
das coisas pode ser também o olho que ri ou chora, ama ou detesta, admira ou despreza.
Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto inteligência quanto sentimento” (BOSI, 1999, p.
41).
Dada a complexidade e a necessidade de aprofundamento do estudo, e também por uma
questão de tempo, acesso e volume de dados, não poderia fazer a pesquisa com todos os
professores. Busquei, então, trabalhar com alguns – um número diferenciado nas várias
etapas do trabalho, conforme a especificidade do processo de coleta implementado na
ocasião (ANEXO C). Este relatório final tem como suporte 44 registros de observação dos
62
encontros de FC, 327 questionários apurados (ANEXO D1), 09 entrevistas realizadas
(ANEXO D2) e diferentes materiais coletados, tais como documentos, textos, atividades, etc.
Essa opção se baseia na crença de que a história de cada sujeito, como ser ativo, influencia
no conjunto da história da humanidade ao mesmo tempo que é influenciado ou, como afirma
Certeau (1979, p. 23), “cada resultado individual inscreve-se no conjunto cujos elementos
dependem estreitamente uns dos outros, cuja combinação dinâmica forma um momento
dado, a história”.
2.1.1
Observações em encontros de formação continuada registradas em diário de campo
Após a autorização da coordenação geral, fiz contato com cada coordenador dos grupos de
FC conversando e informando sobre a pesquisa. Todos se mostraram receptivos ao
trabalho. Em seguida, visitei os grupos, apresentei-me e falei da pesquisa aos professores.
Já nesse primeiro encontro muitas referências sobre a escrita foram externadas pelos
professores, cujos depoimentos, além de demonstrar o quanto o objeto da escrita é habitado
pelo professor, possibilitaram-me, num impacto inicial, observar concretamente sua
instabildade e mutiformidade. A atitude efetiva e interessada dos professores nas
entonações indicava as valorações em relação à escrita que respondiam a universos prévios
de valores e entonações alheias com relação às quais os professores se posicionavam.
Esse movimento inicial do dizer sobre a escrita me provocou a observar o meu papel de
ouvinte e a direção das respostas dos professores, uma vez que Bakhtin ensina que o
ouvinte é parte constitutiva indispensável de qualquer palavra. Acredito que a pesquisa
encontrou um momento propício para a coleta de dados porque os professores já estavam
mobilizados para a questão da escrita e seus depoimentos se colocavam, explicitamente,
não só para a pesquisadora, mas para as diferentes direções com as quais os professores
pretendiam dialogar (para seus pares que vivenciavam dificuldades próximas, para a escola
em que trabalhavam que determinava demandas, para a Secretaria de Educação que
normatizava o trabalho, para a sociedade que representava os elementos valorizados
contextualmente, etc.).
Apostando no objeto e no sujeito, observei que os depoimentos iniciais envolviam desde a
surpresa pela integração de todas as áreas de conhecimento na pesquisa até a enumeração
de dificuldades específicas da relação entre professor e escrita. Em relação à integração de
todas as áreas de conhecimento no trabalho, os dados indicam que algumas delas como
Artes, Educação Física e Inglês sentiram-se particularmente lisonjeadas em participar de
pesquisa sobre linguagem. Relataram sua ausência em pesquisas com temática ligada ao
letramento no município:
63
_ Que bom! Alguém que vai fazer pesquisa vir no nosso grupo, geralmente Artes não entra [em
pesquisas]. (PA4)
(DC-R11)
Que bom que alguém passe a se preocupar em estudar a área [Inglês], o que poderá proporcionar
melhoras a todas. (Q205)
Essas áreas até então distantes das pesquisas que envolvem o letramento se mostraram
interessadas em participar do trabalho como uma forma de marcar sua importância. A área
de Língua Portuguesa, mais aproximada das pesquisas em linguagem,22 se mostrou
surpresa com o envolvimento de todos no trabalho. Uma professora de Língua Portuguesa
resumiu:
_ Mas como você vai fazer isso? É mais fácil localizar essa questão da linguagem nos professores de
Língua Portuguesa. É mais visível. É neles que colocamos todas as responsabilidades. (PP6/
concordância de outros)
(DC-R5)
Reforçando a propriedade do estudo, alguns professores descreveram as demandas que
enfrentam associando-as a algumas tensões nas mediações.
_ Agora a gente não tem mais tempo de conversar na escola. Tudo tem que escrever. (PG5 /
concordância do grupo)
(DC-R4)
E7 - Uma burocracia porque você no meio de quarenta alunos, tem que sentar e escrever ocorrência,
o que aconteceu e tal. Chega como uma escrita cobrança porque o pedagogo agora é supervisor, é
orientador e é ajudante de coordenador. [...] e com o acúmulo de alunos que chegam lá, tem que
chegar com fichas. Agora faz parte do dia-a-dia esse registro. Não é só aquele papel para enviar para
o pedagogo, também a parte de ocorrências da sala. Termina obrigando mesmo o professor a
registrar. A demanda da escola é tanta, a questão da indisciplina, que você tem que estar
escrevendo, registrando. Só vale se está escrito. Para chamar o Conselho Tutelar tem que ter um
relatório, quando eles vêm tem que ter as anotações das oportunidades que você deu para o menino.
Em relação às dificuldades específicas da relação entre professor e escrita, alguns
professores externaram a propriedade da pesquisa no contexto da FC, narrando diferentes
episódios que ocorreram nos grupos e que demonstravam a importância de se buscar
“conhecer um pouco mais esse bicho que tanto assusta” (PEF2 /DC-R6).
_ Aqui tem um caderno, sabe. Mas é uma dificuldade. Ninguém queria escrever e a gente pedindo,
pedindo, pedindo. Foi indo, foi indo, o caderno sumiu. Tinha também um caderno para cada um, para
escrever seus sonhos, seus desejos, os registros. Ninguém tem mais. (CG)
_ Quando você falou pela primeira vez o caderno para a gente registrar eu entendi a gente contendia
(de contenda, controvérsia, peleja). Não deve ser por acaso. (PG12 / risos)
(DC-R4)
22
Essas pesquisas geralmente se efetivam no âmbito das séries iniciais do ensino fundamental e são
vinculadas aos programas de pós-graduação em educação.
64
No contexto das demandas, os professores também buscam as causas das suas
dificuldades. De maneira geral, nesse primeiro momento, as dificuldades foram centradas na
formação inicial:
_ Os professores de maneira geral, não têm o hábito da leitura e da escrita. Quando vamos fazer
qualquer coisa transformando ato de pensamento em atos de escrita, sentimos dificuldade. Isso
vem da faculdade. (PEF1)
_ Quando eu fiz Faculdade, a gente tinha isso, de discutir autores e emitir opiniões. Mas escrever
também é necessário. O problema é que aprendemos só a resumir e apresentar. Desenvolvemos
mais a fala nas apresentações e a escrita no papel ficou mais difícil. (PEF3)
(DC-R6)
Esses depoimentos iniciais fizeram parte do meu processo de acolhida. Observei que,
quando algum professor atribuía a dificuldade com a escrita a todos os professores, ocorria
um apoio à afirmativa através de manifestações corporais. Em alguns momentos ocorriam
manifestações acalorados, em outros, um silêncio constrangedor. Busquei ficar atenta para
“não interpretar o silêncio como ausência” (DUBY, 1979, p. 137), mas captar todo o contexto
extra-verbal que constituía as manifestações sobre a escrita dos professores. Estar frente a
frente com o meu outro da pesquisa me permitiu perceber o quanto os professores pareciam
ansiosos em falar sobre uma cobrança que estavam vivenciando especialmente nos
momentos iniciais dos encontros de FC em que tinham que definir o relator do dia. Captar e
descrever o diálogo vivido em campo se mostrou importante para a continuidade da
pesquisa. Nesse momento eu também fiquei às voltas com a escrita, procurando um meio
de registrar de modo que pudesse evocar todas as manifestações expressas nas ações que
envolviam a relação do professor com a escrita nesses encontros.
Em cada encontro de FC, as observações foram sistematizadas em diário de campo
(BOGDAN E BIKLEN, p. 150 - 175), totalizando 44 registros (ANEXO E1). Para preservar a
identidade dos professores utilizo números relacionando-os com letras que identificam a
área de conhecimento.23 Cada registro foi organizado em três partes: uma com os dados de
identificação (data, duração, área de conhecimento, atividade desenvolvida, número do
encontro, número de professores participantes, etc.), outra com a descrição do encontro e a
última com minhas observações e impressões. Totalizados os 44 registros que retratam os
encontros de cerca de quatro horas cada, eles foram encadernados como um primeiro
material da pesquisa. Ao final, são 196 páginas de registros digitados a partir de anotações
e de algumas gravações. Enfim, traduzir nos DC toda a interlocução com o outro constitui-se
numa tarefa muito importante para compreensão do fenômeno em foco, mas, com certeza,
muita coisa ficou de fora. Esse material está organizado por área de conhecimento
23
Em alguns momentos dos encontros de FC, principalmente quando várias áreas estavam reunidas,
não consegui efetivar a identificação dos professores. Nesse caso usei o código “P?”.
65
cronologicamente, de acordo com minha progressiva imersão no campo da pesquisa, e é
analisado conforme as questões da pesquisa. Visa a explorar, na dinâmica do estudo, as
condições de produção da escrita dos professores, considerando:
- Os estímulos, as recusas e as interdições à escrita dos professores;
- Os processos interativos e as dinâmicas dicursivas que negociam os
processos de escrita dos professores;
- Os interlocutores e público leitor dos professores;
- As formas individuais, colaborativas e coletivas de produção textual;
- As estratégias textuais/ protocolos de escrita utilizados pelos professores;
- Os projetos de escrita.
Em complementação ao DC, organizei uma pasta incorporando os materiais disponibilizados
pelos professores coordenadores à pesquisadora (ANEXO E2) e os materiais distribuídos
nos encontros de formação (textos, documentos, fôlderes, etc.). Sempre que possível os
materiais distribuídos estão inseridos nos registros do DC como ilustração. Os encontros de
FC constituíram um espaço pertinente à pesquisa em função de constar dentre seus
objetivos um objetivo específico relacionado à escrita: “valorizar e propor a escrita como
instrumento de desenvolvimento profissional” e desse objetivo ser mencionado no
instrumento para a avaliação do coordenador: “estímulo à leitura, ao registro escrito e ao
trabalho em equipe” (ANEXO B). Ainda, dentre os temas abordados nos encontros, a
escrita, além de ser várias vezes objeto de discussão, foi mobilizadora de atitude responsiva
ativa pelos sujeitos em todas as áreas de conhecimento, demonstrando seu valor social no
contexto (BAKHTIN, 1997, p. 45). Desse modo, a escrita constitui uma das dimensões
explícitas para o processo de FC implementado no município de Vitória.
Para ser coerente com a perspectiva de Bakhtin e de Certeau de compreender a produção
dos sentidos situados no contexto das relações, busco integrar os momentos interativos da
FC registrados nos DC com as enunciações captadas nas entrevistas, nos questionários e
nos contatos informais com os professores. Nos momentos interativos da FC alguns outros
presentes no grupo podem exercer um papel responsivo ativo ou podem ser citados ou
convidados ao discurso. Nas entrevistas e no questionário, a presença do outro se
materializa mais consistentemente a partir das réplicas ao discurso circulante ou a partir do
diálogo com a pesquisadora. Em resumo, na compreensão contextual das palavras do outro,
a integração das diferentes enunciações sobre a escrita observando o compromisso ético
com os professores reafirma que “não se podem contemplar, analisar e definir as
66
consciências alheias como objetos, como coisas: comunicar-se com elas só é possível
dialogicamente. Pensar nelas implica em conversar com elas [...]” (BAKHTIN, 2005, p. 68).
Sendo assim, o material foi coletado pela pesquisadora no período de julho a dezembro de
2003 em diferentes momentos coletivos da FC de professores atuantes em turmas de séries
finais do ensino fundamental de escolas vinculadas ao sistema público municipal de ensino
de Vitória. Os encontros de FC foram efetuados em espaços propiciados pelo sistema,
reservados no horário semanal do professor, a cada quinze dias. Eram encontros coletivos
por área de conhecimento, tendo um ou dois coordenadores como elementos dinamizadores
e organizadores do espaço. Esses coordenadores (também professores) são vinculados à
coordenação geral. A inserção na FC permitiu, além das observações registradas no DC, o
avanço da pesquisa, favorecendo a aplicação do questionário, a realização das entrevistas
(ANEXO D), o acesso a documentos e a interação com os professores em diferenciadas
atividades (ANEXOS F, G e H).24 Participei de conversas, leituras, discussões, estudos,
oficinas, trabalhos de grupo, produção de textos, apresentações, palestras, dinâmicas,
lanches, comemorações, visitas a escolas, etc. Para efetuar os registros faltaram-me
códigos para retratar com precisão a multiplicidade de aspectos que constituem o discurso
humano: o riso, a raiva, o desconforto do corpo, a lágrima, o sussurro, a pausa etc.
2.1.2. Aplicação do questionário
A inserção nos encontros de FC contribuiu para que os professores se mostrassem
disponíveis para responder os instrumentos da pesquisa. Um grupo de professores, em face
das tensões que se manifestavam nas discussões sobre a escrita, chegou a sugerir um
questionário afirmando que “isso facilitaria para buscar o mínimo de aproximações em
nossas idéias”. Com base nas questões da pesquisa, em confronto com observações
realizadas nos primeiros meses da coleta (agosto e setembro), ou seja, nos aspectos mais
referenciados ou tensionados ao mencionar a questão da escrita na vida do professor,
elaborei uma versão preliminar do questionário. Essa versão foi discutida na orientação
coletiva25 para uma avaliação crítica e testada com um professor de cada área numa etapa
piloto. As sugestões foram analisadas e incorporadas ao questionário.
24
Esses anexos serão retomados separadamente à medida que as temáticas retratadas por eles
forem desenvolvidas.
25
Trata-se da reunião coletiva para orientação de dissertações e teses sob a orientação da
professora Drª Cecília Goulart. Esse grupo integra o Campo de Confluência “Linguagem,
subjetividade e cultura” do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense – PPGE/FE/UFF.
67
Depois de revisado e diagramado, o instrumento ganhou sua versão final (ANEXO D1). Foi
reproduzido e aplicado no período de 21/10 a 21/11/03, conforme o calendário dos
encontros de FC, sempre com a presença da pesquisadora. Quanto à sua composição, o
questionário constitui-se de dois grupos de questões: um grupo que demanda respostas
fechadas e outro que demanda respostas abertas. Nas respostas fechadas, as categorias
foram pré-codificadas de modo a facilitar o processamento por meio de software Statistical
Package For Social Sciences (SPSS – versão 13). As respostas abertas, bem como as
observações das questões fechadas, foram digitadas em arquivo de texto conforme a
numeração dos questionários para que pudessem ser agrupadas em categorias a serem
construídas a partir das diferentes possibilidades apresentadas pelos respondentes. Os
dados do questionário são utilizados de modo complementar às outras ações da coleta. São
associados às observações registradas nos DC e às informações das entrevistas. Ao final,
totalizam-se 327 questionários das oito áreas de conhecimento representando cerca de 50%
do total de professores e 98,7% daqueles participantes da FC na data da aplicação (ANEXO
I1). Em relação ao preenchimento do questionário (item 14), as observações registradas
envolvem 2 aspectos: comentários sobre a escrita e observações avaliativas acerca do
instrumento e da pesquisa.
Nos comentários sobre a escrita (15 ocorrências), os professores externam uma síntese
sobre a escrita envolvendo principalmente as dificuldades pessoais, o empenho e as
preocupações com o desenvolvimento da escrita e a necessidade de investimento em
políticas de leitura e escrita:
Não somos treinados a escrever. Daí talvez as dificuldades de exposição de nossas idéias, usando a
escrita. (Q101)
Tenho tentado melhorar em leitura e escrita para me capacitar e ajudar os alunos [...]. (Q20)
Necessita-se maior compromisso com a leitura e consequentemente, com a escrita. (Q140)
As observações avaliativas sobre o instrumento (12 ocorrências) envolvem dúvidas no
preenchimento e pareceres sobre o questionário. Sobre a pesquisa (6 ocorrências),
apresentam elogios e solicitação de retorno do estudo:
Senti dificuldade em selecionar a resposta que mais representa a minha vivência. (Q21)
O questionário está muito amplo. (Q19)
Este formulário está ótimo, deu para refletir o meu domínio na escrita Achei muito importante. (Q127)
Achei muito válida esta pesquisa. Me motivou a pensar mais em desenvolver não somente o prazer
pela leitura,[...], mas também pensar na importância da escrita em meu crescimento [...]. (Q196)
Espero conhecer o resultado de sua pesquisa. (Q115)
68
Esses e outros aspectos puderam ser explorados após a aplicação do questionário numa
discussão coletiva solicitada pelos professores. Comentaram sua relação com a escrita e os
sentimentos e reflexões que fizeram ao responder o instrumento. Foram momentos muito
profícuos para a pesquisa e, aparentemente, constituíram um espaço de reflexão coletiva
em que se apresentaram questões de gênero e escrita (visto que os grupos são constituídos
em sua maioria de professoras), de repertórios de escrita, de emoções ligadas à escrita e
principalmente de recuperação de memórias de experiências com a escrita ao longo da vida
(especialmente da vida escolar), dentre outras. Expressões tais como “nunca havia pensado
nisso antes”, “como é que a gente vive assim sem perceber”, “engraçado o quanto isso foi
importante para mim”, “agora me ocorreu que tenho vergonha de escrever” e outras
sustentavam a atitude responsiva ativa na cadeia de enunciados que se construíram
naqueles momentos. Como uma forma de “inter-ação”, a linguagem promovia vínculos que
não existiam antes (GERALDI, 1991, p. 41).
Uma marca desses momentos foi a reiteração da idéia de dificuldade na escrita pelos
professores e, nas áreas de Artes, de Inglês e de Educação Física, a importância de
participar da pesquisa como uma forma de valorização dessas áreas:
_ Gente, é muito importante a gente participar dessas pesquisas porque é muito raro a EF ser
convidada a participar. Normalmente, assim como na escola, a gente fica no nosso canto. (PEF16)
_ Fica no canto não, fica na quadra. (PEF20)
_ Mas para participar vai ter que escrever e EF é de esporte não é de escrita. Olha o tamanho do
papel. Pensaram que não iam escrever, iam escapar. (PEF11 / risos do grupo)
(DC-R30)
________________________________________________________________________________
_ É importante a gente participar de pesquisas para se sentir igual aos outros professores,
conquistar respeito. Os alunos gostam da gente, a gente é muito querida pelos alunos. Agora é que
a arte está tendo reconhecimento nas escolas. Nós, profissionais, temos que ocupar os espaços.
(PA2)
(DC-R34)
Como coordenei o período de preenchimento, continuei com a coordenação nos momentos
de comentários. Na discussão, procurei manter um ambiente de liberdade e cooperação
para que pudessem falar livremente, sem se prender a ordenações, podendo fazer retornos
e dar meia volta na recuperação dos trechos vividos com a escrita com seus signos e
sentimentos. Sendo assim, um professor completava a fala do outro, observava sua
aproximação ou diferença com a experiência do outro, analisava o outro em confronto
consigo, buscava justificativas... Uma primeira apuração dos dados dos questionários foi
apresentada a um grupo de professores (os professores coordenadores e mais dois
professores participantes dos encontros), no dia 25/03/2004. Nesse momento novas
observações puderam ser captadas.
69
2.1.3 Realização da entrevista
A inserção nos encontros de FC também favoreceu a realização das entrevistas semiestruturadas (E). Considerando o propósito do estudo, sua problemática e seus
fundamentos, buscou-se inicialmente, como entrevistado, o professor que coordenava os
encontros. Os coordenadores (C) exerciam a docência concomitantemente com as
atividades de coordenação dos grupos de FC. As áreas de Matemática e Educação Física
possuíam dois coordenadores para cada área. História, Geografia, Ciências, Língua
Portuguesa, Inglês e Artes possuíam um coordenador para cada área. Eles atuavam como
elementos dinamizadores e organizadores dos encontros de FC, vinculados a uma
coordenação geral.
Realizadas pela pesquisadora nos meses de agosto e de setembro de 2003, em momentos
agendados com os professores coordenadores dos encontros de FC, as entrevistas
(ANEXO D2) visavam aprofundar os aspectos abordados na problemática da pesquisa
focalizando, mais detalhadamente, o papel da FC no desenvolvimento da escrita do
professor. O roteiro de questões para as entrevistas foi elaborado observando a margem de
liberdade necessária à produção do discurso. A flexibilidade, inerente à lógica do método
qualitativo e da entrevista compreensiva, se mostrou importante para a garantia de
expressão dos sujeitos. No entanto, foi importante demonstrar, na condução das entrevistas,
o foco da pesquisa. Nesse sentido, o roteiro atuou como um ponto de partida (ZAGO, 2003,
p. 303).
Os coordenadores constituíram uma importante fonte de dados para compreender tanto o
processo de formação implementado quanto a inserção da escrita nesse contexto. Atenta
aos princípios éticos na relação de confiança bem como nas demandas da organização, as
entrevistas foram agendadas com os coordenadores observando a dinâmica da área de
conhecimento. Inicialmente, a proposta da pesquisadora foi que todas as entrevistas se
realizassem com cada área de conhecimento separadamente. No entanto, a realização da
entrevista da CG acabou integrando as áreas de Ciências e Inglês.26
26
A entrevista foi agendada com a CG para as 15 horas no EFC de 12/08. Quando cheguei às 14:30h
horas no CREAD encontrei a CG acompanhada das CC e CI na pequena sala destinada aos
coordenadores de 5ª à 8ª. Elas conversavam e efetuavam registros. Estavam com cadernos e pastas.
CG me apresentou e falei da pesquisa. As coordenadoras se mostraram disponíveis para integrar o
trabalho. Inicialmente combinei que também marcaria com elas um momento individual para a
entrevista, mas quando comecei a entrevistar a CG, as duas inseriram-se na conversa promovendo
um diálogo coletivo favorecido pelo espaço composto de uma mesa circular e cadeiras. Foi uma
conversa animada, bem humorada e longa.
70
Foram realizadas 7 entrevistas, sendo 4 individuais (CGCA, CH, CP e CA), 2 em duplas
observando a área de conhecimento (CM1/CM2
e CEF1/CEF2) e 1 entrevista em trio
reunindo três áreas do conhecimento (CG, CC e CI). Realizadas em espaço institucional na
SEME ou no CREAD, conforme a disponibilidade dos coordenadores, as entrevistas foram
gravadas, transcritas e retornadas aos professores. Também foram realizadas mais 2
entrevistas individuais com professores participantes da FC, totalizando, assim, 09
entrevistas que envolveram 13 professores (ANEXO E3). Embora seguindo um caráter
semi-estruturado, focando seu propósito a partir do roteiro, as entrevistas foram se
convertendo em conversas, em trocas que ampliaram as indagações iniciais.
Embora os prazos e limites da pesquisa estejam vinculados ao tempo cronológico das
regulações, o compromisso com o fluir da tese buscou não sufocar outras temporalidades
não lineares. Os questionamentos e as reflexões, as idas e vindas nos encontros com os
professores e com o grupo de orientação coletiva constituíram um movimento dialógico de
encontro com o outro favorecendo a consistência na concretização da pesquisa. Os espaços
de discussão coletiva da pesquisa com os professores que ocorreram principalmente após a
aplicação do questionário (2003), na devolução dos dados do questionário (2004) e na
apresentação de alguns indicadores da pesquisa num dos grupos de trabalho do Fórum de
Educadores do município (2005) se mostraram muito importantes e, posso dizer, foram
conquistados e/ou exigidos pelos professores. Sempre que essa mobilização emergiu no
grupo, foi fortalecida. Na dialogia estabelecida, busquei enxergar nas questões que
afloravam os nexos com a pesquisa. A partir da intensificação do diálogo entre os conflitos e
referências dos professores, acrescidas das inquietações da pesquisadora, o tema tornouse mais relevante. Esse movimento integrou situações inteiramente novas que me exigiram
flexibilidade na visão metodológica, com vistas a não desprezar o novo nesse caminho.
Nesse “fazer com” (CERTEAU, 1994, p. 79), a pesquisa teve um planejamento prévio que
se materializou numa intenção metodológica que foi ampliada pela receptividade do campo.
Com isso, a despeito da necessidade de observar os pressupostos que garantem a
coerência estrutural do estudo, a pesquisa revelou sua singularidade.
Como os diversos instrumentos e procedimentos apresentam vantagens e também
limitações, foram realizadas checagem e complementação dos dados ao longo da pesquisa.
As condições sócio-históricas da produção do discurso são elementos indicadores da
análise do movimento enunciativo. Por isso, os dados novos obtidos foram tratados em
caráter de complementaridade aos dados já recolhidos. Cada ação, cada etapa da coleta
constituiu-se como suporte ao desenvolvimento do trabalho, exigindo uma organização e
análise preliminar visando a construir novas formas de posicionamento frente à problemática
71
de estudo. Com isso, o observar, o perguntar e o atuar foram produzindo novas condições
na prática da pesquisa de modo a buscar uma visão, cada vez mais aprofundada, do
fenômeno em foco implicando uma análise dos dados efetuada de forma interativa com a
coleta. Considerando que “objeto do olhar e modo de ver são fenômenos de qualidade
diversa: é o segundo que dá forma e sentido ao primeiro” (BOSI, 1999, p. 41), a análise
crítica compôs todo o processo de trabalho, uma vez que é importante captar falhas,
distorções, problemas de preenchimento ou outros que possam comprometer a
investigação.
Na análise de conteúdo, a triangulação das fontes foi realizada comparando os dados
obtidos nos diferentes instrumentos visando obter indicadores que permitissem a inferência
de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens. As
diferentes fases da análise do conteúdo organizam-se em torno de três pólos: 1) a préanálise, 2) a exploração do material e 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a
interpretação (BARDIN, 1997, p. 42 e 95). Trabalhando com a análise de conteúdo num
processo cumulativo de dados, busquei ficar atenta à apreensão dos sentidos observando o
nexo entre o conteúdo e a forma. Numa perspectiva bakhtiniana, o dizer dos professores
sobre a escrita só pode ser pesquisado observando sua relação com o contexto da
enunciação, ou seja, a pesquisa sobre a escrita de professores demanda “situar a
conversação” (BAKHTIN, 1998, p. 141).
O reconhecimento do caráter contextual das enunciações permite observar a complexidade
do processo negociativo de construção dos sentidos para a escrita dos professores
(BAKHTIN, 1992, p. 386). Com isso, realizo um estudo que se volta para uma dimensão
mais restrita da realidade social – as práticas de escrita dos professores – ao mesmo tempo
em que procura manter relações entre os planos macro e microssocial. Essas relações
indicam que a análise do trabalho docente, com seus processos formativos e suas
demandas de escrita, não pode ignorar “as questões estruturais da sociedade e as políticas
educacionais que ainda não deram conta de garantir a democratização do acesso ao
ensino, em todos os seus níveis e ao saber escolar” (ZAGO, 2003, p. 289).
Na importância do contexto para a compreensão do discurso, enfatizada pelo quadro
teórico-metodológico desta pesquisa, – em que busco indicadores das elaborações escritas
dos professores envolvendo as condições de produção, os processos de mediação e
consolidação dos sentidos em circulação acerca da escrita - foi mapeado o contexto de
trabalho dos professores, uma vez que é importante observar "o lugar onde os sujeitos
72
encontram-se situados" e entender que "a prática do professor é diversa e plural, povoada
de paradigmas igualmente diversos e plurais" (FAZENDA, 1999, p. 48).
2.2 O contexto dos encontros de formação continuada e os sujeitos da pesquisa
Os encontros de FC vivenciados pelos professores no segundo semestre de 2003
constituíram o espaço privilegiado para a coleta de dados da pesquisa, mas a história
desses encontros sistemáticos para FC no Município não começou com a pesquisa. Os
professores vivenciaram diferentes projetos de FC ao longo de suas carreiras. Na literatura
sobre a formação de professores, as críticas apontam como ponto comum dos diferentes
projetos de FC uma intenção homogeneizadora. Não menosprezando esse aspecto, os
projetos vivenciados pelos professores produziram sentidos diversos e constituíram
singularidades. Num recorte mais recente, entre os anos de 1992 a 1995, os professores do
município realizaram encontros periódicos por área de conhecimento com o objetivo de
elaborar uma proposta curricular. Devido a um convênio com o governo federal, esses
encontros de área foram reiniciados em 2002 para o estudo de temas relacionados aos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs. Ao final de 2002, o convênio foi encerrado, mas
os encontros de FC foram mantidos. Em 2003, a pesquisadora se integrou aos grupos de
FC.
Os encontros de FC aconteciam quinzenalmente no horário destinado ao planejamento dos
professores. De uma carga horária de 25 horas semanais, os professores trabalhavam 20
horas em aulas com alunos e 05 horas em planejamentos concentradas em um dia da
semana conforme a disciplina. Sendo assim, nos encontros de FC reuniam-se todos os
professores de determinada disciplina, que, naquele dia, estariam em planejamento em suas
escolas. A participação na FC garante certificado que pode ser utilizado como comprovação
de carga horária de formação no plano de progressão funcional.27
Roque (2004) analisa em dissertação a proposta de formação implementada no município
de Vitória no contexto da política educacional qualificada pelos seus dirigentes como
27
O Plano de Cargos e Salários dos profissionais da educação assegura progressão nas seguintes
condições: a) a cada dois anos, aumento de 5% pela progressão por antigüidade; b) a cada três
anos, aumento de 5% pela progressão por merecimento; c) a cada cinco anos, adicional de 5% por
tempo de serviço e d) a cada ampliação na escolaridade, mudança de nível de acordo com o grau
obtido.
73
“educação de ponta”. Os dados dessa educação foram retratados em folder de divulgação
que apresenta as informações na ponta do lápis (ANEXO H1). Em sua análise, a autora
destaca que as mudanças ocorridas no capitalismo em nível mundial a partir da década de
70, implicando na reforma do Estado Brasileiro e na Reforma Educativa, tiveram
desdobramentos na educação municipal com intenso processo de mudanças na gestão
1995-2000. Como síntese,
A educação de ponta do município de Vitória, propagada pela Prefeitura
Municipal, constitui-se um “sucesso” se olhada na perspectiva do Banco
Mundial, bem como da Reforma Educativa brasileira, que propõe uma certa
forma-educação, uma educação com forte presença de uma racionalidade
instrumental com objetivos definidos para um fim determinado –
disseminação e manutenção do projeto político neoliberal (ROQUE, 2004,
p.8).
No que se refere à especificidade da FC, Roque (2004, p. 70) destaca que esta se constitui
como estratégia para a implementação das reformas no âmbito educacional. O quadro de
propostas de melhoria do ensino vem atrelado à culpabilização dos professores pelo
fracasso dos alunos.
Essa idéia de culpabilização dos professores também tem implicações para os estudos que
envolvem a escrita de professores. Desvela uma desqualificação da categoria que implica a
negação da autoria de seu trabalho, abrindo espaço para um discurso prescritivo que afirma
a importância do desenvolvimento da escrita dos professores como forma de melhoria do
trabalho docente. Essa associação entre a desqualificação e a recomendação do
desenvolvimento da escrita promove uma situação paradoxal de desqualificação da autoria
do trabalho e de necessidade de escrita do trabalho que, por sua vez, poderia implicar o
reconhecimento da autoria dos professores. Essa complexidade evidencia o confronto entre
o reconhecimento dos professores enquanto autores e escritores de propostas e sua
apresentação como meros executores de propostas de autoria de terceiros. À pesquisa
sobre a escrita relacionada ao trabalho docente se lança, então, a indagação sobre as
expectativas colocadas para a escrita de professores buscando observar se nessas
expectativas existe espaço para a constituição de experiências com a linguagem que
resultem na formação de autores que possam ser escritores de seu trabalho. Ou será que
estamos tratando do desenvolvimento de uma escrita que serviria apenas ao registro do
trabalho executado favorecendo os mecanismos de controle sobre esse trabalho? Na
questão da autoria, não se pode pensar a escrita apenas como um produto, é importante
observá-la envolvendo o processo e o sujeito que nela estão atravessados. No movimento
de construção do discurso caracterizado como uma arena de encontros, o texto produzido
74
se revela como resultante de um processo de elaboração que indica as decisões discursivas
do escritor inserido nas contingências contextuais de ordem social, cultural e histórica. Para
compreender a relação constitutiva entre linguagem e realidade, é importante não perder de
vista que é através dos enunciados concretos que a língua penetra a vida e,
simultaneamente, a vida penetra na língua (BAKHTIN, 1992, p. 282). Portanto, a escrita na
vida do professor implica a inserção na cadeia dialógica da comunicação verbal que não
pode ser tratada como mero produto a ser desenvolvido, mas se relaciona com todo o
processo de seu desenvolvimento vinculado diretamente à constituição do próprio sujeito e
do contexto da sua materialidade.
Os dirigentes do sindicato dos professores entrevistados por Roque (2004) apontam para a
adesão do Município aos programas do governo federal atendendo às exigências da lei de
forma descontextualizada da complexidade do cotidiano escolar. A realização da formação
em serviço fora do local de trabalho “leva a uma desarticulação com os projetos concebidos
dentro das instituições escolares, acarretando fragmentação e distanciamento daquilo que
de fato se materializa no funcionamento da escola” (p. 71).
A adesão aos programas do governo federal instituiu uma forma de FC para os professores
atuantes de 5ª a 8ª série materializada pela reunião de professores por área de
conhecimento:
E1 – No segundo semestre de 2001, foi assinado um contrato didático com o MEC [parceria entre o
Município e o MEC para implementação da FC tomando como referência o estudo dos Parâmetros
Curriculares Nacionais]. Então o Município aderiu ao projeto, ao Programa de Desenvolvimento
Profissional Continuado Parâmetros em Ação. [...] Encerrado o ano, com a mudança de governo,
ficou a critério de cada município continuar ou não com o projeto. Nós conseguimos continuar.
Estruturamos os encontros. [...] Aqui no projeto, desde o início, nossa filosofia foi não dar ao projeto
um caráter meramente reprodutor, sem ficarmos apenas reproduzindo o material que o MEC enviou e
o professor coordenador ficar apenas repassando. Nós tentamos desde o início estabelecer uma
interlocução crítica com o projeto. [...] Acredito que um dos motivos do projeto ter continuado, e o
professores terem tido uma boa aceitação de maneira geral - é lógico que há resistências - é que a
gente tentou não ficar reproduzindo.
PQ – Hoje como se chama o projeto?
E1 - Chama-se Programa de Desenvolvimento Profissional Continuado.
PQ - Tinha o propósito [o projeto de formação continuada]...
E1 – De estimular a reflexão escrita do professor, porque o projeto do MEC, um dos objetivos dele é
estimular o registro escrito e estimular a leitura compartilhada, dois aspectos muito enfatizados. Nos
cadernos os professores emitiam opiniões pessoais sobre o encontro, sugestões...
O fato dos encontros de FC serem organizados por área de conhecimento fortalece o
pertencimento ao grupo de determinada disciplina com seus conhecimentos próprios.28
28
Em relação aos conhecimentos específicos dos professores nas áreas de conhecimento, Nóvoa
(2002, p. 22) destaca que: “Os professores nunca viram seu conhecimento específico devidamente
reconhecido. Mesmo quando se insiste na sua missão, a tendência é sempre para considerar que
75
Fazer parte do grupo, ser de Português, Matemática, História, Geografia, Ciências, Inglês,
Artes ou Educação Física governa as trocas discursivas em relação à escrita a partir da
idéia de que todos – daquela disciplina – se assemelham nos avanços e nas dificuldades,
nos dilemas e nos desafios frente às práticas de escrita. Mesmo com alguns conflitos entre
as áreas ou no interior delas, os enunciados concretos acerca da escrita, com suas
diferentes tonalizações, penetram na cadeia verbal adquirindo sentido a partir das áreas de
conhecimento. Esse pertencimento a determinado grupo, que favorece um sentimento
próprio em relação ao discurso da escrita, é referenciado em maior intensidade em relação
às avaliações sociais relativas às dificuldades dos professores. Dizer “os professores de tal
disciplina não sabem escrever” permite associar-se ao outro numa tática de fortalecer-se
sem se expor individualmente. Nessa perspectiva, um sentimento e um sentido de nós
ampliam a individualidade de cada um permitindo observar como um acontecimento, que
poderia ser remetido a um indivíduo do grupo, age como um componente do grupo de modo
a interessar a todos porque, de alguma maneira, implica todos.
As generalizações, nas palavras vivas da língua em conexões internas e externas às
discussões dos encontros de FC, indicam inicialmente uma aceitação de avaliações sociais
acerca da relação entre professores e escrita. No entanto, se em muitos momentos esse
discurso é ratificado em tantos outros se observa que nem sempre ocorre uma aceitação
passiva nas interações discursivas evidenciadas nos dados. Ocorrem tensões que buscam
ampliar constantemente a fronteira dos sentidos que afirmam as limitações dos professores,
apresentando relações com as causas e conseqüências dessas dificuldades. Observa-se o
confronto entre as reflexões sobre as demandas advindas das necessidades do trabalho e
as generalizações que indagam a competência dos professores revelando o diálogo entre os
diferentes discursos sobre a escrita. Na luta pela organização da comunicação, as
referências sobre as práticas de escrita são tensionadas a partir das condições mais
imediatas da interação dos professores com essas práticas. Os professores sempre
confrontam as avaliações estabelecidas e as dificuldades enumeradas com as condições de
que necessitam para se desenvolverem na escrita. Podem negar o discurso que indaga sua
competência com a escrita, podem efetuar apropriações utilizando-o para apoiar suas
reivindicações, podem transformá-lo conforme os interesses em jogo. No horizonte social,
os interesses emergentes sobre o tema recorrente da escrita não coexistem pacificamente
lhes basta dominar bem a matéria que ensinam e possuírem um certo jeito para comunicar e para
lidar com os alunos. O resto é dispensável. Tais posições conduzem, inevitavelmente, ao desprestígio
da profissão, cujo saber não tem qualquer ‘valor de troca’ no mercado acadêmico universitário. Se
levarmos esse raciocínio até o fim, deparamo-nos com um curioso paradoxo: ‘semi-ignorantes’, os
professores são considerados as pedras-chave da nova ‘sociedade do conhecimento’. A mais
complexa das atividades profissionais é, assim, reduzida ao estatuto de coisa simples e natural.”
76
com outros elementos já previamente integrados ao grupo, mas caracterizam-se na luta com
reavaliações e deslocamentos evidenciando as atitudes efetivas e interessadas dos
professores em direção às questões da escrita. Essa dinâmica retrata o que Bakhtin
caracteriza como dialogização das vozes sociais em cujo encontro elas podem se apoiar
mutuamente, se interiluminar, se contrapor, polemizar, parodiar e assim por diante, em
diferentes graus, num entrecruzar contínuo que potencializa novas vozes sociais.
(FARACO, 2003, p. 54-57).
Com isso, nesse jogo de forças vivo e móvel sustentado na dialogia sobre a escrita, a FC se
constitui como um espaço de reprodução e estabilização de sentidos historicamente
dominantes e, ao mesmo tempo, um espaço de interrogação e de dispersão dessa
dominância, que emerge como heterogeneidade, variabilidade. Explicita o rumor discursivo
que se instaura no contexto de disputas em torno de demandas ligadas ao letramento.
Nesse contexto complexo e conflituoso, o professor reelabora continuamente seu processo
formativo utilizando e elaborando diferenciadas operações intelectuais, habilidades e
possibilidades sígnicas de desenvolvimento cognitivo. No estabelecimento de políticas de
FC, os professores vivenciaram uma demanda institucional de desenvolvimento da escrita
docente. Como estratégia normativa, para o desenvolvimento da escrita dos professores, foi
proposto o registro das atividades através de duas dinâmicas: um caderno coletivo por área
de conhecimento e um caderno individual em que cada professor participante deveria
efetuar seus registros. No caderno coletivo, chamado de caderno volante, os registros de
cada encontro eram efetuados conforme a dinâmica de cada área de conhecimento. Em
algumas áreas, em face das dificuldades, o caderno de registro coletivo foi abolido, em
outras foi usado esporadicamente. No caderno individual, pretendia-se que cada professor
fizesse seus registros de maneira livre, sem submetê-lo a qualquer controle, salvo o controle
de que eles de fato estivessem sendo efetuados.
E4A – Eu tenho uma questão do PCN porque a princípio a gente teria que estar fazendo um tal de
caderno volante e não deu certo [...]. Então a gente meio que deixou de lado mesmo o caderno
volante, mas sempre frisamos o registro pessoal: cada professor fazer o seu registro para ter o
acompanhamento do que a gente está desenvolvendo. Mas não temos controle sobre isso...
E4B – Na verdade, o registro, eles sabem que é fundamental, mas não são todos os professores que
têm o registro. A gente sabe da dificuldade, [...] por mais que esteja insistindo, estamos há um ano e
meio praticamente, ainda não são todos que fazem, mas já tem um grupo que compreendeu a
importância de fazer o seu registro. Isso enquanto algo positivamente promovido pela capacitação.
_________________________________________________________________________________
E5 - Bem, desde o início propomos que cada um tivesse o caderno de registro, [...] muita gente nem
tem esse caderno. Agora, eu continuo insistindo no registro. A cada vez que a gente se encontra nós
temos o livro de registro da nossa história, o caderno volante que a gente chama. Uma pessoa leva,
registra não como uma ata, mas registra seus sentimentos, sua percepção sobre aquele encontro.
Esse [registro] tem acontecido sempre, mas tem que ter o estímulo da gente (ênfase). Às vezes até
dizer “essa vez é você que não levou ainda”, mas, de um modo geral, eles se dispõem a fazer o
registro porque é uma coisa assim bem esporádica, cada um vai fazer uma vez no ano, talvez.
77
Como tática para não efetuar os registros individuais, alguns professores diziam que
esqueceram o caderno, que o perderam, que havia ficado na escola, etc. Outros professores
mantinham o mesmo caderno desde o início do programa. Além dos cadernos de registros,
muitas das atividades vivenciadas solicitavam a escrita como suporte ao trabalho. Muitos
professores não efetuavam registros. Alguns utilizavam suportes diversos do caderno
recomendado: folhas avulsas, agendas, caderno de planejamento, verso de materiais de
leitura distribuídos, etc. Esses aspectos serão mais explorados nos capítulos seguintes.
Destaco, aqui, a proposta institucional de desenvolvimento da escrita dos professores no
interior das políticas de FC29 e a responsividade dos professores frente às propostas
institucionais que focalizam a escrita.
Destacado o propósito institucional de desenvolvimento da escrita do professor, passo então
a caracterizar o grupo participante da pesquisa. Tomando como referência as informações
sobre a categoria (BRASIL, 2004), o grupo pesquisado constitui um perfil típico de
professores atuantes nas séries finais do ensino fundamental. Ecoando o processo de
feminização do magistério, a maioria dos professores pesquisados é do sexo feminino
(ANEXO I2). Em muitos momentos da pesquisa, a questão de gênero sobressaiu como uma
das dificuldades para o desenvolvimento nas atividades de letramento. Ser mulher implica
uma diversidade de atividades e de responsabilidades que “ocupa todos os espaços da vida
sufocando a existência” (PM22). Um dos momentos em que essa problemática se mostrou
mais significativa foi registrado no DC-R27:
Os comentários envolvendo a relação de gênero implicaram um embate divertido entre os sexos no
grupo. Algumas professoras reclamaram que o companheiro lê o jornal no fim de semana pela manhã
enquanto elas têm que organizar o espaço doméstico e só podem ler o jornal no fim da tarde “quando
ele já está todo desorganizado”. Declararam também que, no espaço doméstico, quando estão
estudando ou elaborando algum material são mais solicitadas do que quando estão fazendo alguma
atividade tipicamente doméstica. Isso provocou risos concordativos nos homens e alguns deles
cantaram “lerê, lerê” (tema da novela Escrava Isaura).
(DC-R27)
29
O fortalecimento progressivo da idéia de educação permanente no município de Vitória é ratificado
com a publicação da lei nº 6.529, que “dispõe sobre adequações da estrutura organizacional da
Prefeitura Municipal de Vitória e dá outras providências”. Esta lei apresenta a FC como uma das doze
atribuições da Secretaria de Educação (A TRIBUNA, CLASSIFÁCIL, PODER EXECUTIVO,
01/01/2006, p. 9). A divulgação da valorização da FC também foi efetivada em nota, assinada
conjuntamente pela Secretaria Municipal de Educação e Prefeitura de Vitória, aos pais e alunos das
escolas municipais por ocasião da greve dos professores iniciada em 08/02/2006. Dentre as ações
destacadas o texto afirma: “Nossos profissionais são considerados agentes fundamentais na
formulação, execução e avaliação da política pública de educação. A valorização desses profissionais
tem como pilares a formação continuada e uma política salarial que garanta ganhos reais durante
essa gestão, sempre a partir de um processo de negociação e diálogo.” (A TRIBUNA, REGIONAL, p.
15).
78
O contexto familiar é descrito ora numa atuação positiva, associado a apoio, ora negativa, a
partir das cobranças de companheiros e filhos (ANEXO I3). No entanto, as professoras
declaram que, muitas vezes, apesar de existirem as cobranças dos filhos e maridos, as
cobranças são, principalmente, delas próprias que se sentem abandonando suas obrigações
familiares ou deixando os filhos sem atenção.30
A faixa etária de mais destaque nos dados está entre 31 e 50 anos com uma média de
tempo de serviço de seis anos de atuação no sistema municipal de ensino de Vitória e de
quatorze anos no magistério. No momento do preenchimento do questionário, a maioria dos
professores (74%) atuava em mais de um turno de trabalho. A atuação em outro(s) turno(s)
se mostra de modo diverso sendo vinculada ao próprio Sistema Municipal de Ensino de
Vitória, a outros sistemas públicos (municipais ou estadual) ou à rede privada de ensino. Em
relação ao vínculo empregatício, a maioria dos pesquisados (76%) são efetivos no Município
atuando também com outros vínculos (geralmente temporários). Os professores declaram
renda pessoal de mil a dois mil reais e renda familiar, de mil a três mil reais (ANEXO I4 a I8).
As observações registradas nos questionários sobre a sobrecarga de atividades31 e a baixa
remuneração que constitui a desvalorização profissional são relacionadas a dificuldades
para que os professores possam se desenvolver na escrita.
Gostaria imensamente de ter mais tempo para ler e escrever. Pena que, para me manter
financeiramente, tenha que ficar todo o tempo na sala de aula. (Q31)
Realmente o professor precisa de muita leitura, mas existe o tempo – que não estica para caber tanta
leitura e com essa “remuneração”... (Q213)
Nesse contexto de dificuldades, na discussão posterior ao preenchimento dos questionários,
as condições de trabalho nas escolas também foram mencionadas como um entrave:
Nos comentários [sobre as dificuldades derivadas das condições de trabalho], foi observado que, com
a redução de pessoal, o planejamento e a leitura se tornaram sinônimo de “ficar à toa”. Nesse
contexto, o professor que se encontra nessas atividades é chamado a cumprir a tarefa de substituir os
colegas de licença ou resolver problemas imediatos na escola.
(DC-R27)
_________________________________________________________________________________
Foi enfatizado que as atividades de leitura e de escrita parecem não ser trabalho quando são
realizadas pelos professores individualmente na escola. A leitura muito mais que a escrita porque
quando o professor está lendo, até ele se sente incomodado com o olhar dos colegas. Parece que
“está matando o tempo com o jornal”.
[...]
30
Para um estudo sobre a constituição e implicações do processo de feminização na profissão
docente, ver, entre outros, Toledo et al (1983), Lelis (1989) e Lopes (2001).
31
Para um estudo sobre a especificidade da relação entre a sobrecarga de trabalho e constituição da
identidade docente, ver Fullan e Hargreaves (2000).
79
Essas observações acrescidas de exemplificações anedóticas subsidiaram uma conversa animada no
grupo de modo a provocar alguns processos de auto-reflexão pessoal materializados em frases tais
como:
[...]
_ Quando estou lendo na sala de professores e a escola esta lá pegando fogo, não consigo continuar
lendo, paro e vou ajudar.
_Quando leio e alguém me olha, me sinto mal, fico desconfortável, eu mesmo acho estranho algum
professor lendo jornal na nossa sala. Se estiver acontecendo alguma reunião, então, parece uma falta
de respeito, sei lá. O engraçado é que eu mesmo fico fazendo o discurso de que o professor tem que
estar atualizado, saber de tudo que está acontecendo.
(DC-R20)
Renda, jornada e condições de trabalho são enfatizadas como um dos primeiros entraves
para o desenvolvimento do letramento docente. A falta de tempo foi enfatizada com um tom
humorístico do tipo não adianta falar sobre isso. A comunhão dos julgamentos acerca do
valor presumido sobre a relação do tempo com a dinâmica da vida dos professores
desenhou os contornos da entoação. Uma entoação silenciosa e de um riso tímido que, num
“apoio coral” (BAKHTIN, 1976), retrata uma característica comum à vida do grupo e à dos
professores de maneira geral (CODO, 1999). Essas condições da vida do professor podem
ser relacionadas ao estabelecimento de uma responsabilização pessoal.
PQ – O que vocês esperam que os professores escrevam?
E4A – Eu gostaria e é o que eu gostaria que eu também fizesse. Admito que eu não faço. Isso a
gente tem ouvido de vez em quando, [...], como que é valioso, muitas coisas se perdem por não
estarem escritos. Fica aquela coisa de guardar na cabeça, até atividade mesmo que você desenvolve
no contexto da sala de aula, coisas interessantes, produções bacanas se perdem. Você deixa para a
cabeça e a cabeça não dá conta. E aí, o que a gente gostaria? De registrar mesmo, de registrar as
suas experiências. Agora, para você registrar você precisa de estudo também. Você precisa sempre
articular esse saber científico com o que você está fazendo.
E4B – Outra coisa também eu vejo na questão do registro. Eu tento colocar em prática no meu
trabalho. É o seguinte: é sistematizar mesmo toda a sua ação no interior da escola e isso vai
contribuindo para o passo seguinte que você tem que dar no trabalho, dá um norte ao seu trabalho e
faz com que a criança tenha um nível de compreensão bem amplo. Quando você tem essa clareza
sistemática da prática pedagógica, você também aceita melhor as demandas que estão ali. Eu tenho
uma prática de estar trabalhando com os dados, eu sei, por exemplo, o que eu intenciono trabalhar
no bimestre, no caso, as perspectivas essa, essa e essa (gesto de numerar). Como operacionalizar
isso? Nós vamos realizar uma discussão com a criança e para isso eu preciso registrar para
concentrar de fato, o que a criança trouxe de dado e como eu vou trabalhar com isso.
E4A – Eu me coloco muito como exemplo, eu sei que faço muita coisa, mas eu registro pouco.
Em relação à escolaridade, os professores têm, no mínimo, graduação, uma vez que esta
formação é pré-requisito para a atuação profissional. Há também um grande percentual de
pós-graduados com especialização. Em relação ao mestrado, cada área de conhecimento
conta com um ou dois professores com essa titulação. Observando os dados relativos à vida
familiar, ocorrem índices significativos de companheiros(as) com escolaridade inferior a dos
professores e, numa maior escala, de pais (ANEXO I9). Analisando os dados em relação à
escolaridade dos irmãos, é possível perceber a formação de uma geração de escolarizados
que na sua maioria possui, pelo menos, o curso superior. A análise dos dados de
80
escolaridade dos filhos dos professores revela a continuidade da busca da escolarização
tendo alguns deles já ultrapassado o nível de escolaridade dos pais. Desse modo, o
processo de letramento familiar revela uma grande ascensão a partir da trajetória dos
professores pesquisados.
Para falar da escrita, a maioria dos professores retomava a escolarização vivenciada. No
preenchimento do questionário, a questão quatro que visava à sintetização dessa trajetória
provocou a urgência da palavra. Como sujeitos do seu discurso, os professores ao chegar
ao preenchimento da questão romperam a linearidade do questionário que solicitava uma
palavra ou frase síntese para os períodos antes da escola, na pré-escola, de 1ª a 4ª, de 5ª a
8ª, no ensino médio, no curso superior, na pós-graduação... Nesse momento, muitos
professores interromperam o preenchimento e foram falar da escolarização. Ao buscarem a
melhor forma para responder a questão, narravam sua escolarização. Uma narrativa
provocava outra. A interlocução permitia a comunhão de significados. As palavras,
carregadas de conteúdo e de sentido vivencial, indicavam o estabelecimento de uma
comunidade (BAKHTIN, 1997, p. 95) cujos elos se manifestavam a partir das análises do
processo de escolarização vivenciado. Essas análises forneceram importantes indicadores
para a pesquisa e serão mais exploradas no capítulo três, quando tratarei da escrita na
escolarização. Cabe destacar aqui a vinculação entre escrita e escolarização efetivada pelos
professores.
No conjunto das experiências familiares, os professores externaram o orgulho que sentiam
por terem estudado, em comparação com aqueles que ficaram pelo caminho (parentes,
vizinhos, conhecidos, etc.). As referências aos percursos diversos na escolarização
evidenciam que, apesar das referências a pessoas próximas e de um período de expansão
e valorização da escola, nem todos percebem da mesma forma o papel que tem para eles o
fato de terem estudado e nem todos vivenciaram as mesmas condições para o
prosseguimento nos estudos. No contexto da formação das primeiras gerações de letrados
no grupo familiar, mencionaram o quanto foi importante e as dificuldades que enfrentaram
para avançar no mundo da escola. Para a maioria, o ingresso no curso superior se deu em
um período em que existiam poucas instituições com esse nível de ensino, aumentando,
assim, o grau de seletividade e, em conseqüência, o status social. Ainda, é preciso
considerar o tipo de formação recebida. Gomes (2005, p. 7) enfatiza que a formação
recebida faz com que o professor construa sobre si uma representação positiva reforçando
uma noção de superioridade intelectual em relação aos demais sujeitos do ambiente
escolar. Falar das histórias de sucesso em que venceram as dificuldades criou uma
81
atmosfera de afetividade. O dizer e o ouvir, naquele contexto, fortalecia o grupo. Na busca
de sentidos para a trajetória construída muitos parceiros foram lembrados.
Com isso, as referências a essa conquista foram agregadas de valoração social positiva. No
entanto, o entusiasmo das narrativas sempre arrefecia diante da constatação da falta de
reconhecimento social e, neste, principalmente a falta de remuneração digna. Os
professores narram na pesquisa uma situação paradoxal de orgulho e de frustração. Sentem
prazer em observar o orgulho de seus pais pela escolaridade que conquistaram. Realçam
situações em que lhes é atribuído destaque nas reuniões familiares por essa posição.
Descrevem a satisfação que sentem quando, na escola, pais e alunos os tratam com
distinção por terem estudado. Por outro lado, os professores mencionam que gostariam que
esse orgulho e reconhecimento fossem estendidos ao conjunto da sociedade e traduzidos
em melhores condições de trabalho e de remuneração. Ficou evidenciado o quanto um
número significativo dos professores não desejava que seus filhos ou irmãos mais novos
seguissem a carreira do magistério. A maioria dos professores informou que há outro(s)
professor(es) na família. Alguns também narram seu esforço pessoal para sair da área (da
escola básica), normalmente fazendo concursos para outras atividades ou buscando
formação para atuar no nível superior indicando uma frustração com a opção profissional.
Nesse sentido, as noções de prestígio e de ascensão social são relacionadas à construção
social da identidade docente, demonstrando que as escolhas pessoais nos caminhos
percorridos entrecruzam tanto a dimensão de sobrevivência quanto os processos sociais,
circunscritos histórica e culturalmente, de estabelecimento de valoração para as ações e
escolhas.
Nesse campo de possibilidades em que a trajetória foi se delineando, muitas escolhas foram
efetivadas, com diferentes graus de consciência, e outras estavam sendo planejadas e ou
implementadas no período da coleta, constituindo projetos que estavam sendo comunicados
em termos de metas e estratégias de execução. As enunciações ressaltam as tentativas
efetuados pelos professores de dar uma dimensão consciente às ações organizadas para a
realização de objetivos definidos quanto à carreira. Com isso ficou evidenciado que
[...] os projetos mudam, um pode ser substituído por outro, podem-se
transformar. O “mundo” dos projetos é essencialmente dinâmico, na medida
em que os autores têm uma biografia, isto é, vivem no tempo e na
sociedade, ou seja, sujeitos à ação de outros autores e às mudanças sóciohistóricas (VELHO, 2004b, p. 27).
No estabelecimento dos projetos, a atuação no nível superior é referenciada como uma
possibilidade de afastamento das dificuldades da escola básica e como uma possibilidade
82
de progressão na carreira docente (DC-R3). Enquanto alguns professores, ao ingressarem
em outra área de trabalho, se afastam da docência (DC-R39), outros acumulam as funções.
Observei, durante os encontros de FC, que os que optam por se manterem no magistério
são convidados a justificarem seu posicionamento. Essa justificativa se torna mais discutida
quando a outra função oferece estabilidade e remuneração superior à da regência. Nesse
sentido, a perspectiva econômica não é o maior objetivo no estabelecimento das escolhas e
metas nos projetos pessoais. No entanto, ocorre um estranhamento dessa postura no
contexto de valorização do capital demonstrando que
Em uma sociedade complexa moderna os mapas de orientação para a vida
social são particularmente ambíguos, tortuosos, contraditórios. A construção
da identidade e a elaboração de projetos individuais são feitas dentro de um
contexto em que diferentes “mundos” ou esferas da vida social se
interpenetram, se misturam e muitas vezes entram em conflito (VELHO,
2004b, p. 33).
As referências à escrita adquirem um papel particular quando inter-relacionadas à saída da
atuação no magistério na escola básica. Do lugar de professor, os professores analisam
que, para exercer outras funções no contexto dos concursos públicos locais, muitas com
melhor remuneração, não precisam ter tanto estudo quanto necessitam para o contínuo
exercício da carreira do magistério com suas adversidades.
_ [...] essa questão salarial também é muito séria. A polícia rodoviária no nível médio está fazendo um
concurso em que o ingressante vai ganhar três mil, e nós que temos uma graduação? Que
parâmetros estão usando para definir os salários? Será que é pelo número de profissionais? Eu acho
que é preciso se rever a questão da educação, porque quando se quer investir, se investe. Veja o
caso da polícia rodoviária e o caso da educação. (PM3)
(DC-R12)
Os professores reconhecem, no entanto, que tanto para conseguirem outros espaços
profissionais quanto para progredirem na carreira do magistério necessitam melhorar na
escrita. Esse aspecto está registrado no DC-R30:
O intervalo foi agitado por quatro motivos: alguns professores precisavam se reunir em função da
participação nas bancas do processo seletivo para professores contratados; alguns professores já
estavam preparados para saírem da reunião e viajarem para Aracruz [município no interior do ES]
para um seminário de Educação [a secretaria sorteou duas vagas por escola e alguns professores
iriam com recursos próprios]; alguns estavam concorrendo às vagas de contrato cujos temas para as
aulas práticas estavam sendo sorteados no auditório da secretaria e alguns fizeram seleção para o
mestrado da UFES e o resultado da prova escrita estava saindo naquele momento. A forma de saber
o resultado era telefonar para o programa. Essas ações criaram um movimento particular no grupo,
uma vez que muitos professores estavam participando do processo seletivo do mestrado. Os
comentários sobre a prova giravam em torno das idéias de que a “prova estava fácil” e de que o
“sorteio das questões favoreceu porque caíram os livros mais simples”. Muitos foram saber o
resultado, retornavam com expressão “triste” e informavam aos colegas que “não deu”. Dentre estes
uma professora (PEF1) comentou comigo na entrada do auditório:
_ Você vê essa questão da escrita, não é? Só pode ser isso! Eu achei a prova tão fácil. Eu participei
do grupo que estudou [um grupo de professores do município que se preparou coletivamente], eu fiz
83
todas as questões e não deu. Acho que eu não consegui escrever aquilo que eu sabia. É sempre
assim, a gente sabe, mas não sabe colocar no papel. A escrita é uma complicação.
Ela disse como um desabafo e não esperou nenhuma resposta, saiu meio desnorteada e foi sentarse sozinha no fim do auditório. Nos grupos de conversa que analisavam os resultados houve várias
referências à escrita: “além de estudar é importante consegui escrever aquilo que se sabe”, “na prova
escrita o que vale é a escrita, então precisamos aprender a escrever”, “estudamos tanto,
apresentamos todos os livros, sou capaz de falar de cada um, mas na hora de escrever reconheço
que não fui muito bem”, “por isso que prefiro os concursos com questões de marcar, estou me
preparando e vou conseguir”.
(DC-R30)
Com a demanda de melhorar na escrita, os professores se mostraram no decorrer da
pesquisa mobilizados para a discussão em torno do tema da escrita. Observei que os
enunciados sempre únicos e particulares, se tomados em relação com a situação em que
vivem os professores, demonstram a constituição de uma comunidade envolvida com a
problemática da escrita (BAKHTIN, 1997). Essa mobilização tanto retrata um movimento
individual de alguns professores quanto revela as intenções relativas às áreas de
conhecimento. Em certas áreas de conhecimento, a questão da escrita revela algumas
particularidades. As áreas de Educação Física e Artes demonstram na pesquisa que o
desenvolvimento na escrita representa uma afirmação da própria área de conhecimento.
O dialogismo bakhtiniano aponta tanto para a natureza interdiscursiva da linguagem, ou
seja, o permanente diálogo entre os diferentes discursos que configuram determinados
contextos (comunidade), quanto para as relações entre o eu e o outro nos processos
discursivos. O dialogismo, que instaura a busca de afirmação pela linguagem escrita em
produção científica na área de Educação Física, mobilizava um número significativo de
professores na tentativa de ingressar em cursos de mestrado e de efetuarem trabalhos em
parcerias com outras áreas de conhecimento de modo que suas ações fossem registradas
em projetos realizados nas escolas. Um exemplo do estabelecimento de parceria através da
escrita está retratado em um dos registros do DC:
Na discussão dos pontos destacados no texto [em estudo no grupo] PEF11 contou que, para ser
levado em conta pelos outros professores na escola, já que é contratado, [...], fez um projeto escrito
para uma atividade coletiva que envolvia todo o grupo de professores. Ao ver o projeto, a pedagoga
solicitou que os outros professores “valorizassem o trabalho do colega”. Ele destacou que, na escola,
ele ficava falando, falando, mas “quando mostrou escrito foi diferente”.
(DC-R6)
Nesse sentido, a escrita se apresentava para a área de EF como um “tema recorrente”
(BAKHTIN, 1997, p. 44-46), uma vez que é uma área que tem vivido, ao longo dos últimos
anos, um questionamento de sua ação no interior da escola e várias transformações
funcionais.32 Em vários momentos da FC, a escrita foi discutida pelo grupo como uma forma
32
No município de Vitória nos últimos tempos houve vários questionamentos à área de EF com
alterações na carga horária da disciplina e retirada dos professores específicos para esta disciplina
dos Centros Municipais de Educação Infantil.
84
de sistematização das idéias a fim de fortalecer o trabalho da área. Algumas das
transformações decorrentes dessa busca pela escrita estão registradas no DC-R31:
No intervalo alguns professores me procuraram: um professor (PEF22) disse que “gostaria de discutir
melhor essa questão da escrita” e uma professora (PEF23) informou:
_ Tenho muito tempo de rede. No começo, quando começamos essa coisa de reunião com
professores, era uma dificuldade para fazer o professor de EF ler. Era uma briga, tinha gente que até
batia na mesa. Agora é uma tranqüilidade. Quando tem um texto para ler ninguém questiona. Já
temos essa idéia de estudo. (PEF23)
Um professor que estava perto complementa em tom de brincadeira:
_ Eu sou do tempo do esporte, da competição, depois fizeram a gente ler. Agora que a gente lê vêm
dizer que a gente tem que escrever. É demais para um pobre professor que trabalha no sol. (PEF24)
Essa conversa provocou risos nos colegas próximos, que passaram a comentar as transformações
que ocorreram no grupo e, particularmente, em alguns colegas, bem como as necessidades que
ainda permanecem. Essas necessidades foram associadas à questão da escrita.
(DC-R31)
No caráter processual da fala de PEF24, é possível observar outras vozes que se cruzavam
na grande temporalidade da linguagem na vida dos professores (BAKHTIN, 1992, p. 414).
Impelidas pelas demandas sociais, as atividades relacionadas à linguagem foram
deslocando incessantemente seu sentido. Em virtude das condições heterogêneas das
situações em que são produzidas e das contingências históricas em que são inscritas, as
práticas ligadas ao letramento vão incorporando novos sentidos, ou, como disseram os
professores, novas exigências. A busca pela escrita retrata que “o correr da vida embrulha
tudo, a vida assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O
que ela quer da gente é coragem” (GUIMARÃES ROSA, 1986, p. 169).
A área de Educação Física afirma uma carência de formação em escrita associada a um
tipo de formação acadêmica ocorrida “nos antigos currículos” em que “a formação era
essencialmente prática” (PEF2/DC-R6) e na formação mais recente “em que só se aprende
a resumir e a apresentar” (PEF3/DC-R6). A superação dessa carência é associada tanto às
possibilidades pessoais quanto, e principalmente, ao desenvolvimento da área de
conhecimento.
Em Artes, a particularidade está relacionada à linguagem artística, a forma de expressão
através da arte. Os professores mencionam, por um lado, o orgulho que sentem pelo fato de
suas exposições serem reconhecidas ficando expostas na parte da frente da escola33 e, por
outro, o descontentamento pelo fato de sua fala não ser prestigiada nas decisões
importantes, geralmente decisões quanto à aprendizagem e ao comportamento dos alunos.
A escrita se apresenta como uma possibilidade de fortalecer a área que “lida com uma
33
Em algumas escolas, essa ocupação da escola pela área de Artes causa alguns problemas. No
DC-R17 registrei o descontentamento da PG10 de ter que expor os trabalhos de seus alunos atrás da
escada porque “na recepção da escola normalmente ficam os trabalhos de Artes”.
85
linguagem não muito prestigiada na escola na hora de tomar as decisões mais sérias”. A
idéia de que a linguagem artística, ligada à fruição da beleza, não desfruta da mesma
importância das outras disciplinas no cenário escolar, por si só, já indica uma possibilidade
de investigação. O que é importante marcar a partir dessa idéia, é a relação que os
professores fazem de que a associação da linguagem artística com a escrita poderia
fortalecer a área de Artes e, conseqüentemente, seus profissionais que poderiam interferir
com legitimidade “nas questões importantes da escola”. A escrita atuaria, assim, no
processo de sustentação da legitimidade para atuação dos professores.
Os professores da área de Matemática são os que mais explicitam discursivamente
dificuldades e afastamentos com a escrita. O grupo associa diretamente as dificuldades em
escrita à dinâmica de formação na área de conhecimento em que “não são treinados para
escrever no curso causando o que todo mundo já sabe, que o professor de matemática tem
dificuldade para escrever” (DC-R27). Nessa dinâmica, o grupo de FC mobilizou ações para
desenvolver a leitura e a escrita externando o desejo de “juntos produzirem algum material
para publicação”. Durante a coleta de dados foi possível observar uma atividade intitulada “li
e recomendo” que visava a apresentar leituras realizadas pelos integrantes do grupo. Essas
ações demonstram o investimento da área em seu processo de formação:
E2B – [...] O objetivo nosso é criar um espaço onde eles possam refletir sobre a relação com a
escrita.
E2A – Não é só com a escrita, nós temos enfatizado a questão da leitura, do estudo.
E2B – Se você observar o grupo de matemática há uns anos atrás, falar de um livro lido, só um ou
dois fariam isso de um grupo de trinta. Hoje não, nesse momento “recomendo” do início do grupo
praticamente em todo encontro tem apresentação, não é o mesmo material. Essa evolução já existe.
E2A – É o grupo já avançou, ele começou muito bem disposto, as pessoas tem aproveitado muito.
[...], eu sei o quanto a gente já cresceu, aproveitou dos encontros.
E2B - Eu vejo isso também no pessoal que fez a prova de seleção ano passado. Eu participei dos
dois últimos processos seletivos para o contrato [são anuais]. Teve professor que participou do
primeiro, pelo amor de deus, a aula dele era terrível. No ano passado, conversando com eles depois
da prova, muitos diziam: “graças às reuniões eu já melhorei muito”. Era outra pessoa.
E2A – É, deu para observar uma transformação muito grande no grupo.
No grupo dos professores de Língua Portuguesa, além da discussão sobre a escrita no
contexto escolar, comum a todas as áreas de conhecimento, circulavam algumas produções
literárias (geralmente contos e poesias). Essa circulação era fomentada pelos próprios
integrantes do grupo que, logo no começo do encontro, buscavam os autores para saberem
se havia algum novo material produzido.
Em meio à palestra, um professor (PP18) entrega discretamente a uma colega (PP24) um texto de
sua autoria (literatura infantil). Ela passa a lê-lo distanciando-se da continuidade da palestra. Ao final
da leitura devolve o texto, dá um sorriso e faz um sinal de aprovação.
(DC-R14)
86
Nas outras áreas de conhecimento observei também uma circulação paralela de algumas
poesias e músicas. Os autores, bem como seus leitores, já estavam identificados no grupo e
essa circulação ocorria à margem dos trabalhos, como uma ação que não integrava os
encontros de FC. Esse letramento literário era muito valorizado na dimensão individual
quando algum professor mencionava alguma produção ou publicação. No entanto, não se
constituía como um dos aspectos da formação. De maneira geral, em todas as áreas de
conhecimento, o letramento literário relacionado com um “estado de graça” (TOLCHINSKYLANDSMANN, s/d, p. 7) se resumia às mensagens que eram lidas como dinâmica para a
abertura dos encontros. Os professores de Língua Portuguesa se mostram os mais
exigentes quanto aos seus textos.
E7 –[...] os professores de Português têm muito medo da crítica. Acontece comigo. O meu texto é
amarrado. Até me soltar é muito exercício. Eu li uma vez a Raquel de Queiroz falando sobre o texto
dela, o tanto que ela odiava escrever e eu me vejo meio assim. Não estou me comparando e nem
comparando meu texto com o dela, mas o sentimento diante do papel em branco, diante do tanto de
coisas que eu tenho para colocar ali e da forma como aquilo sai. Sai amarrado, preso, tenso, gelado,
nada sujeito, como eu achava que poderia ser. Eu acho que isso acontece muito com professores de
Português e com professores de outras áreas que não se percebem competentes para fazer aquilo.
Eles fazem, mas não expõem.
Essa exigência de perfeição implicou a necessidade de maior tempo para que eu pudesse
ser também leitora dessas produções literárias. Essa exigência impossibilitou que eu
coletasse o material. Durante uma conversa informal com o PP18, considerei a possibilidade
de divulgação do seu texto:
PQ - O seu conto trata do universo escolar.
PP18 - Geralmente escrevo contos a partir das vivências do dia-a-dia. Como fico o tempo todo na
escola, esse lugar acaba sendo minha fonte de inspiração (risos). Sabe que eu poderia classificar
uma parte de minha produção como contos escolares? Uso muito humor nessas coisas que os alunos
nos ensinam...
PQ - Como esse material se relaciona com a escola e com os alunos, você não pensa em utilizar
esses textos como recurso didático para as aulas? Os alunos iriam gostar.
PP18 - Sei que os alunos iriam gostar! Mas, imagina o que os pais vão pensar. Acho mais indicado
usar os textos já aceitos.
PQ - E quais são os mais aceitos?
PP18 - Ah! Aqueles dos livros.
PQ - Didáticos?
PP18 - Também. Os dos livros didáticos e outros da literatura.
De maneira geral, os professores da área de conhecimento de Língua Portuguesa não se
manifestaram durante os encontros de FC quanto a dificuldades na escrita de seus
integrantes. Discutiam sempre o desempenho dos alunos, as tendências no ensino, a falta
de contribuição das outras áreas de conhecimento no desenvolvimento da leitura e da
escrita dos alunos e, algumas vezes, mencionavam as dificuldades dos colegas das outras
áreas de conhecimento.
87
Em seguida, a coordenadora propôs a leitura de dois textos publicados no jornal local. Foi efetuada a
leitura circular do primeiro deles (NUCCI, Guilherme. Meu rico português. A GAZETA, Opinião,
20/05/03, p. 5) e em seguida, os comentários.
Como o texto tratava do “assassinato da Língua Portuguesa” os professores que participaram da
leitura afirmaram a dificuldade de ler o texto “com aqueles erros”. O grupo acabou por listar erros que
observam na escola e principalmente nos colegas de outras áreas: “meu óculos”, “nós precisamos se
reunir”, “aula germinada”, “perca salarial” etc. de uma forma um tanto jocosa. Nesse ínterim, uma
professora interpelou o grupo afirmando a importância da consciência de que também erramos
fazendo referências a um texto do Ferreira Gullar que trata dessa questão. Esse fato criou um
silenciamento. A falta de manifestação discursiva criou uma espécie de constrangimento, mas
ninguém estabeleceu um diálogo com a professora. Alguns professores, buscando retomar a
discussão por outros caminhos, afirmaram a possibilidade de trabalhar o texto lido em sala de aula
para reescrita. A coordenadora propôs então que passássemos para a leitura do segundo texto
(SANSONI, Renzo. Brasil sem língua. A GAZETA, Opinião, 15/06/03, p. 6).
Após a segunda leitura circular os comentários fizeram referências à língua como identidade de um
povo, aos estrangeirismos na Língua Portuguesa, à importância do aprendizado de outra língua sem
desvalorizar a língua pátria, à invasão da linguagem informática e à necessidade de resgatar a autoestima do brasileiro. Além desses comentários, foi enfatizada a rejeição do idioma e o papel dos
lingüistas numa discussão envolvente para o grupo:
_ O brasileiro rejeita o idioma porque representa a língua de um povo que o escravizou. Ocorre uma
rejeição pela associação com a língua de Portugal. É importante um corte, um rompimento. Temos
que ter, não uma Língua Portuguesa, mas uma língua brasileira. (PP12)
_ Não acredito, é vergonha de ser brasileiro mesmo. Cantamos o hino como americano, com a mão
no peito. (PP13)
_ Lingüisticamente ainda temos dependência de Portugal na normalização. (PP12)
_ Essa rejeição do erro também representa que o sujeito tem uma língua, independente de certo e
errado. O sujeito não está falando errado, mas diferente, e diferente pode representar identidade.
(PP8)
_ Você está falando que é mais importante a comunicação do que a língua? O problema é que até os
lingüistas da universidade defendem isso. (PP4)
_Tem gente que acha que isso de observar a língua é chato, é uma besteira. (PP13)
Uma professora lembrou do filme “Policarpo Quaresma” e como o tempo estava se esgotando sugeriu
que fôssemos para o intervalo. O grupo aceitou prontamente e a conversa acalorada não teve um
desfecho.
(DC-R5)
As dificuldades em produzir textos escritos na área de Língua Portuguesa são mencionadas
apenas no enfoque de uma tipologia textual, o texto pedagógico “que é uma escrita muito
esquisita, parece documento” (PP23/DC-R22). Nesse sentido, escrever textos pedagógicos
é tomado em distinção. A escrita literária é muito valorizada no grupo numa dimensão
individual, uma vez que está para além da função de professor e a escrita do texto
acadêmico está começando a se constituir como uma demanda. Os professores mencionam
não o papel de escritores desses textos, mas, de revisores. Ao perscrutar a escrita na
profissionalização no capítulo três, esse aspecto será retomado.
As particularidades se manifestam na pesquisa, mas, de maneira geral, o letramento para
todas as áreas de conhecimento é referenciado para além de sua perspectiva de
instrumentalidade, observando principalmente seu aspecto relacionado ao poder. Nesse
caso, a escrita é concebida como meio de acesso a mais informações e como
possibilitadora de novas formas de compreensão (TOLCHINSKY-LANDSMANN, s/d, p. 7). O
que se mostra comum é o reconhecimento de que pela formação é possível se apropriar da
88
produção científica como um grande desafio: inserir-se nessa produção, não só consumindo
material publicado (por mais que esse processo também se constitua em produção
requerendo do sujeito um processo ativo de interação, como ensina Certeau), mas
constituindo-se na autoria, que indica a conquista de poder via letramento na inserção no
discurso acadêmico.
Considerando que “a descrição reconhece e mapeia as visadas distintas de um olhar que
não queira perder nenhuma dimensão essencial do seu objeto; mas, como toda análise,
requer o momento da compreensão” (BOSI, 1999, p. 41), elenquei dois focos analíticos para
a continuidade da apresentação dos dados: “a escrita na vida do professor: a
escolarização, o trabalho, a papelada, os prazos, o sistema...” e “a escrita na
formação continuada”. Esses focos interdependentes constituem os capítulos 3 e 4,
respectivamente. Comportam um número variado de categorias e são perpassados pela
discussão das condições de produção da escrita e dos sentidos a ela relacionados. Nessa
dinâmica, revelam uma realidade heterogênea que retrata a complexidade da escrita para
os professores no contexto atual.
O desenvolvimento da pesquisa indicou a impossibilidade de delimitar rigidamente a
constituição da escrita do professor considerando a trajetória vivenciada, o trabalho, a vida
pessoal ou privada e a FC. Nesse âmbito das dificuldades de delimitação, o conceito de
fronteira desenvolvido por Bakhtin, focalizando o domínio da cultura, “nos conduz à
colocação da questão dos tipos de ligações entre as diferentes partes do todo”
(VELMEZOVA, 2005, p. 76). A lógica desse conceito de fronteira atentou-me para a
necessidade de observar os tipos de ligações e as interfaces dos diferentes aspectos que
constituem o tema dessa pesquisa, visto que cada ponto de vista torna-se necessário e
indispensável somente em correlação com outros pontos de vista (FARACO, 2003, p. 5152). Nessa tarefa, os aspectos enfatizados não emergiram do acaso. Resultaram da busca
de sentidos no trabalho contínuo com os dados. Além das dificuldades relacionadas à
distância entre o acontecimento e a narração/registro deste, ao selecionar os
acontecimentos, fatos foram escolhidos e inevitavelmente, vários outros foram esquecidos.
Ainda, a análise, ao colocar em relevo alguns aspectos, também inevitavelmente, silencia
outros. A escrita, como uma produção humana, traz a marca do autor no seu projeto de
dizer. Com isso, reforço que “a escrita na vida dos professores: a escolarização, o trabalho,
a papelada, os prazos, o sistema...” e “a escrita na FC” implica um itinerário dentre outros
possíveis. Assumindo os riscos das escolhas efetuadas e apoiando-me na compreensão de
que a palavra une o narrador e o leitor, reconheço que as análises a seguir podem ser
apropriadas de diferentes modos. Nesse acabamento, fica o convite às contrapalavras.
89
3 A ESCRITA NA VIDA DOS PROFESSORES: A ESCOLARIZAÇÃO, O TRABALHO, A
PAPELADA, OS PRAZOS, O SISTEMA...
A pesquisa indica que os professores, sempre que são solicitados a falar sobre a escrita,
fazem referências à escolarização. Esse retorno à escolarização motiva a considerar as
relações da escrita na formação docente incorporando a trajetória com a escrita, a atuação
profissional e a FC integradas à vida dos professores. Na perspectiva bakhtiniana de que
viver é assumir uma posição avaliativa incessante e contínua, pretendo delinear os
contornos da responsividade dos professores frente às demandas que envolvem a escrita,
observando as atitudes valorativas materializadas nas entonações vinculadas ao universo
de valores que constituem a dinâmica da vida dos professores. Busco os enunciados que
emergem - como respostas ativas que são no diálogo social – da multidão de vozes
interiorizadas considerando o lugar único e insubstituível do sujeito de modo a não perder de
vista que cada um responde às suas condições objetivas de modo diferente de qualquer
outro, que cada um assume uma posição estratégica no contexto da circulação e da guerra
das vozes sociais (FARACO, 2003, p. 83). De forma sintética, a pesquisa busca as
diferentes atitudes sociais frente aos discursos e atividades que envolvem a escrita e como
essas atitudes se expressam no modo de se reportar a esses discursos e ações. Nessa
lógica, para desenvolver o foco da escrita na vida dos professores, considera-se: 1) a escrita
no período de escolarização envolvendo desde o ensino básico até a formação inicial; 2) a
escrita na atuação docente centrada, nessa parte do trabalho, nas demandas e nas
oportunidades de aprendizagens no contexto do trabalho escolar e 3) a escrita nas
necessidades da vida privada.
3.1 A escrita na escolarização
Para explorar a trajetória com a escrita, é necessário buscar rememorar os fatos e
acontecimentos vivenciados pelos professores. As vivências coletadas na pesquisa realçam
o papel da escolarização fazendo dialogar as atividades escolares com as outras
experiências que, de diferenciados modos, fazem referências à escrita. No resgate das
memórias sobre as experiências com a escrita, se entrecruzam as dimensões individuais, as
90
dimensões de registro e as dimensões sociais. Na dimensão individual, a memória se
apresenta como uma faculdade individual ligada tanto à capacidade e à habilidade de
lembrar quanto, ao contrário, de esquecer certos fatos, acontecimentos, experiências e
vivências ocorridas desde o passado mais remoto ao presente mais atualizado. Como
dimensão de registro, a memória se apresenta enquanto um ato de escrita e, por isso
mesmo, ligada a um gênero textual a partir do qual reconstituímos nossos percursos de vida
- em integralidade ou parcialidade - ou a partir do qual selecionamos certos eventos,
pessoas ou contextos destacados, para através deles dar a ver/dar a ler nossas histórias
com a escrita. Por fim, como dimensão social, a memória está ligada ao conjunto de
experiências vividas no plano individual, mas correlacionadas ao plano histórico, cultural,
escolar, religioso, editorial ou social em que vivemos e de que participamos (LACERDA,
2004).
Na recuperação da trajetória com a escrita na escolarização, as dimensões individuais, as
dimensões de registro e as dimensões sociais são integradas promovendo uma síntese que
indica que a escolarização foi, para a maioria dos professores, um período de sucesso em
que a escrita não constituía “esse drama que se apresenta à categoria” (E7):
E9 – Minha relação [com a escrita] era muito boa. Eu sempre tive facilidade. Eu acho que no período
de escola eu não tinha dificuldade. Eu sempre tirei notas boas em redação. Depois que você vai,
como vou dizer... (pausa) para uma coisa melhor, mais elaborada é que fica confuso. [...] Acho que a
minha escolaridade foi muito boa [...]. Não sei onde ficou a dificuldade...
Para aprofundar a observação da problemática da escrita na escolarização (Q-questão 4) na
intenção de captar a relação ativa entre os professores e a escrita, busca-se rememorar o
vivido pelos professores, observando o período anterior à escolarização, os estudos préescolares, o período da 1ª a 4ª série, o período de 5ª a 8ª, o ensino médio, o ensino
superior e a pós-graduação, considerando, principalmente, as experiências com a escrita
vivenciadas em cada período. Nos comentários, uma memória/lembrança se associa a outra
num (com)partilhamento que, sustentado na emoção dialogada, retrata a busca de
acabamento no outro. A partir da noção de cronotopos de Bakhtin, “que nos atenta para a
fusão dos índices espácio-temporais em um todo inteligível e concreto” (AMORIM, 2004), é
possível observar que o vivido não se apresenta dentro de uma compreensão organizada,
objetiva e linear. A defasagem entre a experiência vivida e o movimento da rememoração
traz à tona também os possíveis efeitos do vivido e as interpretações dos sujeitos. A união
dos fragmentos rememorados e os sentidos emergidos produzem o efeito de completude.
Os modos de reação da palavra à palavra revelam as tensões, o jogo de forças no
funcionamento discursivo entre as múltiplas vozes imbricadas nas vivências com a escrita
91
dos professores (ZANDWAIS, 2005). Na dialogia estabelecida, os professores falam para
existir e resistir na escrita. Nesse coletivo polifônico, a memória discursiva sobre as
experiências com a escrita pertence a todos, pois conforme ensina Bakhtin, temos uma
necessidade estética absoluta do outro, é o outro com sua visão e memória que nos unifica
proporcionando nosso acabamento externo (BAKHTIN, 1992, p. 55). Na comunhão das
vivências, observa-se o comprometimento dos professores com a causa da escrita
(principalmente a escrita dos alunos) e o enraizamento da relação da escrita com a
mudança social. O viés da mudança social, a partir da posse da escrita retrata os
argumentos discursivos construídos socialmente a partir do já dito. Nesse sentido, a
apropriação da escrita retrata uma travessia vinculada a uma mudança de vida, suplantando
e sufocando outras dimensões da constituição do sujeito.
A análise dos dados em relação ao período anterior à escola demonstra a constituição de
dois grupos distintos: um grupo em que as atividades ligadas à leitura e à escrita não se
apresentam na explicitação do contexto das experiências vividas e outro em que as
atividades vivenciadas, de diferentes modos, são relacionadas à leitura e à escrita. Esse
segundo grupo tem, em muitos casos, e particularmente em relação à escrita, um modelo
escolar como suporte (ANEXO I10). Observa-se ainda que à medida que os professores
avançam na escolarização, as referências com relação ao papel da família no
desenvolvimento da escrita vão reduzindo. A atividade passa a ter, cada vez mais
consistentemente, uma vinculação ao universo escolar.
No grupo em que as atividades de leitura e de escrita não são relacionadas com as
experiências vividas, as reflexões centram-se na relação da escrita com o espaço social.
Muitos professores observam que muitos deles residiam na zona rural nessa fase da vida e
nessa área as atividades ligadas à escrita eram mais distanciadas. Outros professores
argumentam que, mesmo vivendo na zona urbana, devido a condições mais tranqüilas de
existência (menos violência e bairros mais distantes do centro das cidades) era possível
ocupar o espaço da rua e da comunidade com mais facilidade. Frago destaca a vinculação
da cidade com a escrita. Para o autor, na área urbana a luta por ocupar espaços – sociais e
materiais – de escrita e leitura é mais evidente. Nesse contexto, “toda a escrita torna-se, em
última instância, signo e imagem dessa ocupação e, portanto, de poder, junto com outros
signos, grafias e imagens” (FRAGO,1993, p. 91). Para esse grupo, as experiências mais
significativas estão ligadas à liberdade, ao convívio social e ao trabalho infantil, sem o
estabelecimento de relações diretas com as atividades de leitura e de escrita. Para muitos
professores, essas vivências foram reduzidas em função da entrada na escola. Há relatos
de alguns descontentamentos iniciais com aquele novo lugar que, de maneira geral,
92
traduziram-se “num choro largo” nos primeiros dias (GRACILIANO RAMOS, 1978, p. 114).
No entanto, é importante considerar que os participantes da pesquisa nasceram inseridos na
cultura letrada e, portanto, mesmo com experiências mais distanciadas das práticas de
leitura e de escrita, a constituição de sentidos para essas atividades vão se estabelecendo a
partir do desenvolvimento de uma economia escriturística. Esse aspecto pode ser
observado no prosseguimento da trajetória com a valorização da escola como meio de
acesso aos bens da cultura letrada (CERTEAU, 1994).
No grupo em que as atividades vivenciadas guardam alguma relação associada à escrita,
observa-se uma diversidade de ações. Nessa diversidade, o destaque é atribuído ao papel
da família na leitura:
Nos comentários, foi destacado o papel da família na formação observando que, no espaço
doméstico são sempre valorizadas as atividades de leitura, mas a escrita “é coisa de escola”. Muitos
relembraram suas vivências sempre mais relacionadas a atividades de leitura e fizeram observações
quanto às posturas de também efetuarem uma maior valorização da leitura com os filhos. (DC-R28)
A mobilização da família para a leitura promoveu principalmente atividades de contação de
histórias. Essas ações são rememoradas observando que nem sempre tinham associação
com o suporte escrito, ou seja, com o livro. Na discussão, os professores analisam que o
olhar atual sobre o passado permite observar que eram histórias tiradas dos livros, mas,
muito deles, só tiveram contato com esse suporte mais tarde. Por isso, muitos declaram a
preocupação que têm de proporcionar aos filhos livros de histórias, bem como sua
preocupação de realizar contações mostrando o livro.
Destacado o papel da contação de histórias para o desenvolvimento na leitura, temos uma
iniciação com a atividade da escrita ligada aos padrões de escolarização. Nos comentários,
além das brincadeiras de escolinha, os professores rememoram episódios em que a casa se
tornava uma pequena sala de aula em que a mãe, em meio a outros afazeres, observava os
filhos mais velhos em atividades da escola (dever de casa). Aos mais novos era solicitado
que ocupassem o seu tempo com desenhos, rabiscos e tentativas de escrita possibilitadas
pelos presentes tipicamente escolares (lápis de cores, cadernos, canetinhas, etc.). Ainda,
alguns professores rememoram o quanto a idéia da escolarização posterior significava uma
mudança de vida. Nesse caso, aos sentidos para a escola é agregada a idéia de um espaço
disciplinador que resolve os problemas comportamentais e de desobediência que se
apresentam. Sendo assim, observa-se que o período anterior à escolarização, ou não é
relacionado com a escrita ou, para muitos, consiste numa antecipação do universo escolar a
ser vivenciado a seguir.
93
As experiências no período da inserção nos estudos pré-escolares não indicam o ensinoaprendizagem intencional da escrita, mas demonstram uma aproximação maior com suas
possibilidades (ANEXO I11). Entrecruzando o tempo da infância e o tempo da escola, a
maioria dos professores narra um período ligado a brincadeiras e interações com colegas
sem privilegiar práticas de aprendizagem do código da escrita. A educação infantil é
associada a um espaço de guarda com algumas atividades que podem ser relacionadas à
escrita, sem indicar, para a maioria, um investimento nessa aprendizagem. Alguns
professores reconhecem nesse período um momento de preparação, outros avaliam que as
atividades ligadas à escrita permitiam uma familiarização com o universo escolar sem
intencionar o ensino propriamente dito.
As atividades de escrita nas séries iniciais do ensino básico (1ª a 4ª) são vinculadas à
escolarização (ANEXO I12). Os professores centram suas respostas no período de
alfabetização e, como um período marcante, ocorrem referências às dificuldades (item 7).
As respostas apontam também uma pouca expressividade dos índices da falta de
lembranças com a escrita (itens 1 e 2) e do índice relativo as atividades ligadas ao desenho
(item 6). No entrecruzar do tempo da infância e do tempo da escola, o tempo do aluno foi se
constituindo nas referências que tratam da apropriação da escrita propriamente dita e das
disciplinas escolares (item 9). Podemos observar o quanto a apropriação da escrita foi
significativa para os professores, uma vez que a maioria das menções, de alguma forma, se
relacionam à atividade. O orgulho pela inserção no mundo da escrita, a produção de texto, o
ditado, a cópia, a leitura para o professor, o cuidado com a letra, dentre outras ações,
constituem o foco das menções sobre a trajetória escolar inicial (ANEXO I13).
Também são recuperadas as práticas alternativas possibilitadas pelo processo progressivo
de apropriação da escrita. Com a descoberta das primeiras letras, foi possível escrever os
nomes especiais em diferentes suportes (papéis, mesas, paredes, portas, etc.). Em seguida,
os bilhetes carinhosos, bobos ou apaixonados à professora, a familiares e a colegas
especiais, além das denúncias e combinações que requerem uma comunicação sigilosa.
Essas artimanhas, que se sustentam nas práticas de escrita, também integram os sentidos
para essa atividade. Dialogam com as estratégias desenvolvidas e estimuladas pela escola.
Essas maneiras de fazer, como lembra Certeau (1993), em diferentes articulações
silenciosas, em muitos momentos, mobilizam alterações nas estruturas das escolas.
Mesmo reforçando a importância dessa escolarização inicial e do papel dos primeiros
mestres, os professores, de maneira geral, são críticos ao processo inicial de escolarização.
Fazem algumas referências à rigidez da escola naquele tempo e mencionam diferentes
94
lacunas na apropriação da escrita durante o processo de alfabetização. Em alguns casos, as
lacunas mencionadas são referenciadas como traumas que marcam a trajetória:
_ Eu vivi uma situação muito difícil que me marcou até hoje. Fui alfabetizada por um método sonoro.
Passei até a quarta série escrevendo do meu jeito, sem observar a grafia correta das palavras.
Achava que sabia escrever e ninguém me corrigia. Quando cheguei à quinta, uma professora corrigia
tudo e descobri que não sabia escrever, que não sabia nada. Foi um processo doloroso. Tenho essa
sensação até hoje. Isso me marcou muito. (PA33)
(DC-R35)
Os traumas, a rigidez da escola e os processos de fuga, são rememorados pelos
professores com muito humor. O riso, nas análises dos fatos que descrevem as interações
estabelecidas com os imperativos da escola, dessacraliza e relativiza o poder do discurso
escolar. Nas discussões, quanto mais retornavam no tempo, mais conseguiam recuperar
histórias, estabelecendo uma espécie de disputa pela narrativa da pior aventura escolar
sofrida. Esse comportamento indicou que na interpretação das lembranças projeta-se sobre
elas a estrutura da situação presente (TODOROV, 1981, p. 53). As aventuras narradas
lembram a poesia de Cora Coralina: “Minha escola primária... / Escola antiga de antiga
mestra / [...] / A gente chegava – ‘Bença, mestra’. / Sentava em bancos compridos, /
Escorridos, sem encosto. / Lia alto as lições de rotina: o velho abecedário, / Lição salteada. /
Aprendia a soletrar” (s/d).
Nas referências da escolarização nas séries finais do ensino básico (5ª a 8ª), os
professores informam vários aspectos na trajetória vivenciada (ANEXO I14). Dentre eles:
a) A escrita não constitui uma prática significativa (itens 2 e 3). Nesse caso, os elementos
rememorados são ligados ao desempenho em atividades distanciadas de práticas de
escrita ou a experiências individuais centradas na idéia de fazer amigos, de namorar, de
jogar, de conhecer-se, etc.
b) A ênfase é associada ao processo de leitura (item 6). Nesse caso a significação é
relacionada à presença da biblioteca, aos recursos e às práticas de leitura. Para alguns
professores, a leitura é vinculada à escolarização com várias menções à leitura da série
Vaga-Lume e de alguns clássicos. Para outros, a ênfase na leitura e associada a uma
conquista pessoal e particular com a descoberta de materiais – alguns proibidos - e
gêneros literários.
c) A ênfase é associada à escrita de forma geral e associada ao processo de escolarização
(itens 8 a 11). Nesse caso, a escola é determinante para o estabelecimento de
significações para essa atividade. As referências positivas estão associadas ao sucesso
95
na escolarização enquanto as negativas estão associadas a dificuldades vivenciadas.
Ocorrem também avaliações negativas, a partir de reflexões e análises das implicações
dessas atividades para o desenvolvimento das crianças de maneira geral, independente
do sucesso ou das dificuldades pessoais.
d) A ênfase é associada a uma tipologia textual, ao repertório vivenciado (item 12). Nesse
caso, ocorre uma distinção envolvendo duas dimensões. Uma, com supremacia
quantitativa (75%), ligada aos gêneros escolares com referências às redações, aos
relatórios e aos resumos. Outra, pequena percentualmente (25%), ligada a diários,
cartas e cadernos de poesias, de músicas e de perguntas que circulavam também no
contexto escolar, mas, às escondidas. Estas práticas fugidias são referenciadas na
pesquisa como uma forma de expressão vivenciada simultaneamente à escolarização
(Q142). Na engenhosidade do fraco se apropriavam das práticas e dos objetos de
escrita para outros fins, outras coisas, subvertendo-as a partir de dentro. Deslocando a
razão do mais forte, utilizavam a escrita a serviço de costumes estranhos aos propósitos
da escola (CERTEAU, 1994). Nos comentários do questionário, é possível constatar,
mesmo com um percentual pequeno de produção, a grande circulação desses materiais.
Muitos professores que não produziam esses textos narram que efetuavam leituras
desses materiais ou respondiam as indagações dos “cadernos de perguntas a amigos”.
Nas tensões, narram também as peripécias que tiveram que fazer para “esconder o
material [da família e dos professores] em tempos de pouca liberdade”, bem como
alguns escândalos vivenciados a partir da exposição de alguns textos produzidos para
fins particulares ou para circulação restrita que foram socializados publicamente,
geralmente envolvendo relações afetivas e/ou familiares.
Desse modo, é possível captar uma heterogeneidade de práticas que retratam tanto uma
apropriação dos padrões escolares quanto rupturas, resistências e práticas alternativas.
Como práticas coletivas carregam em si as representações e imagens do tempo socialhistórico. Representações estas que são construídas e reconstruídas nos combates e
prazeres cotidianos (CERTEAU, 1994, p. 47). As lembranças desses comportamentos de
rupturas serviram para justificar as táticas (CERTEAU, 1994) que os professores utilizam
para incentivar seus alunos em práticas de letramento alterando o que existe como uma
prática comum. Os professores declaram que se tornaram mais permissivos em relação à
leitura e menos severos nas cobranças com a escrita. Muitos professores também observam
a necessidade de não invadir o espaço próprio do aluno, da sua escrita particular. No
entanto, alguns dilemas se mostram conflituosos quanto à melhor forma de intervenção, tais
como a escrita associada a atos de vandalismo com registros nas carteiras, paredes e
96
banheiros, a escrita utilizada para criar conflitos e brigas entre alunos e o desperdício de
materiais a partir da observação de utilização de cadernos para desenhos e grafites, para
anotações de jogos, para reunir informações de artistas (álbum de fã-clube), para fornecer
folhas para dobraduras, etc.
No ensino médio, as atividades de escrita repetem as experiências vivenciadas no final do
ensino básico (ANEXO I15). São acrescidas algumas referências relativas ao mundo do
trabalho (item 2), à preparação para o vestibular (item 3), à leitura de livros técnicos (item 6)
e à presença da escrita de textos de contestação (item 12).
Se no ensino básico e no ensino médio a redação é a produção de texto mais referenciada,
no ensino superior o resumo, o fichamento e a síntese constituem as maiores referências
de produção textual (ANEXO I16). Aparecem também, num pequeno percentual, as
referências à monografia (item 9), em meio ao destaque desse nível de ensino nas
exigências de escrita (item 8). As respostas também indicam um grande investimento para a
conclusão desse nível de ensino (item 2). Nos comentários do instrumento, observa-se que
esse investimento na formação implicou um afastamento da escrita pessoal de cartas,
anotações, músicas e poesias. A leitura se especializa nas demandas da área de
conhecimento, conforme as solicitações do curso (item 4). Muitos professores iniciaram a
atuação profissional nesse período como professores temporários indicando, no acúmulo de
funções, a falta de tempo para atividades mais pessoais. Há várias referências às cobranças
do curso como mobilizadoras do estudo, da leitura e da escrita reforçando o papel da
escolarização na constituição dos sentidos dessas práticas sociais. Uma das táticas
mencionadas nesse nível de escolarização que revela a força do mais fraco em fazer do seu
jeito aquilo que se ordenou é descrita nos modos de fugir dos fichamentos. Para
sobreviverem de forma não passiva, copiavam os resumos dos colegas, dividiam o material
em partes para a leitura com amigos, copiavam as informações da contracapa, etc.
Conforme Certeau (1994, p. 27), os procedimentos dos consumidores em seu cotidiano
compõem a rede da antidisciplina, “eles indicam as possibilidades de jogo, de resistência e
de deslizamento do interior de um espaço controlado”.
Na pós-graduação os aspectos de destaque se assemelham aos da graduação (ANEXO
I17). No entanto, a tipologia do texto escrito - na maioria das referências o trabalho
acadêmico (monografia e dissertação) - adquire supremacia nos dados de referências (item
9). Devido à especificidade do trabalho monográfico, a leitura (item 4) se amplia e ocorre um
destaque maior para as dificuldades (item 6). Essas dificuldades são rememoradas de
diferentes modos. Nas descrições, são relacionadas à falta de preparação, à falta de apoio e
97
de parceria na escrita, a exigências desnecessárias, à falta de contato com esse gênero do
discurso na formação e no trabalho e principalmente ao “sofrimento que causa essa
instabilidade”. Uma professora narra que essa instabilidade foi vencida na medida em que
ela pôde construir seu trabalho monográfico relacionado a sua atuação:
A CA retomou a organização e passou a palavra à professora (PA30) para sua apresentação do
trabalho “cantinho do grafite”:
_ Realizo um trabalho baseado na expressão dos alunos e agora na escola temos as carteiras limpas.
Esse trabalho me ajudou na minha monografia. (PA30)
Após essa introdução a professora mostra o seu trabalho monográfico, fala de seu processo de
construção:
_ Eu me inspirei nesse meu trabalho para minha pós-graduação, não no começo. Talvez porque na
minha infância eu não podia desenhar. E era muito pobre! Pensei em pintura (ênfase), [...]. À medida
que fui estudando, não era nada daquilo que eu queria, eu queria falar do ser humano e o grafite é
liberdade. Aí eu mudei todo o problema [...]. Nesse processo eu fiz três tentativas de monografias [...].
No engajamento com a pesquisa montei o cantinho do grafite e foi quando tudo deslanchou para esse
trabalho em que tirei ótimas notas da banca examinadora. (PA30 / mostrando a monografia em que
um dos trabalhos dos alunos ilustra a capa) [...]
(DC-R19)
Em meio a narrativas das dificuldades, das práticas fugidias vivenciadas e, em muitos
casos, de desvinculação do trabalho produzido com a prática docente, é unânime o
reconhecimento de que, uma vez finalizado o texto na dureza da escrita34 – “um texto com
nome e endereço” (PA1) -, ocorre uma satisfação especial de ver a produção. Em sua
maioria, os professores demonstram orgulho por terem concluído o seu trabalho e fazem
diferentes avaliações do processo das bancas examinadoras. Em meio ao orgulho de saber
que são capazes de fazer um trabalho acadêmico que traz satisfação, muitos professores
afirmam que depois de tanto esforço, o trabalho não agrega uma vantagem especial
(econômica), que tanto o trabalho deles quanto a pesquisa que realizaram não muda a
realidade e nem interfere nas políticas públicas. Durante o período da coleta da pesquisa,
muitos professores se predispuseram e apresentaram seus trabalhos monográficos em
diferentes áreas do conhecimento.
Os professores que declaram ter sido importante o processo acadêmico vivenciado na pósgraduação fazem associações com um processo de crescimento e de enriquecimento que
propicia preparação, confiança e auto-estima positiva demonstrando um carinho especial
pelo que produziram. Descobriram que são capazes de fazer, descobriram um ritmo, mesmo
que ainda carente de afinações, na materialidade encadernada do trabalho final. Perceber a
existência das palavras e principalmente, a “possibilidade de tecê-las” (BORGES, 2000, p.
106) constitui um importante instrumento de situar-se nesse mundo contemporâneo de
grande desenvolvimento escriturístico. Os professores que declaram que a escrita da
34
Essa expressão é inspirada em Clarisse Lispector (1992, p. 33). A autora afirma: “Não é fácil
escrever. É duro como quebrar rochas”.
98
monografia se constituiu num processo negativo como experiência pessoal, fazem
associações com a idéia de falta de preparo para realizar uma tarefa muito difícil, com a falta
de tempo e com o estresse que ocasiona a tarefa de escrever. Na seleção da atividade de
escrita mais importante (Q- item c da questão 8), a monografia e a redação apresentam
altos índices de referência (ANEXO I18 – itens 16 e 19). Percebe-se que esse trabalho
acadêmico também é referencia para professores que não vivenciaram essa atividade:
_ Leio pouco e não escrevo sozinha. Penso em fazer pós e sei que isso vai ser uma dificuldade. Vou
ter que me esforçar muito. Às vezes acho que vai ser impossível. Fico vendo as monografias dos
outros e não consigo me imaginar escrevendo aquilo... (PG8)
(DC-R28)
Em alguns comentários sobre os processos de construção do trabalho e de defesa desses
textos, a escrita se apresenta como uma possibilidade limitadora para a continuidade do
processo de formação:
_ Desanimei da pós, desanimei não, fiquei com medo, quando vi o trabalho de escrita que tinha para
fazer. Vou deixar para quando eu estiver mais preparada. (Q78)
Nesse sentido, Kleiman (2001b, p. 59 - 60) pondera que uma das conseqüências da
escolaridade bem sucedida dos professores é sua maior conscientização sobre a
legitimidade do discurso letrado instaurado pelas instituições de prestígio podendo implicar
uma autocensura prejudicial ao seu crescimento e desenvolvimento.
Na pesquisa, os
professores explicitam essa questão enumerando as exigências das instituições para o
ingresso e para a produção das atividades acadêmicas necessárias à continuidade dos
estudos. Os professores que acreditam não apresentar os requisitos enumerados afirmam
um adiamento do projeto de continuidade dos estudos na educação formal.
Nas referências que sintetizam o conjunto da escolarização, a escrita relacionada ao
trabalho em grupo também é referenciada. Muitos professores relatam a dificuldade que se
estabelece na escrita em grupo em que apenas um se desenvolve. Nesse processo, os
comentários sempre mencionam o colega que desde cedo é o responsável por escrever.
Esse lugar do escritor do grupo é destacado como um lugar privilegiado, ocupado por um
aluno que se destaca dos demais. Nessa dialogia, ao se afirmar, o sujeito indaga o outro.
Esse reconhecimento motiva, por um lado, a identificação de alguns professores nesse
papel e demonstra uma desqualificação pessoal da maioria. A desqualificação pessoal
captada no mal-estar dos depoimentos está relacionada à inserção dos professores, e da
sociedade como um todo, numa economia escriturística que valoriza a escrita como um
elemento de seleção social. Desse modo os professores, ao narrarem suas dificuldades,
definem seu (desprivilegiado) lugar nesse discurso (CERTEAU, 1994, p. 63), explicitando
99
seus sentimentos e referências em relação à escrita. Assim, levam consigo aquele lugar
com suas impressões para outros lugares.
E9 - Eu tenho mais dificuldade na escrita, quando vou passar para o papel. Falar, ler é mais fácil do
que escrever. Então acabo preferindo ler a escrever [...].
Essas dificuldades são narradas de diferentes modos e relacionam-se a várias concepções
do ato de escrever, tais como idéia de hábito, de gosto, de dom, de preparação prévia, de
necessidade de leitura e de capacidade de concentração. Observa-se, de maneira geral, um
externar do processo de escrita como um elemento limitador, implicando uma
desqualificação pessoal. No pólo oposto, os “raros sujeitos” (PG8) que recebem o
reconhecimento de seus pares, na narrativa das suas facilidades com a escrita, demonstram
seu auto-olhar positivo. Também indicam a continuidade de suas trajetórias com a escrita
em pleno exercício, uma vez que, em sua maioria, os escreventes da escolarização se
mostram também os escreventes do trabalho e dos encontros de FC. Alguns professores
mencionam o hábito de se prontificar para fazer e o reconhecimento dos colegas que faz
com que naturalmente sejam eles os responsáveis pela escrita.
E3A – [...] Tem uma professora, que eu acho interessante. O texto dela é legal, dá para lê-lo bem e
ela sempre é que está com a caneta. Como ela vê que ninguém vai fazer, aí ela começa a escrever.
Então tem pontos na sala, alguns que escrevem. Aqueles que sempre escrevem [...]. Em cada grupo
tem um. Você olha a letra e identifica, é sempre a mesma letra para cada grupo [...]
_________________________________________________________________________________
E4A – O que é produzido e sempre assim: num grupo, uma pessoa vai ser relatora e os outros falam.
E4B - Isso acontece normalmente. Eles já elegem um, a pessoa que escreve, a pessoa que fala. O
que a gente tem colocado é da importância de todo mundo adquirir essa condição.
No entanto, mesmo aqueles que afirmam facilidades com a escrita de modo geral, também
destacam limitações relacionadas ao contexto da atividade docente:
E8 - A minha relação com o ato de escrever é uma relação profunda porque eu trabalhei muito tempo
escrevendo (enquanto fazia os trabalhos de graduação e pós), lendo a escrita dos outros por conta
de ter feito revisão durante um tempo [...]. Só que eu penso que a gente como professor escreve
muito pouco, não tem tempo de escrever e até na própria escola, mesmo, acho que nos momentos da
aula, nos momentos do planejamento, eu me acho um reprodutor de textos. Não é um texto original,
criativo e tal na medida que a gente não tem condições de parar para pensar sobre isso. Acaba
escrevendo o que já está escrito, reescrevendo, parafrasendo um pouco, alguma coisa.
Na heterogeneidade das práticas, a escolarização se mostra determinante da constituição
dos sentidos para a vida pessoal, para as atividades de leitura e de escrita, bem como para
a formação docente. Na articulação dos vários aspectos da investigação, uma questão que
se apresenta quanto à escolarização se relaciona com o comparativo entre os níveis de
escolarização e as práticas vivenciadas. Quando referenciada a pessoas, a escolarização é
tomada em sentido positivo, ou seja, quanto mais escolarizado, melhor. Quando
100
referenciada a práticas e objetos de letramento, adquire outro sentido, ou seja, se um texto
ou uma prática é escolarizada, seu prestígio é redimensionado. Nesse sentido, é possível
constatar que os professores sentem orgulho de sua escolarização, mas não consideram
suas práticas escolares de escrita, com as mesmas referências positivas.35 No entanto, em
vários momentos da pesquisa os professores retratam o quanto a formação escolarizada é
mobilizadora das atividades de escrita porque “só assim paramos para escrever”, “com
cobranças acabamos fazendo porque queremos concluir o curso”, “o estudo facilita as
orientações para a efetivação do trabalho”, etc. As cobranças (por exigência da formação ou
das necessidades do trabalho) também são associadas à possibilidade de descoberta da
escrita:
E5 – [...] às vezes, a gente começa por obrigação e acaba descobrindo que é legal, que é gostoso,
que é importante. [...]
_________________________________________________________________________________
E6 - A gente até estava conversando sobre isso no encontro passado da tarde. Da gente fazer
mesmo um grupo de estudo, escrever e publicar mesmo. [...] É um corre-corre. A não ser que seja um
grupo formado e que tenha a obrigação de sentar para estudar e produzir. Aí sairia alguma coisa, [...]
Se os professores puderam incorporar a historicidade da escrita é porque seu olhar foi
penetrado de valores e ideais cujo dinamismo não se esgotou no quadro espaço-temporal
em que viveram determinadas atividades com a escrita. Como uma atividade relacionada ao
contexto, novas significações podem ser construídas, uma vez que, conforme ratifica
Bakhtin, na realidade lingüístico-social, nenhum sujeito absorve uma só voz social, sempre
muitas vozes em inúmeros encontros e entrechoques e em permanente movimento
(FARACO, 2003, p. 81). Para continuar a explorar a temática da dimensão formadora das
práticas de escrita dos professores, tratarei das significações incorporadas a partir da
profissionalização.
3.2 A escrita na profissionalização
Além da escrita relacionada ao contexto da escolarização, os sentidos para as práticas de
leitura e de escrita também se constituem a partir do trabalho docente. Bakhtin (1997, p.
126) destaca que toda situação possui um auditório organizado e um repertório de fórmulas
correntes. “Assim, encontram-se diferentes formas de construção de enunciações nos
lugares de produção do trabalho e nos meios de comércio”. Para o autor, a fórmula
35
Essa análise é efetivada a partir de reflexões apresentadas por Magda Becker Soares na mesa
redonda “Currículo, experimentação, escrita”, durante o VI Colóquio sobre questões curriculares, no
período de 16 a 19 de agosto de 2004, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ.
101
estereotipada adapta-se ao local de interação social, refletindo ideologicamente o tipo, a
estrutura, os objetivos e a composição social do grupo. Nas fórmulas correntes de
enunciações no contexto do trabalho, ou seja, na relação entre a escrita e o trabalho
docente, considero como elementos organizadores desse aspecto os repertórios de gêneros
textuais destacando a elaboração de projetos como uma demanda que vem se
apresentando mais recentemente no contexto educacional. Essa proposta se baseia na
orientação bakhtiniana de que os gêneros do discurso e as atividades são mutuamente
constitutivos. O envolvimento em determinada esfera de atividade implica o domínio dos
gêneros peculiares a essa esfera, indicando o aprendizado contínuo e parceiro entre os
modos de fazer e os modos sociais de dizer. Os gêneros constituem meios de conhecimento
situado funcionando como modos e meios de conhecer a realidade e nela orientar-se.
(FARACO, 2003, p. 116).
A singularidade da escrita na vida do professor afeta e impacta seu cotidiano. Por um lado,
ela prende, amarra, cristaliza e homogeneíza práticas, por outro, emerge um movimento e
novas solicitações. A escrita no trabalho docente revela uma tensão entre aquilo que já se
sabe e aquilo que criamos na interação com o outro. As práticas de escrita do professor,
como coisas miúdas do cotidiano, se referem, essencialmente, à escola, mas não se
restringem a ela evidenciando uma riqueza que não pode ser confinada.
3.2.1
O repertório de gêneros discursivos da atividade docente
O giz, o quadro-negro e a especificidade do espaço da sala de aula com os alunos se
mostram grandes elementos para o estabelecimento de sentidos para a atividade docente.
Mas não só o giz, o quadro e a sala de aula. No palco da vida dos professores essas
demandas de escrita com seus requisitos de espaço e de tempo entrecruzam-se com outras
dinâmicas, promovendo associações e confrontos. As demandas de escrita se relacionam
com os outros espaços da escola: com o cheiro e o movimento do refeitório, com o correcorre do pátio, com as brigas e saudações do portão, com as discussões no burburinho dos
corredores, com a movimentação na sala de professores... Também efetivam interfaces com
a FC, com a vida doméstica, com os compromissos e estudos, com o lazer e divertimento...
As idéias de Bakhtin apontam para o sentido da vida como relação entre sujeitos. As
relações que propiciam movimentos em diferentes direções possibilitam mudanças,
mobilizam os sujeitos em face dos confrontos que se estabelecem. Nessa perspectiva, os
gêneros textuais da atividade docente ganham sentido nas pessoas que executam. Esses
sentidos são sempre confrontados com outros sentidos e com outras práticas do contexto.
Todo esse movimento revela o rumor discursivo que se instala a partir do confronto entre as
102
solicitações e expectativas de escrita aos professores e as condições efetivas do trabalho
docente.
Bakhtin ensina que as atividades humanas não são nem totalmente previsíveis nem
totalmente casuais, elas conhecem recorrência, mas também têm dimensões novas em
cada contingência e para conhecê-las é fundamental estabelecer contínuas interrelações
entre o dado e o novo (FARACO, 2003, p. 114). Num paralelo entre o início da atividade
docente e a atuação no contexto em que se efetivou a coleta de dados (Q-questão 4, itens 8
e 9), observa-se a permanência de demandas que enfatizavam uma escrita “instrumental,
funcional, repetitiva, mecânica e esvaziada de sentido” (KRAMER, 2000, p. 106)
promovendo, em muitos casos, o estabelecimento de práticas fugidias que visam escapar
dessas obrigações. Ainda, essas solicitações não são referenciadas como possibilitadoras
do desenvolvimento da escrita do professor:
E7 – O professor tem feito uma escrita muito prontinha, de formulários, de preencher um modelo. Ele
não cria, fica reproduzindo aquela forma. Não acredito nisso como uma escrita. O professor tem que
fazer os registros na escola, mas ainda acho que são só preencher. [...] Mas você não reconhece o
indivíduo naquele texto. Ele não está ali. Não vejo aprendizado, crescimento. Há algumas falas, mas
não vejo essa preocupação ou investimento nessa questão. Acho que também não há maiores
cobranças ou avaliação. Avaliação só de uma maneira informal, quando se comenta e quando se
generaliza alguma observação (geralmente negativa) sobre a categoria.
Os diários, os planos, os relatórios, as avaliações, as fichas e outros documentos são
referenciados como atividades de repetição de modelos a serem seguidos (Q297). Como
modelos a serem apropriados, muitas respostas (Q - questão 4, item 8) retratam as
dificuldades iniciais para se apropriar desse repertório:
Vivia uma tentativa de escrever os planos de aula que nem sempre conseguia. (Q2)
Tinha muitas dificuldades para fazer os registros nos diários [pautas]. (Q6)
Eu procurava falar mais para não ter que escrever na frente das pessoas. (Q138)
Tinha muita vontade de mostrar o meu trabalho, falava sempre daqueles que estava desenvolvendo
com os alunos, o problema era organizá-los no papel. (Q206)
Quando tinha que fazer um documento da escola, procurava um professor experiente e sentava
perto. Algumas vezes riam porque eu não conseguia preencher uma requisição de material. (Q251)
A pesquisa indica que o processo de apropriação do repertório de gêneros da atividade
docente se efetua mais significativamente no início da carreira, mas é sempre retomado
quando ocorrem mudanças profissionais devido às peculiaridades nas formas de coordenar
e realizar o trabalho de cada escola. Quando os professores ingressam no município, têm
que saber fazer as coisas próprias da rede. Quando mudam de escola, cada escola sempre
tem uma coisa, um formulário diferente da outra. Ainda, nesses momentos de mudanças
não há um momento de informação, trabalha-se com a perspectiva de que o professor já
103
sabe isso. Com isso, a apropriação ocorre de forma colaborativa, porque “sempre há um
colega que já sabe e que acaba ensinando o caminho das pedras” (Q30). Essas parcerias
indicam que o movimento inicialmente dirigido à apropriação desses gêneros se transforma
em movimento dirigido ao outro. Num processo recíproco, esse movimento é afetado pela
interpretação de solidariedade ou distanciamento dos sujeitos. Na situação concreta da vida,
as ações partilhadas que institucionalizam as práticas influenciam a constituição das
subjetividades. No corpo a corpo com seus diferentes modos de falar e de clamar, muitos
professores narram na pesquisa agradecimentos aos seus tutores em diferentes momentos
da carreira.
Assinar o ponto, requerer benefícios, anexar comprovantes e entregar planos, relatórios e
ofícios dentro do prazo para o setor competente são exigências típicas do controle da
Secretaria de Educação que atingem as escolas e em muitos casos implicam solicitações
aos professores. Tais exigências, que tomam o registro escrito como forma de sua
concretização, simbolizam a hierarquia de poder, o processo decisório de cima para baixo, a
especialização das competências e divisão de tarefas próprios da organização burocrática.
As ações da sociedade escriturística vinculadas à burocracia capitalista se consolidaram e
vêm invadindo e contaminando todas as áreas da atividade humana (MOTTA & PEREIRA,
1983). Nos encontros de FC, as reclamações relativas às exigências burocráticas foram
associadas tanto ao formalismo, ao excesso de papéis e ao autoritarismo quanto à menção
de suas disfunções. Nesse caso, as exigências da papelada são associadas à ineficiência
do sistema. Como todas essas atividades tomam o escrito, o documentado, como
referência, os sentidos para a escrita também são construídos relacionados à burocracia
escolar.
Essas exigências características do prestar contas do trabalho geram um estranhamento
nos professores em relação ao seu trabalho. Assim, a Secretaria, de diferentes modos,
determina os objetivos, os conteúdos e os métodos de ensino. Se, por um lado, os
professores se mostram obedientes a essas lógicas de que não podem escapar, por outro, a
apropriação não se efetiva de modo passivo. Cumprem, a seu modo, as demandas de que
não podem fugir. Ainda que seja um repertório de repetição, o fato de, com os anos, os
professores passarem a dominar esses gêneros é mencionado como um aspecto que
“facilita a segurança na atuação docente” (Q220). Uma vez dominados, passam a constituir
a atividade docente e são cada vez mais escritos de forma sintética. Parece que o domínio e, por conseqüência, a segurança do professor - facilita as metamorfoses da indisciplina.
Associando a desenvoltura na atividade docente adquirida pela experiência com a falta de
tempo, uma professora afirma: “Escrevo o que vou dar numa aula numa linha” (DC-R27).
104
É possível evidenciar que o repertório de gêneros típicos do trabalho docente ocupa
centralidade na ação docente (ANEXO I19 a I22). As pautas (item 1), o registro no quadro
(item 2), os planos de curso (item 5), os planejamentos (item 6), as listas (item 15) e os
exercícios e as avaliações (item 16) são destacados como produções que os professores
fazem sempre – e em alguns casos nem sempre gostariam de fazer como o preenchimento
da pauta (item 1) que apresentou um grande índice de rejeição. Esses itens de grande
presença no cotidiano escolar vêm acompanhados do domínio desse repertório pelos
professores. São itens em que os professores destacam a facilidade para produzi-los e,
graças a esse domínio, efetuam reempregos tais como deixar para fazer a pauta ao final do
bimestre, controlar a presença por listas de assinaturas, pedir a um aluno para escrever
algumas atividades no quadro, utilizar planos padrões para várias instituições, etc.
Observando a centralidade da palavra na relação de ensino, os registros no quadro são
mencionados como um dos aspectos da escrita que promovem uma relação particular do
professor com os alunos e pais. “Os alunos geralmente reclamam quando têm que copiar as
anotações do quadro, mas, se o professor não escreve no quadro, afirmam que ele está
enrolando”. Em aulas que não demandam anotações no quadro, os alunos geralmente
afirmam que não estudaram porque ficaram só conversando. Eles sempre informam quando
há pouca matéria no caderno ou quando já escreveram muitas páginas de um determinado
conteúdo estudado. Nesse processo de avaliar o desenvolvimento da disciplina e a
competência docente tomam como medida o número de páginas escritas no caderno. Com
isso, dar bastante matéria – devidamente estampada em páginas e páginas de registros –
permanece como elemento de significação da prática docente. Por sua vez, os pais também
tomam como medida de avaliação do trabalho do professor a quantidade de folhas escritas
pelos seus filhos nos cadernos. Por isso, a escrita no quadro consiste numa estratégia do
professor para “mostrar o trabalho que desenvolve” (DC-R20).
Observando a reciprocidade avaliativa, os professores reconhecem que um dos aspectos
que tomam para estabelecer pareceres sobre os alunos consiste em observar se eles
possuem o registro das aulas nos cadernos. Admitem também que, em momentos críticos
(de desentendimentos ou reclamações), tanto professores, quanto alunos e pais tomam
esse critério como elemento de análise. A escrita como registro permanente permite
contabilizar o trabalho pedagógico e funciona como uma medida avaliativa. Para os
professores, registrar o acompanhamento dos alunos na presença dos mesmos e saber
conversar ajuda no controle das turmas. Alternar fala e escrita é considerado importante
para conseguir boas condições para o desenvolvimento da aula.
105
Em relação à especificidade do planejamento na escola (ANEXO I23), é possível constatar,
quanto à periodicidade (itens 1 a 3), que o grupo investigado envolve aqueles que fazem
registros regulares e aqueles que fazem eventualmente, conforme a necessidade. Percebi
que os anos de experiência favorecem o comportamento de registros eventuais decorrentes
das necessidades. Ao comentarem essas necessidades, os professores mencionam o início
do ano letivo quando estão conhecendo os alunos e precisam “organizar os conteúdos para
ir seguindo” e sempre que precisam “pensar uma atividade diferente devido a alguma
dificuldade especial dos alunos”. Também é observado que os registros de planejamento
foram diminuindo historicamente devido à redução da cobrança:
E7 – [...] Eu não sei o que aconteceu com a escola, mas essa fala toda de uma pedagogia mais
preocupada com outras questões foi desligando o professor daquelas tarefas que vários professores
tinham. Tinha o caderno de plano de aulas e aí a supervisora olhava. Esse escrevia mesmo! Mesmo
que fosse uma escrita direcionada, escrita, (pausa) como eu digo? De preenchimento de fichas de
planejamento e depois que foi acabando o professor nem isso faz mais. Poucos são os professores
que ainda registram alguma coisa em relação àquilo que ele vai fazer ou o que foi feito. [...] Não é
mais uma prática como já foi. Eu acho que o professor escreve muito pouco!
Em relação ao suporte para a escrita do planejamento (itens 4 a 7), destaca-se o caderno de
planejamento seguido das folhas avulsas. Além da função de registro do planejamento,
alguns cadernos são utilizados para anotações relativas ao desempenho dos alunos:
E3A – No meu caderno também, tem alguns assuntos que eu escrevo sobre determinados alunos, o
que eu poderia fazer, o que a escola deveria fazer e às vezes eu dou para outras pessoas... Os
meninos lêem o que eu escrevo no quadro e o caderno às vezes eu dou para a pedagoga ou para
uma colega. Isso não tem muito tempo que faço. Tem uns três anos [...]
_________________________________________________________________________________
PQ – Como você registra a sua prática?
E9 – Eu tenho o meu plano de aula, o meu caderno. [...] Aqui que eu tenho meu caderno. Tenho um
caderno só. Tenho quatro turmas sendo duas de cada série (6ª e 7ª). Então eu faço juntas, coloco as
atividades. Registro por conteúdo (não por dia de trabalho). [...] Quando eu preciso mandar para a
equipe pedagógica [algum aluno], aqui a gente tem um encaminhamento (instrumento) que preenche
o nome do aluno, a série e o motivo do encaminhamento. A gente faz na sala de aula, na hora do
encaminhamento. Outras coisas, faço por códigos, de mais ou menos, perto do nome do aluno
(risos).
_________________________________________________________________________________
E8 - Em relação ao trabalho eu tenho um caderno azul (risos) que os meninos falam “ele vai pegar o
caderno”, sabe como? Ele tem uma nuvem assim, ainda bem que ele não é preto [...] é azul não é por
acaso. É que eu sou muito organizado. Ele é um caderno em que eu faço um histórico dos meninos,
mas eu não diria que ele é um texto que ninguém lê na medida em que eu abro esse caderno para os
pais. Eu não abro para os alunos, mas eu acho que se precisar falar sobre isso com eles eu abriria
sem problemas. É um caderno em que eu conto mais ou menos a história deles a partir de
ocorrências. Eu tenho um código que é assim: tal dia não fez isso ou fez isso mas não conseguiu ou
deixou em casa o material, esse tipo de coisa prática mesmo. [...] Ele funciona como um registro que
talvez seja até desnecessário na medida em que a gente conhece muito bem os alunos da gente...
Muitos professores que declaram que fazem registros do planejamento em suportes tais
como agendas, folhas e formulários observam que “o caderno parece coisa de professor do
primário”. O caderno parece constituir-se em significação de diferenciados modos desde um
106
suporte facilitador da organização e manuseio – com professores tendo um para cada
turma, um dividido em espaços distintos para cada turma, um para registros organizados
conforme o calendário letivo, etc. – até um elemento de distinção de atuação em função dos
níveis de ensino. Também a distinção relacionada à questão de gênero se apresenta em
relação ao caderno. Sendo associado a coisa de mulher, alguns homens que declararam
que têm o caderno de planejamento organizado tiveram que responder, no momentos de
discussão após o preenchimento do questionário, aos comentários zombeteiros dos colegas
num processo de censura divertida. Alguns professores chegaram a justificar que “tinham o
caderno para alguma necessidade eventual” ou “para fazer anotações”, mas que “não
tinham aquela organização impecável das moças”.
Em relação ao processo de mediação na escrita do planejamento (itens de 8 a 15), destacase o registro efetuado isoladamente pelos professores. Depois de efetuado o registro, os
professores pesquisados se dividem em duas perspectivas: os que mostram os registros ao
pedagogo e aqueles que não mostram seus registros a outros profissionais. De maneira
geral, observa-se a dificuldade para o estabelecimento de interlocuções. No entanto, a
possibilidade da interação é muito valorizada.
Em relação aos processos de mediação, um professor (PH21) destacou que observa que:
_ Os professores até trocam alguns materiais de leitura, mas de escrita nunca vejo. Eu mostro minhas
poesias aos professores da minha escola, mas só tenho algumas observações do de Português.
(PH21)
Nesse contexto, estabelece-se o seguinte diálogo iniciado por uma professora (PH22):
_ Ah, mas as coisas que nós escrevemos não têm retorno. Entregamos pautas e planos, mas não há
diálogo nem críticas para estimular. (PH22)
_ A cobrança é legal. Quando entreguei um plano bimestral, na minha escola a gente faz bimestral,
três dias depois a pedagoga veio falar comigo. Sabe? Foi legal ver que ela tinha lido. Isso nunca tinha
acontecido comigo. Acho que sua qualidade na escrita cai quando você escreve para ninguém.
(PH18)
(DC-R21)
A polêmica sobre o endereçamento da escrita do professor retratada no DC-R21 remete ao
quadro teórico proposto por esta pesquisa na observação da origem e do horizonte do
endereçamento das práticas dos sujeitos, na perspectiva de Certeau, e na questão do
destinatário, em Bakhtin. Os professores, baseados nas referências do contexto, ao serem
solicitados em determinadas práticas de escrita calculam seu processo de execução em
função dos seus interlocutores. Os interlocutores que fazem as exigências de cumprimento
e os possíveis interlocutores para o texto a ser produzido. Planejar uma escrita “para o
arquivo” ou “para uma discussão” implica cálculos diferenciados na execução da tarefa. Os
dados da pesquisa indicam que os professores observam que o processo de interlocução se
efetiva com regularidade no sentido da solicitação e do controle da execução do registro,
107
mas não tem a mesma regularidade quanto ao conhecimento, discussão ou análise do texto
produzido.
Quanto às características do texto do registro do planejamento (itens 16 a18), destaca-se
um registro resumido com poucos professores efetuando anotações posteriores à realização
do trabalho. Nesse sentido, o registro do planejamento parece constituir um guia para o
trabalho, uma anotação de tópicos para lembrar, não necessitando, para a maioria dos
professores, de anotações posteriores à execução. Essa caracterização pode estar
relacionada com as dificuldades ou com a ausência de expectativa de interlocução para os
registros produzidos. A produção textual do planejamento, de maneira geral, retrata uma
intenção de registro individual (para si) que não se presta à supervisão. Nesse sentido, a
síntese e a enumeração de tópicos atingem esse fim. Esse comportamento, no entanto, não
autoriza a afirmação de que os professores desconhecem o protocolo textual do registro do
planejamento caracterizado pela especificação detalhada dos objetivos, da metodologia, dos
recursos e da avaliação. Esse protocolo é utilizado quando o registro é efetuado para
mostrar a alguém. Na FC, como explorarei no capítulo quatro, os professores retomam esse
protocolo textual para apresentar trabalhos de grupos relativos a conteúdos disciplinares. A
partir da idéia de lugar como espaço praticado pelas pessoas (CERTEAU, 1994), o registro
resumido do planejamento no contexto escolar pode ser também relacionado à constituição
de um espaço fugidio da docência que não se presta ao controle, uma vez que aquela
anotação só pode ser decifrada pelo seu autor. Só ele é capaz de entender o seu registro
como um dos elementos constitutivos de sua atuação profissional.
As referências às atividades de elaboração de exercícios e avaliações (ANEXO I21 – item
16) são associadas à complexidade da avaliação escolar. Em relação à especificidade da
prova, os professores declaram uma diversidade de processos elaborativos que integram as
ações de elaboração de questões, de reescrita de questões de livros didáticos e de
montagem, utilizando fotocópias de questões de livros didáticos (ANEXO I24).
PQ – Como você prepara suas provas?
E9 – Faço xerox, recorto, colo, monto... não dá nem tempo de digitar [...]. Aqui na escola a gente
pode até usar [o computador], mas eu prefiro fazer essa montagem. Eu acho até melhor porque às
vezes eu preciso de gráfico, de dados que no computador fica mais difícil de estar fazendo.
A elaboração de questões é associada à necessidade particular de alunos e turmas, o que
faz com o que o professor tenha que “quase fazer uma prova para cada aluno”. Associando
as dificuldades dos alunos à necessidade de obterem bons índices de aprovação e
manterem processos avaliativos com diferenciados instrumentos, os professores enumeram
108
seus esforços na elaboração de atividades “que os alunos consigam fazer, se desenvolver e
aprender”. Outros itens do repertório escolar (ANEXO I19 a I22), tais como as fichas (item
4), os bilhetes e convites (item 13) e os cartazes (item 14), são mencionados em seu caráter
de eventualidade. São feitos conforme a demanda e também apresentam a característica de
ser de domínio do professor.
Em relação aos registros de reuniões (item 11), além de enfocarem a questão da demanda,
os professores enfatizam que os objetivos do registro determinam a efetivação ou não de
anotações:
_ Tem coisas que não é uma questão de gostar ou não, mas de sentir necessidade. Eu, por exemplo,
não sinto necessidade de fazer anotações em reuniões. Eu não anoto nada! (PI15)
Muitos professores fizeram comentários a partir dessa fala enfocando aqueles que fazem anotações e
aqueles que não fazem e suas justificativas (“faço para lembrar”, “faço para depois provar que tal
coisa foi discutida e principalmente se houve alguma decisão importante”, “não faço porque depois
não tenho tempo para ver”, “não faço porque lembro de tudo, tenho uma boa memória” etc.) (DC-R33)
Os comentários sobre os registros de reunião enfatizam o aspecto documental da escrita.
As tensões, discussões, discordâncias e desconfianças parecem requerer o registro como
forma de garantir as decisões acordadas. Instados a falar sobre as demandas de escrita no
conjunto da escola, os professores mencionam o repertório dessas solicitações. É possível
perceber uma avaliação de que ocorrem poucas solicitações, uma associação dessas
demandas com uma escrita de cobrança e uma análise de que estas ações não favorecem
o desenvolvimento da escrita do professor.
E7A – Na minha escola não se cobra escrita dos professores. Se cobra aquela coisa horrorosa da
pauta... (concordância das outras)
E7C – Nem do famoso e tradicional plano, que antigamente você tinha que estar entregando, se vê
falar atualmente. Eu tenho uma caderno para anotar as coisas daqui e outro para as coisas da escola
com tudo escrito do que eu faço no dia-a-dia porque é uma coisa minha [...].
_______________________________________________________________________________
E2A – A menos que o professor faça algum projeto, é (pausa)... provas, planejamentos de aula...
E2B - Quando surgiu essa idéia de projeto, foi projeto, projeto, projeto foi essa coisa de fazer projeto,
mas agora nem essa parte tem mais. Até essa parte de fazer prova, pela questão das copiadoras, até
essa parte o professor está fazendo menos. Ele está copiando mais e escrevendo menos atividades.
[...] Tem coisas que você faz mecanicamente. Esse negócio de pegar questões do livro xerocou,
recortou, colou, você vai fazendo isso. Enquanto alguém não chama a sua atenção, você continua
fazendo.
_______________________________________________________________________________
E4 – Sendo sincera, olha eu acho que está limitado à pauta mesmo. Ás vezes, tem textos de
avaliação. São os momentos de avaliação, às vezes avaliação anual, em que são trabalhados em
forma de solicitação de textos.
E5 – A escola cobra muito que você faça um planejamento, mas é uma coisa muito pró-forma e
burocrática [...].
_______________________________________________________________________________
E6 – Acho que nada. Eu não vejo nada assim, escrito. O que é oferecido escrito? O de sempre. Os
planos e mais nada. Não se pede nada mais.
_______________________________________________________________________________
109
E7 – Eu acho que o dia-a-dia, na prática da escola, as pessoas escrevem projetos, o plano anual da
escola, a proposta pedagógica. Isso que se tem escrito. Não vejo nenhuma outra atividade de
produção de textos. Dificilmente você vê um texto feito pelo professor sendo utilizado na escola.
_______________________________________________________________________________
E8 – Não, não precisa [de recusas explícitas]. São demandas eventuais de pequenas anotações e
registros e quando isso acontece correm atrás do professor de português.
_______________________________________________________________________________
E9 – Muito pouco. Além das pautas e das provas, às vezes os projetos do que eu quero trabalhar.
Devido à tipologia das atividades solicitadas, alguns professores analisam que há uma
cobrança burocrática porque “de maneira geral, a escola cobra muito pouco”. Com isso, não
há necessidade de grandes recusas, permitindo práticas fugidias mais sutis e difusas que
provocam diferenciados comportamentos: desde a recusa à entrega, até práticas de xerocar
o mesmo material. De maneira geral, a escrita nas demandas do trabalho é associada
principalmente a um saber vivido como um trabalho penoso e desagradável. Os
comportamentos, que retratam as táticas de sobrevivência, as contradições no cotidiano
escolar e as mobilizações dos professores, podem ser observados nos episódios a seguir:
No intervalo, o grupo, numa organização coletiva informal, conversava sobre as dificuldades no
trabalho enumerando problemas relacionados ao grande número de escolas em que trabalham e
consequentemente ao grande número de turmas e de pautas para preencher, devido à carga horária
pequena da disciplina. Nesse contexto um professor (PI3) comentou:
_ Eu faço um projeto que serve para várias escolas. Tiro a cópia e vamos lá! (PI5)
_No ano passado estava em três escolas com 20 turmas. Não conseguia participar de nada, de saber
de nada. Na verdade, não tinha problemas com as pedagogas, mas ficava meio atribulado. (PI3)
_ Eu falo mesmo, mostro o meu caderno de planejamento. Está anotado lá, tudo certinho o que eu
quero fazer. Não vou preencher outros papéis. (PI6)
_ Tem escola que tem que preencher um formulário para cada turma para ir a sala de informática. Às
vezes tem vários quebrados [computadores]. (PI7)
_Na minha escola a gente tem que fazer dois projetos, um para o grupo que está na informática e
outro para os alunos que estão em outras atividades. Dividir a turma e nós só somos um [as salas de
informática das escolas possuem, no máximo, vinte computadores]. (PI8)
(DC-R10)
_________________________________________________________________________________
_ Por isso [entregar e não obter retorno] que meu plano de curso eu xeroco, só mudo a data. Todo
ano entrego o mesmo e ninguém fala nada. Nem percebem. (PH23)
_ Você pode modificar os projetos, ir elaborando. Mudando seu plano devagar. (PH24)
(DC-R21)
_________________________________________________________________________________
_ Nunca tinha pensado nisso, mas é legal me ver assim, acho que sou muito chata porque tem umas
coisas aqui [nos itens da questão 6 do questionário] que sou isso mesmo. Não faço mesmo, podem
pedir, pedir que não faço. Às vezes a pedagoga pede sutilmente (destaque) para eu escrever alguma
coisa daquilo que estou falando, do que eu estou fazendo e eu finjo que nem é comigo. Não faço
mesmo! (PG17)
(DC-R29)
Nesses comportamentos os professores deslizam no interior de um espaço controlado,
burlando as regras da instituição, resolvendo nas margens as obrigações a seu modo e, de
maneira geral, sem entrar em confronto direto. A discussão dessa experimentação da linha
de fuga, numa prática discursiva coletiva caracterizada pelos comentários simultâneos e de
variadas ordens provocou também risos. Na linguagem, Bakhtin destaca o riso como
elemento de resistência que quebra o monopólio do discurso elegante e refinado dos
110
representantes do poder. O riso tem o poder de aproximar o objeto permitindo experiências
em completa liberdade (KONDER, 2002, p. 112). No sentido baktiniano, o riso dos
professores explicita como eles transformam aquele processo conflituoso em escapes e
humor, demonstrando como a lei do mais fraco, de uma maneira muito particular, busca seu
espaço nos processos de mediação humana. Esse aspecto, que revela a atuação dos
sujeitos em suas práticas cotidianas, demanda, conforme explicitado pelos professores, que
nos espaços de diálogo os combinados sejam sempre discutidos e, uma vez acordados,
sejam reiterados até sua execução. No conjunto, fortalece-se a idéia de que o professor não
escreve ou não sabe fazer:
E8 – [...] Cobra-se apenas uma escrita funcional e acaba reforçando que o professor só sabe fazer
isso. E esse isolamento também afeta aos alunos. Observando a relação da linguagem com o
pensamento, e isso alguns autores já trabalham muito bem, na medida em que eu continuo não me
expressando, não construindo, eu continuo reproduzindo.
A concepção do não saber atribuído aos professores e as dificuldades nas condições de
trabalho são associadas à imagem do professor derrotado.
E8 - Fala-se que ninguém sabe escrever, que o professor não sabe escrever, que o aluno não sabe
escrever, que precisa fazer alguma coisa, isso é dito o tempo todo, mas, efetivamente, eu não vejo
muito progresso. Eu não vejo isso se desenvolver com profundidade. Acho que é muito isso: vamos
jogar a culpa em alguém, vamos deixar assim mesmo. [...] Na medida em que existe uma imagem de
professor derrotado e ao mesmo tempo as condições de trabalho são cada vez piores a partir da
crença da não necessidade do professor, desconsiderando que estamos numa sociedade humana, e
não numa sociedade apenas técnica, essa situação não se torna uma consciência pública, uma
consciência coletiva. Vamos demorar muito para descobrir isso...
Essas atividades do trabalho estabelecem interfaces com o espaço da vida pessoal e da FC.
Em muitos momentos da FC os professores protestaram por ter que levar coisas da escola
para casa e narraram suas táticas para, em meio à dinâmica da vida pessoal, integrar essas
demandas da escola.
Nos registros do diário de campo, observa-se que, numa “hábil
utilização do tempo” (CERTEAU, 1994, p. 102), os professores na FC preenchiam suas
pautas, corrigiam suas provas, preparavam exercícios, etc. O DC-R14 indica que a maioria
dos professores se dedicava a essas atividades enquanto aguardava o início de uma
palestra. O DC-R27 retrata o depoimento da PM26 que, ao justificar porque não havia
efetuado as tarefas solicitadas no encontro de FC anterior, afirma: “o problema é que todos
aqui estão atolados de provas para corrigir”, mostrando o material que carregava consigo
visando “achar um tempinho por aqui [ali] para continuar corrigindo”. No DC-R38 consta que,
durante a fala de um palestrante, PG26 tenta se concentrar na redação de um texto,
provavelmente um projeto que pretende realizar na escola e PG30 passa o encontro
preparando avaliações, recortando e colando xerox de mapas e questões.
111
Os registros do DC indicam que esses comportamentos criaram, em muitos encontros de
FC, situações constrangedoras. Revelam também que os professores buscavam fazer
essas atividades do trabalho em momentos de palestra e discussão. Nesse caso,
conseguiam fazer as duas atividades ao mesmo tempo porque as intervenções que
efetuavam demonstram que “estavam ligados na discussão”. Esses procedimentos indicam
como, no jogo de forças, as intervenções dos professores buscam constituir uma situação
favorável nos cruzamentos possíveis das diferentes dimensões da vida do professor
(CERTEAU, 1994, p. 102). Com a falta de tempo para executarem as demandas escolares,
um grupo significativo dos professores sugeriu que os encontros de FC fossem mensais (ao
invés de quinzenais) para que pudessem dar conta das coisas da escola, uma vez que em
períodos de avaliações e comemorações escolares os grupos ficavam reduzidos. Nas
conversas sobre essa problemática, os professores explicitam suas manobras para poder
participar dos encontros:
_ Hoje estava comentando que dei falta de uma colega, ela deve estar com problema porque não é
de faltar. (PM13)
_ Não é só por conta do encontro. Sabemos que temos professores com três jornadas. Ele está tão
atolado de serviço que não vê o benefício desse encontro. Está tão atolado que precisa desse tempo
para organizar seu planejamento. Quando eu tenho que estar aqui eu sacrifico meu final de semana
para fazer as coisas da escola e vir para cá. (PM7)
(DC-R12)
_______________________________________________________________________________
Antes de iniciar os trabalhos nas duplas o PG14 questionou sobre o esvaziamento do grupo. A PG9
demonstrou sua preocupação com a possibilidade de perder o espaço coletivo [...].
_ Mesmo que a gente não faça nada aqui, esse espaço é muito importante. Ir para a escola fazer o
quê lá? (PG14)
Vários professores destacam que aproveitam bem esse tempo na escola fazendo planejamentos e
corrigindo avaliações. A PG3 destaca:
_ Quando eu não estou aqui, me tranco na minha sala ambiente (porque na sala dos professores não
dá para fazer nada de tanto entra e sai e conversa) e escrevo todo o meu planejamento para as duas
semanas para eu poder vir ao encontro da semana seguinte. (PG3)
(DC-R17)
No processo de dar conta das demandas escolares, uma dificuldade colocada pela maioria
dos professores diz respeito à impossibilidade de escrever na escola. Muitos professores
afirmam a necessidade de efetivar a escrita da escola em casa.
E6 – [...] na escola não tem lugar. Eu tenho que preparar provas e faço isso em casa, digito em casa.
Se for trabalhar em escola, não tem espaço. Falta a questão de biblioteca, [...] e o espaço sossegado.
_______________________________________________________________________________
E7 – Eu acho que as escolas não são construídas pensando na questão pedagógica [...] assim fica a
sala dos professores num lugar e a biblioteca do outro lado, depois da sala de aula, por exemplo. A
sala dos professores sem privacidade, sem estantes com livros, dicionários, gramáticas. O professor
não tem uma sala dele [...]. Eu nunca consegui planejar na sala de professores [...].
_________________________________________________________________________________
E8 – Eu tenho realmente uma dificuldade de trabalhar com platéia, com gente passando, com gente
falando junto, até com música embora eu goste muito de música. Grande parte do que eu faço é feito
na minha casa, [...]. A sala de professores é um espaço de descanso e eu tento fazer ali as coisas
mais práticas possíveis: recortar e colar, montar, passar para a xerox, organizar pastas, folhas de
alunos, exercícios, mas as coisas de elaborar, de pensar, de escrever eu não gosto muito de fazer
com platéia. Não consigo.
112
E9 – Nessa aqui é meio difícil porque é muito barulhenta. Não dá muito tempo. O planejamento uma
vez por semana não dá muito tempo de fazer coisas. Tem os colegas que também interrompem, ali é
uma sala que entra muita gente [...].
Na pesquisa é unânime o reconhecimento da necessidade de procurar um canto para se
esconder para realizar atividades que necessitam de concentração na escola. A sala de
professores é destacada como um espaço inadequado, no entanto, dada a falta de outro
local, se constitui no espaço mais utilizado. Nas manobras para trabalhar nesse espaço,
ocorrem interrupções ocasionadas pela lembrança de outras obrigações, uma vez que é um
espaço cheio de informações, quadro de avisos e pastas de solicitações. Também ocorrem
interrupções efetivadas por colegas de trabalho, visto que este local constitui um espaço
coletivo de profissionais com rotinas diferenciadas. Em meio a tantas outras pessoas a
escrita individual é a mais destacada nas mediações estabelecidas (ANEXO I25 a I30). Essa
constatação de muita gente junto escrevendo sozinha mobilizou discussões numa
solidariedade visando às possibilidades para alterar aquela estranha paisagem da escrita na
sala de professores. A interação discursiva, fazendo referências a alterações no horário, na
arrumação do espaço e no comportamento das pessoas revela a tensão entre a
convivialidade coletiva e as demandas da escrita. Sem poder escapar ou exilar-se da
dinâmica da escola com suas demandas e regulamentos, os professores buscam vislumbrar
interfaces tanto para sua sobrevivência em meio a tantas ocupações quanto para fazer
frente às demandas de escrita que se apresentam à categoria.
Na busca por melhorar na escrita, em relação aos recursos auxiliares à escrita (ANEXO I31)
na questão da forma, o destaque é o dicionário em todas as áreas de conhecimento. A
gramática tem um destaque maior na área de Língua Portuguesa.
E8 – Olha, dicionário eu sou completamente apaixonado. Meus alunos sabem disso [...]. Enciclopédia
é uma coisa interessante. A enciclopédia tem um papel muito importante na minha vida. Por que?
Quando eu era muito criança o meu irmão mais velho comprou uma enciclopédia e eu não consegui
entender porque ele comprou aquilo na medida em que ele era formado, ele era engenheiro já... Ele
comprou essa enciclopédia e levou para casa. Aquilo foi uma salvação para mim! Me tirou de um
caos que eu vivia como criança porque eu era uma criança muito curiosa e que não tinha muitas
respostas para minhas curiosidades na medida em que ficava muito trancado dentro de casa. Quer
dizer, a limitação da minha mãe e do meu pai, que não sabiam muita coisa ou sabiam muito, mas não
sabiam o que eu queria saber (risos). A minha irmã mais velha tentava solucionar esse problema e
quando a enciclopédia chegou foi uma coisa ridícula porque eu era muito criança e a minha mãe
falava assim (imitando a mãe):
_ Larga esse troço...
Depois essa enciclopédia voltou para ele (irmão) porque ele teve filhos e tudo mais. Depois de ele ter
levado a enciclopédia eu nunca mais tive enciclopédia, eu não tenho, não acesso, não acho que hoje
seja necessário e assim... (pausa) quando eu tenho alguma questão em relação a conhecimento eu
acesso a internet, embora eu não tenha nenhuma paciência para internet e alguma coisa de
almanaque Abril, essas coisas assim. Eu tenho alguns manuais, que diria que são técnicos na medida
em que são manuais ligados à escrita, que eu uso para escrever mesmo.
113
Com relação a esses recursos, Soares (2004b) destaca o papel da gramática como livro de
consulta e do dicionário como recurso de apoio fundamental. Por isso, “todo cidadão, toda
pessoa precisa de dicionários”. Além desses recursos, os objetos da escrita também são
referenciados em vários registros da pesquisa:
E8 - Quanto às bolsinhas, lápis e canetas, eu tenho mania de caneta, todo mundo sabe disso... eu
tenho uma bolsinha cheia só de canetas. Tenho caneta de tudo quanto é cor, embora eu escreva
sempre com a mesma cor. Tenho a minha caneta vermelha de corrigir prova. Outro dia uma
professora me indagou dizendo:
_ Aí, você usa caneta vermelha?
Eu falei: uso e não tenho nenhuma culpa por isso. Eu gosto de caneta. Houve uma época que eu
ganhei muito caneta de presente, caneta e relógio, mas não tenho essa coisa de lápis de cor não,
borracha também não muito... mas eu gosto de ter [...].
Em relação ao conteúdo, os livros são os mais destacados. Nos comentários, os
professores reforçam a presença dos livros didáticos na atuação docente. É mencionado
que, além do livro didático de cada disciplina ser distribuído a todos os alunos e o professor
contar com o seu, em muitas escolas, na sala de professores há estantes com vários outros
livros didáticos visando a facilitar o processo de planejamento e seleção de atividades. De
maneira geral, não há nas escolas um espaço específico destinado às atividades de
produção escrita. No entanto, algumas escolas estão buscando criar condições de escrita
para seus professores e, quando mencionadas, essas condições causaram surpresa. Um
dos momentos de destaque da problemática da escrita no espaço profissional está
registrado no DC-R40:
Cheguei à Secretaria [...] e encontrei três professoras (PP5, PP6 e PP30) em conversa informal no
auditório mencionando as condições de trabalho em suas escolas. Demonstrando sua satisfação,
uma delas informou que tem uma sala específica para planejamento, as outras ficaram curiosas sobre
o espaço e mencionaram também as dificuldades de utilizarem a sala de professores para
planejamento. Foi estabelecido o seguinte diálogo:
_ É impossível trabalhar na sala de professores com todo aquele movimento. (PP30)
_ Na minha escola temos uma sala de planejamento. (PP6)
_ Como? Vocês têm um outro lugar que não seja a sala de professores? (PP5)
_ E lá vocês têm todo o material? Se precisar de um dicionário, por exemplo? (PP30)
_ Se precisar, temos que ir à biblioteca. (PP6)
_ Nada é perfeito. Eu gostaria de estender a mão e apanhar ou o livro que necessitasse para o meu
planejamento. Você não? (PP30)
_ Ah, eu não me importo... (PP6)
(DC-R40)
As diferenciadas atitudes dos professores em face das solicitações de escrita na escola,
desde deixar de cumprir determinada solicitação até cumprir com zelo devido à preocupação
de que “algum dia” seja necessário buscar nos arquivos o material, indicam um complexo de
valores envoltos nas expectativas, negociações e improvisações que caracterizam o
processo interativo que culmina nas decisões. Certeau lembra a necessidade da luta contra
o esquecimento das tantas práticas realizadas. Utilizando as palavras de Sojcher (1976, p.
145), o autor afirma a necessidade de não esquecer “tudo aquilo que fala, rumoreja, passa,
114
aflora, vem ao nosso encontro” (CERTEAU, 1994, p. 43). Na pesquisa, observar essa
diversidade para além da dicotomia entre cumprir ou descumprir as solicitações a partir das
enunciações dos professores permitiu a aproximação da marca do humano com seu
processo valorativo e emotivo que caracteriza as interações no jogo social. A pesquisa
indica que essas solicitações e o jogo negociativo que dá sentido a essas necessidades de
escrita atuam diretamente no repertório de gêneros textuais utilizados pelos professores.
Nos últimos anos, uma nova solicitação se apresenta aos professores: a elaboração de
projetos.
3.2.2
A consolidação e as implicações da elaboração de projetos
Ao tratar os gêneros como tipos relativamente estáveis, Bakhtin alerta para a historicidade
dos gêneros e para a dificuldade de delimitar fronteiras indicando que estes, devido a sua
vinculação às atividades humanas, sofrem contínuas transformações para responder ao
novo e às mudanças no interior das esferas de atividades. Na pesquisa o projeto de trabalho
escolar (ANEXO I19 – item 7 e I20 - item 8) é referenciado como uma das novas solicitações
da atividade docente, como um repertório de nossa época (BAKHTIN, 1997, p. 43):
_ Tudo agora na escola é projeto. Tudo a pedagoga pede o projetinho. É para pedir material, é para ir
à sala de informática. A gente não dá conta. (PI3)
(DC-R10)
Como uma demanda recente, o projeto apresenta uma maior significação dentre as
atividades realizadas no contexto escolar para o desenvolvimento da escrita do professor
(ANEXO I18 - item 9). No entanto, sua apropriação se apresenta com vários conflitos.
Um primeiro conflito problematiza as relações estabelecidas entre o professor e o contexto
escolar de sua atuação. Em alguns episódios, os professores narram que os projetos são
centrados em pessoas e não têm relação com o espaço de trabalho. Nesse sentido, quando
o professor muda de escola “carrega o seu projeto em baixo do braço” e, como
conseqüência, não se constroem projetos coletivos que favoreçam a comunicação entre os
professores, não há continuidade de trabalho e não ficam registros dos projetos realizados
na escola. Ainda, os projetos políticos pedagógicos das escolas se desatualizam com muita
rapidez. Esse conflito retrata a complexidade das relações que indicam a constituição de um
grupo de trabalho, ou, de modo mais superficial, a dificuldade de determinar a posse do
trabalho docente em função de um projeto de escola. Um projeto de trabalho elaborado pelo
professor pertence ao professor ou à escola? Em momentos de apresentação de algum
projeto desenvolvido, quem deve ser o responsável por apresentar o trabalho? Quem deve
ser o responsável por buscar recursos para o desenvolvimento de projetos? No caso de
115
prêmios e bolsas, quem deve encaminhar os projetos? Quem deveria ser premiado (a
escola que acolheu o projeto, o professor que elaborou e executou ou os alunos que
desenvolveram os trabalhos)? É possível conceber que um projeto de determinado
professor seja automaticamente aceito e executado por outro professor? Ao ingressar numa
escola, o professor pode impor seus projetos de trabalhos ou deve acatar os projetos já
determinados pela escola? Essas e outras indagações não permitem respostas diretas, mas
requerem a observação de aspectos ligados à rotatividade de professores, a dificuldades
para o estabelecimento de projetos coletivos que orientem os projetos específicos de cada
professor ou disciplina, à importância do respeito a uma cultura de trabalho (principalmente
se esta é avaliada positivamente pelos sujeitos educativos) e, na mesma medida, à
importância de estimular espaços e idéias inovadoras, etc.
Não é objetivo desta pesquisa avaliar os projetos construídos pelos professores, cabe
assinalar aqui que a escrita desses projetos e a observação de sua materialidade (em
apostilas encadernadas, em álbuns com fotografias das atividades desenvolvidas, em sites
das escolas, etc.) traz à cena a discussão da autoria e da posse da idéia e até mesmo do
material decorrente do trabalho. Em eventos de apresentação dos trabalhos das escolas
(semana cultural, mostra pedagógica, culminância de projetos, encerramento de semestre
ou ano letivo, etc.) observa-se a reunião de trabalhos em que se destacam as atividades dos
alunos e o trabalho da escola ficando difusa a atuação de cada um dos professores. O
reconhecimento da autoria do professor engloba também a discussão de formas de
explicitar sua autoria no trabalho desenvolvido na escola, principalmente nos momentos que
permitem um reconhecimento para além do universo escolar. Engloba também o
investimento num projeto de escola que busque o aprimorando do trabalho educativo sobre
bases coletivas e solidárias fortalecendo as parcerias entre os sujeitos - que implica o
investimento e o reconhecimento de todos – minimizando o isolamento e as disputas que
fragmentam o trabalho.
A idéia de cada disciplina ou cada professor com seus projetos indica um isolamento dos
sujeitos e pode implicar o trabalho com os conteúdos específicos desgarrado dos
condicionamentos contextuais. Por outro lado, os comportamentos de carregar os projetos
retratam também que esses projetos encerram as operações dos professores para se
apropriar do seu fazer, resistindo à possibilidade de que o sistema capitalize para si o
reconhecimento do trabalho desenvolvido. Esse aspecto constitui o segundo conflito
captado nos dados da pesquisa.
116
O uso dos projetos pelo sistema pode ser relacionado com a dimensão da escrita como
registro. O fato de o projeto indicar o registro da ação implica a possibilidade do fazer
docente ser exposto. Se, por um lado, essa exposição pode gerar reconhecimento do
trabalho, por outro, os professores lamentam que o sistema também capitalize para si esse
reconhecimento. Como a relação de pertencimento ao sistema vem sendo abalada ao longo
do tempo (no decorrer da coleta, a categoria estava em mobilização por melhores condições
salariais e de trabalho), muitos professores optam por confinar o seu trabalho à escola
demonstrando que “não se pode sonhar à força. E ninguém sonha unicamente para agradar
os outros” (NÓVOA, 1998, p. 39). Esse fato pode ser captado no seguinte registro:
O grupo comenta a participação ativa dos colegas no 7º Encontro Nacional de Prática de Ensino e,
nesse contexto a PG9 indaga porque um trabalho de apresentação de experiências locais proposto
pela secretaria, não obteve aceitação. A PG4 esclarece:
_ Aquilo era outra coisa! Os professores avaliaram que iria dar ibope para a Secretaria e, em protesto,
não participaram. Eu mesmo faço muita coisa na escola. Faço na escola (ênfase), mas não me
mande trazer para a Secretaria. Isso não! (PG4)
(DC-R17)
Se, por um lado, essa tática revela a movimentação dos sujeitos em direção a uma
liberdade de atuação porque não se presta a uma exposição (e por conseqüência, a uma
avaliação) do seu trabalho, por outro, implica o isolamento do trabalho do professor. Ainda,
essa relação conflituosa também é relacionada à impossibilidade do sistema em apoiar os
projetos dos professores através de publicações institucionais. A observação da escassez
de recursos faz com que os professores externem que “a rede não tem interesse em
publicar” porque “se cobra, mas se apresentar vai ficar rolando. Vai aparecer esse negócio
de que não tem verba”. Com isso, a motivação pela publicação viabilizada pelo sistema não
acontece (E2B e E7). O conflito na relação de pertencimento se explicita nas enunciações
discursivas no contexto da FC, principalmente nos momentos de discussão coletiva. As
enunciações que mencionam as ações da Secretaria são explicitadas em sua maioria,
usando o verbo na terceira pessoa do plural: fizeram isso, proibiram aquilo, mandaram
aprovar, etc. Assim a ação educacional, em tudo aquilo que limita ou frustra os professores,
emerge governada por sujeitos indeterminados que os integrantes do grupo não sabem ou
não querem saber ou ainda, não precisam nomear. Nesse sentido parece que a política
educacional esta permeada da convicção de que ela também não é feita pelos professores,
mas produzida por outros. Com isso, falar da Secretaria significa, na maioria das menções,
falar mal. O maldizer se apresenta na coleta em dois aspectos. Num primeiro, o maldizer
basta por si e não implica uma ação posterior. Num segundo aspecto, o maldizer é
mobilizador de alguma proposta de ação efetiva, que nem sempre se concretriza, conforme
se verifica no DC-R40:
117
No retorno do intervalo, a palestrante distribuiu a segunda folha. Tentou colocar o CD com a música
Comida, cuja letra estava fotocopiada na folha, e de novo teve problemas com os recursos. Em meio
às narrativas de dificuldades frente à Secretaria de Educação, uma professora com voz irritada
propôs a elaboração de uma moção de repúdio com relação ao desrespeito à palestrante. Todos os
professores se manifestaram favoravelmente, mas a proposta não se efetivou até o final do encontro.
Depois de algumas tentativas, a música foi ouvida (...).
(DC-R40)
Com relação aos projetos e trabalhos implementados pelos professores no contexto da
escola e da sala de aula, além de serem identificados em sua origem, destino e
desenvolvimento (fiz tal trabalho para os alunos de tal série, a escola trabalhou tal tema,
trabalho com tal procedimento com os alunos com dificuldades, etc.), são utilizados pela
maioria dos professores como uma ação intencional para demonstrar o descontentamento
com a Secretaria. São utilizados para demonstrar que nada temos a ver com eles e para
solidificar a idéia de que apesar deles fazemos muito. Esse comportamento externa uma
responsabilidade pelo trabalho na sala de aula e esse trabalho se mostra vigiado para que
não seja apropriado pela Secretaria. Com isso, os professores desenvolvem táticas de
preservação de sua ação de modo que seus trabalhos não sejam solicitados para
divulgação no boletim informativo da Secretaria de Educação (ANEXO H2).
Por fim, um último conflito associa os projetos a uma atividade especial, diferentemente do
dia-a-dia do trabalho do professor. Essa idéia é fortalecida com uma postura do sistema de
só autorizar algumas solicitações escolares (principalmente disponibilidade de pessoal)
acompanhadas do devido projeto a ser analisado. Esse conflito se materializa mais
consistentemente quando os professores participam de congressos e seminários e verificam
que os projetos apresentados sistematizam um fazer cotidiano:
Após discussões das sugestões de atividades propostas na apostila, o grupo começou a fazer
comentários sobre o 7º Encontro Nacional de Prática de Ensino que participaram com o incentivo da
secretaria através da dispensa do trabalho e do pagamento da inscrição:
_ Os trabalhos apresentados, nossa! A gente faz melhor que aquilo e ninguém da prefeitura
apresentou. Quando vi, pensei no que eu faço e (pausa) que vontade de apresentar! (PG10)
_ Quando eu digo para vocês, senta e escreve... (CG)
_ O problema é isso... (PG10)
[...]
_ Pergunta a PG10 se ela escreve? (CG)
_ Eu não (enfático)! (PG10)
[...]
_ Eu vi um lá que eu já faço há muito tempo. Eu trabalhei quatro anos numa escola e fiz um trabalho
sobre o bairro que está lá. (PG3 fazendo referência a um trabalho exposto no evento)
_ Eu gostei de ter ido para ver que nós realmente estamos trabalhando, não estamos mostrando, mas
estamos fazendo. (PG4)
_ A gente vai para um encontro nacional e vê que a gente já faz isso, já faz há muito tempo. (PG3)
_ Não tô falando como se já fizesse tudo, vemos muito de novo, novidades, mas temos que começar
a valorizar o nosso próprio trabalho. (PG9)
_ Aquilo que fazemos no dia-a-dia, escrever e procurar fundamentação teórica. Tem que escrever
porque senão sempre vamos chorar o leite derramado. (CG)
(DC-R17)
118
A proposta de escrever os projetos visando divulgá-los - tendo como possibilidade imediata
um resumo no boletim informativo da Secretaria - e, em conseqüência, obter
reconhecimento a partir desta ação não se mostra atraente aos professores. A necessidade
de reconhecimento acaba sendo articulada de outros modos, demonstrando a inventividade
dos sujeitos:
[Na discussão a partir da leitura do texto sobre a realidade educacional brasileira]
[...]
_ Em tudo que a gente lê a culpa é do professor. (PM9)
_ Eu acho que quando vem palestrante aqui, dizem coisas interessantes e a gente concorda com ele,
com suas idéias, mas quem detém o poder na PMV não sabe o que estamos fazendo aqui, acho que
alguém da prefeitura devia vir aqui para ver em que direção estamos pensando. A gente precisa ter
um eixo lá em cima. (PM3)
(DC-R12)
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Na discussão sobre a proposta curricular os professores comentam o trabalho que fazem:
_ Eu fiz uma experiência com um texto em inglês sobre a água. Era necessário entender a
mensagem e a 5ª foi melhor que a 8ª. (PI4)
_ Tenho usado o Hip hop para me aproximar dos alunos. (PI3)
_ Então, nós vamos fazer um aquecimento para o próximo encontro. Vamos ler o material pensando
que lugar a prática ocupa no currículo. Tirei o material da internet (CHAVES, Eduardo O. C. Educação
orientada para competências e currículo centrado em problemas). (CI)
_ Temos a necessidade de um mostrar o trabalho para o outro. Podíamos visitar um a escola do
outro. (PI3)
_ Eu faço propaganda daquilo que estudamos e dos trabalhos que vocês falam no grupo. (CI)
_ A gente aprende com o outro, mas temos que ter espaço dentro da escola. Tinha que ter a troca em
nível de rede. É bom quando os outros vêem nosso trabalho, fortalece nosso espaço, somos
reconhecidos. (PI3)
(DC-R18)
Sendo assim, observa-se que os projetos vêm se materializando na realidade escolar e
constituem-se como uma demanda conflituosa na atividade docente. Eles integram a
complexidade da escrita na formação de professores e retratam, de modo mais explícito, as
tensões acerca da autoria do trabalho docente. Revelam também os embates relativos às
possibilidades de diálogo ou às imposições de solidão e isolamento (LIMA, 2005, p. 196).
E3B – Nós até temos professores que desenvolvem projetos na escola, então eles acabam fazendo
esse projeto. Por exemplo, temos um colega que vai apresentar seu projeto, vai socializar conosco.
Isso nós temos, mas a gente viu que a apresentação desses trabalhos em outras instâncias, aí não
acontece [...]. Os professores fazem, mas não têm nada publicado. É só socializado entre nós.
Também os projetos que são feitos e integrados ao projeto político da escola, quando o professor sai
da escola seu projeto não continua naquela escola. Em alguns casos ele passa a ser da escola para
onde o professor se remanejou. Por isso, os projetos políticos das escolas têm que ser refeitos.
E3A – Na minha escola, por exemplo, não tem mais projeto político. Os projetos ficaram perdidos com
a saída de professores. Não tem uma socialização na escola.
E3B – O P? tentou sensibilizar falando da influência que pode ter o material escrito do professor, que
o professor conquistaria mais respeito com a sistematização do seu trabalho. Até a questão da greve,
a força da greve, que se tivéssemos algo publicado a sociedade poderia ver aquilo que estamos
fazendo e aí refletir em cima de uma produção, isso falaria muito mais que nosso discurso.
E3A – A gente vai aos congressos, às conferências e os projetos apresentados nesses lugares não
são diferentes dos que a gente faz. A diferença está na escrita. A pessoa sentou e escreveu. Às
vezes, você está desenvolvendo um trabalho super interessante, só que você não sentou, não
escreveu e então ninguém vai saber o que você está fazendo. Aí você participa desses eventos e vê
que os professores de Vitória também estão fazendo isso, esses tipos de trabalhos...
119
E3C – Só que ninguém sabe. É engraçado que você vai e apresenta um tipo de trabalho que você faz
e a pessoa fala: Ah! Que projeto bom, coloca no papel. Como é que as pessoas valorizam mesmo
depois que você redige...
Em relação aos projetos de pesquisa, esse gênero do discurso teve uma significação mais
ampliada no grupo mais recentemente (ANEXO I20 - itens 9 e 10). Esteve vinculado à
participação pessoal ou à interação com um colega que concorria ao processo seletivo de
mestrado.
E3A – Eu estava falando no encontro passado: Eu dei a notícia a eles [ganhou bolsa de estudos para
desenvolver um projeto que necessita de aprovação em algum programa de mestrado] e afirmei que
isso que eu estava falando que aconteceu comigo não é porque eu sou melhor que vocês, mas é
porque eu sentei e escrevi [...]
E3C – É a única maneira de você socializar em outros lugares as suas idéias. Você foi, saiu,
apresentou, não teve apresentação?
E3A – Teve.
E3C – Mas como chegaria até outros se você não tivesse escrito?
E3A – Aí eu falei com eles da necessidade de escrever: “gente escreva. É um pedacinho hoje, é um
pedacinho amanhã, sabe? Não tem essa coisa do impossível, não! Mas é dar uma sentada e
escrever porque não tem quem faça sem dar uma paradinha” [...].
E3B – A desqualificação, que é muito econômica, interfere nas possibilidades de aquisição de
materiais [...]. Tem também a questão da pós-graduação. Muitos querem o mestrado, mas poucos
conseguem. Conheci uma professora de Matemática que estava muito chateada porque não foi
aproveitada.
E3A – Não vou dizer que seja fácil.
E3C – Eu já tentei na UFES, mas não consegui.
E3A – O importante é tentar. E para tentar tem que escrever. Por isso a escrita aparece de novo para
o professor.
Foi declarado que o projeto de pesquisa é produzido eventualmente sempre no intuito de
buscar uma formação acadêmica (Q72). Nessa perspectiva, associa-se à idéia de trabalho
acadêmico (ANEXO I22 - item 18) e foi referenciado em sua dificuldade:
Vivenciei a exigência de ter que elaborar o projeto de pesquisa. Constatei, percebendo a dificuldade
que sentí, que não estou preparada para concorrer ao mestrado. (Q81)
Como um texto relacionado à ascensão funcional, ele vem vinculado ao desejo de
conquistar esse domínio. Esse desejo reflete a mobilização dos professores em função da
interação que vivenciam com esse gênero e sua valorização no contexto. No Fórum
Municipal de Educadores, ocorrido em novembro de 2005, a temática “A importância da
pesquisa na formulação de políticas públicas e na práxis educacional” foi desenvolvida a
partir da reunião das dissertações realizadas nos últimos seis anos (1999-2004) no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo –
PPGE/UFES que focalizam escolas municipais de Vitória.36
Durante as atividades do
Fórum, os autores, reunidos por grupos de trabalhos, apresentaram suas pesquisas para os
36
Conforme dados divulgados pela Secretaria de Educação no Fórum, as 39 pesquisas destacadas
representam 33% da produção do PPGE/UFES no recorte temporal selecionado.
120
professores do município. Além da intensificação da aproximação do sistema municipal de
ensino com a universidade, colegas que são aprovados no processo seletivo do mestrado,
ou que apresentam trabalhos em congressos e seminários, palestrantes que são
convidados, pesquisadores que vão às escolas e textos lidos sempre fazem referências à
pesquisa e à elaboração textual. Essa interdiscursividade provoca “novas formas de
organizar e ver o mundo”. Instabiliza os professores em função da demanda contextual de
apropriação e de produção do texto acadêmico-científico. Nesse sentido, a questão do
letramento docente encontra-se ligada ao trânsito desses sujeitos por diferentes esferas da
atividade social (GOULART, 2003, p. 109).
Para o domínio desse texto desejado, indaguei aos professores sobre a possibilidade de
continuidade de fazerem pesquisas, uma vez que um número significativo deles (77%)
vivenciou uma primeira experiência fazendo o trabalho monográfico de final de curso –
geralmente na pós-graduação. Os registros no DC indicam o reconhecimento da
necessidade de que o professor seja pesquisador “aspas, conforme recomenda a literatura
pedagógica atual” (PC5), o desejo de se aproximar da prática da pesquisa e do
reconhecimento dessa atividade e a impossibilidade dessa atividade como constituinte da
atividade docente no contexto de atuação dos professores. Quando PC5 chama as aspas
para se fortalecer na afirmação da importância da pesquisa no trabalho docente a partir “da
literatura pedagógica atual” e, com isso, reafirmar a necessidade de melhoria nas condições
de trabalho para inserir a pesquisa no cotidiano do professor, a identificação/citação da fonte
discursiva revela que, na “reação da palavra a palavra”, que o sujeito falante nunca encontra
a palavra neutra. A palavra do outro será sempre apropriada revestida com nossas
compreensões e confrontos, com nossas avaliações, pois “aquele que apreende a
enunciação de outrem não é um ser mudo, privado da palavra, mas ao contrário, um ser
cheio de palavras” (BAKHTIN, 1997, p. 147). Essa complexidade do contexto da
transmissão e apropriação do discurso – infiltrado por réplicas e comentários dos
professores - da formação em pesquisa em sua relação com a escrita pode ser observada
no seguinte episódio:
Cheguei ao local antes do início das atividades. No auditório, encontrei a CC e alguns professores
que ao me verem indagaram sobre meu trabalho. Nesse contexto, PC10 informa:
_ Nesse tempo fizemos várias oficinas interessantes nos parques da cidade e nem lembramos dessa
coisa de escrever, mas já estou me convencendo que é preciso escrever. Na escola não se fala em
outra coisa a não ser cobrar que a gente escreva, que a gente seja, aspas, pesquisador (ênfase).
(PC10)
Outra professora esclarece:
_ O professor não é pesquisador, ele não é preparado para isso. Só quem fez mestrado e larga tudo
para estudar é que consegue se preparar. (PC6)
[...]
121
_ O que causa a maior dificuldade de escrever, o que causa bloqueio, é passar a linguagem interior
para a escrita no papel. Às vezes, está claro “na cabeça” e quando passo para o papel o outro lê e
não entende. Essa transferência do pensamento para o papel, eu não sei fazer. (PC10)
_ Por isso que seria importante alguém para nos ensinar a escrever. (PC12)
_ A dificuldade desanima, a gente rasga, joga fora o papel e desiste. É preciso alguém que sabe.
Sozinho não dá. Às vezes bem que tento mas sempre acabo partindo para outra. (PC10)
_Vejo aqueles pesquisadores que entram na sala da gente e só escrevem. Entra quieto e sai mudo.
Nem cumprimenta. Isso me deixa com raiva. Eles só escrevem, só escrevem. (PC9)
_ Eu fico é com inveja. (PC6)
Com essa fala, alguns professores narraram suas experiências com pesquisadores nas escolas
enfatizando a desenvoltura deles com a escrita e suas dificuldades em ter acesso ao trabalho
desenvolvido pelo pesquisador (retorno à escola).
(DC-R24)
As dificuldades de produção do texto científico e a realização de pesquisas são
confrontadas com a possibilidade de afastamento da docência no sistema municipal:
PQ – O que se espera que os professores escrevam?
E6 - Olha, o que a gente sente falta mesmo é do professor que está ali no dia-a-dia, na sala de aula,
que coloca mesmo “a cara pra bater”, que ele escrevesse a sua prática diária. As coisas que deram
certo, as que não deram. Eu acho que isso é legal. Agora, eu acho que o grande medo do professor estou falando da minha área - é nessa questão de você saber escrever, você ter que colocar tudo na
pontuação, escrever um texto que se vá publicar... Acho que esse é o grande medo porque, na
verdade, isso não é trabalhado na faculdade. Várias coisas não são trabalhadas na faculdade e se
você tem já alguma limitação do ensino fundamental ou médio, ela vai aparecer no seu dia-a-dia, no
seu cotidiano de trabalho. Acho que a grande resistência é essa, de colocar em prática mesmo a
escrita. Se mostrar, não ter vergonha de mostrar para o colega [...]. O texto científico ainda não é uma
cobrança da escola. Para fazer uma ocorrência ele é obrigado a sentar e fazer. Até porque o texto
científico envolve a pesquisa, a bibliografia, toda uma referência que tem que ter calma, tem que ter
paciência e tem que ter uma biblioteca ao seu dispor pra você trabalhar. Mas se você fala em produzir
isso na escola, nem pensar! Por outro lado, quem faz pesquisa e acaba saindo da rede, cai no
descrédito do professor que está ali no dia-a-dia, porque o cara faz a pesquisa e termina que o
professor fica meio que desconfiado: por que você não ficou? Por que não colocou em prática? Não
sei, meio que uma resistência daquele que está ali com a enxada na mão. Porque o cara está ali, o
cara fez tese, o cara tava na sala de aula e na hora de escrever, escreve uma coisa assim...
completamente diferente daquilo que ele viveu. Acho que os professores resistem um pouco a isso e
começam a desacreditar do cara porque o cara tá ali e na hora de começar a praticar aquilo que ele
pensa ele se vai.
A possibilidade de atuação em outros níveis de ensino e em outras instituições se mostra
um processo conflituoso nos registros da pesquisa. Os professores cobram um engajamento
daqueles que efetivam pesquisas na escola que acolheu a realização do trabalho, mas
enumeram vários indicadores que justificam a aceitação de outras oportunidades de
trabalho. Cabe ressaltar uma vinculação estabelecida entre a apropriação do texto
acadêmico científico e a inserção em outras possibilidades profissionais. Com a expansão
das instituições privadas de ensino superior, essa vinculação é fortalecida na observação
dos colegas que, em sua maioria, ao concluir o mestrado, passam a atuar também nessas
instituições.
Se por um lado, a significação maior para esse texto está relacionada à formação
acadêmica institucional, por outro, também são feitas algumas referências sobre a
122
possibilidade da pesquisa penetrar a realidade educacional. Em relação à pesquisa sobre o
trabalho pedagógico, Nóvoa (2002, p. 28) sublinha quatro aspectos: que a pesquisa é um
processo de escrita, de observação e de análise que se desenvolve em equipes de trabalho;
que a pesquisa exige tempo e condições; que a pesquisa sugere parcerias entre escolas e
universidade “[...] por razões teóricas e metodológicas, mas também por razões de prestígio
e credibilidade” e que a pesquisa “[...] implica formas de divulgação pública dos resultados”.
O autor destaca ainda que a desconsideração desses aspectos pode implicar uma retórica
inconseqüente do professor investigador ou do professor reflexivo. Não desconsiderando as
dificuldades para o estabelecimento de parcerias entre a universidade e as escolas,
Zeichner (1998, p. 211) aponta sinais positivos se delineando no cenário devido ao
desconforto dos pesquisadores acadêmicos em relação à posição de estudar o trabalho dos
outros e de revelar falhas de escolas e de professores. Esse aspecto também se associa a
responsividade dos professores às propostas de pesquisas. Observa-se a relutância das
equipes das escolas em aceitar um papel passivo. A construção de um relacionamento
social mais ético e democrático entre pesquisadores e professores tem se constituído na
busca de formas de deliberação conjunta. Os professores também fizeram referências à
pesquisa buscando condições de trabalho para iniciar essa prática:
Os professores comentam os projetos elaborados:
_Só são desenvolvidos alguns projetos que o sistema quer. Aqueles que a escola valoriza ela quer
repetir, repetir. Além disso, você não vê os resultados dos projetos que são feitos. Depois de
realizados, você trabalha para caramba, são pregados nas paredes, depois engavetados, nada é
publicado. (PH 23)
_ Acho que mais importante que tudo, é desenvolver projetos de pesquisa nas escolas. É necessário
fomentar dados de pesquisas para resultar em melhorias nas escolas. Para isso é necessária carga
horária de pesquisa para o professor. (PH24)
_ Concordo que a questão da publicação é um caso sério. Acredito saber que seu trabalho não é de
interesse aspas do mercado editorial, inibe a escrita do professor. (PH25)
(DC-R21)
As referências buscando condições de realização de pesquisa partem de professores que
fizeram o mestrado e vivenciaram práticas de escrita relacionadas aos gêneros acadêmicos
científicos. Esses professores constituíam referências para esses textos. Nos registros da
pesquisa, são eles que falam da possibilidade de implementar a experiência com esses
textos no cotidiano, envolvendo as dificuldades e as necessidades para mobilização de
articulação e de comunicação entre investigadores, formadores e professores. Associados à
idéia de pesquisa, os artigos científicos são integrados à vida dos professores de um modo
particular. Todos os professores declaram sua aproximação com esses artigos em estudos e
leituras, mas eles não constituem uma possibilidade textual para a maioria dos professores
(ANEXO I21 - item 19). Como um texto valorizado socialmente, está associado ao desejo de
seu domínio e relacionado com a idéia de dificuldade.
123
Em relação ao texto científico um professor relatou suas dificuldades afirmando:
_ O texto científico que, com seu rigor acadêmico, provoca um engessamento que desestimula e
acaba fazendo o sujeito escrever menos. Ter que dominar um modelo faz com que além de ter o que
dizer, precise se aprender um jeito de dizer, e esse jeito é muito difícil. Inibe a gente. (PM?)
(DC-R27)
Nos comentários sobre os textos acadêmicos científicos, observa-se uma distinção entre os
textos pedagógicos vinculados às áreas de conhecimento e os textos pedagógicos
vinculados aos temas gerais da educação.
PC16 tratou das dificuldades com textos e livros da “área pedagógica” em que “os livros têm texto
longos e sem praticidade que acaba encarecendo o material porque os livros ficam grossos, além de
que desanimam a leitura”. Nesse contexto muitos professores narraram suas dificuldades com a
leitura de textos pedagógicos explicitando que “a linguagem pedagógica é muito circular, não vai
direto ao ponto”, que “o professor gosta mais de textos da sua área com sugestões de trabalho com o
aluno”, que “a linguagem pedagógica só trata de temas gerais da educação e não ajuda o professor a
resolver seus problemas do dia-a-dia”, etc.
(DC-R25)
Poucos professores participantes da pesquisa possuem trabalhos publicados (ANEXO I32).
Os trabalhos publicados quando em livros (7%) e em revistas (6%), na modalidade de textos
científicos, em sua maioria são de autoria de professores que fizeram o mestrado,
publicados por ocasião do curso ou de sua conclusão. Esse fato fortalece a idéia de que
esse gênero está vinculado à formação escolarizada nesse nível de ensino e, por sua vez,
sua apropriação passa, necessariamente, pelo ingresso nessa formação. A apropriação da
linguagem escrita como um processo contínuo indica a possibilidade – e a pesquisa revela o
desejo dos professores – do estabelecimento de parcerias. Nesse sentido, as parcerias
propostas encontram significação que se originam nas interfaces entre o desenvolvimento
na escrita e as conseqüências/benefícios desse desenvolvimento. Numa sociedade em que
as estratégias do mais forte encontram-se ainda sustentadas no discurso do nível de
escolaridade (certificação) como legitimidade para seu discurso, o desejo e a luta dos
professores revelam a busca por se apropriarem das leis que regem a dinâmica social.
Tomando a escrita como um bem simbólico e político, a busca pela apropriação desses
saberes revela a transgressão, anuncia que os professores, mesmo sentindo-se
subjugados, encontram-se inseridos de modo ativo, nos jogos que introduzem as fundações
de um poder/saber.
A ênfase na apropriação da escrita como elemento de luta indica o sentido de comunidade
que demonstra que toda motivação de uma ação, toda tomada de consciência de si é uma
maneira de se colocar frente às normas sociais em que nessa tomada de consciência o
sujeito se vê através dos olhos de um outro homem, de um representante de seu grupo
social ou de sua classe (TODOROV, 1981, p. 50-51). Observando as transformações no
124
cenário escriturístico em que a certificação se mostra cada vez mais intensamente como
medida avaliativa, a escrita parece constituir uma tática, que no tateio social, possibilitaria
aos professores outros lugares, outras possibilidades de diálogo. Por isso, não é qualquer
escrita que os professores valorizam. O discurso da necessidade do professor escrever é
muitas vezes referenciado como mais uma obrigação, mais uma burocracia a ser cumprida.
As práticas de escrita que, para os professores, não oportunizam uma mudança de lugar,
são referenciadas como obrigações que permitem a abdicação dos direitos de autoria, sem
maiores prejuízos que não sejam algumas represálias. Na incompletude presente na
constituição contínua de nossa identidade (no caso do foco desse trabalho, da identidade
docente face à escrita), a apropriação de novos gêneros discursivos está vinculada às
“coerções do pré-dado”, ou seja, às exigências sociais postas à categoria. Vale lembrar que
essas exigências sociais não são efetivamente as demandas do cotidiano escolar, conforme
especificado nos repertórios de gêneros da atividade, mas exigências que, ultrapassando a
escola, se materializam na realidade social e chegam no dia-a-dia do professor.
E9 – Eu precisaria de tempo para escrever. Por exemplo: o memorial, eu nem comecei a fazer, mas
eu vi que teria dificuldade. Em relação ao trabalho aqui [na escola], vamos dizer... (pausa) acho que
está de bom tamanho. Agora, para o meu crescimento, acho que teria dificuldades.
O desejo manifesto por essa apropriação e conquista indica a atuação em face de uma
“memória de futuro”, ou seja, os professores estabelecem na perspectiva do futuro a razão
de ser de sua ação atual. Olham para frente, imaginam um futuro melhor a partir da
apropriação de um gênero discursivo valorizado socialmente hoje (BAKHTIN, 1992, p. 139 141). O letramento se dá em diferentes gêneros discursivos de acordo com as esferas da
atividade humana. Numa síntese preliminar, o letramento dos sujeitos da pesquisa se
constitui numa aproximação com os gêneros acadêmico-científicos sem, contudo, garantir
sua apropriação como um direito pleno, como um instrumento a serviço de seus interesses.
Destacando que a escrita requer processos de aprendizagens e estes não se efetivam
desvinculados das lógicas de poder que perpassam os contextos sociais, passo a explorar
os aspectos relativos às oportunidades de aprendizagem dos professores pesquisados na
dinâmica do trabalho escolar. Focalizo, então, as ações intencionais de desenvolvimento de
atividades com a escrita no contexto escolar observando o planejamento e a proposição de
ações nas diferentes áreas de conhecimento pesquisadas.
125
3.2.3 O planejamento de atividades de escrita centradas nos alunos
Como uma demanda de grandes transformações recentes, a reflexão sobre as práticas de
escrita do professor ainda não permeou consistentemente as ações educacionais. Os
registros a seguir demonstram a centralidade do aluno no contexto do planejamento das
atividades de escrita.
E6- [...] Eu vejo nas reuniões que o foco é sempre o aluno e o professor acaba esquecendo dele.
Esse crescer até para entender o aluno. À medida que você cresce você direciona o seu olhar. Então,
acho que o professor se preocupa muito mais com o aluno, com a resposta do aluno do que com ele
mesmo.
_________________________________________________________________________________
E8 – [...] Eu penso que a escrita do aluno tem refletido muito essa postura da escola de achar que
professor não precisa escrever e eu não estou falando só do ato de produzir textos não, no ato de
reproduzir textos também, ou seja, eu não preciso transformar isso em produto meu, eu não preciso
reformular nada. Eu acho que a postura dos professores é por aí. Tem livro, lê o livro, responde as
questões do livro, o quadro está sempre branco. É muito isso agora [...].
Nas múltiplas vozes que habitam as possibilidades de apropriação da escrita no contexto
escolar, o foco na escrita do aluno (ANEXO I33) demonstra uma visão centrada na idéia do
aluno como aprendiz, desconsiderando a possibilidade de uma escola aprendente
(ALARCÃO, 2003) em que todos (alunos, professores e funcionários) possam ampliar suas
possibilidades de aprendizagem. O foco na escrita do aluno aparece de diferentes modos:
como objetivo primordial da escola e da profissão docente (Q58), como pré-requisito
avaliativo do trabalho do professor (Q138), como uma preocupação que ocupa todo o tempo
do professor (Q154 e 250) e principalmente relacionado à disciplina de Língua Portuguesa
(Q101 e 176). O foco na escrita do aluno também é relacionado à expectativa da
competência docente. Desconsiderando a aprendizagem como um processo contínuo
vinculado às transformações sociais, ocorre a idéia de que o professor, como um sujeito
adulto formado e escolarizado, encontra-se com todas as suas competências desenvolvidas:
Acredita-se que o professor seja capaz de escrever corretamente. (Q113)
O professor encontra-se num patamar onde já se espera dele uma competência estabelecida. Talvez
por isso poucas atividades sejam planejadas visando o seu aprimoramento. (Q220)
Sendo assim, os registros da pesquisa retratam a diversidade de aspectos que constituem a
permanência do foco da escrita do aluno na escola. Soligo e Prado (2005, p. 43), tratando
da falsa crença de que é possível formar leitores e escritores sem ter os benefícios trazidos
por essas práticas, indagam: “Como poderemos convencer os outros a se arriscarem nessa
aventura de superação se não enfrentamos pessoalmente o risco?” É possível associar
essa permanência de investimentos centrados nos alunos à preocupação crescente com os
problemas no domínio da escrita que estes vêm apresentando no cenário local.
126
E6 – Olha, a realidade está muito difícil. Pra você entender História e Geografia você tem que
entender certos conceitos e quando o menino não entende, o indivíduo não abstrai. É muita
dificuldade. O professor se sente obrigado a entrar no PROFA, que é para o professor alfabetizador.
Porque o menino não consegue entender, se ele não entende Português, se ele não sabe ler e
interpretar, ele não vai conseguir caminhar em História. E o professor de História, como trabalha
muito com a leitura e com a produção escrita do menino, ele sente muita dificuldade. A gente vê
colegas que pensam que Português não é a língua que ele fala e, portanto, isso é caso do professor
de Português. Na verdade, é uma preocupação de todos. É necessário que o menino leia, entenda,
interprete para poder seguir adiante. Tem muitos colegas que afirmam que não avançam com o
conteúdo porque os alunos têm dificuldades. O menino vem para quinta série cru e você vai trabalhar
conceitos de sociedade, cidadania e aí? O menino não consegue entender e o professor não avança.
Os professores que são mais sensíveis estão tentando fazer alguma coisa.
[...] se o menino não sabe ler, como ele vai ler um enunciado de Matemática? Como ele lê um
problema? Como ele vai interpretar alguma coisa de Ciências? Tudo depende da interpretação e se o
menino tem dificuldade, ele não avança. E é uma questão séria que alguém está tapando os olhos,
mas é uma questão muito séria. Termina sobrecarregando o pessoal de Português porque acham
que a obrigação de resolver esse problema é deles. Na verdade, é um buraco, é um abismo, de
aprendizagem mesmo ou algum etapa que ele pulou que ficou aquela brecha que tem que ser
diminuída.
Esses problemas acabam por centrar os esforços dos professores na escrita do aluno e se
tornam base para as referências. Nas discussões de leituras e estudos e nas conversas
informais, as dificuldades de escrita dos alunos foram várias vezes mencionadas no
decorrer da pesquisa. A maioria dos trabalhos desenvolvidos pelos professores e relatados
na pesquisa reforça a idéia de que o trabalho surgiu, ou teve alterações, a partir da
dificuldade de escrita dos alunos (ANEXO F1). Essas dificuldades dos alunos também
mobilizam propostas de trabalho que podem integrar algumas áreas do conhecimento
(ANEXO F2) ou envolver o investimento em uma proposta da escola mobilizando o conjunto
dos professores (ANEXO F3).
Ao serem solicitados a citar uma atividade que realizam em sala de aula com o objetivo de
desenvolver a escrita dos alunos (Q- questão 13c), apenas oito professores (2,45 %)
afirmam que não desenvolvem atividades com esse objetivo. Nos vários relatos de
trabalhos, todas as áreas reforçam a idéia de que não são preparados para o ensino de
leitura e escrita. Em Língua Portuguesa, a especificidade do não-preparo se refere
diretamente à alfabetização. Ainda, os professores das disciplinas de História, Geografia e
Ciências, que gravitam em torno do texto, apontam incisivamente a necessidade de
atividades relacionadas ao ensino da leitura e da escrita. Nessa intencionalidade, os
professores legitimam algumas práticas e silenciam outras. Nas atividades citadas, essas
disciplinas legitimam práticas de leitura e escrita que fortalecem as possibilidades de
perguntar e responder, de ler e interpretar. Essa postura indica uma preocupação com o
desenvolvimento da própria disciplina.
127
Soares (2004a), fazendo referência a uma nova modalidade de fracasso escolar – o precário
nível de domínio da língua escrita em ciclos ou séries em que esse domínio já deveria ter
sido alcançado –, nos alerta sobre a perda da especificidade do processo de alfabetização
no contexto do desenvolvimento das concepções de letramento propondo a distinção entre
alfabetização e letramento, preservando a peculiaridade de cada um desses processos, sem
desconsiderar sua indissociabilidade e interdependência. A problemática da dificuldade dos
alunos com a leitura e a escrita foi um tema recorrente nos encontros de FC. Geralmente os
professores de Língua Portuguesa reclamam da falta de contribuição dos colegas no
enfrentamento dessas dificuldades. As outras áreas, por sua vez, descrevem sua atuação,
mas destacam a falta de preparo. Em muitos casos, essa atuação é focalizada como um
aspecto que prejudica o andamento do conteúdo da disciplina.
Destacando a responsabilidade de todos os professores pelo desenvolvimento das
habilidades de leitura e escrita, Soares (2004a) enfatiza a peculiaridade da leitura e da
escrita em cada área de conhecimento. Como as especificidades e contribuições de cada
área não estão acordadas no interior de cada área, nem entre as áreas, essa discussão
acaba sempre no término do tempo. Tomando como referência o tempo disciplinado da
escola, os registros do DC indicam as discussões sobre o tempo necessário para
desenvolver a escrita. Em relação à distribuição da carga horária semanal das disciplinas,
muitas são as divergências a respeito dos quatro ou cinco tempos de aula de Língua
Portuguesa e Matemática, dos dois ou três tempos de aula de Geografia, História, Ciências,
Artes, Educação Física e Inglês e dos tempos de planejamento e de FC. Nesse jogo com a
falta de tempo, seja para as atividades das disciplinas escolares, seja para as atividades de
planejamento e de FC, fica a indagação de quanto tempo se precisaria para orquestrar as
demandas burocráticas da escola, as necessidades e desejos de aprendizagem dos alunos
e professores, as expectativas frente à escrita... O tempo marcado dos sinais e do
calendário escolar parece não dar conta das demandas de escrita que se apresentam.
Soares (2004b) insiste no compromisso de todas as áreas com a leitura e a escrita. No
entanto, considera as dificuldades dessa questão porque os professores de outras áreas
que não o Português não têm recebido formação na área da leitura e produção de texto.
Argumentando em favor dessa formação para todos os professores, Soares adverte sobre
as demandas de gêneros nas áreas de conhecimento sublinhando que cada área de
conteúdo exige a leitura e a escrita de um tipo específico de texto – mapas, gráficos,
crônicas, problemas, experiências, resumos, respostas, etc. - cabendo ao professor de cada
área ensiná-lo ao aluno. Essa problemática da falta de preparo para o trabalho com os
alunos está muitas vezes referenciada nos dados da pesquisa. Não é foco desse trabalho a
128
abordagem específica das metodologias de ensino da leitura e da escrita empregada pelos
professores, mas é importante assinalar a centralidade dos alunos nas referências sobre o
desempenho na leitura e na escrita. A centralidade no aluno não pode desconsiderar a
relação do professor com a escrita e a possibilidade de que, no desenvolvimento do
caminho dos alunos com a escrita, ele possa construir seu próprio caminho elaborando seu
pertencimento ao universo pedagógico sustentado na escrita para além da condição de
expectador. Reconhecendo o papel mobilizador do trabalho, os professores destacam a
relação entre a desenvoltura pessoal e o desenvolvimento profissional, observando também
a dimensão do aluno:
Normalmente nos preocupamos em demasiado com o aluno e esquecemos de nós mesmos, o que é
um erro. Cuidando de nós, desenvolvendo a nossa habilidade de leitura e escrita, poderemos
desenvolver melhor nossas atividades com o aluno. (Q20)
Sinto dificuldades de trabalhar com os alunos, algo que não domino: o gosto pela escrita. (Q294)
Posta a dimensão do trabalho com os alunos em destaque principal, outros aspectos são
mencionados na influência do domínio da escrita pelo professor (ANEXO I34). Nesse
sentido, o desenvolvimento na escrita, depois do foco do aluno, colabora no
desenvolvimento do professor em relação à auto-estima (item 4) e ao desenvolvimento do
seu conhecimento (item 3). A escrita permite ao sujeito descobrir, no seu texto, sua
identidade e sua produção. A terceira dimensão destacada envolve o trabalho, seu registro
(item 5), seu reconhecimento (item 7) e a avaliação (item 2). A escrita permite sistematizar o
trabalho ao mesmo tempo em que é desenvolvido. A quarta dimensão implica o diálogo com
a comunidade (item 8) e, por fim, a relação com a Secretaria de Educação (item 9). Esses
aspectos indicam a impossibilidade da dicotomia vida da escola e vida fora da escola. Os
espaços relacionados à escrita se constituem como espaços de múltiplas determinações
nos quais os sujeitos vão se constituindo na interação com os outros.
A relação com a Secretaria de Educação é o único item que apresenta alguns comentários
por parte dos professores e eles retomam as dificuldades de pertencimento ao sistema:
Me é indiferente. Não faço nada para a Secretaria, faço para mim. (Q77)
Só há destaque para a Secretaria quando apresentamos os nossos projetos. (Q114)
A Secretaria de Educação não está preocupada com a escrita do professor, mas com que ele seja
capaz de manter o aluno em sala de aula. (Q174)
Como uma demanda com diferenciadas implicações, o desenvolvimento na escrita é
associado (ANEXO I35) ao desejo pessoal (item 1) seguido da continuidade dos estudos
(item 5). Essas dimensões ratificam a concepção de desenvolvimento na escrita associado a
uma responsabilização do sujeito e a processos de escolarização. As solicitações escolares
129
do trabalho docente (item 4) aparecem em último lugar demonstrando que, em muitos
casos, o desenvolvimento na escrita não é referenciado a partir dessas solicitações. A
organização do espaço escolar (item 6) aparece também como importante para o
desenvolvimento da escrita do professor retomando as dificuldades encontradas no
cotidiano da escola para encontrar um espaço com as condições adequadas ao processo de
escrita. É importante integrar nas demandas de escrita os aspectos que circundam o ato da
escrita relacionados às condições do espaço, do tempo e das condições do sujeito para se
dedicar a uma atividade que demanda exclusividade para sua execução.
Desse modo, as atividades típicas das demandas escolares, a elaboração de projetos e a
centralidade das ações focadas nas dificuldades em leitura e escrita dos alunos se
materializam no repertório de gêneros textuais da atividade docente. Esses textos e ações
dialogam com as condições materiais do exercício da docência e com os projetos e desejos
dos professores invadindo o espaço da FC e da vida pessoal promovendo diferentes
interfaces.
3.3 A escrita na vida pessoal
As práticas de escrita enumeradas pelos professores para a pesquisa não retratam, com
certeza, toda a riqueza que envolve o letramento e o uso integrado da língua escrita com
outros elementos semióticos. Ao priorizarem determinados textos que caracterizam o uso da
escrita na vida pessoal, os professores não contemplaram, por exemplo, a escrita envolvida
nas atividades culinárias e religiosas. Isso demonstra que as atividades envolvidas no
letramento indicam vinculações a instituições sociais e relações de poder que influenciam os
processos seletivos de modo que algumas práticas de escrita se mostram mais visíveis que
outras (BARTON, 1994). Os dados coletados são organizados observando as práticas de
escrita para a gestão da vida, as práticas de escrita decorrentes da elaboração de conflitos
pessoais e as práticas de escrita com fim de interlocução.
As práticas de escrita para gestão da vida apresentam um repertório constituído de
anotações diversas, bilhetes, listas de compras e de pagamentos, etc. que são escritas
conforme as demandas de organização da vida pessoal. Em sua maioria, consistem em
anotações para lembrar de algo a ser executado. Pode ser uma escrita endereçada a si
mesmo ou presumir um leitor, dependendo da responsabilidade pelo cumprimento do
ordenamento indicado no registro.
130
PQ – O que você faz de escrita na sua vida pessoal?
E9 – Uso bilhetes para empregada e marido e tenho uma agenda onde anoto coisas a pagar, coisas
do dia a dia da casa.
As práticas de escrita relativas à elaboração de conflitos pessoais constituem um repertório
composto de diários, depoimentos, cartas e poesias. São escritas relacionadas a uma
demanda pessoal e circunstancial e, em sua maioria, não tem intenção de circulação ou
troca. De maneira geral, essas práticas de escrita tratam de conflitos pessoais vinculados às
relações afetivas e familiares, mas também podem envolver os conflitos profissionais. Em
muitos casos, essa escrita demanda um cuidado para impedir o acesso alheio ao material
caracterizador da intimidade do sujeito:
E8 – [...] quando eu fui trabalhar em Guarapari (ES), que eu acabei não estudando durante seis anos,
terríveis da minha vida, eu escrevia muito lá, como uma forma de manifestação mesmo. Eu estava
sozinho, era a primeira vez que eu morava sozinho e eu escrevi umas coisas que eu escondi durante
muitos anos, escritas mesmas, como, todas as aspas, literárias, com um prazer muito grande de
escrever, naquele momento. [...] Eu estava trabalhando como engenheiro, numa cidade que não era
a minha, numa casa que não era a da minha família e foi uma situação complicada. Eu acho que eu
usei a escrita como salvação, para que eu pudesse sobreviver [...].
As práticas de escrita com fins específicos de estabelecer interlocuções têm um repertório
de poesias, registros do trabalho, artigos, projetos, etc. produzidos com fins de publicação (o
que, na maioria dos casos, não se efetiva), de participação em congressos e seminários e
de inscrição em processos seletivos de pós-graduação. Em sua maioria, essas práticas
possuem uma vinculação direta com o contexto do trabalho e dos projetos de continuidade
da formação.
No conjunto, os textos produzidos pelos professores integram as dimensões da vida pessoal
e profissional implicando também no seu processo formativo. Como esse repertório envolve
diferentes dimensões da vida do professor em interfaces variadas, ele será retomado no
capítulo 4 quando será desenvolvida a questão da escrita na FC. Como uma primeira
síntese, as práticas privadas de escrita se voltam, em sua maioria, para práticas de gestão
da vida e nos momentos críticos, como processo de elaboração através de cartas e poesias,
principalmente. Uma vez que esse material foi referenciado na discussão do preenchimento
do questionário, no encontro seguinte ao preenchimento alguns professores recuperaram
seu material envelhecido pelo tempo. Mexer nesses papéis de circunstâncias (CORALINA,
1985), nessas relíquias dos professores, propiciou um momento em que aflorou, com maior
intensidade, a emoção diante de mensagem ao pai falecido, de carta ao filho distante, de
pedido de namoro, de despedida de amores, do medo ao desafio profissional... A escrita se
mostrava nesses papéis como uma busca de entendimento de um sentimento que
131
permaneceria apenas vago e sufocado (LISPECTOR, 1984). No conjunto desses textos, as
cartas, compartilhadas ou não, constituem a experiência de escrita mais significativa no
âmbito dos textos pessoais (ANEXO I10 – item 2, I22 – item 27 e I46 - item 2).
A escrita como uma prática privada ocorre geralmente em casa e as interrupções envolvem
as necessidades pessoais e as pessoas que compartilham o espaço doméstico, geralmente
filhos e companheiros (ANEXO I25 a I29). Os comentários das interrupções pessoais
também possibilitaram momentos de descontração no grupo na apresentação dos
subterfúgios utilizados para dar uma parada quando não se podia abandonar um projeto de
escrita. Nesse caso, comer, beber água, dar uma volta pela casa, resolver um problema
doméstico consiste em algumas das justificativas para descansar no meio do trabalho (E8).
Há concordância de que as atividades que envolvem a escrita são as últimas a serem feitas
numa listagem de obrigações, assim como se apresenta a necessidade de arrumar o
espaço antes de começar.
É enfatizado também que os outros afazeres e obrigações
acabam sendo rememorados nesse momento em que se precisa de tanta concentração. O
sono é referenciado como um grande impeditivo das atividades de escrita.
E9 – Deixo sempre para a última hora. Faço sempre primeiro as coisas que ficaram acumuladas, as
coisas de casa ou do trabalho, e deixo sempre para escrever por último. Quando estou escrevendo,
às vezes, me dá sono. Normalmente, já estou cansada das outras coisas que fiz.
Nos comentários relativos às interrupções de terceiros, observa-se também a questão de
gênero. Muitas professoras declaram que, além do trabalho, assumem obrigações com os
filhos e com o espaço doméstico e que desejam uma maior solidariedade de seus
companheiros. Outras, em fase de estudos de pós-graduação, contam episódios de “como
os maridos e filhos boicotam os estudos”. Em contrapartida, também evidenciam as táticas
que utilizam na conquista da solidariedade doméstica.
Com relação às interrupções, sejam aquelas causadas por escapes pessoais sejam aquelas
causadas por terceiros, os depoimentos consistiram num momento de grande descontração
(DC - R28). A despeito das diferenças pessoais todos se aproximam, de alguma forma, nas
perturbações ao ato da escrita. É possível observar que a maioria dos professores acredita
que as interrupções são prejudiciais ao desenvolvimento da escrita. No entanto, um grupo
avaliando as interrupções vivenciadas, ponderou, na inevitabilidade dos fatos, a
possibilidade de um processo saudável que serve como pausa, descanso e descontração,
impedindo que o processo da escrita se torne cansativo, tedioso e obrigatório, que consuma
o sujeito ou o afaste da família.
132
A necessidade de arrumar o espaço, além do atendimento a uma demanda pessoal,
relaciona-se diretamente com a organização do espaço doméstico, uma vez que a maioria
dos professores não tem um espaço específico para estudos (ANEXO I26). Utilizando outros
espaços da casa - a mesa da cozinha ou a mesa de jantar na copa ou sala -, esses espaços
precisam ser adaptados aos estudos, considerando seu objetivo original. Há relatos da
dificuldade com o espaço considerando a divisão do mesmo em relação a sua
funcionalidade assim como a divisão com outras pessoas da família. Com isso, são
enumeradas diversas formas de negociar os espaços com os filhos (que em sua maioria
estão em idade escolar garantindo sua prioridade), com o(a) companheiro(a) ou outros
familiares (E9). Observei que os professores que contam com um espaço específico e
pessoal comentam com evidente contentamento essa condição que é cobiçada pelos
outros:
E8 – Tenho [um espaço específico para escrever em casa], graças a Deus eu tenho, estão querendo
me tirar, mas eu o conservarei (risos). É um quarto que todo mundo diz que é o meu quarto na minha
casa, porque é um quarto que eu transformei num escritório, mas ele tem a televisão, ele tem o DVD,
ele tem vídeo, toca-discos, tudo em todas as paredes do quarto então, tem estantes que tem livro,
tem filmes e tudo mais e eu tenho dois espaços da estante que são vazios que tem de um lado uma
escrivaninha e de outro o computador. Com uma cadeira só. É meu. Ninguém faz nada nesse lugar.
Minha mulher vê televisão lá porque a TV de lá é boa, mas fora isso não.
Nos encontros de FC, algumas práticas de escrita do âmbito privado, tais como anotações
em agenda, acertos em listas de pagamentos, organização de extratos bancários e listas de
compras, foram ali efetuadas indicando as interfaces entre as práticas de escrita na vida do
professor. O DC-R44 de anotações de uma palestra que ocorreu num sábado, registra a
circulação de alguns encartes de supermercados no grupo e a produção, no decorrer da
palestra, de uma lista de compras por uma professora. Essa lista foi produzida aos poucos pareceu-me que foi produzida à medida que a professora ia se lembrando dos itens
necessários – e, aparentemente, sem prejuízo do acompanhamento das anotações da
palestra que a professora também efetuava. Desse modo, ela efetuava anotações
simultâneas em duas folhas de papel. Em ambas utilizava um protocolo de itens utilizando
marcadores (-).
Em relação ao uso da internet no espaço doméstico, ela funciona principalmente como uma
ferramenta de consulta (ANEXO I31 - item 7). A análise do material coletado na pesquisa
indica que alguns dos materiais utilizados para leitura na FC têm como fonte a internet. Com
relação à troca de mensagens eletrônicas, poucos professores a efetuam regularmente
(ANEXO I22 – item 28). Conforme registrei no DC-R32, alguns professores estavam se
familiarizando no momento da coleta com esse recurso. Mesmo com as dificuldades
evidenciadas, muitos professores possuem endereço eletrônico, mas este constitui apenas
133
uma forma de contato principalmente para receber comunicações, não sendo utilizado para
troca ou retornos. No decorrer da coleta, muitos professores destacaram suas dificuldades
com o uso do computador (ANEXO F4), evidenciando que o avanço dos recursos
tecnológicos na sociedade não significa que as oportunidades estejam igualmente
distribuídas (SOLIGO E PRADO, 2005, p. 34). Os professores narram cenas muito
divertidas no processo de socialização com a máquina, tais como ficar salvando a todo
momento em diferentes arquivos com medo de perder o trabalho, esquecer de salvar e
perder o trabalho, salvar como um arquivo nomeado pelo computador e não encontrá-lo
mais na máquina, imprimir todo acréscimo efetuado no texto. De maneira geral, afirmam a
necessidade
de
apropriação
desse
recurso,
demonstram
satisfação de
estarem
conseguindo superar os bloqueios no domínio desse campo e indicam a prioridade e a
desenvoltura no uso do computador pelos filhos.
Buscando conhecer os sentimentos que estimulam a escrita do professor, é possível
observar que o compromisso com a formação, a necessidade de documentar a prática
docente e a intenção de trocar experiências são os sentimentos que mais se destacam.
Esses aspectos integram o desenvolvimento da escrita tanto para os professores quanto
para os alunos. Demonstram também a centralidade do trabalho na vida do professor. O
receio de exposição e a sensação de incompetência foram os sentimentos destacados como
empecilhos para o desenvolvimento da escrita (ANEXO I36 e I37). Na problemática do
sentimento de incompetência, também é referenciada uma dimensão histórica:
E8 – [...] A gente é formado, desde a primeira infância, tendo a escrita como uma incompetência [...].
Toda a nossa geração foi formada sabendo que não é capaz de escrever. A escrita não é uma
possibilidade minha [...].
Nas respostas são enumeradas observações envolvendo três aspectos. Um primeiro
aspecto relativo a carências. É mencionada a falta de tempo, de condições e de estímulos
que, se superadas, favoreceria o desenvolvimento do professor. Um segundo aspecto
relacionado à competência textual. São mencionadas as dificuldades com a escrita
relacionadas à normalização da língua e à exposição do pensamento de forma coerente.
Por fim, são também mencionadas dificuldades particulares relacionadas ao empenho e
mobilização pessoal para o desenvolvimento da escrita. Nas entrevistas a necessidade de
mobilização pessoal é muito destacada indicando que os próprios professores é que devem
se preocupar com suas possibilidades de escrita (E3, E7 e E9). De maneira geral, a escrita
é associada à possibilidade de parar para pensar, geralmente de pensar sobre o trabalho
realizado. Essa perspectiva fortalece a idéia da necessidade de documentar a prática
docente e com isso, contribuir para a formação (E5).
134
A partir da explicitação da sensação de incompetência, busco conhecer as parcerias
desejadas pelos professores para o desenvolvimento de práticas de escrita (ANEXO I38).
Ter experiência com a escrita é o requisito mais valorizado para o estabelecimento de tal
parceria. Nesse sentido, é valorizada “a habilidade pessoal para falar com a escrita, para
escrever com propriedade sobre o que fala, com leveza, com clareza” (E7). O segundo
parceiro destacado foi um professor de Língua Portuguesa (E9). O destaque do professor de
Língua Portuguesa também é observado nas solicitações escolares (Q-questão 13A) em
que estes profissionais, seguidos dos pedagogos, são os mais demandados em atividades
de escrita. Ao problematizar essa questão nas entrevistas, pode se observar o tipo de
demanda e o lugar social do professor de português. Em relação à especificidade das
demandas, evidencia-se que são simples as solicitações escolares, geralmente de
correções de ofícios, de bilhetes e outros documentos (E9). Em relação ao papel social do
professor de Português, observa-se uma valorização especial, uma lógica de autoridade:
E8 – [...] Eu não tenho experiência de escrever junto com ninguém. Quando eu tenho essa
participação no texto do outro revisando ou quando se faz um trabalho de grupo em que cada um faz
um pedaço, normalmente o meu texto se impõe sobre os outros. Talvez devido a minha formação. As
pessoas acabam falando: “dita aí” ou então “faz aí” e eu faço e todo mundo concorda. Na relação
entre linguagem e poder, ela acaba me dando um status de poder. Não há de fato uma troca. Eu
demorei muito para entender isso. Entender que o fato de ser professor de português, mesmo fora do
contexto educacional, me dava o poder da palavra, das pessoas me escutar, de achar que aquilo era
sempre sensato porque vinha de um professor que trabalhava com a linguagem.
PQ – E você se sente obrigado a dizer coisas sensatas?
E8 – Não (risos). Eu não me sinto e isso é interessante. Eu falo muita bobagem e acho que as
pessoas me levam muito a sério. Me dá uma responsabilidade que eu não tenho muito consciência
dela. Não perco muito tempo pensando sobre isso não. Talvez esteja aprendendo a falar um pouco
menos, mas não fico pensando nisso [...]. O problema é que as pessoas me levam a sério, me acham
sensato, acho que eu posso ensinar a viver. De vez em quando eu tenho que lembrar as pessoas que
às vezes eu também erro, que não sei ensinar português, que tenho que estudar, que quero aprender
e não tenho condições de ensinar a viver ou fazer certo.
PQ – Essa lógica da autoridade pode ser relacionada à categoria de professores de português?
E8 – Eu acho. Acho que os professores de Português têm espaço dentro da escola. Eu não diria
autoridade não, mas tem um respeito. Talvez esse respeito também tenha um custo, é aquele que
sabe, é aquele que está todos os dias com os alunos, é aquele que mais vê os alunos, ele acaba
sendo uma certa autoridade, a palavra dele acaba tendo um certo valor. Seja sobre os alunos ou
sobre a organização escolar. Os outros ouvem mais porque ele está mais com os alunos, trabalha
com a linguagem.
E7 – [...] O professor de Português é professor vinte e quatro horas porque está ouvindo e falando o
tempo todo, está cuidando disso o tempo todo. Tem também o fato de algumas pessoas não
conseguirem conversar conosco depois de saber que a gente é professor de Português. Você está
conversando muito bem com a pessoa, quando você fala que é professor de Português, a forma de
falar já muda, a pessoa fica travada, com medo. Também a gente faz questão de parecer que sabe. É
aquilo com que a gente tem mais contato, então vai aparecer mesmo. A nossa linguagem revela, a
nossa forma de nos expressar... Acho que quando escolhemos ser professores de Português, já
tínhamos um pouco disso [...].
No entanto, essa lógica de valorização é relacionada mais com o trabalho de revisão
efetuado pelos professores na escola do que pela produção. Nesse sentido, o professor de
135
Português atua sobre o discurso produzido, mas não tem autonomia para definir o discurso
ou o que se vai dizer:
E8 - Eu vou te dizer uma coisa que não tinha pensado, não sei de onde ela vem porque ela apareceu
agora (risos), mas eu penso que a escrita continua sendo associada ao poder. Na medida em que ela
é associada ao poder, quem escreve, quem faz primeiro, é quem tem autoridade. O professor de
Português vai revisar, vai consertar... Vai ler e ser o revisor, mas ele não vai ser o escritor [...]. Quem
vai escrever é quem tem o poder, quem tem a autoridade para decidir aquilo e transformar aquilo em
registro, em escrita. Na medida em que está escrito está valendo.
_______________________________________________________________________________
E7 - Acho que ele só é chamado para a revisão [...]. Na escola nunca vi nenhum professor de
Português reclamar de fazer isso. Tem as pessoas que não gostam. Eu gosto muito. Só me queixava
de não ter um tempo específico para isso. Todos colocavam o material com um bilhetinho para eu dar
uma olhadinha, mas, às vezes, não era só isso [...].
Como síntese da possibilidade de parcerias com os professores de Português, a pesquisa
indica que as outras áreas do conhecimento apresentam a expectativa de que esses
professores possam ser parceiros privilegiados. Esses, por sua vez, não apresentam esse
mesmo sentido para a sua atuação. Outro aspecto destacado no estabelecimento de
parcerias, consiste na possibilidade de estabelecer parcerias entre professores da mesma
área de conhecimento. Essa afinidade favorece, principalmente, uma aproximação na
abordagem dos assuntos da área de conhecimento (E6). Ainda, é destacada a possibilidade
de parcerias entre professores de maneira geral. Nesse caso, a aproximação, tendo como
pressuposto a profissão, indica uma reciprocidade e intimidade necessárias para o
desvelamento das dificuldades com a escrita.
E8 – [...] Eu acredito nessa possibilidade de professor com professor devido ao travamento nosso que
é um travamento que de alguma forma provoca algum sofrimento, quer dizer, isso é uma coisa que eu
não sei, é muito complicado para eu assumir isso. Para eu assumir isso comigo e para eu assumir
isso publicamente. Vou mostrar uma deficiência minha para quem? Quem é essa pessoa que vai me
ver aprendendo, já que eu sou professor?
Ao serem indagados sobre qual profissional os professores consideram mais apto em
escrita na escola, a questão da área de conhecimento não ganha relevância para os
professores pesquisados (ANEXO I39). Nesse caso, ser professor já é um indicador de
competência na escrita. No entanto, a análise das respostas revela muito mais uma
expectativa do que a afirmativa dessa condição para todos os professores:
Todos deveriam estar aptos. (Q25)
Deveriam ser todos, mas geralmente é o pedagogo ou o professor de Português. (Q89)
Todos, afinal, todos eles passaram pela escola e são educadores. (Q165)
Todos os profissionais envolvidos na educação deveriam estar aptos a escrever, mas sabemos que
nem todos estão. (Q168)
Todos deveriam estar aptos, porém a realidade é outra. (Q185)
Todos, em tese, deveriam estar aptos a se expressar por escrito. (Q220)
Penso que deveria ser todos. (Q292)
136
Em se tratando das práticas de escrita, os professores declaram que a escrita consiste
numa atividade que ocorre principalmente de modo individual e que as mediações mais
significativas ocorrem com seus pares profissionais (ANEXO I30). Escrever com colegas de
trabalho e em grupo na FC consiste numa mesma estratégia, pois o grupo na FC é
constituído por colegas de trabalho da área. Com isso, a FC torna-se um espaço privilegiado
para o estabelecimento de sentidos para as atividades de escrita, uma vez que na interação
com os colegas e os estudos, os professores “conhecem universos discursivos diferentes e
nesse movimento, pensam, refletem, discutem, divergem, trocando conhecimentos,
ampliando informações sobre o mundo” (GOULART, 2000a, p. 151).
Para muitos professores, a FC consiste numa possibilidade de se apropriar dos mecanismos
da escrita tanto para trocar seus registros mais pessoais com amigos quanto para registrar
seu fazer, adquirir visibilidade, novas conquistas e implementar ações com os alunos.
Geraldi (2003, p. 45), explorando a concepção de memória de futuro proposta por Bakhtin,
afirma que no mundo ético, tempo dos acontecimentos, cada um tem a responsabilidade
pela ação concreta definida a partir do futuro porque “é do futuro que tiramos os valores com
que qualificamos a ação do presente e com que estamos sempre revisitando e
recompreendendo o passado”. A busca dos professores, em face das expectativas do grupo
de um futuro melhor para fazer frente às avaliações sociais que os desqualificam, em
confronto com a rotina dos repertórios da atividade docente revelados nos dados da
pesquisa, não indica uma “precariedade comunicativa”. Pareceu-me uma busca exasperada
de construção de diálogo entre dois mundos – o mundo do trabalho cotidiano e o mundo de
valorização da escrita dos gêneros acadêmico-científicos. Nesse sentido, a FC, organizada
em encontros quinzenais, constitui-se em um espaço em que as referências e ações sobre a
escrita são problematizadas. O foco da escrita na FC será explorado no capítulo a seguir.
137
4. A ESCRITA NA FORMAÇÃO CONTINUADA
Em continuidade da análise da escrita na vida dos professores, focalizo a escrita na FC. A
perspectiva de estudar as produções discursivas inseridas na totalidade da vida social e
política (BAKHTIN, 1997, p. 39), encaminha a observação da escrita na FC, considerando
as rotinas e as metodologias utilizadas, as interações e as referências explicitadas para a
escrita, as atividades de escrita propostas e os tipos de textos produzidos. Essa proposição
se ancora na idéia de que na relação eu/outro para a produção do discurso, além de saber
falar, é necessário observar a orquestração de vozes que indicam o poder falar. Nesse jogo
social, o discurso é produzido em diferentes instâncias que vão desde o comentário ao
colega do lado até uma proposição ao coletivo da reunião envolvendo o gestual, a oralidade
e a escrita em variadas práticas. Nesse contexto diverso e complexo da criação da cena de
participação dos interlocutores, o discurso se produz relacionado às escolhas das táticas e
estratégias na atuação.
A atenção com a lista de presenças, com o correr do tempo do relógio e com os
desconfortos vivenciados indicam as indisposições. Não raramente, a idéia de FC como
ação de mão dupla, em que uns e outros se constituem em seus papéis de interlocutores na
participação ativa, fica no campo das expectativas. Procuro captar também os entraves à
expressão e as diferentes perspectivas que se confrontam no diálogo e no silêncio da
responsividade que se estabelece. De maneira geral, é possível observar o reconhecimento
de lacunas no processo de formação até então desenvolvido, a valorização da FC e o
reconhecimento das aprendizagens de modo crítico. Os professores não aceitam tudo o que
é veiculado e, principalmente, confrontam as possibilidades efetivas de implementação dos
estudos e atividades na realidade em que trabalham, indicando a docência como base da
identidade (TARDIF e RAYMOND, 2000).
Em muitos momentos, os professores observam duas facetas das ações em foco: sua
importância e a (im)possibilidade de implementá-las em seu contexto de trabalho. Com isso,
sair da escola para ir à FC não indica um distanciamento, mas uma integração entre o
pessoal, o formativo e a profissão docente. Observo o apego ao saber produzido no trabalho
não como prática de resistência ao estudo, mas como um despontar para a possibilidade do
trabalho do professor constituir seu objeto de investigação e registro. Nesse sentido, o
138
confronto das ações de FC com o trabalho na escola, se implementado a partir da escrita,
se constituiria como uma possibilidade de propor um diálogo que poderia ser refeito após a
exposição e o confronto com o outro na FC. Destacando a centralidade do trabalho com os
alunos nas referências construídas pelos professores, passo a explorar a dinâmica de
implementação dos encontros de FC focalizando principalmente os aspectos relacionados à
escrita.
4.1 A rotina e as metodologias formativas nos encontros de FC
As diferentes ações vivenciadas nos encontros de FC envolvem conversas, apresentações,
leituras, produção de materiais e de textos, trabalhos em grupo, palestras, etc. As
observações permitem captar uma rotina nos encontros de FC. Uma rotina que não começa
com a pesquisa, está relacionada à história do grupo. Essa rotina começa um pouco antes
de se iniciar o trabalho propriamente dito. Nesse curto espaço de tempo de chegada dos
professores, ocorrem interações face a face de temáticas variadas. Funciona como um
tempo de encontros, de conversas e de troca de idéias facilitado pelo tempo de espera.
Constitui um momento de dispersão autorizada em que as práticas de escrita estão
vinculadas à liberdade da dinâmica. Essas práticas se caracterizam por anotações diversas
(troca de números de telefones, endereços, bibliografias, etc.), por execução de atividades
requeridas pelo trabalho na escola (correção de avaliações, preenchimentos de
instrumentos, etc.) ou pelo atendimento a demandas da FC que deveriam ter sido cumpridas
no intervalo de tempo entre um encontro e outro, “o dever de casa não feito” (PP12). No
momento do encontro, essa dispersão é bastante controlada. Em algumas áreas de
conhecimento, essas interações ocorrem em locais anexos ao local da FC. Em outras,
essas interações em conversas informais já se efetivam no espaço próprio da FC. Nesse
caso, geralmente fazem referências às ações que serão desenvolvidas, constituindo um
momento de sintonia com a proposta do dia. Ocorrem indagações sobre a possível
necessidade de materiais e recursos, a checagem da distribuição de responsabilidades e de
providências para a organização do espaço.
O início do encontro de FC é marcado pela ocorrência de três eventos principais: a
saudação do coordenador ao grupo (associada, em muitas áreas de conhecimento, à leitura
de uma mensagem), a discussão da pauta proposta e as definições quanto aos registros.
Em muitos encontros de FC, ocorre a referência ao relator do encontro anterior, a leitura do
registro efetuado e, por fim, a definição do relator do dia. Esse último evento do início dos
139
trabalhos é caracterizado por todos os professores entrevistados como um momento da
externação da recusa dos professores à escrita (esse aspecto será explorado
posteriormente). Essa parte inicial dos encontros de FC caracteriza-se pela realização de
eventos intencionais com o objetivo de situar os professores na dinâmica dos trabalhos e
delegar a tarefa do registro. Permite captar diferenciadas referências sobre a escrita, a partir
das enunciações voltadas para a definição do relator. Em seguida, os trabalhos são
desenvolvidos utilizando basicamente quatro metodologias distintas: a apresentação de
temática por um convidado (palestra), a realização de estudos coletivos (leitura/discussão),
a realização de oficinas e o desenvolvimento de estudos em trabalho em grupo para
apresentação. Essas metodologias, utilizadas em encontros diferentes ou podendo ser
associadas num mesmo encontro, promovem diferenciadas interações e práticas de escrita.
A apresentação de um convidado implica em um modelo de exposição seguida de
indagações e comentários. Nas áreas de conhecimento que fortalecem esse tipo de
metodologia formativa utilizando-a na maioria dos encontros, as interações discursivas
demonstram a constituição de uma “audiência passiva” (JOBIM e SOUZA e KRAMER,
1996a, p. 16). Os professores não fazem muitas indagações ou adotam condutas
dispersivas quando não são atendidos em suas expectativas. É inegável que ocorrem
processos interativos entre os professores, mas tais processos surgem espontaneamente e
não de forma deliberada pelo palestrante. Como convidado externo ao grupo, acaba por
realizar uma apresentação. Seu convite à indagação proposto à platéia é pouco atendido,
assim como a realização de atividades em grupos. Há uma expectativa de ouvir o
palestrante. O palestrante está com a palavra e com a condução dos trabalhos. A
legitimidade do palestrante fortalece a idéia da necessidade da escuta e dos registros de
suas idéias. Com isso, acontece uma dispersão de alguns e um movimento de bastidores,
que será explorado posteriormente. De maneira geral, os professores não se sentem
responsáveis por esse momento e não atuam diretamente nos caminhos do encontro. No
entanto, os professores não se furtam a avaliar o palestrante, principalmente nos momentos
internos do grupo.
Em momentos de avaliação dos palestrantes nos encontros de FC, apresenta-se o confronto
entre o discurso dos palestrantes e a experiência dos professores. Os professores declaram
o desconhecimento dos palestrantes da realidade vivenciada por eles e valorizam as
experiências cotidianas construídas entre pares. Esses aspectos afirmam uma maior
aprendizagem e troca nos momentos de relatos de experiência entre os professores. No
entanto, essa premissa de maior aprendizagem entre pares não é unanimidade. Num
momento de avaliação, em que todos parecem concordar com a importância dos relatos de
140
experiência e com a discussão entre pares sobre os conflitos escolares, PP30 destaca a
importância de não se desconsiderar uma “interlocução qualificada” nos estudos sobre o
trabalho pedagógico e na discussão da dinâmica escolar. Pondera que a integração entre o
conhecimento dos professores, que estão imersos no cotidiano da escola, com os
conhecimentos de professores da universidade pode contribuir para o avanço das análises
das questões tratadas na FC. Por fim, enfatiza que talvez tenham que avaliar as dificuldades
que estão enfrentando para efetivar um diálogo entre os dois campos de saberes. Esse
aspecto coloca em pauta a integração, o diálogo e o conhecimento das frentes educativas
da escola básica e da universidade. A construção do relacionamento entre a universidade e
a escola básica por si só já indica possibilidade de uma pesquisa específica, no entanto,
cabe registrar que a aproximação desses espaços educativos evidenciada nesta pesquisa
através do ingresso de professores nos cursos de pós-graduação, da realização de
pesquisas nas escolas (conforme explorado no capítulo anterior) e da participação na FC
principalmente através de palestras tem retratado os confrontos entre esses campos. O
diálogo próximo evidencia esses confrontos e também oportuniza a busca de novos
caminhos. A pesquisa indica que os professores se mostram mobilizados para essa dialogia,
buscando marcar seus posicionamentos e expectativas.
Um segundo procedimento muito utilizado em todas as áreas é a realização de estudos a
partir da leitura e discussão coletiva. Nesse momento, é possível perceber uma busca maior
do controle do movimento de bastidores e da dispersão. É um momento em que a maioria
dos professores investe no diálogo, provocando o estabelecimento de uma cadeia
responsiva ativa. Concordar, discordar, trazer exemplos da prática (relatos de experiências),
entre outros, constituem uma vivência coletiva baseada principalmente na oralidade que
parece ter a aceitação da maioria dos professores. Como pares que dividem a palavra,
nesse momento, as discordâncias são externadas e os professores se mostram
responsáveis pelos encaminhamentos e posturas em discussão.
A realização de oficinas se constitui num momento em que se põem em prática atividades
que podem ser feitas com os alunos. Propicia um momento de integração e de descontração
em que os professores assumem o papel de alunos e, na aceitação das propostas a serem
executadas (conforme solicitação prévia deles), não manifestam discordâncias. No entanto,
muitas atividades são executadas fazendo adaptações e outras, não são cumpridas
demonstrando as análises e a atuação dos professores frente às atividades propostas. As
dispersões e o movimento de bastidores podem ser integrados à dinâmica do trabalho, sem
prejuízo da metodologia utilizada. Nesse momento de confecção de materiais, mãos e bocas
trabalham incessantemente de modo descontraído (ANEXO F5). A conversa enfoca
141
diferenciadas temáticas, mas é possível constatar, com base nos dados da pesquisa, uma
centralidade do universo escolar. O universo escolar pode ser direcionado para a atividade
proposta através da análise das possibilidades de aplicação das atividades realizadas com
os alunos e de uma solidariedade entre pares na busca de adaptações para que a atividade
tenha uma melhor adequação aos propósitos dos professores ou para focalização de outros
aspectos que constituem a dinâmica da escola tais como problemas com determinados
alunos e turmas, dificuldades com a rotina do trabalho, narrativa de resolução de problemas
diversos, comentários sobre a realização de determinado projeto ou trabalho, etc. Como
pares que trocam a palavra, o universo do trabalho constitui a base para o jogo enunciativo
em diálogos breves, longos, interrompidos, retomados etc.
Por fim, o desenvolvimento de estudos em trabalhos em grupo para apresentação revela,
além dos aspectos típicos da metodologia, as táticas de organização dos grupos. As
observações indicam que os professores integram grupos a partir da organização espacial,
ou seja, os grupos se formam a partir dos professores que sentam próximos. Como há certa
regularidade na opção do lugar a ser ocupado, essa regularidade implica também uma
mesma constituição dos grupos e a permanência de papéis determinados (quem escreve,
quem apresenta, quem controla o tempo, etc.). Com isso, em algumas ocasiões, os
coordenadores buscam alternativas para romper essa constância na organização (distribuir
os grupos por sorteio, pelo recebimento de fichas coloridas, pela ordem de chegada, etc.).
Se por um lado, muitas vezes essas alternativas são burladas em nome de garantir um
grupo com afinidades, por outro, não ocorrem problemas derivados da organização dos
grupos. Os professores sempre se mostram acolhedores com os colegas.
De maneira geral, a metodologia para o desenvolvimento do trabalho em grupo é realizada
em três etapas: leitura e discussão em grupo, execução de uma atividade proposta e
apresentação do trabalho realizado pelo grupo. Os professores coordenadores esclarecem
dúvidas quanto à metodologia e solicitações e insistem na necessidade dos registros. Muitos
coordenadores socializam para todos os grupos alguns questionamentos que surgem. A
solicitação do registro é sempre feita de modo coletivo e com bastante ênfase, manifestando
uma forte expectativa com relação à escrita:
E7 – [...] nos encontros, de vez em quando, eu faço uma cobrança dos cadernos de anotações, dos
registros dos professores [...]. Em todas as nossas atividades a gente tenta trazer algo que ele possa
escrever, produzir, comparar [...]. São atividades as mais diversas: [...], tudo que é possível escrever
nesses encontros a gente provoca para que saia um texto escrito.
PQ – Quais as manifestações do grupo nesses momentos de escrita? O que você tem observado?
E7 – Que a gente precisa mais do que apenas provocar, tem que cobrar como se fosse uma
obrigação. A proposta não é essa, de uma escrita obrigatória, mas que ele escreva. E o professor não
escreve. Não é uma prática do professor escrever [...].
142
O trabalho em grupo é a metodologia formativa que mais demanda atividades escritas por
solicitação para atingir um fim estabelecido. Nas outras metodologias formativas, a escrita
está mais associada a anotações realizadas conforme as necessidades pessoais, enquanto
que no trabalho em grupo, além de haver uma combinação prévia, há a certificação da
necessidade do registro pelo coordenador. Em muitos momentos, o recolhimento dos
registros fortalece a execução dos mesmos. As diferenciadas metodologias implicam uma
apresentação da escrita de modo diverso. Passarei então a explorar, na FC com suas
metodologias, os aspectos mais próximos à especificidade da constituição da escrita.
4.2 As referências, as atividades e os textos produzidos
Em relação às referências sobre a escrita no contexto das ações realizadas na FC, é
possível observar três grupos de respostas no questionário. Conforme propósito do item 10
da questão 4, um grupo de respostas destaca as referências com relação à escrita (ANEXO
I40 - itens 1 e 2). Nessa abordagem, é possível captar o repertório de gêneros do discurso
que fornecem sentidos para a escrita na FC (ANEXO I41). Outro grupo de respostas,
partindo do pressuposto da falta da escrita, destaca outras atividades que mais fornecem
sentidos para a FC. São mencionadas as atividades ligadas à oralidade, ao
compartilhamento, à leitura, ao trabalho com os alunos e ao estímulo à pesquisa (ANEXO
I40 - itens 3 a 7). Por fim, o terceiro grupo de respostas aproveita o espaço para efetuar uma
avaliação enfatizando os aspectos positivos ou negativos da FC (ANEXO I40 - itens 8 e 9).
O pressuposto bakhtiniano da interação verbal como realidade fundamental da língua, indica
a necessidade de integrar essas referências ao conjunto dos dados coletados. Focalizando
a temática perquirida na pesquisa, essas referências serão exploradas considerando os
aspectos que privilegiam a oralidade, a leitura e a escrita.
4.2.1 A oralidade
As atividades relacionadas à oralidade podem ser agrupadas em dois conjuntos de
referências. No primeiro, observa-se a possibilidade do contato com novos assuntos e novas
idéias através da troca de experiências, do debate e da reflexão coletiva. No segundo
conjunto, destaca-se a possibilidade de estar com amigos, de conversar e de desabafar,
promovendo momentos de descontração no compartilhamento entre os professores.
143
No primeiro grupo de referências, a oralidade é relacionada com a apresentação e
discussão de aspectos ligados à atuação docente. Nos encontros de FC, os relatos
constituem momentos dinâmicos e mobilizadores da participação e sua realização, de
maneira geral, não demanda registros escritos e nem constitui um momento mobilizador de
anotações. Nesse sentido, a troca de experiência nos grupos não é referenciada na
perspectiva da necessidade do suporte escrito. Ainda, no caso de relatos de trabalhos
realizados, a narrativa centra-se nas etapas de realização do trabalho e, principalmente, na
aceitação e no desempenho dos alunos, não mencionando o registro do trabalho. Alguns
exemplos desses relatos, com grande freqüência em todas as áreas no contexto da FC,
estão registrados no DC-R11 e DC-R13:
Após a leitura do texto, nos comentários valorizando a importância da construção pelo aluno, o grupo
passou a narrar experiências de trabalhos que realizaram:
_ Eu dei uma sugestão a uma professora (das séries iniciais) na escola [...]. Outra professora viu e
também fez. Ficou encantada com os trabalhos dos alunos. (PA1)
_ A gente dando informações, eles produzem de maneira mais rica. (CA)
_ Fiz no folclore uma coisa diferente de saci e mula sem cabeça. Fiz a encenação do Bicho Papão
[...]. Agora a escola tem site para divulgar. Na outra turma trabalhei o Chupa Cabras. (PA16)
_ Tem a mulher de algodão no folclore capixaba (vários professores).
_ Agora o folclore é mais urbano, não tem mais floresta para sentir medo dos bichos da floresta. (CA)
_Eu trabalhei no ano passado com brinquedos infantis no folclore. Este ano vou trabalhar com “no
tempo da vovó” montando uma exposição de objetos antigos. (PA14)
_Eu já trabalhei com brincadeiras. Em relação à questão das árvores, da pintura, eu estou há um mês
indo ao parque para que os alunos observem as árvores e desenhem. Agora estou precisando de
reproduções artísticas que apresentem árvores de diferentes modos porque eu só tenho o Monet. Por
favor, tragam para mim o que vocês tiverem. (PA13)
[...]
_ Um dos trabalhos que eu fiz foi a criação de um personagem tema do folclore em que os alunos
criaram adivinhas. Estou selecionando as mais criativas para fazer o trabalho de ilustração. (PA17)
_ Trabalhamos a semana do folclore por região e montamos cartazes ocupando as paredes. Após o
recreio todo dia tinha uma apresentação. Houve o envolvimento de todos os professores. Ao final
houve uma exposição de peças folclóricas que os alunos trouxeram de casa. Fizemos até uma festa
aberta à comunidade. (PA18)
_ Fiz uma vez um trabalho com chás. (PA19)
_Nós fizemos três dias de comemoração do folclore: no primeiro dia com a parte literária, no segundo
dia com danças e músicas e no terceiro dia o café típico. (PA14)
_ Já que todos estão falando, vou falar também. Lá na X (nome da escola) fiz uma grande
apresentação que envolveu toda a escola. Fiz um musical a partir da música Aquarela do Brasil.
Quando fala assim “abra as cortinas do passado”, vários grupos iam se apresentando com uma
diversidade grande de coisas do folclore. (PA15)
(DC-R11)
_________________________________________________________________________________
A coordenadora retomou os trabalhos reforçando a importância do espaço do grupo para a troca de
experiências e a importância da seriedade nos combinados. Nesse contexto, foi indagada:
_ Por que isso? Os encontros são muitos proveitosos. (PH2)
_ Poderia ser melhor aproveitado se todos tivessem trazido o material conforme combinamos. (CH)
_ Então eu vou falar a minha experiência. (PH4/ foi interrompida).
(DC-R13)
As implicações de falar sobre a própria experiência e realização de atividades centradas na
oralidade livre são as divagações e a necessidade de que o coordenador atue muito
incisivamente no controle do tempo. O momento de relato nos encontros de FC não é
mobilizador de anotações. As sugestões de trabalho parecem ser do conhecimento de todos
144
ou facilmente memorizadas, uma vez que a interlocução é concretizada com afirmativas tais
como: “vou fazer isso com meus alunos”, “isso eu já fiz”, “fiz isso com a diferença de que...”,
“quando eu conseguir o material também quero fazer isso mudando...” Na rede dialógica,
em muitos casos, essas afirmativas não pretendem um diálogo com o apresentador.
Consiste numa constatação que pode constituir apenas uma referência pessoal, que pode
ser dirigida a um colega ao lado ou mesmo não ter um endereçamento particular dirigindose ao grupo como um todo. Como muitas delas acontecem simultaneamente, o foco sempre
se volta para o apresentador que continua sua narrativa. Essas afirmativas demonstram a
valorização e o encontro de afinidades que os relatos de experiência têm para os
professores.
E6 – Acho que é tão comum no professor o seu trabalho que ele não se preocupa em registrar. Já
está tão no dia-a-dia, já está dentro daquilo que ele faz no dia-a-dia, então, ele não se preocupa em
registrar, em fazer um destaque especial para quando for falar, mostrar isso aqui deu certo nesse
projeto. Então, é tão natural que não se registra, ela fala, simplesmente.
Na ação compartilhada, o universo discursivo estabelecido entre os pares indica que as
experiências narradas encontram identificações particulares que motivam a permanência do
diálogo. No entanto, em muitos momentos a escrita é referenciada. As referências, em sua
maioria, são associadas ao apresentador e a relatos de trabalhos que têm destaque. Parece
que, para apresentar mais formalmente, a escrita é solicitada assim como um “bom trabalho
merece ser registrado”. Nesse processo, a platéia indaga ao apresentador sobre o registro
escrito do trabalho. No início da coleta da pesquisa, essa cobrança ficava mais centrada no
professor coordenador. Com o tempo, outros professores passaram a indagar sobre o
registro dos trabalhos que estavam sendo apresentados ou o próprio apresentador passou a
se justificar pela falta do registro, conforme se observa no fragmento do DC-R8:
Os trabalhos da manhã foram iniciados com o informe sobre a pauta que era destinada a uma oficina
sobre jogos [...]. A CH passou a palavra para PH14 para que, ela mesma, explicasse o que iria fazer.
Inicialmente, ela apresentou um CD sobre folclore cujo título era “Palavra cantada – Canções do
Brasil” e fez alguns comentários sobre o material que, em seguida, circulou pelo grupo. Prosseguiu
informando que falaria um pouco sobre os jogos que elabora com seus alunos apresentando alguns
materiais e que após o intervalo o grupo elaboraria propostas de jogos que envolvessem o conteúdo
da disciplina. Nesse contexto afirmou:
_ É o seguinte, eu vou falar sobre jogos [...]. Eu não sei mais do que ninguém, apenas fui criando
diante das dificuldades de ensinar [..]. Eu criei teatro de fantoches, peças teatrais. Foi acontecendo
[...]. O meu erro é não guardar as coisas. É não escrever. É não fazer o projeto e isso acaba não
sendo registrado, entendeu? (PH14)
_ Você não registra nem por imagens? (PH1)
_ Não (risos). Sabe aquela coisa assim, acontece o planejamento do dia-a-dia, se dá certo, faz. Mas
eu não preparo, não faço a infra-estrutura anterior, não registro mesmo. [...] já tem uns cinco anos
que faço essas coisas e uma coisa que deu muito certo foram os jogos. As crianças fabricam os jogos
para que possam brincar com o conhecimento.
(DC-R8)
145
O sentimento de realização pelo reconhecimento do trabalho e a constatação da
necessidade do registro como uma forma de ampliar esse reconhecimento mobilizam a
discussão sobre o registro em face do mundo moderno. Muitos professores afirmam a
importância de que PH14 (do relato no DC-R8 apresentado anteriormente) passe a registrar
o seu trabalho. Nesse sentido, ela promete “fazer um esforço”. Esse esforço em registrar
está associado tanto ao reconhecimento como à possibilidade de continuidade dos estudos.
A relação entre o registro do trabalho docente e os estudos acadêmicos consta no DC-R17
e DCR-19:
Depois de mais alguns comentários sobre os trabalhos desenvolvidos na escola a CG pergunta se
alguém ainda gostaria de acrescentar alguma coisa antes do intervalo. A PG13 fala:
_ Quero reforçar a importância de registrar. Escrever é uma coisa chata, mas a pedagoga fez a gente,
os professores da escola, escrever. Escrever, fotografar e filmar o trabalho. A escola deu apoio [...].
Ela até publicou algumas coisas nossas numa revista e fomos convidados por uma faculdade [...],
para apresentar nosso trabalho. Levamos um susto quando chegamos lá [...]. Tivemos, além das
palmas, o reconhecimento. Eu só aprendi a fazer isso, a falar da prática com a teoria, escrevendo. Eu
só perdi o medo de escrever graças à pedagoga, abrir o coração e deixar a caneta falar e isso me
deu a possibilidade de entrar no mestrado. (PG13)
(DC-R17)
_________________________________________________________________________________
A CA retomou a organização e passou a palavra à professora (PA30) para sua apresentação do
trabalho “cantinho do grafite”:
_ Realizo um trabalho baseado na expressão dos alunos e agora na escola temos as carteiras limpas.
Esse trabalho me ajudou na minha monografia. (PA30)
Após essa introdução a professora mostra o seu trabalho monográfico, fala de seu processo de
construção e passa a tratar de sua prática docente “baseada na produção original dos alunos”
mostrando e fazendo circular diferentes trabalhos dos alunos [...]. O grupo foi indagando sobre a
metodologia, o processo de elaboração e os materiais utilizados nos trabalhos. Ao final de sua
apresentação, desenvolve-se um diálogo sobre os registros do trabalho:
_ Você registra essas coisas? (CA)
_ Não tenho estrutura física! (PA30)
_ Esse é nosso problema. (PA2)
_ Você no dia-a-dia está criando sua teoria. (PA6)
_ Mas é importante registrar para ir sistematizando. (CA)
_ É! (risos, dúvida). (PA30)
_ O que eu faço, aprendi no dia-a-dia, não foi com teórico. (PA6)
_ Mas temos que reconhecer que precisamos de teoria, de leitura. (CA)
_ A troca de experiência é mais rica que palestra para formação. Temos que estar trocando. (PA6).
_ Nós não sabemos o quanto somos fortes juntos. Se trocarmos experiências, não teremos tantos
problemas em sala de aula. Descobri o quanto é bom dividir. (PA30)
_E o quanto a gente pode dividir com mais gente escrevendo! (CA)
_ Tá bom, vou escrever! (PA30)
_ O mal do professor é não escrever. (PA2)
_ Ah, a gente não tem esse hábito (PA 21).
_ Nem dá tempo! (PA 19)
_ Se você registrar, sai com a monografia pronta e vai fazer mestrado! (PA30)
Essa fala que provocou risos concordantes na platéia com expressões tais como “isso mesmo”,
“também vou escrever para ir para o mestrado”, “minha monografia está lá para ser escrita e preciso
pensar em alguma coisa. É uma boa pegar uma coisa que a gente faz”, “nem fala em escrever que
me arrepia” etc. Em meio a essas falas, a coordenadora propôs o intervalo para que no retorno
dessem prosseguimento a pauta do dia.
(DC-R19)
Para estimular o registro escrito a partir da desenvoltura e da aceitação dos relatos de
experiências, algumas tentativas são discutidas e/ou implementadas nos encontros de FC.
146
O estabelecimento da necessidade do registro escrito para a apresentação de relatos tem
como implicações a desistência de muitos professores em apresentar seu trabalho, a
substituição do registro pela apresentação de trabalhos dos alunos que “dão conta de
mostrar todas as etapas de desenvolvimento do trabalho”, a elaboração de um roteiro (com
um texto em tópicos) com as etapas do trabalho e a insistência na manutenção da
apresentação sem o registro. Nesse caso, os professores efetuam a apresentação com o
compromisso de entregar o registro posteriormente, o que nem sempre acontece.
E3C – Geralmente a nossa elaboração é muito mais oral. A nossa apresentação é muito mais oral e
os professores têm procurado tirar cópias daquilo que tem sido trabalhado para entregar aos colegas.
Essa cópia, geralmente, é uma explicação de como a atividade tem sido realizada.
E3A – [...] Na hora das apresentações, o quê o povo fala, fala... Cadê o papel? [...] Então, não sai
(pausa) [...]. É esquema, mas escrito não. Há uma resistência. Até por conta da nossa formação.
Então, vai precisar muita formação continuada para que se perceba a necessidade de escrever.
E3B – [...] sobre o que os professores estão fazendo dentro de sala de aula. Então, o que eles
trouxeram foi mais um material do que os alunos desenvolviam. Então, nós não trabalhamos a
escrita. Só houve um relato do que houve. A gente está fazendo mais assim [...].
E3A – Eu acho que a resistência vem pela dificuldade [...]. Solicitam para deixar para escrever depois
e tentam delegar a tarefa para alguém levar para casa. Só que pessoa escolhida não aceita levar!
Ora! Se você se sente bem fazendo, se você não tem dificuldade, você vai lá e faz [...]. Os esquemas
eles fazem numa boa, mas os textos mais elaborados eles não fazem.
_______________________________________________________________________________
E4B – Eu tenho clareza de que isso [escrever] é um problema mesmo e não conseguimos, mas
estamos nos mobilizando. Os relatos de experiência que fizeram envolviam a escrita.
E4A – Era condição para poder participar e apresentar.
E4B – Mas foram condições criadas por nós. Quando chegavam para a gente e afirmava “eu quero
apresentar”, indagávamos “mas o quê você vai apresentar? Como você vai apresentar? Que
organização você vai dar?” Isso foi trabalhado com eles.
E4A – Tanto que alguns até desistiram.
No DC observa-se que algumas áreas de conhecimento optam por distribuir os professores
em grupo para que selecionem uma atividade que realizam, efetuem o registro e por fim,
apresentem. O relato é feito, então, amparado no registro efetuado coletivamente. De
maneira geral, os textos que subsidiam os relatos, são feitos conforme um protocolo de
plano de aula ou como um roteiro dos tópicos que são apresentados. Observando o
conjunto das produções, verifica-se que as escolhas dos professores observam também as
práticas específicas determinadas pelas técnicas das disciplinas. Nesse sentido, o indagar e
o responder, a construção e a resolução de problemas, a elaboração de narrativas, o
registro da elaboração e execução de determinados procedimentos, etc. podem ser
associados às características próprias de textos mais próximos de cada disciplina.
O DC-R3 evidencia o processo conflituoso de registro que ocorre em um dos grupos de
trabalho que decide utilizar o protocolo do plano de aula. O processo conflituoso na
produção do texto nesse grupo revela que os professores, na dúvida, retornam a um
repertório conhecido ligado ao planejamento de aula e à elaboração de projetos, escrevendo
147
principalmente por tópicos. Fazem reflexões e observações orais que não são retratadas
quando desenvolvem o texto escrito. Essas reflexões centram-se no aluno e no
desenvolvimento das atividades com os alunos. A escrita fica a cargo de um integrante do
grupo que tenta sintetizar as sugestões. No momento das dificuldades, o grupo se dispersa,
e alguns se ausentam (ANEXO F6). Outros grupos decidem pelo roteiro conforme consta
no DC-R10 e DCR-12:
Após a leitura circular do texto, a CI solicitou que os professores discutissem considerando as
questões “O que tem a ver a pluralidade cultural com a nossa realidade?” e “É importante respeitar a
diversidade cultural religiosa?”. A discussão voltou-se para o Halloween.
_ Eu vejo o que a escola valoriza como prioridade para o trabalho com datas comemorativas. As
outras datas, trabalho em sala de aula. Nessa escola em que estou agora, a prioridade é a ação de
graças e a feira cultural. O halloweem será trabalhado em sala. (PI1)
[...]
_ Poderíamos trazer essas idéias para uma apostila. (PI1)
_ Então, vamos começar hoje a redação das idéias para anexar as atividades depois. (CI)
[...]
A CI sugeriu que os professores se organizassem em grupos para elaborar sugestões de atividades
de datas comemorativas observando a pluralidade cultural. Os grupos foram assim organizados a
partir de fichas coloridas distribuídas pela coordenadora:
Grupo
Datas comemorativas relativas aos meses
Amizade
Fevereiro, março e abril
Aceitação
Maio, junho e julho
Tolerância
Agosto e setembro
Paciência
Outubro, novembro e dezembro.
A partir da organização, os grupos iniciaram os trabalhos apresentando uma dinâmica comum de
discussões coletivas com um componente efetuando os registros. Todos os registros consistiram em
anotações pontuais relativas ao levantamento das datas comemorativas associando a trabalhos
realizados por alguns dos componentes. Nesse caso, tal componente ficaria responsável por trazer os
materiais do trabalho realizado. Como exemplo: Abril: dia do índio (19): professora X.
Após o tempo destinado à atividade, cerca de uma hora, a CI informou:
_ Essa folha (em que o grupo efetuava as anotações) eu vou pegar do jeito que estiver. Vamos
continuar no próximo encontro com as atividades anexadas. Agora vamos fazer nosso lanche.
Os professores combinaram então que cada um, conforme a distribuição anterior, traria atividades
que os alunos realizaram para apresentar.
(DC-R10)
_________________________________________________________________________________
Na apresentação, um dos componentes do grupo (PM14) fez a leitura comentada do roteiro e propôs
duas atividades: uma de simetria com dobradura e outra de buscar os eixos de simetria (ANEXO G).
Todos os professores fizeram com entusiasmo.
Após a realização das atividades, indagou se haveria alguma pergunta. Recebeu palmas e
observações:
_Foi ótimo, bem lúdico. (PM9)
_ É bom para fazer com a quinta série. (PM1)
_ Tem também a atividade dos bonequinhos. Esse de corte eu já tinha feito. (PM11)
_ Para trabalhar área, é bom a malha quadriculada. (PM2)
_ Com alguns alunos do ensino médio tive que fazer atividades desse tipo, para eles cortarem as
figuras geométricas fazendo associações para descobrir as áreas e para entenderem as fórmulas.
(PM8)
_ Na folha (roteiro) o grupo não descreveu as atividades que desenvolveu. (CM2)
_ Pensamos em entregar só um roteiro e as pessoas acompanharem. (PM14)
(DC12)
Como o registro escrito toma característica de documento necessário à apresentação (feito
previamente para ser entregue) e não de um dos aspectos do trabalho, a dinâmica não é
mobilizadora dos professores. Os dados da pesquisa indicam que a proposta vai sendo
148
esvaziada à medida que os encontros de FC vão acontecendo. Em algumas áreas, há a
reunião dos materiais entregues numa espécie de apostila. A análise do material revela a
reunião de sugestões de atividades e de planos de aula. Como um trabalho para
apresentação, a elaboração dos planos de aula segue todo o protocolo textual do gênero,
demonstrando a desenvoltura dos professores com esses textos. Se considerados na
“perspectiva de práticas contextualmente situadas” (KLEIMAN, 2001b, p. 43), esses textos
revelam “as exigências e capacidades de comunicação efetivamente requeridas para
ensinar”. Com isso, os professores demonstram um domínio desse repertório de práticas.
Ainda considerando a desenvoltura e a aceitação dos relatos de experiências nos encontros
de FC, outra proposta apresentada busca integrar a apresentação com a exposição de
materiais visto que muitos professores substituem o registro escrito por fotos e trabalhos de
alunos. Nesse caso, os professores devem preparar um painel explicativo do trabalho que
pretendem divulgar. No DC-R16, DC-R26 e DC-R27, observa-se o desenvolvimento de uma
dessas propostas:
[...] a CM1 prosseguiu sugerindo a confecção de um painel:
_ Nós temos experiências maravilhosas de que só conseguimos falar, mas não registrar. A gente
pensou, então, em montar um painel com fotos e atividades em cada encontro nosso. Uma maneira
de trocar experiências. Vocês topam? A idéia é trazer e colar no dia. (CM1)
A platéia demonstra aceitação da idéia. Ela continua:
_ Mas vocês vão trazer? Vamos tentar no próximo encontro? (CM1)
(DC-R16)
_________________________________________________________________________________
[...] por fim, CM1 divulgou que o trabalho que foi colado no painel no intervalo (projeto de trabalho em
texto topicalizado e fotos) foi feito pela professora PM9 enfatizando que “foi a única que trouxe o
dever de casa” naquela manhã. Com isso reforçou a importância de trazerem seus trabalhos para a
exposição que combinaram “quer começou hoje com o trabalho da professora”.
(DC-R26)
_________________________________________________________________________________
No retorno do intervalo, a coordenadora CM1 divulgou coletivamente os congressos fazendo circular
os folderes dos eventos. Informou que o trabalho colado no painel (projeto de trabalho em texto
topicalizado e fotos) foi feito pela professora PM9 do turno matutino. Reforçou a importância de
trazerem seus trabalhos para a exposição combinada no encontro anterior, uma vez que “nenhum
professor do vespertino trouxe trabalho para o painel”. Uma professora se manifestou dizendo que
traria um trabalho no próximo encontro.
(DC-R27)
No decorrer da coleta, cinco trabalhos foram apresentados na forma de painel de exposição.
Geralmente apresentam um roteiro com as etapas de desenvolvimento do trabalho, fotos e
trabalhos dos alunos. Esse material serve de suporte para uma rápida apresentação oral e
em seguida, fica em exposição. Sempre que colocada em confronto com a escrita ou com a
leitura, a oralidade é referenciada a partir do reconhecimento da competência dos
professores nessa habilidade. Um dos exemplos dessa competência na oralidade está
registrado no DC-R27:
Terminados os informes, CM1 solicita ao responsável pelo “li e recomendo” que faça uso da palavra.
O PM 27 se dirige à frente e faz sua apresentação:
149
_ Bem, não tive tempo de escrever o que eu vou falar, de escrever os tópicos. Eu vi no questionário,
tá escrito lá escrever enumerando pontos de destaque. Me identifiquei com isso! Também não tive
tempo de terminar de ler esse livro [mostra]. Quando falei que ia apresentar pensei que ia dar tempo
de terminar, mas não deu. Estou na página 89 de 200. Essa é uma leitura em movimento, quer dizer
uma leitura que faço dentro do ônibus. O título é “Ler, escrever e resolver problemas” dessas autoras
aqui [aponta/ SMOLE, K.S. e DINIZ, M. I.] da Editora Artes Médicas. Peguei esse livro na biblioteca
da escola porque senti necessidade do tema. O livro é uma pesquisa feita em São Paulo com
professores e alunos, mas é muito pertinente nas colocações. O livro é dividido em nove capítulos
depois de uma introdução. Vejam só [ele lê os títulos dos capítulos no sumário e comenta os quatro
capítulos iniciais enfatizando o uso de textos no ensino de matemática]. (PM27)
Reforçando a exposição do professor, CM1 exemplifica:
_ No estudo sobre polígonos, uma aluna escreveu uma história sobre a família poligonal. Na
avaliação do bimestre, ela escreveu que o que mais gostou de estudar foi esse conteúdo porque
escreveu a história1. (CM1)
Após a intervenção de CM1, PM27 continua sua apresentação:
_ Texto na sala de aula de matemática, só em movimento de greve que a gente traz os informativos,
mas outros tipos de textos não vejo. Li até o capítulo quatro. Minha prática de leitura é pequena. Até
porque temos dificuldades. Isso é o que eu posso dizer até aqui. Ainda falta ler os últimos quatro
capítulos. Quando eu terminar, eu volto [palmas]. Eu disse que falar é comigo mesmo!
(DC-R27)
Sendo assim, as interações discursivas com suporte na oralidade se constituem como os
elementos dinamizadores mais importantes dos encontros de FC (E4A e E4B). No entanto,
os sentidos da escrita no mundo moderno fornecem contraponto para as ações sustentadas
em sua totalidade na oralidade, principalmente para pessoas e trabalhos colocados em
destaque na FC. Os registros funcionam como forma de autorizar esse destaque. Nesse
mundo grafocêntrico é importante não desqualificar as práticas orais dos professores. A
oralidade constitui um aspecto da linguagem humana afeto e vinculado ao exercício do
trabalho docente e às práticas de FC. A importância da escrita não pode servir para calar os
professores. Se a escrita pode contribuir para a permanência do discurso e para a
visibilidade dos professores, ela não pode captar, por completo, todas as possibilidades da
voz com suas modulações, ritmos, sentimentos, perspectivas... (CERTEAU, 1990, p. 263).
A importância da oralidade também é relacionada ao compartilhamento entre os
professores, constituindo um segundo grupo de referências. O compartilhamento na FC é
destacado a partir da possibilidade de estar com amigos, de conversar, de desabafar, de
descontrair, etc. Tem relações com as atividades ligadas à oralidade exploradas até então e
tem a oralidade como base, mas a diferença reside numa distinção entre os aspectos de
troca de experiências, de discussão e de reflexão relativos ao trabalho docente e os
aspectos interativos que permeiam a vida pessoal e profissional dos professores. As
respostas indicam que as atividades ligadas ao compartilhamento, além de priorizar
aspectos da vida pessoal, consistem numa evasão do mundo trabalho e/ou integram as
referências a aspectos do trabalho menos importantes tais como o compartilhamento de
conflitos, as fofocas, as novidades, etc.
150
Em vários momentos avaliativos, as vivências associadas ao compartilhamento são
integradas na valorização da FC. Esses aspectos são integrados num lugar menos
importante no contexto do processo formativo, mas muito importante para a sobrevivência
dos professores. Nesse sentido, a FC é “de grande valia, visto que este é o lugar onde,
acima de tudo garantimos a nossa formação, onde trocamos experiência, onde estamos
com amigos e até desabafamos a respeito de nossas angústias” (PEF11). Essas vivências
paralelas não estão à margem do trabalho docente e do processo formativo, como sugerem
inicialmente as respostas, uma vez que, o pessoal e o profissional da docência não são
desvinculados. A FC não é vista apenas como um lugar de aprendizagem, mas também
como um lugar de vida (NÓVOA, 1998 e 2002).
E5 – [...] todo mundo tem muita coisa para dizer e esses encontros acabam sendo uma coisa muito
boa porque a gente não está dizendo pro mundo inteiro, mas pelo menos a gente está dizendo entre
a gente que somos uns oitenta mais ou menos e então a coisa vai crescendo. Eu percebo que até a
auto-estima melhora com esses encontros de área porque a pessoa é reconhecida pelo menos no
grupo dela, o que já é uma primeira etapa. [...] Então o fato da gente se encontrar está sendo muito
bom [...]. Não há lamúrias nos encontros [...]. Às vezes a gente até tem que trocar esses lamentos,
mas a gente está trocando de uma maneira mais produtiva.
As atividades ligadas ao compartilhamento têm, marcadamente, como base para a sua
execução a oralidade, mas também contam com o recurso da escrita de acordo com as
“condições da comunicação” (BAKHTIN, 1997, p. 14). Essas vivências não contam com um
espaço próprio, elas invadem os momentos destinados a outras atividades de FC de dois
modos: como uma ação desvinculada ou como uma extensão do trabalho realizado. Os
cochichos, os bilhetes e as anotações contribuem para uma conversa animada. Essa
discursividade paralela, quando detectada, causa uma curiosidade no entorno:
Durante a fala da apresentadora, duas professoras passaram a fazer e trocar observações escritas
numa folha de papel sobre algum episódio particular que se iniciou com a frase “preciso lhe contar”.
Parecia divertido o que escreviam porque a cada retorno da folha sempre esboçavam um sorriso
discreto. Isso provocou a curiosidade de outros colegas ao lado, no entanto, elas não compartilhavam
suas observações e pareciam buscar preservá-las dos olhares alheios.
(DC-R20)
A curiosidade do entorno da discursividade paralela, algumas vezes, acaba por integrar
outros interlocutores ao grupo que originou o discurso. O aumento do número de integrantes
mobiliza diferenciadas artimanhas de manutenção do diálogo, desde o envio dos bilhetes
com endereçamento (nome do lado de fora) - favorecendo a rapidez do envio, uma vez que
a explicitação da destinação na parte externa da mensagem evita leituras prévias de
pessoas não diretamente solicitadas a emitir parecer ao tema ora em discussão37 - até a
37
Esse cuidado nem sempre é bem sucedido dada a necessidade de, mesmo não sendo solicitado a
uma atitude responsiva ativa naquele momento do diálogo, haver a necessidade de continuar
acompanhando a produção do discurso em questão.
151
simultaneidade de mensagens circulando. Ainda, é possível verificar a formação de
subgrupos de conversa com assuntos originários de uma mesma temática, uma vez que a
sustentabilidade do discurso fica muito prejudicada com um número maior de integrantes ou
causa constrangimentos à coletividade. Sendo assim, na discursividade, o aumento ou a
diminuição do número de interlocutores envolve a temática em questão, a possibilidade de
acesso à discursividade paralela e à dinâmica dos trabalhos em desenvolvimento. Com isso,
uma discursividade paralela pode continuar por um tempo longo, pode ser interrompida e
não reiniciar ou ainda ser retomada como objeto de discussão presencial nos momentos de
intervalo ou de saída. No DC-R44, consta uma conversa, que envolve tanto a oralidade
quanto a escrita.
Durante a palestra, dois professores passam a se comunicar. Ela (P?1) escreve na folha o que quer
dizer e ele (PP27) lê, concorda ou discorda dela falando baixinho. A primeira frase escrita indica que
falam sobre uma escola (provavelmente aquela em que trabalham). Em alguns momentos ela dá a
folha para ele dialogar por escrito, no entanto, ele opta pela oralidade, mesmo que próximo ao ouvido
dela. Parece que conversam algo confidencial porque ela sempre risca o que escreveu anteriormente
para continuar a escrita certificando-se de que não há ninguém acompanhando sua comunicação. No
entanto, vários professores próximos acompanham atentamente a comunicação desenvolvida por
eles.
Durante a projeção das fotos utilizadas pela palestrante a conversa dos dois professores sofre
períodos de interrupção [...]. Em alguns momentos ele também utilizou a escrita, sempre sugerida por
ela. Com o término da palestra ela rasgou a folha (utilizada na frente e no verso) várias vezes
certificando-se de que os pedaços ficaram bem pequenos.
(DC-R44)
Em muitos encontros de FC, as vivências discursivas paralelas constituem uma extensão
dos trabalhos realizados. Uma extensão com regras diferentes daquelas propostas como
aguardar a vez de falar, fazer intervenção para todo o grupo e buscar adeptos no momento
da fala. Com essa característica própria de romper as regras da discussão coletiva é
possível observar quatro aspectos característicos dessa movimentação discursiva: a
exposição de um episódio íntimo, a explicitação de uma episódio com fim de descontração,
a manifestação de um posicionamento contrário e a elaboração de ações a serem
implementadas
visando
ao
redirecionamento
das
idéias
ou
das
atividades
em
desenvolvimento.
Na exposição de um episódio íntimo, um professor informa algo relacionado ao trabalho que
está sendo desenvolvido, apresentado ou discutido com a intenção de troca com o entorno
próximo (e pessoal, visto que os professores procuram sentar ao lado de colegas já
conhecidos ou com quem têm afinidades), mas que não deve ser compartilhado por todos
daquele encontro. Nesse caso, algum professor confessa algo e passa ao(s) colega(s)
provocando risos discretos, retorno de mensagens solidárias ou até mesmo comentários
dirigidos ao coletivo do grupo utilizando, com discrição, com cuidado e com preservação da
identidade, o exemplo recebido.
152
Na explicitação, apenas com fim de descontração, de um episódio relacionado ao trabalho
que está sendo implementado, apresentado ou discutido geralmente não há um
endereçamento definido da mensagem, assim como nem sempre a autoria é registrada.
Nesse caso, perde-se o caráter do entorno e do retorno de outras mensagens. A mensagem
tem uma circulação irrestrita condicionada ao interesse e às condições de acessá-la. A
atitude responsiva ocorre no momento do contato com a mensagem a partir da linguagem
gestual do recebedor da mensagem, sem provocar novos registros. Ainda, no caso de uma
indefinição da origem da mensagem, ocorre uma curiosidade e procura (pelo olhar) do
interlocutor criando uma nova rede de mensagem com o fim de descobrir a autoria. Num
desses episódios, que ocorreu durante a aplicação do questionário da pesquisa, a
mensagem teve como suporte de circulação uma pequena caixa de dobradura (ANEXO H3),
conforme se verifica no DC-R29:
Na entrega do questionário, um professor narrou sua desenvoltura com a escrita. Os colegas
brincaram com o colega afirmando que ele “estava com a bola cheia”. Em seguida, durante o
preenchimento do instrumento, uma caixinha de papel começou a circular entre as pessoas, passava
de mão em mão, e quem pegava sorria e fazia algum sinal de assentimento para aquele que lhe
passara a caixinha diante dos olhares divertidos de todos que já conheciam seu conteúdo. Depois
que circulou por todos, ela foi abandonada numa cadeira desocupada no fim do auditório. No fim do
encontro, vi que na caixinha (ANEXO H3) estava escrito “Não sei escrever meus textos”.
(DC-R29)
Na manifestação de um posicionamento contrário à direção das idéias ou dos trabalhos em
desenvolvimento, ocorre uma interlocução definida com um controle maior da circulação da
mensagem. A garantia do sigilo implica uma circulação restrita em uma rede de
interlocutores já previamente cientes de seus posicionamentos próximos. Geralmente, a
mensagem inicial é reforçada à medida que vai circulando. No entanto, em alguns
momentos pode ocorrer uma discordância. A discordância da mensagem implica uma
instabilidade que provoca ou a interrupção da discursividade ou uma movimentação maior
na busca de convencimentos recíprocos em meio à necessidade de discrição. Para evitar
polêmicas nesse tipo de interlocução limitada em suas possibilidades enunciativas, muitos
professores não assumem uma atitude responsiva ativa. Manifestam sua discordância não
reforçando a mensagem inicial e demonstram sua não adesão à mensagem pelo silêncio ou
pelo retorno da mensagem com um gestual negativo em relação à mensagem inicial. Em
alguns casos há a solicitação para que um colega mais autorizado ou mais habilidoso
indague ao coletivo sobre algum ponto polêmico ou difícil utilizando as referências que
circulam nos bastidores.
Na elaboração de ações a serem implementadas buscando um redirecionamento das idéias
ou dos trabalhos em desenvolvimento, ocorre um controle ainda maior da circulação da
mensagem, visto que é necessária a garantia plena de interlocutores com o mesmo fim.
153
Nesse caso, a escrita atua como um elemento de garantia de sigilo e é muito utilizada numa
produção textual feita solidariamente. No DC-R44 consta um desses episódios em que um
grupo de professores busca elaborar uma pergunta à palestrante visando a discordar de
seus argumentos:
Após a fala da palestrante é feito o intervalo [...]. No retorno, é proposto o debate e oferecido papel
para a elaboração de perguntas [...]. Enquanto a palestrante responde à pergunta sobre as pesquisas
que realiza, alguns professores de EF (2ª pergunta: escrita) sentados próximos elaboram e fazem
chegar até ela a pergunta: “Solicitamos esclarecimentos sobre a fala: ‘Não existe uma disciplina que
ensine o BRINCAR’”. Simultaneamente, a professora (P?1) elabora uma pergunta, submetendo-a à
leitura de PP27, discutem baixinho, e submetem o texto a mais uma professora (P?3) sentada na fila
de trás. Conversam e a pergunta retorna à mão de P?1. No momento em que a palestrante
respondendo ao questionamento do grupo de EF externa sua discordância [...], P?1 rasga a pergunta
e fala aos dois colegas:
_ Ela não vai responder!
O debate oral com réplicas e tréplicas em relação ao brincar e à EF continua e a palestrante destaca
vários aspectos importantes da EF na escolarização. Outra pergunta é feita oralmente (3ª pergunta:
oral) [...]. A palestrante responde [...] e enquanto a palestrante responde P?3 reelabora a pergunta
rasgada por P?1 e guarda na pasta. Algum tempo depois retoma, lê de novo e entrega para P?1. P?1
discute com PP27 e ele risca e reescreve a última parte do texto com a autoridade do professor de
Português.
Em seguida é feita mais uma pergunta à palestrante [...]. A resposta sem discordância com a platéia,
fez P?1 encorajar o PP27 a ler a pergunta elaborada. Ele se levanta e lê utilizando o microfone a
pergunta (5ª pergunta oral, mas lida). A pergunta indaga as possibilidade do trabalho coletivo em face
das dificuldades que existem no trabalho escolar. A palestrante solicita o texto (bem elaborado
textualmente) e o lê silenciosamente gerando um tempo de silêncio e expectativa. Em seguida
responde.
[...]
_ Os três professores demonstram não terem ficado satisfeitos com a resposta da palestrante, mas
não retrucam e ela passa a outra pergunta (6ª pergunta: escrita)
[...]
A resposta da palestrante à pergunta gerou um processo comunicativo nos três professores de
expressão de descontentamento [...]. Terminado o debate [...] na saída, observei as expressões de
descontentamento de PP27 comentando com a colega sobre a palestrante que “se ela não sabe, o
que veio fazer aqui!” [...].
(DC-R44)
É necessário destacar que toda essa circulação, apesar de provocar uma movimentação,
ocorre sem maiores prejuízos aos trabalhos coletivos. Um movimento de bastidores que
revela as condições das enunciações implicadas nas modelagens das falas circulantes
(BAKHTIN, 1997, p. 125). Indica também a simultaneidade de mensagens circulando, o
processo complexo de negociação de sentidos para as ações e as diferentes formas de
reação dos sujeitos nos contextos discursivos, uma vez que “não são palavras o que
pronunciamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais,
agradáveis ou desagradáveis”. Nesse sentido, “reagimos àquelas que despertam em nós
ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida” (BAKHTIN, 1997, p. 95). E nossa reação
nem sempre obedece às leis postas como regras gerais, mas constituem formas
negociativas vinculadas aos propósitos dos interlocutores no jogo interativo da vida coletiva.
154
Para concluir a apresentação das ações efetuadas na FC que privilegiam as práticas orais
dos professores, destaco que, sem desqualificar essas práticas, o desafio apresentado
nesta pesquisa se relaciona com o reconhecimento de que aquilo que os educadores fazem
oralmente, a todo instante, pode ser o mote de textos escritos aos quais seria atribuída
maior importância. Nesse sentido, converter as conversas cotidianas – sobre o que pensam
e sentem em relação ao que vivem, aprendem e fazem – em conteúdo para elaboração de
algum tipo de texto escrito. Esse desafio implica o reconhecimento do professor como autor
do seu discurso, podendo elaborá-lo tanto a partir da oralidade quanto fazendo uso das
práticas de escrita nos mais variados gêneros do discurso (PRADO e SOLIGO, 2005, p. 49).
4.2.2 A leitura
Na FC a leitura está associada à possibilidade de ler e discutir textos. A presença da leitura
é observada em todos os encontros descritos no DC. Valorizar a forma simples, clara e
objetiva de determinados autores assim como reclamar da complexidade de outros são
comportamentos que, de algum modo, demonstram a apreciação da forma da escrita dos
autores. Não acompanhar a leitura coletiva, contar o número de páginas e sair da sala indica
as indisposições e seleções efetuadas pelos professores. A FC exerce um papel mobilizador
da leitura dos professores (ANEXO I40 e I43), fornecendo recursos e solicitando leituras
para apresentação. Na FC, o recurso mais utilizado para leitura é o texto fotocopiado
retirado de revistas ou livros e sua leitura ocorre como uma atividade integrante do trabalho
que está sendo implementado. A leitura de textos atua como mobilizadora das discussões e
das solicitações de escrita. Visa à apropriação de determinadas referências que subsidiem
uma discussão e síntese posterior. A leitura do texto no coletivo abre o texto e extravasa as
diferentes possibilidades que o texto leva a pensar. As observações mostram que os
professores sempre enriquecem os textos, incorporando a experiência pessoal e profissional
no processo de discussão. Sempre trazem referências do seu cotidiano utilizando a
estratégia de exemplificação. Com um exemplo puxando outro, as possibilidades de sentido
se desdobram e explodem. A palavra se mostra uma fonte inesgotável. Em algumas
discussões os professores chegam a abandonar as referências e indícios do texto lido,
demandando um esforço do coordenador para que voltem para o texto. Nesse contexto,
apresenta-se uma reação dos professores que se sentem silenciados e ou interrompidos em
sua expressão. Como a relação de poder não está completamente verticalizada, visto que o
coordenador é também um professor, este não pode falar mais alto, falar por mais tempo ou
mudar de assunto com tanta facilidade. Com isso, as tensões discursivas revelam diferentes
táticas e estratégias na condução das discussões das leituras realizadas.
155
A tática da exemplificação propicia um movimento de manutenção da discursividade falando
da realidade. Embora esse movimento se mostre muito aceito pelos professores, parece que
ele não ganha legitimidade no espaço da FC. Na polissemia e menor compromisso com as
verdades do texto, os registros do DC indicam que sempre que se polariza alguma
discussão, a legitimação do texto escrito utilizado para a leitura é realçada. As
exemplificações da prática, as narrativas de vivências são relevantes para a continuidade
discursiva, mas sempre que chamados a retornar para o texto, demonstram concordância
com a necessidade desse procedimento, mesmo que insistam nesses relatos na
continuidade dos trabalhos. Na “interação viva das forças sociais” (BAKHTIN, 1997, p. 66), o
embate insinua que os saberes dos professores38 não estão legitimados em detrimento dos
saberes do texto. Buscam-se nos textos as idéias corretas (MANGUEL, 1997, p. 92 - 94).
Esse comportamento é facilitado pela seleção dos materiais voltados à discussão da prática
docente com textos geralmente expositivos e argumentativos em que a tese do autor está
explicitada e amparada em pressupostos teóricos que o legitima em detrimento dos
exemplos dos professores.
Além dos textos utilizados nos trabalhos da FC, ocorre também uma grande circulação de
textos de revistas e mensagens trazidos pelos professores. O texto fotocopiado tem grande
aceitação entre os professores e, após sua distribuição, não há registro de abandono do
material. Pelo contrário, na dúvida, há duplicidade no acolhimento do texto. Esse fetiche
pelo papel está registrado no DC-R26:
[...] próximo à entrada, os coordenadores disponibilizaram dois textos e um instrumento de atividade
que foram utilizados no encontro passado (20/10/03) para que aqueles que não estiveram presentes
pudessem pegar seu material. Cada professor que chegava explorava o material. Alguns, depois de
precipidamente pegar o material, reconheciam que já o tinham, devolviam ou, em caso de dúvida,
ficavam com ele, mesmo se certificando que estavam presentes no encontro anterior.
(DC-R26)
Essa forte presença do texto fotocopiado também se verifica no acervo do professor. Na
biblioteca pessoal esses textos e as apostilas têm indicadores quantitativos maiores
(ANEXO I44 - item 15).
38
Nos diferentes aspectos que integram a docência, Nóvoa (2002, p. 27) destaca a importância e a
dificuldade para definir o conhecimento profissional porque ele “tem uma dimensão teórica, mas não é
só teórico; tem uma dimensão prática, mas não é só prático; tem uma dimensão experiencial, mas
não é unicamente produto da experiência”. O autor destaca que “estamos perante um conjunto de
saberes, de competências e de atitudes mais (e este mais é essencial) a sua mobilização numa
determinada ação educativa”. Nóvoa aponta como hipótese de trabalho que o conhecimento
profissional “depende de uma reflexão prática e deliberativa”.
156
Os registros da pesquisa indicam que a leitura integral de livros ocorre, com menor
freqüência. Ela se dá de dois modos distintos: como uma prática fugidia de leitura pessoal
que invade a FC ou como uma ação proposta pelas atividades da FC. Como uma prática
fugidia, a leitura se caracteriza pela presença, e em alguns momentos pela efetivação da
sua leitura, de um livro que estava sendo lido por um professor sem constituir uma
recomendação do processo de FC. A presença do livro gera sua circulação bem como
anotações de referências. O DC-R14 retrata a circulação de livros e textos, enquanto os
professores aguardam o início de uma palestra. Essa circulação continua no decorrer dos
trabalhos (ANEXO F7). Além da leitura como prática fugidia, em alguns grupos, a leitura de
livros consiste numa atividade demandada pela FC. Ocorre também de alguns livros,
inicialmente inseridos como uma prática fugidia, passarem a constituir o momento da FC
revelando o prestígio desse objeto. Sempre que algum livro foi colocado à vista, o material,
de algum modo, foi referenciado coletivamente. Essa política de valorização da leitura e do
livro mobiliza alguns professores a trazerem para a FC sugestões de leitura:
Cheguei ao local e encontrei alguns professores conversando informalmente sobre documentários
televisivos [...]. Cada novo professor que chegava ia se inserindo na conversa. Uma professora (PH1)
mostrava discretamente alguns livros a uma colega. Com a curiosidade dos outros, informou que
havia trazido “alguns livros paradidáticos atualizados, recentes e que poderia socializar com o grupo”.
A CH fez imediatamente circular o material [...]. Durante a socialização dos livros em que vários
professores anotavam as referências dos títulos, a CH deu início aos trabalhos. A socialização do
material continuou no decorrer dos trabalhos.
(DC-R13)
Considerando a dinâmica da vida do professor, um dos maiores entraves para a leitura
integral de livros como um recurso para FC consiste na dificuldade dos professores em
efetuar leituras nos espaços da vida pessoal (ANEXO F8). Essa dificuldade de tempo é
relacionada à necessidade dos professores de sempre ter seu material por perto. Com isso,
é lembrado na pesquisa que “de vez em quando, no ônibus tem professor dormindo com os
livros caindo...” (E3C). É mencionado também como se caracterizam os carros e as bolsas
dos professores, sempre cheios de coisas para ler aguardando um tempinho39. Buscando
enfrentar a dificuldade de tempo, alguns grupos lêem livros, textos e apostilas no momento
da FC. Para leitura de materiais mais extensos, ocorre uma distribuição de partes para
exploração, leitura, comentários e apresentações objetivando reconstituir a totalidade da
obra:
39
Na discussão dos dados do questionário, em meio a divertidos comentários, cunha-se a expressão
carro de professor. Uma professora pondera que, assim como há bolsas especiais com várias
repartições e espaços, deveria ser criado um carro com alguns acessórios especiais para os
professores. Depois de algumas apreciações das sugestões, conclui-se que a proposta é boa e
necessária, mas não é economicamente viável, uma vez que o poder aquisitivo dos professores
inviabiliza a produção de produtos segmentados para seu perfil.
157
[...] A CG entregou uma apostila (Oficina C do projeto A Gazeta na Sala de Aula) afirmando:
_ A gente deixa para ler em casa. Chega em casa, não tem jeito. Por isso, vamos trabalhar aqui.
Em seguida ela encaminhou a leitura circular da mensagem de abertura do documento e solicitou que
o grupo formasse duplas para leitura de sugestões de atividades e para apresentação. O grupo se
organizou em 4 duplas. [...] após o trabalho, cada dupla apresentou suas conclusões [...]. (DC-R17)
_________________________________________________________________________________
A CM1 apresentou o livro “Profetas do erro” informando que [...] eles selecionaram algumas profecias
para serem lidas dobrando o canto da folha. O grupo aceitou a proposta e efetuou a leitura circular de
algumas delas. Ao final, fizeram comentários observando o quanto se erra nas perspectivas que se
têm das pessoas fazendo relações com as opiniões dos professores sobre os alunos.
(DC-R27)
Na FC, a leitura de livros também é utilizada na mobilização para a escrita. Uma tentativa de
focar a escrita a partir da leitura realizada é proposta na área de Matemática trabalhando
com a atividade intitulada “li e recomendo”:
A CM1, lembrando que o momento inicial é para o bate-papo sobre livros, indagou:
_ Quem está responsável por fazer os comentários do que estava lendo? (CM1).
_ Não lembro (PM1)
_ Também não lembro, mas posso fazer os comentários. Vou falar de um livro que já li umas cinco
vezes. Chama-se “Por que eu tenho medo de dizer quem sou”. É um livro para trabalhar a autoestima, fala da relação interpessoal [...]. Eu aconselho a leitura. (PM2)
_ Traga o autor para a gente. (PM1)
_ Vou trazer. (PM2)
_ A gente poderia registrar os comentários fazendo uma lista para que colegas novos no grupo
pudessem saber os livros que já comentamos. (CM1)
_ Seria bom. (PM3)
(DC-R12)
Os registros do DC que acompanham o desenvolvimento da proposta de CM1 indicam sua
aceitação por alguns dos professores que efetuaram as apresentações. Como nem todos
entregaram o material, a síntese proposta não pôde ser concluída. Ainda, a proposta é
relacionada, de imediato, a gêneros conhecidos na escolarização: o fichamento e o resumo.
Como esses textos não trazem boas recordações, esta associação não é mobilizadora para
a atividade. De maneira geral, trabalhos propostos a partir da leitura integral de livros não
chegaram a se efetivar.
É possível observar que, sempre que possível, os trabalhos de grupos e as discussões
feitas inicialmente a partir de leitura de textos ou de propostas de trabalho são completados
por alguma consulta a livros que, coincidentemente, algum professor trouxera para a FC.
Quando se detecta a possibilidade de associação entre o trabalho formativo que se efetiva e
a consulta a algum livro presente no grupo, o processo de associação ocorre mobilizado por
um grupo significativo dos professores. É possível observar indagações entre os
professores, tais como: “nesse livro não fala nada disso [que está se trabalhando]?”, “você já
olhou se esse livro não ajuda?”, “lá na escola tem um livro que ajudaria, mas não podia
adivinhar para trazer”, que retratam a busca dessa associação. Nesse sentido, a leitura
158
funciona como um suporte ao trabalho que realizam. O dizer dos professores busca o que
os outros disseram daquilo que empreendem. Buscam um diálogo na cadeia responsiva.
Essa busca retrata um movimento de apropriação da palavra do outro na interação contínua
e permanente com os enunciados (BAKHTIN, 1992, p. 313-314). Em muitos casos a
dificuldade de fazer referências implica uma cópia do material consultado. Parece que
muitos professores, não conseguindo incorporar os textos dos autores adequando-os à
organização do seu próprio texto, acabam por efetuar uma cópia de tudo. É possível
observar a importância dos processos elaborativos como uma possibilidade de apropriação
das palavras alheias, que enriquecem a dimensão lingüística dos indivíduos. A necessidade
de uma biblioteca próxima ao espaço da FC é relacionada à ampliação desse processo
auxiliando no acesso a materiais de leitura.
E2B – [...] Uma outra coisa que eu vejo em relação à leitura e à escrita é que se a gente tivesse uma
biblioteca ambulante, eu tenho certeza que, entre um encontro e outro, o professor estava lendo um
livro. O professor tem essa vontade, não tem é o dinheiro para comprar.
E2A – Eu também acho. Por isso que eu acho que a gente tem que ter cuidado quando vai cobrar
essa fundamentação teórica.
No caso de exposição de livros, é possível observar o interesse dos professores por esses
recursos bem como a efetivação de compras. Os registros da pesquisa indicam que a área
de atuação dos professores é bastante determinante no estabelecimento de prioridades
para aquisição. Essas exposições são promovidas por palestrantes que trazem suas obras
ou por livrarias interessadas na participação em algum evento que reúne professores. A
interação dos professores com os livros, externando suas referências dos já lidos, dos já
adquiridos, dos emprestados sem retorno e dos desejados, lembra a sedutora visita a uma
livraria descrita por Calvino (2003):
Já logo na vitrine da livraria, identificou a capa com o título que procurava.
Seguindo essa pista visual, você abriu caminho na loja, através da densa
barreira dos livros que você não leu que, das mesas e prateleiras, olham-no
de esguelha tentando intimida-lo. [...] Esquivando-se de tais assaltos, você
alcança as torres do fortim, onde ainda resistem os livros que há tempos
você pretende ler, os livros que procurou durante vários anos sem ter
encontrado, os livros que dizem respeito a algo que o ocupa neste
momento, os livros que deseja adquirir para ter por perto em qualquer
circunstância, os livros que gostaria de separar para ler neste verão, os
livros que lhe falta para colocar ao lado de outros em sua estante, os livros
que de repente lhe inspiram uma curiosidade frenética e não claramente
justificada.
Quando algum objeto de leitura é referenciado na FC, observa-se uma mobilização de
posse caracterizada pela explicitação de sua aquisição ou da busca de informações de
como acessá-lo, conforme registrado no DC-R11:
159
[...] A CA pediu que quem tivesse algo a ser divulgado que utilizasse o momento. Foi estabelecido o
seguinte diálogo:
_ Aproveitando essa coisa de vídeo, quero informar que há o vídeo sobre a cidade de Vitória. É
belíssimo e não é caro, quem quiser é fácil encomendar. (PA7)
_ Tem também o livro do Cacá Benevides com fotos antigas e a história de Vitória. (PA8)
_ Tem também o “Imagens de Vitória” que faz parte da coleção imagens atuais de cidades brasileiras
e o do Renato Pacheco com folclore e comidas. (PA13)
Na constituição desse diálogo, aqueles que tinham algumas dessas obras faziam questão de
explicitar com expressões “esse eu tenho” e muitos narraram, simultaneamente (para o colega do
lado), como conseguiram tal objeto de desejo. Nesse burburinho, alguns anotaram as referências e
demonstravam seu desejo de aquisição [...].
(DC-R11)
E9 – [...] chega um momento em nossa vida que nós passamos a olhar o livro como objeto e então
não me interessa se eu vou ler o livro, mas eu quero ter. Isso é muito angustiante, talvez seja uma
angústia que nos movimenta mesmo. Eu tenho muitos livros que eu não li e tenho certeza que, no
meio deles, tem uns que eu nunca vou ler [...]. Tem coisas que já me atraíram muito, acabei
comprando e sei que não me interessam mais e tem coisas que me interessam e sei que eu não lerei
nunca, mas eu estou procurando voltar a uma rotina. Eu tenho carregado um livro comigo, eu tenho
aproveitado uma hora no fim de semana para ler, normalmente é no fim de semana mesmo porque é
uma hora em que dou uma relaxada e acho que é possível que eu leia naquele momento [...].
Esse desejo de posse pode ser confrontado com as dificuldades para efetivação de compra
de materiais de leitura (ANEXO F9). Em meio à explicitação das dificuldades de aquisição,
os comentários frente aos objetos de leitura são os mais diferenciados ao longo da
pesquisa. Os professores descrevem desde as formas de elaboração até emoções e
sentimentos frente à forma e conteúdo desses objetos. Borges (2000, p. 107) destaca que
embora nos inclinemos a pensar no tamanho como algo brutal, que existem livros cuja
essência consiste em serem extensos porque talvez nunca tenhamos percorrido todas as
suas páginas, mas o fato de estarem lá nos possibilita projetar que podemos ir mais fundo,
que estão lá a nossa espera. Os professores demonstram que nas relações estabelecidas
com esses objetos vão construindo e reconstruindo sentidos. Como tática de construção de
intimidade na apropriação desses objetos sem fazer os fichamentos recomendados na
escolarização observa-se que os professores realizam anotações nos próprios materiais de
leitura, grifam partes, dobram páginas, utilizam marcadores, selecionam partes para leitura...
A biblioteca pessoal dos professores (ANEXO I44) conta com pequenas quantidades de
variados recursos. Apresenta destaque para, além dos textos fotocopiados e da presença
das revistas, os recursos associados à educação de maneira geral e mais especificamente à
área de conhecimento em que atuam em detrimento dos recursos relacionados ao
letramento literário (itens 2, 5 e 7). Lajolo (1996, p. 106) destaca que “se confiam os
diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos através dos
quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos,
suas utopias” à literatura. Para a autora, “o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania,
160
precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário
competente”.
Além das dificuldades econômicas, são mencionadas as dificuldades de espaço no âmbito
doméstico para acumulação de acervo. Muitos professores mencionam a impossibilidade do
armazenamento de recortes de jornais “por mais que sejam úteis ao trabalho do professor” e
que os livros didáticos, antes acomodados no espaço doméstico estão migrando para o
espaço da escola. Ainda, considerando a prioridade na escolarização dos filhos, tanto a
compra quanto o armazenamento estão condicionados a essa prioridade. Por isso, a
literatura nacional e a literatura infantil constituem acervos de caráter familiar, demandados
principalmente pelo desenvolvimento escolar dos filhos.
Outro destaque é feito para a leitura do jornal. Nos comentários ao preenchimento do
questionário, muitos professores observam que mencionam uma leitura diária desse
instrumento porque as escolas possuem a assinatura de um jornal local (ANEXO I43) mas
que, efetivamente, têm um contato diário com o jornal efetuando apenas “a leitura das
manchetes ou de alguma matéria mais importante”. É mencionado que esse recurso tem, no
conjunto do trabalho docente, uma referência negativa porque parece que “ao ler o jornal
não estou fazendo nada”. Ainda, se ocorre a leitura de jornal (mais que o livro, a revista ou
algum texto), simultaneamente a alguma outra atividade, seja na escola ou na FC, “parece
que o sujeito está querendo mostrar seu descontentamento”. Ademais, “é muito difícil
disfarçar a leitura do jornal”. Como alternativa para folhear o jornal no curto espaço de
tempo disponível na escola, os professores mencionam que no horário do recreio ocorre
uma disputa pelo jornal ou que este, às vezes, é repartido para que todos possam pegar
uma parte para dar uma olhada.
Como síntese, esta pesquisa indica que a área de conhecimento atua como indicador para a
constituição do acervo e para a efetivação de leituras. Os entraves à leitura do professor
residem nas dificuldades econômicas para a aquisição e nas limitações de tempo para a
efetivação de leituras principalmente de textos mais longos. As dificuldades relacionadas ao
tempo também tem implicações nas possibilidades de freqüências a bibliotecas públicas, o
que poderia minimizar as dificuldades de aquisição. Mesmo assim, os objetos relacionados
à leitura têm grande significação para a categoria, mobilizando esforços para a aquisição,
preservação e acesso. No caso de solicitação de empréstimo entre professores, é possível
constatar uma grande solidariedade entre eles. Essa predisposição ao empréstimo vem
sempre acompanhada de alguma recomendação de cuidado ou do estabelecimento de
161
prazo para devolução. Geralmente o próximo encontro se constitui como tempo regular para
a devolução dos empréstimos.
4.2.3 A escrita
As referências sobre a escrita na FC (ANEXO I40), quando detalhadas (ANEXO I41),
revelam a reiteração de um repertório de escrita constituído por anotações (relatório) no
caderno de registro das atividades e por elaboração de sínteses e de resumos. Esse
repertório faz com que a escrita não seja referenciada significativamente na FC (ANEXO I25
– item 3), visto que a presença da demanda do texto científico-acadêmico não se materializa
nesse repertório. Implica também um melhor referenciamento da escrita quando relacionada
ao trabalho em grupo (ANEXO I – item 6). O mapeamento da ocorrência do registro se
relaciona com o tema e caracteriza-se pelo caráter de eventualidade. Após a ênfase do
tema como elemento mobilizador dos registros na FC, a contribuição oral se destaca
(ANEXO I42 – itens 1 a 5).
Os professores destacam como suportes utilizados para os registros o caderno seguido das
folhas avulsas e da agenda (ANEXO I42 – itens 6 a 8). O caderno para uso pessoal tem
uma menor significação nos registros da FC do que nos registros do planejamento na escola
(ANEXO I23 – itens 4 a 7).40 Como forma de registrar os encontros de FC há também um
caderno coletivo para registros chamado caderno volante. Nos grupos que mantêm esse
caderno como uma rotina para registrar os trabalhos, a metodologia utilizada consiste no
estabelecimento de um voluntário para o registro do dia, conforme um rodízio de
participação. A observação desse processo negociativo envolve as entonações e gestos que
escapam à ordem semântica das expressões na discursividade que se manifesta:
[...] para iniciar os trabalhos os coordenadores, após as boas-vindas, procuraram um voluntário que
fizesse as anotações de registro das ações que seriam realizadas naquele dia. Houve recusas e
disfarces em que os professores que afirmavam já terem feito tal tarefa, procuravam colegas que
ainda não tinham efetuado os registros e estes, silenciavam ou disfarçavam mexendo em seus
materiais.
Após um certo tempo de tentativas, ficou acertado que uma professora faria o registro deste dia. A
CM1 esclareceu que o registro deveria ser feito ali, no decorrer das atividades, em papel rascunho e
que ela digitaria posteriormente para colar no caderno:
40
Comparando os suportes utilizados pelos professores nos registros efetuados na escola e na
formação, nos dois espaços, o caderno é o recurso mais utilizado. No entanto, os índices de
utilização na escola (55,85%) são maiores que na formação (44,87%). As folhas avulsas, enquanto
segunda opção de suporte para o registro tanto na escola como na formação, inversamente ao que
ocorreu com o caderno, tem seus índices maiores na formação (34,9%) do que na escola (20,42). A
agenda, terceiro suporte utilizado na formação e quarto na escola (o terceiro suporte utilizado na
escola é o formulário próprio com 13,21% de utilização), tem uma utilização maior na formação
(20,19%) do que na escola (10,51%).
162
_ O processo de levar para casa para passar a limpo não está dando certo porque muitos esquecem,
há espaços no caderno esperando os registros de colegas.
Nesse momento aproveitou para cobrar a um professor a entrega de seu registro.
(DC-R3)
_________________________________________________________________________________
Em meio à animação dos comentários orais, os coordenadores, observando que a colega que
efetuou o registro do encontro anterior (PM21) não havia chegado, buscaram estabelecer o
responsável pelo registro das atividades do dia:
_ Pergunta clássica: quem vai escolher o caderno?
Alguns professores teatralmente olham para o teto, abaixam a cabeça de modo que os colegas
percebam seus movimentos. Isso causa descontração no grupo e algumas observações são feitas:
“isso não é comigo”, “não sei do que ela está falando”, “tô nem aí” etc. Uma professora (PM22) se
manifesta em meio a essas observações e a CM1 informa:
_ Então tá, a PM22 vai ficar com o relato.
(DC-R27)
A dificuldade de estabelecer o responsável pelos registros sempre que analisada, foi
associada a dificuldades para escrever:
[...] o CM2 complementa:
_ E o pessoal do registro de hoje? (CM2)
Pausa, após algum tempo continua o silêncio [...]. Uma professora comenta:
_ Quem tem dificuldade para escrever como eu, sugiro que pegue logo, que pegue primeiro, para se
livrar do estresse de vir para o encontro pensando que terá que escrever. (PM1)
O professor retoma e sugere:
_ Vamos ver quem ainda não escreveu. (PM 3)
A sugestão cria um burburinho no grupo derivado de destaques tais como: eu já fiz, fiz no dia tal, fiz
naquele dia em que fulano se recusou, fiz quando fulana estava perto de mim, etc, emitidos pelos
professores que já haviam efetuado registros dos encontros. Esses destaques em confronto com o
silêncio dos professores que ainda não haviam realizado a tarefa denunciava o não cumprimento da
tarefa proposta. Com isso, a CM1 continua:
_ Quem pode pegar hoje? (CM2)
O silêncio persiste, alguns professores da primeira fila focam o olhar para uma das professoras
(PM10) sugerindo, explícita e jocosamente, que a CM1 entregue o caderno para a ela. A
coordenadora insere-se na comunicação:
_ Você já fez PM10? (CM1)
Ela, se mostrando desconfortável e titubeante, afirma bem baixinho:
_ Podemos tentar.
[...] O grupo retoma o burburinho com frases de apoio à colega [...]. Uma professora, ao lado afirma:
_ Pega, eu te ajudo. É só rascunho. A CM1 faz a digitação e acerta as coisas. (PM1)
Definido o responsável pelo registro, prossegue-se com os informes [...].
(DC-R16)
Observa-se que, além de provocar a explicitação de confrontos com a escrita, o caderno
coletivo promove uma relação, aparentemente contraditória, de distanciamento e
aproximação. De maneira geral, são feitos registros como atas (E9) e a leitura não desperta
o interesse da platéia pelo documento (DC-R16). No entanto, quando, por algum motivo,
algum registro é questionado por alguém, que eventualmente está acompanhando a leitura,
todo o grupo se volta para o texto. Nesse retorno o autor é interpelado.
Para dar continuidade aos trabalhos, a CM1 solicita que a professora PM15, que fez o registro
anterior, faça a leitura de seu texto. A professora faz a leitura do texto, a maioria dos professores se
dispersa e poucos (os mais próximos) acompanham. Quando ela lê que a palestrante havia afirmado
que “é preciso romper com as coisas que são boas”, uma professora (PM2) discorda do registro
consultando suas anotações. Essa discordância oral faz com que o grupo se volte para a discussão.
163
A redatora do texto também busca consultar seu rascunho, uma vez que o texto havia sido digitado
pela coordenadora, e encontra a parte tal como foi lida. Ela explica à colega:
_ Eu quis dizer que a palestrante afirmou que muitas coisas que consideramos boas precisam ser
rompidas porque não estão adequadas ao ensino. (PM15)
_ Mas ela não disse dessa forma! (PM 2)
Isso cria um certo constrangimento e a CM1 intervém sugerindo que a palavra boas fique entre
aspas. O grupo todo aceita e concorda com a estratégia. A professora prossegue a leitura e outra
(PM13) comenta discretamente:
_ Eu entendi o que ela quis dizer, mas se deixar assim pode parecer esquisito.(PM13)
(DC-R27)
Nas possibilidades de diálogo a partir do registro, observa-se também que se ele sai do
protocolo de ata, o interesse da platéia pelo mesmo aumenta:
A CA informa que uma das professoras (PA28) havia levado o caderno para registro do encontro
anterior e faz a leitura do registro (um registro em primeira pessoa retratando os acontecimentos do
encontro e suas emoções em ter que efetuar as anotações). Ao final da leitura pela coordenadora, a
professora recebeu parabéns pelo coletivo reforçado pela CA:
_ Parabéns, muito obrigada pela contribuição. Está muito bem escrito. Você não se limitou a registrar,
foi colocando comentários seus. Parabéns. (CA)
A CA aproveitou a euforia do grupo e indagou então quem seria a próxima a efetuar o registro. Uma
professora (PA29) afirmou imediatamente que queria fazer o registro (parece que a leitura do texto foi
estimulante para ela). O grupo deu vivas e a CA observou:
_ Que bom! Lembra antes como era lá no começo? Era por “livre e expontânea pressão”, agora tem
sempre alguém que pega. (CA)
Algumas pessoas lembraram episódios de recusas de colegas em meio a divertidas gargalhadas
descontraindo e provocando uma pequena algazarra.
(DC-R19)
Sendo assim, se o registro possibilita alguma forma de interlocução oral, aumenta o
interesse do grupo. Via de regra, quem faz o registro solicita a sua leitura indicando a escrita
para um público, os colegas. Na produção do registro esses leitores/ouvintes são
considerados, visto que não há comunicação no vazio. O discurso inscreve-se na dinâmica
social e implica a presença (real ou virtual) dos seus interlocutores. No DC-R40 consta tanto
o interesse de interlocução da professora que efetuou o registro do dia em que apliquei o
questionário quanto as artimanhas de outra professora que substituiu o registro escrito de
suas impressões por mensagens e imagens que “lembram as discussões do encontro”:
[...] PP30 pegou o caderno, explorou-o, e indagou a PP5:
_ Você já escreveu aqui? (PP30)
_ Ah, desta vez não escapei... (PP5)
_ Toma vergonha, você não escreveu nada. Aqui só tem legendas e figuras. Muito legal! Lendas,
capixabas ilustres, mas escrever que é bom nada, né! Que malandragem! Cheio de colagens! (PP30
explorando o registro de PP5 no caderno)
[...]_ Ah! Está bom, não! Eu estava muito cansada. É o calor, é o fim do ano. (PP5)
_ Então mais no começo do ano deve ter algum maravilhoso seu. Cadê? Não achei. Não me diga que
você não fez? (PP30 explorando outras partes do caderno)
_ Ah! Eu fui deixando. Tinha gente mais ávida do que eu! (PP5 com risos das duas interlocutoras)
Ao ver o caderno com as professoras, PP25 me indaga:
_ Você leu o meu registro? Fiz o registro do dia da aplicação do seu questionário. No encontro
passado eu não vim, mas gostaria de que ele tivesse sido lido, mas soube que não foi. (PP25)
Quando informei que eu tinha lido ela demonstrou satisfação e buscou interlocução.
164
_ Eu me soltei e me inspirei em Pablo Neruda. Era um domingo, eu ainda não tinha feito o que tinha
me comprometido e de repente fiz aquele texto. Estou trabalhando os poemas do Neruda com meus
alunos. Gosto muito dele... (PP25/ interrompida por PP30)
(DC-R40)
Apesar da resistência em escrever no caderno e em ouvir a leitura dos registros, os
professores manifestam interesse por esse material. Sempre que esteve disponível, alguém
passou a explorá-lo. Os textos, as mensagens e as imagens produzidas pelos colegas
despertam curiosidades (ANEXO F10). No entanto, para a leitura coletiva ocorre a exigência
de que seja um texto diferente da ata ou do relatório para conquistar a atenção do grupo.
Em relação à forma de registro efetuado pelos professores nas atividades desenvolvidas na
FC, nos dados do questionário ocorre uma pequena vantagem pelo registro enumerando
pontos de destaque sobre a organização de sínteses de idéias (ANEXO I42, itens 9 e 10).
As observações do DC indicam a supremacia da enumeração de pontos de destaque. Nos
comentários, foi possível captar a possibilidade da organização de síntese de idéias através
da enumeração de pontos de destaque, demonstrando que esses dois aspectos se fundem
na materialidade dos registros dos professores.
Na execução das atividades solicitadas aos professores, o trabalho em grupo é a estratégia
mais utilizada. Nele destaca-se a preferência pela contribuição oral, seguida das anotações
de uso pessoal e por fim o registro para ser entregue (ANEXO I42, itens 11 a 13). A
preferência pela contribuição oral aumenta no trabalho em grupo em relação ao momento
coletivo da FC (ANEXO I42, itens 2 e 13). No trabalho em grupo o número menor de
pessoas oportuniza maior contribuição oral do que no momento coletivo. Ainda, a dinâmica
dos trabalhos em grupo, com a designação de um relator, implica a responsabilidade de
apenas um dos integrantes de efetuar os registros. Os outros assumem, assim, o papel de
espectadores que auxiliam com contribuições orais (E5). A síntese das observações das
produções textuais efetivadas no decorrer da coleta revela dimensões associadas à escrita
envolvendo a cópia e a reprodução e a resolução de questionamentos.
Na dimensão da cópia e da reprodução, os registros guardam relação com a atividade
proposta. Observa-se que a exposição amparada em recursos de projeção é mobilizadora
de anotações. O DC-R15 descreve o registro de duas professoras a partir de um vídeo
“Disciplina e indisciplina na escola”, com entrevista e com a projeção de alguns conceitos:
Durante o vídeo, dos 40 professores presentes, 10 efetuaram anotações sistemáticas [...]. Pude
observar duas professoras efetuando suas anotações de modo distinto: uma anotava somente os
tópicos da temática que foram apresentadas por escrito durante a projeção da entrevista com o autor
(conceito de disciplina/indisciplina, papel da escola, focos de indisciplina etc.) e a outra, além de
anotar os títulos, buscava reproduzir literalmente as explicações do autor.
(DC-R15)
165
No caso das projeções de transparências, os dados indicam que ocorrem três tipos de
registros: a cópia dos tópicos identificadores da seqüência do material projetado, ou seja,
dos títulos que identificam a seqüência de idéias a serem exploradas; a cópia de todas as
informações projetadas e a cópia das informações projetadas acrescidas das explicações do
apresentador. Quando se projeta ou se escreve no quadro simultaneamente a alguma
apresentação, ocorre uma mobilização para a escrita, geralmente de um texto em tópicos
que possibilita recuperar as idéias exploradas. No caso de apresentações com leitura,
ocorre uma dispersão da platéia. No caso de leitura acompanhada de alguma discussão
e/ou explicação ocorre uma mobilização para anotações das frases de efeito (obstáculos
atrapalham, mas não impedem; a gente só faz o possível quando desiste do impossível;
planejamento é feito para não ser cumprido, etc.). As anotações são mais intensificadas no
caso de palestras em que o renome do palestrante aparentemente legitima a necessidade
de anotações:
No auditório encontrei o palestrante conversando reservadamente com um professor (PM3). A CM1 e
um grupo de professores conversam informalmente enquanto aguardavam a chegada de mais alguns
professores para iniciar as atividades. A maioria dos professores estava com materiais para
anotações e os professores que iam chegando, logo abriam seu material.
Pareceu-me que a legitimidade da autoridade da fala do palestrante gerava a expectativa da
necessidade de fazer anotações estabelecendo uma relação com o outro do discurso pedagógico da
área que mobiliza a escrita dos professores. Muitos professores que não faziam anotações nos
encontros, e aparentemente sequer levavam materiais, estavam com seus materiais para tal
procedimento. Com um total de 12 professores (8 mulheres, todas com material para anotações, e 4
homens, destes 3 com materiais) foram iniciados os trabalhos pela CM1.
(DC-R36)
Na dimensão de resolução de questionamentos, a produção textual se relaciona com a
demanda da atividade proposta que geralmente é efetivada em trabalhos em grupo. No caso
de solicitação de leitura de textos para apresentação, os integrantes dos grupos se sentem à
vontade para comentar sem necessidade de anotações. A leitura e uma pequena discussão
são efetivadas no grupo menor e, na plenária, um dos integrantes começa relatando o
trabalho do grupo e os outros vão complementando as discussões. Toda a atividade é
marcada pela oralidade. No caso de resolução de questões propostas, acompanhei a
elaboração de sugestões de ações, síntese de vídeos assistidos, proposta de trabalho e
respostas a perguntas. Todas essas atividades são realizadas em grupo e a primeira ação
que se impõe nessa dinâmica é a designação do relator. Esse processo de escolha sempre
é motivado por uma habilidade já desenvolvida. Sendo assim, quem já está acostumado a
escrever tem reforçado esse lugar de escrevente no grupo. Quase não acontecem rodízios
entre relatores. Uma marca a ser destacada é a relação entre quem escreve e quem
apresenta. Quem faz os registros apresenta integralmente os trabalhos ou inicia a
apresentação que será complementada com a contribuição dos outros integrantes do grupo.
Ainda se manifesta o conflito da dificuldade do relator conseguir captar todas as opiniões
166
veiculadas nos grupos menores. Quando a perspectiva do relator sobressai nos registros, o
fato gera alguns conflitos:
[...] a CA orientou o trabalho a ser realizado: leitura do projeto e sugestões em forma de itens para o
projeto a ser desenvolvido no próximo ano. Depois dessa orientação, ela entregou uma cópia do
projeto e uma folha branca para os registros. Em todos os grupos ocorreu uma dinâmica parecida:
leitura circular, discussão e anotações efetuadas por um dos componentes. Em um dos grupos, uma
professora fez uma sugestão que gerou outros desdobramentos nas atividades do grupo:
_ Gostaria que antes dos itens listados, fosse feita uma consideração informando que os professores,
nós, já fazemos esses trabalhos, senão fica parecendo que só eles [os autores do projeto em análise]
que têm essas idéias. (PA13)
Essa sugestão fez com que a folha em branco que estava com outra componente fosse passada
imediatamente as suas mãos com a seguinte recomendação:
_ Então anota você! (PA10)
Ela pegou a folha e elaborou sua consideração. Outra colega segredou:
_ Ela tem jeito para escrever, mas será que é para fazer isso? (PA12)
Saiu discretamente e foi ver o trabalho dos outros grupos. Voltou e informou que os outros grupos
estavam “fazendo sugestões em frases”. O grupo passou então a elaborar as sugestões de forma
oral. Na hora de registrá-las, uma professora sugeriu que as anotações continuassem a cargo da
professora que redigiu a consideração inicial:
_ Escreve você, você é boa para escrever. (PA10).
Ela (PA13) efetuou as anotações e passou para uma colega continuar (PA12). A colega aceitou o
desafio e prosseguiu com outras anotações, mas ela (PA13) se mostrou insatisfeita com o registro da
colega passando a corrigi-la. A colega então devolve o papel e ela continua. Outra colega (PA28)
reclama que ela (PA13) não está registrando suas sugestões. Ela continua dando uma organização
pessoal às sugestões priorizando suas idéias. A colega (PA28) desiste das reclamações. O texto
retorna para suas mãos de PA12 que retoma as idéias desprezadas e tenta inseri-las nas anotações.
Ela insere as sugestões da colega (PA28) e devolve o texto para ser concluído pela professora
(PA13) que o iniciou. Por fim, o grupo entrega a tarefa.
(DC-R19)
Outro aspecto que se destaca é o protocolo textual utilizado nos trabalhos de grupo. As
táticas dos professores se redesenham de acordo com as transformações operadas no
contexto formativo com suas demandas de escrita.
E4B – Eles tentam outros subterfúgios para não dizer não, não vou escrever. Eles estão no grupo e
discutem um bocado de coisas, falam de tudo, mas na hora de escrever (pausa)..., aí não deu muito
tempo [...]. Em outras estratégias de trabalho, como por exemplo, numa simulação que fizemos, de
ataque e de defesa [...], vimos que em muitos momentos alguns professores trabalhavam com idéias
de um texto. Ali você vê claramente aqueles que trabalhavam com as idéias do texto que haviam
estudado subsidiando seus argumentos, confrontando idéias de acordo com o que era simulado de
ataque por cada grupo dos que não utilizavam o texto de apoio. Nesse caso utilizavam as idéias do
texto para o ataque ao outro grupo feito de forma oral, se bem que na fita você observa que há alguns
anotando. De maneira geral, as anotações das reflexões são feitas por pontos da discussão. A
reflexão oral normalmente é muito rica nos grupos, mas na hora de externar são registrados apenas
pontos e a relação entre esses pontos só é feita de forma oral no trabalho do grupo.
Considerando a demanda da apresentação, os textos apresentam tópicos que facilitam essa
tarefa. Bakhtin observa que todo enunciado se elabora para ir de encontro a uma resposta
do outro (1992, p. 320) Nesse diálogo, caracterizador da busca da compreensão, o sujeito
se constitui como produtor de seu texto, constitui para si um possível destinatário e também
se constitui como um possível destinatário de seus próprios textos e de outros textos numa
complexa cadeia dialógica. Nesse contexto, os estudos desenvolvidos por Bakhtin
167
explicitam três posições no diálogo: o sujeito enunciador, o destinatário virtual e o
destinatário superior. No caso dos professores, o destinatário virtual pode ser destacado na
figura dos colegas que ouvem a leitura dos registros no caderno ou assistem à
apresentação dos colegas e o destinatário superior pode ser relacionado com a inserção
dos professores no discurso educacional. A perspectiva dos trabalhos oportunizarem outros
trabalhos ou a continuidade dos estudos implica compreender os textos produzidos na FC
para além desse momento imediato, mas integrante de uma cadeia dialógica sócio-histórica
em que estes têm responsividade em outros tempos e lugares. Garcez (1998, p. 63) destaca
que:
Ao escrever, não se tem como meta unicamente um leitor particular e
concreto, mas as representações de leitor e de autor com as quais o autor
gostaria de se identificar, como também um conjunto de representações e
de idéias mais complexo e difuso com o qual quer contribuir e ao qual
pretende pertencer. Portanto, esse destinatário terceiro pode multiplicar-se
em várias direções, e mesmo assim estará presente e norteará de uma
forma ou de outra a constituição do discurso.
Na elaboração dos textos, é possível perceber que a dimensão formadora das práticas de
escrita vivenciada pelos professores continua uma trajetória de preocupação significativa em
atender os requisitos escolares, delineando um terceiro destinatário com características
escolares. A preocupação com uma boa apresentação funciona como uma prestação de
contas mais centrada no produto do que no processo. O ritual estabelecido para a
culminância das produções textuais valoriza mais as conclusões finais do que o processo de
construção das conclusões. Além disso, a prática da revisão e reescrita, que possibilitaria a
auto-reflexão do sujeito num momento interpretativo de sentidos e ações tornadas
conscientes por meio da linguagem e verbalização fica prejudicada porque os professores,
devido à distribuição do tempo destinado às atividades, não efetuam comentários e
discussões do texto produzido. Os processos cognitivos/interativos que possibilitam a
apropriação da noção de enunciado como uma totalidade irrepetível, historicamente
individual, carecem de mais espaços em função da complexidade da produção textual.
No DC-R 40 consta a designação do relator do grupo, o processo de elaboração do registro
(com a expectativa frustrada da produção de um texto em tópicos) e o processo decisório de
escolha do apresentador da proposta interdisciplinar de trabalho com o filme “Ilha das
flores”:
Em seguida a palestrante propôs um trabalho em que cada grupo deveria especificar o tema gerador
do filme, os temas possíveis de serem trabalhados nas várias disciplinas e o tema transversal que
subsidiaria o trabalho planejado. Formaram-se quatro grupos com três professores em cada. Integrei
um desses grupos (aumento o número de componentes deste para quatro).
168
Em todos os grupos ocorreram discussões orais coletivas e um dos componentes efetuou anotações.
Na apresentação, quem efetuou as anotações efetuou a apresentação. Em dois dos grupos os
colegas complementaram as observações e leitura do apresentador. No grupo em que eu participei
alguns conflitos se manifestaram. As discussões orais foram animadas em função do vídeo ser
motivador. Como ninguém efetuava anotações e o relator não se manifestava “naturalmente”,
comecei a anotar umas palavras chaves da discussão: Vida/fome/divisão social...
Um professor (PP23) sentado ao lado, observando meus registros, ordenou:
_ Escreve as frases completas. Assim não vai dar para apresentação.( PP23)
Expliquei que aqueles registros eram meus, individuais, “um esquema só para o meu controle”. Ele
não se mostrou satisfeito e continuou observando as minhas anotações. Às vezes tentava completálas constituindo uma frase em tópicos [...]. Sugeri que ele também fizesse anotações. Apesar de ter
material em mãos, ele não as fez. Ao final eu tinha o seguinte esquema na folha:
Vida /fome - Divisão social (dinheiro/dono) - Hist/geo: conceito de desenvolvimento - Artes: recorte e
colagem - EF/ Ciên: movimento, corpo, cultivo - Mat: sem número de, quantidade, dinheiro - LP:
compreensão do texto, vocabulário, figuras de linguagem - Tema: relações, ética
Na iminência de esgotar o tempo, perguntei quem faria a apresentação. PP21 respondeu:
_ Ora, você! (PP21)
_ Por quê? (PQ)
_ Você foi a escritora. Não é justo! (PP21)
_ Ela só fez um esquema, como ela falou. (PP23)
_ Concordo com você. Você que acompanhou, não poderia apresentar? (PQ se dirigindo a PP23).
_ Mesmo assim, um esquema dá para falar. E você fala com seu papel. Se precisar a gente completa.
(PP31).
O grupo foi unânime na idéia de que eu deveria apresentar. Notei que PP23 não desejava apresentar,
mas não se sentia seguro da minha possibilidade de representação em nome do grupo contando
unicamente com o material que portava. Fiz a apresentação explicando todas as discussões do grupo
e sempre me reportando ao meu esquema. Ao final, sugeri que os colegas complementassem. Eles
demonstraram que não era necessárias complementações e avaliaram discretamente:
_ Muito boa a sua fala. (PP23)
_ Viu, deu tudo certo. (PP31)
_ Gostei, quem escreve fala melhor. (PP21)
(DC-R40)
Como um texto para apresentação, quem efetua os registros direciona a apresentação,
mesmo que tenha feito um registro muito limitado, como mencionado anteriormente no DC40. Não ocorrem momentos em que os registros efetuados são analisados em seu conjunto.
Em caso de insistência para que se efetue uma análise, retoma-se o propósito da
apresentação (ANEXO F11). A não retomada dos textos produzidos pode indicar uma
dificuldade de relacionar forma e conteúdo. Em relação aos textos produzidos é possível
captar uma dificuldade na leitura de si no trabalho produzido pelo grupo. Ao concluir as
discussões no grupo, os professores, de variadas formas, narram que já tinham feito o
melhor, que essas eram as idéias selecionadas, que já tinham cumprido a obrigação. Não
percebem que, se o conteúdo lhes agrada, se as idéias estão adequadas aos seus
propósitos, a forma textual pode ser aperfeiçoada para obter maior clareza e inteligibilidade
sem abdicar das idéias selecionadas. Parece que retomar a discussão indica mexer no
texto/mexer na apresentação e implica sempre ter que mudar e, nesse caso, a mudança
estaria relacionada ao conteúdo - o que gera uma recusa porque significa abrir mão das
idéias desenvolvidas. Uma vez desenvolvidas as idéias, resta aguardar a apresentação.
Desse modo, a apresentação constitui todos os sentidos para a produção textual. A certeza
169
de que o relator efetua a apresentação faz com que os outros componentes do grupo não se
preocupem em efetuar registros ou se preparem para efetuar a apresentação (ANEXO F12).
Ocorrem também dificuldades de se efetuar o registro, mesmo que em texto topicalizado
nos momentos de discussão. Alguns grupos não conseguem efetuar os registros. Com isso,
eles acabam feitos por alguns professores do grupo no momento da apresentação de outros
grupos. Alguns apresentam as conclusões ao coletivo sem registros escritos. De maneira
geral, observa-se que a discussão das temáticas desenvolvidas é intensa e valorizada no
momento da FC, mas a produção textual solicitada não ganha essa relevância. Não se
discute o registro escrito nem se submete o registro ao grupo. No entanto, ele é um dos
elementos importantes na designação do relator. O texto em tópicos se constitui em sentido
para a apresentação. No entanto, quando referenciado para outras ações, a forma textual é
questionada.
Após o retorno do intervalo, os grupos foram se organizando informalmente em quatro grupos [para
sistematizar as discussões sobre o vídeo assistido: Disciplina e Indisciplina na escola]. A CEF2
passou em cada grupo entregando folhas brancas e reforçando a necessidade dos registros. No
grupo que integrei com 11 professores, a entrega das folhas pela CEF provocou o processo de
designação do responsável pelos registros:
_ PEF9 adora escrever. (PEF3)
_ Eu? Vai PEF10? (PEF9)
_ Eu escrevo, mas vocês vão falar. (PEF10)
O PEF10 pega o papel e começam as discussões [...]. Depois de um primeiro registro, PEF10
participando ativamente das discussões, fala para o grupo:
_ Não vou anotar mais nada, cada um fala na apresentação o que falou aqui. (PEF10)
Uma das coordenadoras (CEF 2) utilizando o microfone reforça:
_É necessário que os grupos não esqueçam o registro. (CEF2)
Na continuidade da discussão animada do grupo, PEF10 vira-se para uma colega (PEF11, uma das
professoras que também fazia anotações), coloca a folha no braço da carteira dela e diz:
_ Toma, comecei, mas a discussão está mais interessante. (PEF10)
A PEF11 lê as anotações que ele escreveu e as complementa. O PEF10 a observa registrando, pega
de novo a folha e passa para outra professora do outro lado do grupo (PEF3) que também participou
ativamente das discussões. Ela lê e confirma:
_ É isso mesmo, eu acho que é isso mesmo. (PEF3)
Terminados os vinte minutos destinados à discussão, na folha do grupo constava:
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------[Anotações feitas por PEF10]
A disciplina e a indisciplina na escola: conversa de sala de aula
A escola
A família
Professor
Aluno
Professor autoritário ou permissivo
A construção de regras
A estrutura da escola – o por que
onde está
o projeto PP
Professor como agente isolado
170
[Anotações feitas por PEF11]
Postura única dos professores diante dos alunos
Participação da família
- os alunos
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Esses registros não foram submetidos ao grupo. Para organizar as apresentações, a CEF2 propõe
cinco minutos para cada grupo e indaga qual o primeiro grupo que se prontifica. Nesse momento
PEF10 se propõe, levanta-se e fala para todo o auditório apresentando as discussões do grupo [...].
Em alguns momentos pára e consulta a folha para ver se deixou de abordar algum aspecto. Ao final
sintetiza:
_ Então a gente colocou isso, não conseguimos fechar uma coisa a respeito disso, colocamos só
enquanto problemática. Existe mais alguma coisa que a gente falou? Alguém quer complementar?
(PEF10)
Um integrante do grupo (PEF 9) complementa falando sem anotações da necessidade da escola ter a
parceria da comunidade para lidar com a indisciplina e a violência.
Durante a apresentação [...]. Duas outras professoras (PEF4 e PEF5) fazem as elaborações da
discussão de seu grupo. Conversam discretamente e tentam, às pressas, enumerar os pontos
discutidos denunciando que não fizeram os registros no grupo de discussão. Com a conclusão do
grupo, a CEF2 se aproxima e solicita ao PEF10:
_ Eu preciso desses encaminhamentos porque é documento para nós essas anotações. A idéia é
trazer esses materiais para nossa construção. (CEF2)
Ele responde:
_ Mas está em tópicos! (PEF10)
Ela insiste e pega o papel. Ele repete:
_ Mas está em tópicos! Não tem nada escrito! (PEF10)
Como o grupo permanece indiferente aos seus argumentos, entrega o papel demonstrando sua
insatisfação com o registro que estava sendo entregue. A CEF2 continua a organização das
apresentações e convida o segundo grupo.
(DC-R15)
O DC-R15 indica que texto em tópicos tem sua funcionalidade associada à apresentação.
Ele favorece a memorização pelo inventário, pela lista hierarquizada dos pontos a serem
privilegiados na apresentação. Nesse sentido, ele se constitui como uma atividade de
organização do saber revestido também de um poder. Esse poder é materializado no
destaque obtido pelos apresentadores dos trabalhos no conjunto dos professores. No
entanto, quando novas demandas são postas ao texto produzido, o conflito se estabelece
porque as bases tomadas para a sua produção se distanciam das bases que sustentam o
uso efetivo do material produzido retratando, que esferas de necessidades diferentes
demandam produções específicas (GOULART, 2000b, p. 172).
Os estudos de Bakhtin indicam que toda forma é uma espécie de resposta, e fora do
horizonte dessa resposta ela não tem sentido (TEZZA, 2003, p. 217). Portanto, é importante
observar que, no atendimento dos requisitos para a viabilidade da comunicação, o diálogo
escrito nasce (e reage) na FC atendendo ao convite dos professores coordenadores. O
enunciador designado para o registro do trabalho em grupo, diante do conjunto dos
interlocutores imediatos, concretiza as anotações para um público próximo que ele pode
observar e com quem compartilha o tempo e o espaço. Pode avaliar a dinâmica dos
trabalhos e os humores do grupo: se pode estender-se na narrativa, se deve ser breve, se
efetivamente precisa efetuar os registros, etc. Em seguida, diante do coletivo, novas
171
avaliações direcionam o apresentador na condução dos trabalhos. O autor pode alterar os
tópicos do registro proposto em função das apresentações anteriores, das réplicas do
coletivo, dos indicadores (verbais ou gestuais) dos colegas do grupo, do tempo restante
para a conclusão dos trabalhos, das recomendações dos coordenadores, etc. O texto em
tópicos facilita as alterações indicadas pelo contexto em que se efetiva a FC. Com isso,
temos um endereçamento principal da escrita para um público ouvinte, fortalecendo a
possibilidade de completude da comunicação a partir da oralidade. Isso não quer dizer que
possamos desconsiderar a presença do terceiro destinatário como parâmetro organizador
da polifonia que se estabelece. É possível observar a tradição de qualidade do trabalho
educacional do município de Vitória, a responsabilidade dos grupos em efetuar um discurso
sustentado nas teorias valorizadas no contexto da área de conhecimento, os narcisismos da
busca de aceitação, etc. O terceiro destinatário baliza os discursos, vigia e fustiga as
divergências. Esses aspectos nos remetem ao sentido de diálogo proposto por Bakhtin, de
comunhão coletiva, porém, sem passividade.
Na pesquisa também é possível observar que, nas produções de texto nos trabalhos em
grupo, se associa a idéia de ler para escrever. É importante assinalar, conforme Soares
(2004b), que há uma relação, uma proximidade entre ler e escrever, mas não há uma
relação de causa e efeito. A idéia de que sempre temos que ler para escrever não é uma
prática social. “São duas práticas sociais diferenciadas, com objetivos diferentes, com
interlocutores diferentes” (2004b). Soma-se a essa questão a necessidade de assinalar que
nem sempre a leitura consiste numa necessidade prévia, muitas vezes, o prosseguimento
na escrita exige a consulta a fontes, novas leituras, bem como a discussão e elaboração da
produção até então efetuada. Na experiência prática da vida (no caso deste trabalho da vida
do professor), base da criatividade popular como mostrou com força Certeau (1994), as
atividades com a escrita demandadas pelo cotidiano quase sempre não estabelecem esse
par leitura prévia para a escrita. Assim, a escrita na FC atende a uma especificidade de
subsidiar as apresentações dos estudos que são desenvolvidos. Com isso, materializa-se a
idéia de que não se escreve na formação (ANEXO I25) visto que o parâmetro tomado para
avaliação é a escrita do texto científico e se mantém a idéia de que os professores têm
dificuldades relacionadas à escrita.
E9 – Acho que é muito bom poder participar. Acho que desenvolve [...] Assim, em relação a formação
dos professores acho que tem um certo crescimento, mas em relação aquela escrita que é feita lá,
acho que acrescenta muito pouco porque é uma escrita meio solta, de fazer um resumo daquele
texto. É nesse sentido que eu vejo.
172
A recorrência da idéia de dificuldade indica que experiências descontínuas com
determinados gêneros textuais e as limitações nas condições de produção (tempo, espaço e
recursos disponíveis) são tomadas genericamente como dificuldade. Outro aspecto que vem
associado a essa idéia de dificuldade diz respeito às exigências necessárias para aceitar o
desafio de se “lutar com as palavras”, como ressaltou Drummond. Os professores incluem
na idéia genérica de dificuldade o esforço necessário à abstração, ao burilamento e à
organização da produção textual, ou seja, os procedimentos intrínsecos ao processo da
comunicação escrita relacionados à unidade do texto, sua clareza, correção e busca de não
contradição.
É importante observar as experiências com determinados gêneros, as condições de
produção e as exigências da escrita, como, e ao mesmo tempo, aspectos inter-relacionados,
mas que apresentam exigências diferenciadas no desenvolvimento na escrita. Ainda que se
tenha uma aproximação com os gêneros textuais desejados e que as condições de
produção favoreçam, as exigências do processo da escrita, com seus desafios,
permanecem. Diversos autores tratam desse esforço imprescindível à produção escrita41.
Ana Maria Machado (2003) aborda um duplo aspecto do ato de escrever: um primeiro
momento em que “deixa brotar” e um segundo momento em que volta para o texto “para um
trabalho racional e braçal”. Observando a labuta da escrita na defesa de que “a palavra foi
feita para dizer” e não para enfeitar, Graciliano Ramos compara a tarefa de escrever ao
ofício das lavadeiras lá de Alagoas42. Elas molham, ensaboam e torcem várias vezes o
tecido, enxáguam, batem na laje, colocam anil para só depois de tudo isso dependurar na
corda para secar. Um trabalho passo a passo que, simultaneamente, exige esforço e
proporciona realização.
A localização social e histórica do grupo investigado, que “torna o homem real e determina o
conteúdo de sua criação pessoal e cultural” (BAKHTIN apud TODOROV, 1981, p. 52),
permite constatar o nascimento social dos professores em tempos de novas exigências de
escrita. Os enunciados sobre a escrita captados na pesquisa variam em graus de
explicação, desde o diálogo aberto à alusão mais discreta, além dos silêncios sustentados
no discurso do outro. Ainda, nessa trama discursiva, as palavras são colocadas em planos
diferentes, em distâncias diferentes, em relação ao plano das palavras dos locutores nas
41
O Globo (1/8/2003) no seu Segundo Caderno publicou “Quando eu escrevo... Estrelas de Paraty
celebram o ato de escrever”. Nesse material é possível observar os dilemas dos autores.
42
Entrevista concedida em 1948. Disponível em: <www.graciliano.com.br/entrada.html>. Acesso em:
10/10/2005. Fragmento da entrevista reproduzido na contracapa da 30ª edição de São Bernardo,
Record, 2004.
173
diversas formas de constituição do discurso sobre a escrita no campo social. As avaliações
presumidas que colorem os tons discursivos nos ditos e não-ditos evidenciam testemunhas
e aliados nesse diálogo contextual sobre a escrita. A dificuldade dos professores com a
escrita como uma idéia que não precisa ser comentada está registrada no DC-R19:
Outra professora (PA14) mostrou o seu trabalho para o estandarte dizendo que “ele falava por si” e
por isso não iria apresentá-lo. A imagem representava o “instrumento de trabalho e as dificuldades
dos professores”. (ANEXO H4).
(DC-R19)
Nesse encontro com as contingências, a escrita indica uma interlocução relacionada à
autoconfiança, à possibilidade de partilha das experiências e à valorização da própria escrita
e da escrita do outro. A reiteração do discurso da dificuldade com a escrita implica no tom
da desqualificação dos professores. A pesquisa indica que o acabamento vivenciado pelos
professores produz um movimento conflituoso que envolve tanto o reconhecimento e a
aceitação das dificuldades quanto uma mobilização para fazer frente a esse olhar social que
os desqualificam. Buscando ultrapassar o posto e captar nuanças da escrita dos professores
com todos os seus objetos de escrita,43 pesquisei o acervo de escrita dos professores (Qquestão 8). É possível observar a constituição de dois grupos. Um grupo formado por
professores que afirmam não ter textos guardados e outro que descreve o material
armazenado. Entre os que afirmam não possuir textos guardados (59%, ANEXO I45), são
apresentados três tipos de argumentos. Um primeiro argumento é de que não há textos
armazenados porque sua produção não se efetiva.
Eu não escrevo. (Q12)
Não escrevi nenhum texto! A não ser redações para concursos. (Q104)
Não tenho o hábito de escrever textos. (Q120)
Um segundo argumento para não se ter acervo relaciona a escrita à impossibilidade da
manutenção do seu sigilo. Nesse, a escrita se apresenta com duas dimensões associadas:
a produção e a destruição, ou seja, assim que os textos são produzidos, são destruídos,
sem alcançar um leitor presente. Atende exclusivamente ao primeiro leitor. A tipologia do
texto, geralmente relatos particulares, contribui para essa postura, uma vez que o material
necessita de espaços privativos. A produção dessa escrita ocorre ocasionalmente, conforme
a dinâmica da vida, funciona como uma elaboração do vivido – o que ocorre em momentos
críticos. Nos comentários do questionário, alguns professores observam que “na dificuldade
de guardar um material que pode trazer constrangimentos, é melhor destruí-lo”.
43
Durante a pesquisa os professores portavam diferenciados materiais de escrita tais como canetas,
lápis, borrachas coloridas etc. Conforme os comentários, para muitos deles esses objetos consistem
em objetos de desejo enchendo bolsas e potes. Destacam o fascínio por papelarias e a importância
da caneta, sempre à mão ou numa posição visível.
174
Todos os textos que já escrevi, queimo, rasgo. (Q77)
Escrevo textos como desabafo, rasgo-os depois. (Q152)
Relatos vividos por mim (biografias) que normalmente escrevo são imediatamente destruídos (Q156)
Por fim, um último argumento para não se ter material escrito guardado é relacionado à
necessidade e à possibilidade de ofertá-lo à leitura. Nesse processo ocorre a circulação dos
textos, sua oferta a terceiros ou até mesmo seu extravio ou desprezo do material. Nesse
caso, é possível captar uma consideração intencional aos possíveis leitores do material no
momento de sua produção.
Meus textos são transmitidos aos alunos ou aos colegas (Q96)
Compartilho sempre o que escrevo. (Q158)
Todos os textos que escrevo são lidos por alguém [...]. (Q165)
Os textos que redigi foram lidos e apreciados por todos que a eles tiveram acesso. (Q208)
No grupo de professores que informam que têm material armazenado (41%), os textos
produzidos e guardados (ANEXO I46) podem ser classificados em textos de caráter pessoal,
textos literários, textos relacionados ao trabalho e textos acadêmico-científicos.
A produção dos textos de caráter pessoal apresenta duas características conforme a
interlocução prevista para o material. As anotações pessoais, os diários e memórias foram
escritos como uma ação pessoal sem objetivar um interlocutor e, as cartas, que foram
escritas presumindo um interlocutor, mas não foram efetivamente compartilhadas.
Constituem textos datados produzidos circunstancialmente em situações especiais:
São experiências que vivi que me causaram mágoas e indignação. (Q60)
São textos falando sobre as minhas angústias pessoais [...] e uma carta de amor. (Q117)
Geralmente são momentos difíceis ou tristes que eu desabafo escrevendo. (Q230)
Os textos literários apresentam duas situações particulares. Alguns (geralmente poesias),
mesmo escritos na forma literária guardam a dimensão de registro de caráter pessoal e por
isso, não objetivam uma interlocução tendo, como conseqüência, a idéia do caráter sigiloso.
Quando estou em crise psicológica gosto de escrever poemas. (Q132)
São poemas como um desabafo pessoal. (Q168)
São cartas em forma de poesia. (Q250)
Para outros textos literários, em maioria, a falta de oportunidades é determinante da falta de
interlocução. Não há leitores disponíveis para o material ou seu autor não objetiva um
compartilhamento particular, mas um compartilhamento coletivo em publicação.
175
Busco escrever para os jornais. (Q82)
Algumas poesias, alguns títulos e pequenos textos relacionados a partes de um possível livro. (Q141)
Gostaria de publicar minhas poesias, mas falta facilidade. (Q181)
Na pesquisa constata-se o destaque da poesia nos textos literários guardados (ANEXO I46 item 3) e no repertório de escrita (ANEXO I22 - item 23 e I18 - item 4). Encontramos a
presença da escrita poética em todas as áreas de conhecimento (ANEXO I47). No entanto,
esses textos não são compartilhados nos momentos de FC.
Os textos relacionados ao trabalho (ANEXO I46 - itens 10 a 13), com poucas ocorrências,
são produzidos com o objetivo de compartilhamento, mas por situações circunstanciais a
interlocução não se efetiva. Excluindo os planejamentos e as anotações de aula, os textos
apresentados sob a forma de projetos, relatórios e relatos são mencionados como materiais
difíceis de serem produzidos. Nesse sentido, acompanhei o percurso da produção de um
relatório avaliativo de um projeto cujo destino foi o armazenamento:
Nos comentários ao questionário os professores mencionaram as sensações associadas à escrita
destacando o “medo de botar no papel” e a diferença que isso faz nos dias de hoje em que “quem
coloca no papel é mais respeitado” e o medo pelo fato de que “o registro fica para a posteridade”.
Nesse aspecto um professor (PP23) narrou como ele e seu colega estão “penando” para redigir uma
avaliação de um projeto que estão desenvolvendo porque não conseguem encontrar um modo sutil
de dizerem o que gostariam, isto é de dizerem que “o projeto é muito bom, mas o sucesso depende
de mais tempo para o trabalho”. Nesse trabalho, tudo que escreveram acabaram “embolando e
jogando fora” e por isso, já “encheram a lixeira e não conseguiram entregar o trabalho à diretora que
fica cobrando a tarefa”. O professor (PP23) esclarece que sua dificuldade é para escrever esse
trabalho “porque tem escrito muita literatura, contos principalmente, mas esse trabalho de escrita
pedagógica é muito esquisito, parece documento”.
(DC-R22)
_________________________________________________________________________________
[...] Busquei indagar a PP23 se ele e seu amigo haviam concluído o texto avaliativo do projeto. Ele
respondeu:
_ Não foi preciso. A diretora decidiu pela interrupção do projeto antes de ver nosso material. O que
fizemos, está lá em casa. Vai ficar guardado. Se um dia a gente precisar. E olha que deu um trabalho
danado! Estou revoltado. (PP23)
(DC-R40)
Assim como os textos ligados ao trabalho, os textos acadêmicos científicos (ANEXO I46 itens 14 a 16) são escritos para interlocução visando ao encaminhamento para publicação,
para a participação em congressos e seminários ou para participação em processo seletivo
de mestrado. Também por situações circunstanciais acabam ficando engavetados. Não
constituem um segredo, mas aguardam oportunidade de vir a público em função da
necessidade de sua aceitação considerando o objetivo de sua produção. A pesquisa indica
que a falta de uma resposta favorável dos destinatários imediatos, implicada pela dificuldade
de circulação dos textos produzidos, gera frustração nos professores. “A palavra quer ser
ouvida, compreendida, respondida” (BAKHTIN, 1992, p. 356-357).
176
4.3 Expectativas e limites da escrita na formação continuada
Buscando problematizar uma “lógica de consumo de informações” em confronto com uma
“lógica de produção de saberes” (CANÁRIO, 2005), parto das possibilidades de interlocução
e das relações que colocam a escrita como elemento de distinção para explorar as
expectativas e limites do desenvolvimento da escrita na FC. Nesse sentido, a escrita é
observada considerando principalmente as suas possibilidades de (com)partilhamento.
Dentre as referências à escrita na FC, pode se destacar uma primeira função como
elemento de suporte à formação. Nesse caso, a escrita é referenciada a partir da
permanência do registro possibilitando recuperar as decisões e solicitações. Uma referência
à escrita como anotação para lembrar. O exercício da escrita serve para lembrar dos
acordos, das atividades solicitadas, das responsabilidades assumidas, etc. O esquecimento
de alguma tarefa ou compromisso se mostra motivador para vincular a escrita a essa função
(DC-R13 e DC-R24). Como elemento de suporte, numa dimensão associada ao controle, a
presença de registros possibilitam identificar os aspectos que mapeiam os encontros de FC.
Esse registro, num protocolo de anotações da pauta do dia, é efetivado pela maioria dos
professores. Em cadernos, agendas, folhas ou em pequenos espaços disponíveis nos
materiais distribuídos, anotam a data, o número do encontro e o tipo de atividade (palestra,
estudo e apresentação do texto X, visita a X, etc.). Esses registros possibilitam recuperar,
em linhas gerais, a trajetória dos encontros através das informações organizadas
cronologicamente. Uma segunda referência relaciona o valor social da escrita à conquista
dos espaços de FC. A escrita é referenciada como elemento de garantia de continuidade da
FC.
_ Então você está falando de hoje e não fazendo uma avaliação de todos os encontros. (PH2)
_ Sim, estou falando de hoje, a gente poderia ter aproveitado mais se todos tivessem o que relatar.
(CH)
_ Já está havendo um curso sobre currículo na UFES. Essa temática é uma coisa séria que estamos
sendo chamados a responder. Nossa produção é importante para a continuidade desse grupo. (PH6).
_ Produção sistematizada (CH).
_ Sim, intensiva e sistematizada. (PH6)
(DC-R13)
A interface da escrita com a garantia da FC traz à tona as descontinuidades a que são
submetidos os professores. Conhecedores dessas descontinuidades pelas experiências
vivenciadas ao longo da carreira, os professores demonstram a preocupação com a
continuidade do trabalho e, em muitos momentos, revelam desconfianças em relação as
intenções do sistema. Nesse sentido, as rememorações de experiências de FC vivenciadas
pelos sujeitos anteriormente revelam o desgaste emocional e as dificuldades de estabelecer
177
projetos futuros: “Não sabemos se vamos continuar”, “Como será no ano que vem?”, “Será
que a formação é importante para a secretaria?”... Essas observações revelam as
instabilidades vividas. O desenvolvimento com a escrita aparece, então, como uma tática de
fortalecimento e continuidade para a FC.
Uma terceira referência considera a possibilidade da conquista da escrita no espaço da FC
e, em conseqüência, efetua uma avaliação da produção textual. Nesse caso, a FC é
referenciada como um espaço em que a conquista da escrita poderia se efetivar. Essa
referência toma como parâmetro avaliativo o desejo de apropriação de um repertório textual
associado ao texto científico. Com isso, sugere a ausência de produção escrita na FC. No
entanto, a pesquisa indica que o problema das exigências do trabalho na escola e das
experiências de FC não reside na ausência ou na (pouca) quantidade de escrita, mas no
fato de a escrita ficar encerrada nas fronteiras desses espaços. Desse modo, as
experiências vivenciadas com a escrita nesses espaços não são reconhecidas “enquanto
instrumento de ‘expressão de si’, de comunicação e interação com os outros e com o
mundo” (CANÁRIO, 2005, p. 13-14). Em avaliações, os professores externam o desejo de
se desenvolverem na escrita, associando esse desenvolvimento ao texto científico.
Mencionam também a falta de oportunidade de desenvolvê-lo na FC.
A palestrante, tendo como suporte o texto escrito de sua palestra, inicia explicando a proposta que
trouxe para o grupo: uma discussão abordando três momentos. Um primeiro momento relembrando
sua presença nos encontros anteriores do grupo (participou de dois encontros coletivos e encontros
com grupos de professores para planejamento), um segundo momento abordando a temática do
professor em relação à formação continuada e um terceiro momento apresentando os problemas
identificados e suas proposições e sugestões para aquele grupo de professores. Perguntou se o
grupo teria outra expectativa. Em meio à concordância do grupo, deu prosseguimento ao trabalho [...].
No terceiro momento intitulado “Problemas identificados e proposições” a palestrante apresenta suas
observações a respeito de alguns problemas distinguindo aqueles que são determinados pelo
contexto escolar dos que são relacionados diretamente com a dinâmica da atuação dos professores
fazendo algumas proposições [...]. Ao final dessa parte foram feito comentários:
_ Nós já temos o planejamento coletivo. (PEF6)
_ Então é mais fácil! Só depende de vocês e não de uma reestruturação da escola. (PAL)
_ Mas precisa de muiiiiita vontade. (PEF3)
_ Temos que continuar e propor novas formas de formação continuada. (PAL)
_ É diferente. Eu quero sistematização, aqui ficamos só falando... (PEF9 para os colegas do lado).
[...]
_ Temos que arriscar para avançar. Vamos ver se vai dar certo deve ser questão central em
detrimento da questão será que vai dar certo? (PAL)
Essa fala gerou novas observações:
_ Na medida em que você acredita no futuro, você pode conquistar. (CEF2)
_ Temos que ver a questão da sistematização, [...]. A necessidade da prática desse planejamento
buscando conteúdo, forma, metodologia para emergir outras coisas [...] (PEF18)
_ Minha angústia é que temos dois anos de trabalho, sei que temos crescido, mas temos que criar
princípios. Se cada um trabalhar sozinho nós não vamos ter um consenso para tornar científica a
prática da EF. Nós precisamos de uma prática para a nossa rede. Fazer e voltar ao estudo. É mais
produtivo do que estar lá sozinho e tentar fazer e escrever sozinho. Precisamos escrever! Isso me
angustia. (PEF9)
(DC-R42)
178
A busca pela escrita se mostra então, como uma possibilidade de “tomar a palavra”, dando
visibilidade àqueles que, “no terreno, constroem e pensam as suas práticas profissionais”
(CANÁRIO, 2005, p. 13). Nessa perspectiva, procuro focalizar as possibilidades de
interlocução através da escrita na FC retomando a circulação dos materiais produzidos
pelos professores. Principalmente, na área de Língua Portuguesa, alguns professores
divulgam seus textos literários de modo paralelo à FC (já explorado anteriormente). Essa
escrita literária indica que uma outra escrita se desenrola para além dos limites
habitualmente cobertos pelas demandas e incentivos do trabalho e da FC. Mesmo numa
quantidade pequena e se posicionando como uma escrita paralela às atividades da FC,
contraria o cenário da incompetência generalizada do professor com a escrita para se fazer
mais viva do que nunca, em cada canto da FC. A troca face a face que, se não é integrada à
FC, é oportunizada pelo encontro entre os pares. Esse encontro também favorece o trânsito
de diferenciados materiais (sugestões de atividades, textos, livros, revistas, etc.).
Quanto a possibilidades de interlocução como extensão da FC, apenas a área de
Matemática e de Ciências trabalham com uma lista de endereços eletrônicos para
comunicação. Acompanhando a lista no decorrer da pesquisa, observa-se a circulação de
cinco comunicações na área de Matemática. Quatro originárias da coordenação do grupo
informando sobre as demandas e organização dos trabalhos e uma de um professor
convidando os colegas a participarem de um bolão lotérico. Respondi todas as mensagens,
mas não recebi novas interlocuções. É possível observar muitas dificuldades para utilização
desse meio, seja para produzir textos diretamente no computador (ANEXO I48 - itens 10 e
11) seja para estabelecer interlocuções com seus pares (ANEXO F13). Ainda, além das
dificuldades para estabelecer interlocução de maneira eletrônica, os professores também
não dispõem de condições para se encontrarem em espaços fora da FC. Na coleta de
dados observa-se algumas tentativas de encontros para executarem propostas da FC.
Apesar do empenho e da busca de mecanismos que facilitassem tais encontros - tais como
marcar subgrupos por escolas localizadas próximas, por rotinas mais semelhantes entre
profissionais, por disponibilidade de dispor do final de semana, etc. – a maioria das
tentativas foi frustrada.
Desse modo, as possibilidades de interlocução entre os professores se restringem ao
momento específico da FC. Com isso, no jogo da falta de tempo, a FC parece se constituir
no tempo da oportunidade e da experimentação que, reconfigurando o sentido das vivências
com a escrita, levaria a sua apropriação no sentido desejado. Esse aspecto fortalece a
importância da FC (ANEXO I40 - item 8), e a escrita, como um tema recorrente no grupo,
parece constituir em maiores possibilidades para os professores nesse espaço. Com isso,
179
os professores se mostram mais exigentes em suas avaliações da escrita na FC (ANEXO
I25 - item 3, I35 - item 2, I40 - itens 1 e 2 e I41). Constatada a importância da FC como
possibilitadora do encontro entre pares e a expectativa do desenvolvimento da escrita dos
professores nesse espaço, busco, então, captar as relações que colocam a escrita como
elemento de distinção para observar, além das expectativas, os entraves e as limitações. Os
professores, em distintos momentos, mencionam as “diferenças em quem escreve". As
observações, que tomam a escrita como elemento de distinção, envolvem as possibilidades
profissionais e as características pessoais.
No
âmbito
profissional,
escrever
é
associado
“a
possibilidade
de
se
valorizar
profissionalmente pela escrita” (E9). Nesse caso, a escrita possibilita divulgar idéias,
fortalecer reivindicações e solicitações da categoria e apresentar o trabalho que realizam:
Na discussão após o preenchimento do questionário a escrita foi mencionada como uma
possibilidade de dar visibilidade aos professores. Um professor declarou:
_ [...]. A gente reclama que os políticos não nos valorizam, o PG7 falou aí que ninguém liga para os
professores, mas para pensar no professor, temos que começar por nós mesmos. Acho que se a
gente desenvolvesse a nossa escrita, ela poderia servir a nossa luta por valorização. Não sei bem
como, mas poderia divulgar melhor as nossas idéias, os pedidos que fazemos nas escolas. (PG 15)
_ Sempre gostei de fazer coisas diferentes, de ensaiar alunos, de planejar teatro [...]. Agora estou
pensando, imagine se ainda eu escrevesse essas coisas (pausa). Ia ser uma coisa! [...] (PG 2).
Outra professora completou:
_ Mas as pessoas que escrevem são diferentes mesmo. Vejo que tem gente que tem mais jeito para
fazer e outros para pôr no papel. Fazem coisas boas, mas não é lá uma grande coisa, nada
extraordinário, mas escreve e aí faz o maior sucesso. Todo mundo elogia e agora ganha até prêmio.
Eu gosto mesmo é de estar lá com os meninos. Às vezes a gente fica triste, eles nos ofendem, nos
machucam, nos desobedecem, mas eu gosto mesmo é desse trabalho. (PG 10)
(DC-R28)
A possibilidade de divulgação do trabalho dos professores através da escrita evidencia um
processo que envolve o desejo de reconhecimento do professor e a recusa em favorecer,
nesse reconhecimento, a visibilidade do sistema. Esse aspecto já foi explorado
anteriormente na abordagem das demandas de escrita relacionadas à elaboração de
projetos no contexto do trabalho na escola. Cabe destacar aqui que tornar acessível a
compreensão do desejo de visibilidade pelo professor não é simplificá-lo, mas considerá-lo
em complexidade como e, ao mesmo tempo, um desejo de reconhecimento e uma
possibilidade de luta. Um lugar habilitado em que o sujeito se observa como ser atuante e
mobilizador de forças na sociedade escriturística. Nessa luta, Prado e Soligo (2005, p. 48)
destacam um aspecto político oportunizado pela visibilidade do trabalho dos professores:
A publicação dos textos produzidos pelos que fazem a educação deste país
– narrando suas experiências, revelando suas idéias, refletindo sobre o que
fazem – é, na verdade, uma conquista de toda a categoria profissional.
Quando os educadores tornam públicos os seus textos, todos ganhamos.
180
No âmbito das características pessoais, quem escreve é referenciado de dois modos
particulares. Conforme o primeiro modo (com mais referências no decorrer da pesquisa),
quem escreve é um falante seguro que “pode falar a partir dos seus registros, um material já
elaborado”. A escrita funciona como um suporte para a fala e oportuniza segurança ao
apresentador. Essa concepção de escrita como suporte para a fala se fortalece na dinâmica
de encaminhamentos de trabalho de grupo na FC, em que as pessoas que efetuam os
registros conduzem as apresentações. No segundo modo, quem escreve “normalmente não
fala”. Nesse caso, a escrita funciona como um substituto para a fala. As referências são
feitas considerando estranheza tanto para o silêncio, afinal “todo professor gosta de falar
muito”, quanto para a necessidade de escrever (DC-R25). Nos Encontros de FC, poucos
professores faziam muitas anotações. Esses professores eram bastante observados pelos
colegas e sempre eram referenciados por essa distinção (DC-R42).
Esta pesquisa demonstra que a experiência com a escrita como uma demanda atual tem a
especificidade de aproximar o repertório textual característico do trabalho docente do
repertório associado ao texto acadêmico-científico. Na complexidade da escrita (ANEXO
I48), no repertório textual demandado pelas solicitações profissionais, os professores
demonstram sua desenvoltura e com isso afirmam uma relação positiva com a escrita
(ANEXO I49). No entanto, essa positividade sucumbe diante das novas exigências que se
apresentam. De maneira geral, os processos de mediação vivenciados pelos professores
não favorecem a aprendizagem do repertório desejado. Na relação entre a leitura e a
escrita, os professores afirmam melhores indicadores para a leitura em detrimento da escrita
(ANEXO I50). A análise das respostas dos sentimentos mencionados pelos professores
frente aos seus textos revela, além de um processo de criticidade, o orgulho pela produção.
Esse sentimento é muitas vezes explicitado durante as apresentações de trabalho em grupo
quando seus integrantes corrigem o apresentador em suas referências que individualizam o
trabalho (eu trouxe para discutir, eu escrevi para dizer, etc).
Nos diversos momentos da pesquisa, os professores externam o desejo de se desenvolver
na escrita. Observei alguns professores buscando ajuda insistentemente. Durante a coleta,
seis professores me procuraram solicitando auxílio em algumas demandas que estavam
vivenciando. Com isso, pude ser interlocutora em algumas etapas da elaboração de projeto
de trabalho, de monografia, de artigo e de memorial. É possível detectar a presença do
argumento comum de defesa da aprendizagem desse repertório na formação inicial e
também na FC. Como um espaço próximo e importante, os professores vislumbram como
possibilidade de fazer frente ao conflito que vivenciam a apropriação de práticas de escrita
no contexto da FC. Nesse sentido, a participação dos professores não pode ser tomada
181
como mera adesão ao programa ou ao sistema que institui a FC. O engajamento dos
professores também indica a busca por novos conhecimentos e saberes. Também é
importante observar o jogo de luta simbólica que, singular, é coletiva, em que o
reconhecimento da FC como um espaço privilegiado para o desenvolvimento da escrita não
desconsidera o caráter processual, tanto da FC como da aprendizagem da escrita:
PQ – Em que o encontro de formação pode ajudar na escrita do professor?
E3A – Eu vejo como mais um espaço, como mais um local [...]. É um movimento interessante [...]
E3B – Na realidade nós estamos dando os primeiros passos, estamos recuperando o espaço que foi
perdido [...]. Nós estamos engatinhando [...] buscando a proposta de desenvolver a leitura e a escrita.
Então, nós estamos dando passos, até porque a formação é uma das coisas da vida do professor que
é cheia de outras coisas.
_______________________________________________________________________________
PQ – Quais as possibilidades e dificuldades dos encontros?
E4B – Eu vejo que já temos dois anos [...]. A primeira limitação nossa que a gente observava era a
formação. Refletimos como íamos trabalhar essa formação, quais as implicações e limitações
mesmo. Nesse ano o que a gente quer é trabalhar para avançar [...].
PQ – E com relação à escrita na formação continuada?
E4B – Eu acho que é exatamente isso que eu estou falando. Do relato, da integração, da articulação
passa toda e qualquer possibilidade, inclusive a da escrita. Aí os articuladores, relacionando qual a
concepção que têm e da inter-relação entre os saberes, para poderem ir promovendo e criando
situações para desenvolverem a formação.
Nesse sentido processual, é possível captar o reconhecimento dos limites da FC para o
desenvolvimento da escrita:
E2B – [...]. Também tem que ver que o encontro é de quatro horas, é pouco tempo [...].
E2A – A gente tenta conscientizar, estimular.
E2B – Ele fez um encontro, volta quinze dias depois. Ele sai daqui, coitado, no outro dia ele está
cheio de provas para corrigir, um monte de coisas para fazer.
E2A – Está correndo para trabalhar, numa roda-viva.
PQ – E com relação ao trabalho com a escrita na formação continuada? Escrever, discutir com o
outro, revisar...
E2B – A gente faz uma parte, de produção inicial, essa segunda parte não dá para fazer.
E2A – Eu me lembro do ano passado. Meu Deus, como eu ficava angustiada porque não dava tempo.
Você sentava no grupo, conversava, discutia e aí escreve e cada um escrevia de um jeito e não dava
tempo. Mas estava provocando.
E2B – Mas essa forma faz você trabalhar [...].
E2A – Eu sei, o tempo que a gente tem é aqui.
[...]
E2B – Por isso nós nem podemos cobrar quando a gente pensa em escrever, tem expectativas,
estamos querendo, mas não podemos cobrar do professor. E essa segunda parte do texto não ta
nesse encontro, teria que criar uma outra forma, um outro grupo, observar quem quer, mas não ali.
E2A – Isso poderia ser um fruto desse grupo de formação continuada.
É importante observar a FC como um contexto existente dentro de outros contextos.
Integrado à dinâmica do exercício da docência, esse espaço também sofre os percalços
impostos à categoria. Dados os limites da FC, a parceria com os outros espaços da atuação
docente se mostra desejada:
182
E42 – O isolamento é uma preocupação que a gente está tendo. Temos a preocupação de ampliar
esse momento de formação tendo contato, por exemplo, com os pedagogos da escola [...].
_______________________________________________________________________________
E5 – Eu acho que se a escola desse estímulo para que o professor tenha um caderno de registro, já
seria um passo. Só que nós temos uma política de educação em que o professor tem que estar
muitas horas em sala de aula com muitos alunos [...]. Teria que ter uma política [..] do sistema com o
tempo para o registro, da escola estimulando isso em vez daqueles planejamentos burocráticos e próforma que a gente faz e nos encontros de formação continuar instigando, provocando, trazendo
atividades que promovam o registro para o professor ir descobrindo que ele sabe, que ele é capaz.
As parcerias, principalmente com a escola são almejadas. No entanto, em muitos
momentos, a FC concorre com as atividades escolares e os professores se mostram
divididos vindo ao grupo e retornando para a escola ou passando antes na escola e
chegando atrasados aos encontros. Além disso, as atividades docentes invadem o espaço
da FC. Ser puxado é considerado como positivo, no entanto, também é referenciado como
um dos empecilhos para a participação. Nóvoa (2004) destaca a importância da FC se
efetivar “nun continuum” e em parceria com a escola afirmando que “são as escolas e os
professores organizados nas suas escolas que podem decidir quais são os melhores meios,
os melhores métodos e as melhores formas de assegurar esta formação”. Na pesquisa, a
parceria entre a escola a FC se mostra um processo de desejo sem, no entanto, efetivar
solidariedades consistentes. Cabem aos professores as escolhas que privilegiam as
atividades de determinados contextos. De maneira geral, as demandas da escola, e
principalmente da sala de aula, se mostram mais urgentes em detrimento das atividades da
FC.
Utilizando uma terminologia bakhtiniana, as demandas da escrita no contexto atual
provocam uma “atitude responsiva ativa” nos professores de todas as áreas de
conhecimento pesquisadas. Aglutina grupos de interesse na FC demonstrando sua riqueza
simbólica e seu potencial de transformação. No entanto, esse é um processo que se mostra
embrionário, carecendo de organização, uma vez que a possibilidade da formação de
grupos de indivíduos com um projeto comum depende de sua eficácia em mapear e dar
sentido às emoções e sentimentos que constituem os projetos individuais. Como somatório
e síntese, a FC necessita sintetizar e incorporar os diferentes projetos individuais
estabelecendo uma definição de realidade convincente, coerente e gratificante, a partir do
desenvolvimento na escrita. Se, por um lado, essa definição não se constitui nos domínios
exclusivos das atividades da docência e da FC (processa-se em domínios diferenciados,
com interesses diversos, implicando a complexidade da implementação de projetos
relacionados à escrita), por outro, considerando o conjunto de símbolos associados à
escrita, seu potencial intrínseco revela um campo de possibilidades que permanece aberto.
183
É importante destacar que o movimento individual dos professores e as interações
observadas nas áreas de conhecimento se processam no interior de uma sociedade que
tem, cada vez mais, valorizado as ações de sofisticação do letramento como via de distinção
social. A intensificação do desenvolvimento do letramento tem sido associada à
possibilidade de visibilidade e reconhecimento. Com isso, as forças próprias que animam os
professores em relação à escrita envolvem diferenciados contextos que ultrapassam a
escola e a atuação docente. O desejo e a necessidade dos professores revelam uma
integração numa esfera social de valorização de determinado repertório com dificuldade em
sua apropriação. Nesse sentido, é importante relacionar esse processo de busca,
apropriações parciais, resistências e dificuldades às questões éticas envolvidas nas práticas
de letramento. Kleiman (2001a, p. 24), fazendo referência a Street (2001), afirma:
Os estudos do letramento sempre examinam questões de poder, pois visam
entender como um determinado conjunto de idéias, concepções e
pressupostos sobre a escrita, de um determinado grupo sociocultural, é
reproduzido, imposto, subvertido, mas nunca utilizado de forma neutra por
outros grupos.
A partir dessa ótica, Kleiman (2001b, p. 48-50) observa que o letramento dos professores
não é um problema quando o letramento é definido, de forma mais ampla, pelos padrões
das instituições familiares e do trabalho. Nesse sentido, parece inadequado e circular
reiterar que o problema decorre do fato do letramento dos professores ser do tipo escolar e,
por isso, insuficiente para o papel de representante da sociedade letrada. O movimento dos
professores e das áreas de conhecimento se relaciona à dinâmica da sociedade de prestígio
de determinadas práticas de letramento e de um processo de desvalorização do magistério,
não só, mas também através do letramento. Considerando o conhecimento como produção
social de toda a humanidade, é importante ponderar que, além da denúncia ao processo de
desvalorização, é necessária a ampliação das condições de letramento para toda a
sociedade e, no interior desta, também para os professores.
Observando o grupo pesquisado, os professores encontram-se face a uma nova
possibilidade
discursiva
possibilidade
dessa
através da
apropriação
apropriação do texto acadêmico-científico. A
vem
associada
à
perspectiva
de
ascensão
e
reconhecimento, demonstrando que a escrita adquire novos contornos para a categoria.
Essa potencialidade precisa ser confrontada com as dificuldades contextuais da apropriação
da escrita pelo professor observando a utilização da escrita como instrumento para a
concentração de poder e manutenção das hierarquias sociais. Nessa lógica, é importante
considerar a dificuldade imposta aos mais pobres e aos mais fracos para acessar os locais
onde a escrita é produzida, consumida, ensinada (KLEIMAN, 2001a, p. 24). A compreensão
184
dos atos de escrita demanda sua observação como práticas sociais situadas em
determinados contextos de uso. Adquirir e fazer uso das possibilidades da escrita
demandam o reconhecimento dos processos de aprendizagem relacionados à dinâmica
social. Com isso, é importante reforçar que a atuação docente inserida no contexto,
pressuposto desse trabalho, demonstra que os professores, como sujeitos históricos, se
constituem como sujeitos humanos e sociais pela linguagem imersos em uma coletividade.
A pesquisa demonstra que, nessa coletividade escriturística, os professores estão
enfrentando dificuldade para deixar seus rastros. No entanto, há sempre uma possibilidade
de réplica, uma contrapalavra. Canário (2005, p. 15) relaciona a escrita, como uma
conquista coletiva, ao fortalecimento dos professores:
Vivemos tempos difíceis para os professores, ameaçados por um processo
de proletarização que só pode ser contrariado pela afirmação da sua
autonomia na produção de saberes profissionais encarados como legítimos.
Ao dar conta de dispositivos de formação estruturados na produção escrita
e nos respectivos circuitos de intercâmbio que se está a fazer é contribuir,
de forma poderosa, para reforçar o professor como profissional que produz
os seus próprios saberes profissionais e que é capaz de os explicar,
fundamentar e comunicar (...). É a partir dessa conquista coletiva que os
professores, como grupo profissional, podem superar os vários tipos de
tutela que, sobre eles, tendem a exercer-se.
Bakhtin destaca a responsabilidade humana como fonte e instrumento para transpor o que é
mecânico e superficial (VELMEZOVA, 2005, p. 79). É preciso avançar da culpabilização
para analisar sob que condições determinados saberes tornam-se hegemônicos ou
legitimados e passam a exercer determinadas formas de controle sobre outros. Nesse
sentido, o espírito de nossa época, caracterizado por uma racionalidade técnica, não pode
ser desvinculado das questões de valorização do texto científico e de reconfiguração do
trabalho docente. Observando as relações de contradição, as formas de inclusão/exclusão
de saberes em torno de como se legitimam determinadas práticas sociais/discursivas em
detrimento de outras expressam, objetivamente, tanto os modos de produção de processos
de interdição quanto a inscrição dos sujeitos no processo de luta pela apropriação da
palavra (ZANDWAIS, 2005). Na pesquisa, a escrita dos professores configura uma arena de
visibilidade, embora não de maneira transparente, dos confrontos de valores que permeiam
as apropriações dessa prática social cada vez mais vinculada à construção das formas de
existência social. A escrita se mostra muito mais como movimento e diversidade de práticas
– que em muitos momentos se rivalizam – do que um estado de homogeneidade. O discurso
de importância da escrita não pode desconsiderar a diversidade de práticas e suas
condições de produção, ambas situadas na lógica da construção social da realidade.
185
5 CONCLUSÃO
Ao concluir esta pesquisa recupero os caminhos trilhados, faço análises pretéritas sem,
contudo, esgotar todas as veredas da temática, visto que este trabalho constitui apenas um
dos elos da cadeia dialógica sobre a escrita de professores. Não é possível prever com
exatidão a trajetória de uma pesquisa após sua conclusão, mas desejo que estes resultados
estimulem responsividades que instiguem a pensar novos rumos de fazer a educação. Tal
possibilidade me provoca a pensar sobre a mediação e ousadia necessárias à inserção no
jogo de recepção e divulgação das produções acadêmicas e me remete aos professores
pesquisados. Estou como eles a indagar minha pertença ao meio das idéias educacionais.
Antes mesmo de encerrar o trabalho, novos desafios já me acenam... Desafios derivados do
projeto de compreender como os professores vinculados à SEME-PMV utilizam a escrita em
seu contexto profissional.
Desde os primeiros dias de interação no campo de estudo, foram emergindo as tensões
entre o discurso institucional e as deliberações dos professores. A visibilidade, nem sempre
aparente, dos atravessamentos dos discursos circulantes indicou a observação da ação dos
professores com a linguagem, considerando o confronto entre o assujeitamento e a
inventividade e a integração das diferentes dimensões da vida do professor. Com isso, a
análise da relação com a escrita foi inserida nas complexas relações dos professores com o
mundo em que vivem e onde geram conhecimentos, afetividades, modos de ser e de pensar
que vão impregnando suas identidades num processo ativo de intercâmbios comunicativos.
Aproximei-me do humano, com seus dilemas, conflitos e desejos que dialogavam com os
sentidos da escrita, sua materialidade, as condições de produção e as interações
estabelecidas. Nessa aproximação fui convidada a ser interlocutora de projetos de escrita de
alguns dos professores em meio aos meus próprios dilemas com a escrita: escrever o
projeto, qualificar o trabalho, sistematizar as observações, desenvolver o relatório final...
Explorar os processos constitutivos dos professores com base nos princípios teóricometodológicos desenvolvidos a partir das categorias de atuação, interação e criação,
sustentadas em Bakhtin e Certeau, permitiu questionar a apropriação das práticas ligadas
ao letramento, em particular às práticas de escrita, associadas a uma passividade, como se
186
fosse possível apropriar-se dessas práticas sem deixar as próprias marcas. Por mais que a
imposição do enquadramento seja reconhecida, a pesquisa explicita um consumo ativo em
que confrontos, lutas e silenciamentos se apresentam no controle dos sentidos acerca das
práticas de escrita.
Os modos como os professores interpretam as mensagens da importância de se
desenvolverem na escrita se forjam a partir de suas próprias vivências, fortemente inscritas
socialmente, não havendo, então, espaço para a constituição de idéias homogêneas acerca
da importância da escrita do professor ou de um modo de apropriação. Os posicionamentos
dos professores em relação à escrita retratam que estes respondem pelos próprios atos e,
simultaneamente, respondem a todo um discurso social sobre a escrita. No vivido, a
responsividade e a assunção de responsabilidade retratam a presença dos professores
como sujeitos que vivem as demandas de escrita e do contexto material em que essas
demandas são forjadas. A pesquisa indica múltiplos pontos de contato entre a profissão e
outras dimensões sociais associadas à escrita. Sendo assim, as ações e os discursos sobre
a escrita são dotados de sentidos a partir de um diálogo entre diferentes esferas sociais.
Com isso, a relação dialógica explicitada na pesquisa envolve o debate, a ironia, o
confronto, a discordância, a animosidade e também a adesão, a concordância, a aceitação,
a execução... Retrata respostas imediatas e também pausa, espera e silenciamento,
constituindo tempos diversos na responsividade (BAKHTIN, 1992, p. 290-291).
A multiplicidade de questões que envolvem a escrita inserida na atividade docente indica
que os professores, nos mais variados posicionamentos e formas de expressão, sempre
somam aos enunciados sobre a escrita suas vivências, suas expectativas, suas leituras e
seus pontos de vista. Ressaltando a impossibilidade de delimitar rigidamente as fronteiras
da escrita inserida nas várias dimensões da vida do professor, a síntese integrando os
aspectos ligados à trajetória vivenciada com a escrita, o trabalho na escola com suas
demandas e oportunidades, a participação na FC e a escrita na vida pessoal significa uma
escolha entre outras possíveis, uma escolha que me possibilitou conversar com as vozes
ofertadas pelos professores nas condições propostas na pesquisa.
O objetivo de compreender contextualmente a responsividade dos professores às demandas
em linguagem que destacam a escrita como requisito para atuação docente indica a
conclusão de que:
-
os
sentimentos
dos
professores
frente
à
escrita
envolvem
a
burocratização das demandas em interação com o discurso de
valorização da escrita de textos acadêmico-científicos;
187
-
a escrita no cenário da FC se constitui em interface com a
(des)valorização do trabalho cotidiano do professor e
-
a escrita se apresenta como mediadora das relações entre sujeitos e
discursos.
Essa conclusão indica que o trabalho da FC envolvendo a escrita precisa considerar que:
-
a FC se constitui como um contexto integrado a outros contextos;
-
a escrita na FC se desenvolve em interface com as várias dimensões da
escrita na sociedade e
-
a escrita na vida do professor integra diferentes dimensões (pessoal, das
demandas do trabalho, da formação, etc.) e abarca os projetos
relacionados à carreira, à visibilidade pessoal, à divulgação do trabalho e
à inserção no discurso pedagógico.
Explorando esses indicativos na complexidade interativa que constitui a ação dos sujeitos
situados no contexto, a focalização da escrita com atenção aos eventos do dia-a-dia
docente revela que as referências e as práticas de escrita não se confinam na escola ou no
trabalho docente. Ocorre uma articulação entre as crenças, aptidões, valores, atitudes e
disposições típicas de outros ambientes culturais com as demandas escolares. Esse
processo de interação promove interfaces entre os diferentes discursos sobre a escrita
permitindo observar que os professores reagem frente a um discurso prescritivo da escrita
desvelando os conflitos gerados a partir do esforço em sintonizar suas necessidades de
escrita com as demandas postas pelas exigências do trabalho em confronto com as práticas
valorizadas socialmente. A escrita se torna, assim, um lugar de fronteiras múltiplas que não
se desenvolve numa continuidade e linearidade distantes das forças que movem a
sociedade. No contexto da linguagem como uma prática social, ela está inter-relacionada
com as exigências do capital, com as políticas sociais (especialmente educacionais) e com
os sentidos que são negociados no fazer dos homens.
No percurso de aproximação das atividades envolvidas no processo de letramento, a
escolarização tem papel decisivo para o estabelecimento de sentidos para as práticas
ligadas à escrita. É possível captar, na diversidade de práticas envolvendo gêneros do
discurso, suportes, instrumentos e sentidos, a integração em determinadas comunidades
textuais associadas aos requisitos escolares. Como práticas, implicam a atuação dos
sujeitos em diferentes formas de apropriação, de usos e de transformações. De maneira
geral, observou-se o reconhecimento do sucesso na escolarização em meio à explicitação
do processo de escrita desenvolvido como um elemento limitado em face das expectativas
188
atuais. Na heterogeneidade das práticas vividas, a escolarização dos professores se mostra
determinante na constituição dos sentidos para as atividades de leitura e de escrita, bem
como para a formação docente. Com isso, as ações de formação vinculadas
institucionalmente, que delimitam tempo e espaço para os estudos e que implicam,
principalmente, a titulação (especialização, mestrado e doutorado), se mostram como um
campo privilegiado de mobilização para a escrita. As cobranças que essas formações
efetivam através das atividades avaliativas e dos trabalhos de conclusão (monografias,
dissertações e teses) e a perspectiva de progressão na carreira dão sentido à mobilização
para o enfrentamento das atividades de escrita. Essa mobilização para a escrita em
atividades de formação institucionalizadas também se relaciona com a perspectiva de
certificação como medida avaliativa, tão presente no cenário atual.
No âmbito profissional, o repertório textual da atividade docente, constituído principalmente
por pautas (diários de classe), planos, relatórios, fichas, avaliações e, mais recentemente,
pela elaboração de projetos, é referenciado como um repertório de repetição que provoca
diferenciadas atuações que, ao mesmo tempo, podem executar ou burlar as normas
estabelecidas. Muitas dessas obrigações são selecionadas para sua execução ou efetuadas
sem a regularidade prescrita pelas regras institucionais. Os resultados da pesquisa indicam
que as táticas de atuação dos professores em face das demandas de escrita no trabalho
são constituídas não só pelo atraso, pela solicitação de mais tempo, pela resistência a
determinadas obrigações, mas também pela dedicação e envolvimento, demonstrando a
complexidade da relação com a escrita nesse contexto. O cumprimento ou descumprimento
dessas demandas envolve tanto as especificidades dessas obrigações quanto o jogo
negociativo e as relações de força que se estabelecem entre os atores a partir da dinâmica
escolar. Os textos se mostram como mensageiros de relações entre os sujeitos, constituem
a identidade profissional e seu domínio influencia a segurança na atuação docente.
Elementos característicos da escrita, tais como a permanência do registro, a possibilidade
de sua recuperação, a necessidade de clareza para a comunicação entre sujeitos distantes
e a exigência de certas aprendizagens, também fornecem sentidos para as relações
estabelecidas entre os sujeitos. A permanência do registro permite que sua contabilidade
seja referência para avaliações do desenvolvimento do trabalho pedagógico e para
posicionamentos frente aos conflitos gerados. No trato de questões relacionadas à
hierarquia escolar, a escrita, utilizada principalmente nos registros de reuniões e de
decisões, explicita as determinações e acordos sendo referenciada nas tensões relativas ao
cumprimento das deliberações administrativas e pedagógicas. De maneira geral, entre os
atores da escola, o aluno é o foco de referência para o desenvolvimento da escrita,
189
indicando um investimento nas discussões e no planejamento de ações intencionais para
sua formação. Entre os professores observa-se uma expectativa de competência para toda
a categoria com um endereçamento mais focalizado nos professores de Língua Portuguesa
para o estabelecimento de interlocução.
As referências à escrita na atividade docente revelam que os sujeitos, com suas atitudes e
modos de ser, integram as mediações [0]que dão sentido às diferentes sociabilidades com a
escrita. Na dimensão formadora das práticas de escrita, os professores utilizam a escrita
para diversos fins. Existe[0] uma escrita como instrumental para a execução do trabalho,
seja na escola seja na FC e, simultaneamente e em diferentes interfaces, uma escrita que
ocorre [0]nas práticas privadas de gestão da vida e de elaboração de conflitos, nas
iniciativas de outros registros (seja do trabalho, seja da FC) e nos desejos de inserção em
espaços acadêmicos, principalmente na continuidade de estudos. Como suas práticas de
escrita são cotejadas com os valores circulantes na sociedade, os professores sentem que
há uma distância entre os seus textos e a produção de textos acadêmico-científicos,
implicando um sentimento de desqualificação pelos professores e o desejo de apropriação
dos gêneros valorizados socialmente.
A atenção à interação recíproca entre pessoas e seus ambientes aponta, com base nos
resultados da pesquisa, para a compreensão de que, na dimensão formadora das práticas
de escrita, os professores, circunscritos a determinadas condições materiais do exercício da
docência, vão construindo modos particulares de inserção no mundo da escrita,
arquitetando
e
desenvolvendo
práticas
sociais
culturalmente
determinadas
mais
relacionadas às demandas imediatas do trabalho no contexto escolar. Para os professores
participantes da pesquisa, a escrita se constitui como uma atividade conflituosa quando
exige do sujeito sua exposição enquanto autor do seu discurso. O medo de escrever está
relacionado, como foi mencionado acima, ao parâmetro do texto científico que se elabora de
modo incipiente no processo formativo. A aproximação com esse repertório de escrita, além
de provocar instabilidades, revela as difíceis condições de materialidade da escrita para
esse segmento. Nesse sentido, os professores encontram-se impedidos de lançar mão da
escrita para fazer frente à desqualificação a que são submetidos e para apaziguar a
angústia que vivem em função do desejo da escrita do texto científico, embora a utilizem
para as solicitações do cotidiano escolar. O texto científico é concebido pelos sujeitos da
pesquisa como um conhecimento que eles entendem não possuir, mas que o desejam como
meio para inserção em espaços que contribuam para a legitimidade de sua atuação e para
novas possibilidades profissionais.
190
A leitura consiste numa conquista visando à apropriação das palavras alheias na
constituição da autoria no texto escrito. A forte presença do texto fotocopiado, a dificuldade
de compra de material de leitura e o reduzido tempo disponível para a efetivação de leitura
estimulam a idéia de uma falta de leitura. Em vários momentos, os professores, mesmo
listando algumas de suas leituras, afirmam uma carência de leitura. Embora considerem a
leitura como a prática de formação mais importante que vivenciam (e sua intensidade pôde
ser constatada nos encontros de FC), a carência é afirmada observando os objetos e a
especificidade da leitura. Quanto aos objetos, os professores afirmam-se carentes da leitura
de livros, e quanto à especificidade, definem-se como leitores da profissão, buscando
sempre conhecer as novidades da educação com um interesse particular pela área de
conhecimento em que atuam, sem condições para a leitura livre. Essa falta de leitura livre
fortalece uma concepção da literatura para poucos privilegiados. Esses aspectos da leitura
do professor indicam a permanência de dificuldades já evidenciadas em outras pesquisas.
Explicitando dificuldades com a leitura e com a escrita em confronto com os discursos
legitimados que fortalecem a importância da leitura para fruição e da apropriação do texto
científico, os professores demonstram o desejo de se reconstituírem enquanto autores de
seu discurso, revelando projetos futuros de continuidade na formação, reconhecendo
limitações em sua formação e comemorando avanços conquistados. Explorar a escrita a
partir do contexto do nosso tempo, envolvendo sua trajetória, implica não pressupor uma
homogeneidade, mas observar variadas relações entre as práticas de escrita e os desafios
que se apresentam. Essas referências, que funcionam como um sistema simbólico que
ilumina o imaginário, a memória e os repertórios, relacionam-se às práticas de escrita como
elementos de constituição de sentidos para essa prática social. Tanto as referências quanto
as práticas se transformam, mediatizadas pelo contexto de sofisticação das ações de
letramento. Com isso, temos associado à escrita um valor expresso. Imersos na diversidade
textual, os professores não só aprendem ou desejam aprender a escrever um determinado
texto, mas junto com essa apropriação associam o valor de tal texto.
Na atuação dos professores frente aos gêneros típicos do trabalho docente no interior da
escola e à legitimidade dos gêneros acadêmico-científicos, é possível observar um espaço
em aberto e em constante movimento em que a escrita se constitui como um dos elementos
do jogo interativo com o outro. Percebe-se uma multiplicidade de vozes sobre a escrita na
luta pelo tom dessa ação. Nessa perspectiva, na constituição contínua e contextual da
identidade docente, são muitos os outros em cujos olhares os professores habitam na
constituição de suas identidades. Na multiplicidade e instabilidade que constituem nossos
acabamentos provisórios, a pesquisa revela que, na trilha do trabalho docente, a escrita
191
atinge centralidade relacionada à valorização de determinados gêneros legitimados
socialmente. Esse eco influencia na identidade docente tanto a partir da aceitação dessas
referências e busca de conquista dessa cultura quanto a partir de descontinuidades com
resistências a esse discurso. Sendo assim, a problemática da escrita do professor não pode
ser resumida em pólos como se de um lado estivesse a escrita do texto científico e de outro
a escrita das demandas do trabalho, da FC e da vida pessoal. Não há como delimitar as
fronteiras, o mundo da escrita na vida do professor é mais complexo do que um jogo de dois
lados. Há muitos lados e muitas mediações.
Nessa luta, o discurso prescritivo de valorização da escrita parece se manifestar numa voz
social de ritmos regulares e homogêneos, simulando uma consensualidade em torno da
escrita do professor. Protegido pelo contexto grafocêntrico e tomando um interlocutor
projetado em condições desprivilegiadas, esse discurso prescritivo, como um narrador
social, se refere aos professores falando deles confiantemente na terceira pessoa: eles
precisam aprender a escrever (se é assim, é porque não sabem). Esse discurso social
transforma-se na voz do saber e da maestria, no discurso impessoal da verdade objetiva
que é apropriado pelos professores. Na apropriação e no embate com esse discurso, os
sujeitos pesquisados falam hesitantemente de si, na primeira pessoa. Nesse jogo, a
experiência dos professores, seus dramas e seus conflitos com a atividade da escrita
parecem sucumbir a uma normatização, a uma necessidade, a um dever... Entre os
interlocutores - o discurso social e os professores – distanciamento e intimidade são
descoladas do contexto das condições de produção da escrita. Emerge uma situação
profundamente confusa e complexa que, de maneira geral, desqualifica os professores e os
coloca numa condição de responsabilização única pelo seu desenvolvimento com as
práticas de escrita. Esse discurso prescritivo e avaliativo provoca nos professores uma
sensação de déficit. No entanto, em muitos momentos, o discurso é apropriado para
fortalecer a categoria ou é negado a partir da execução das exigências de escrita no
cotidiano da atividade docente.
Nas interações discursivas que utilizam o discurso de valorização da escrita para o
fortalecimento da categoria, os professores se esforçam para delimitar a presença do outro a literatura acadêmica que valoriza a formação do professor pesquisador, a credibilidade do
texto científico, a associação entre a produção do texto científico e o reconhecimento
profissional – no fortalecimento do seu discurso reivindicatório de condições de apropriação
da escrita em suas diferentes possibilidades. A reiteração do discurso prescritivo de
importância da escrita se manifesta, não como repetição, mas como apropriação para outros
fins que não seja a desqualificação. Nas contrapalavras, a apropriação da importância da
192
escrita interessa aos professores. Eles fundamentam o poder da sua palavra na palavra
alheia, na palavra do outro. Com isso, atualizam e reinterpretam o discurso prescritivo de
modo a permanecerem vivos em seu discurso reivindicatório, demonstrando com essa tática
que os discursos se constroem sobre discursos, num jogo polifônico entrelaçado aos lugares
sociais. Nas réplicas possíveis, esse discurso prescritivo que insinua uma desqualificação
dos professores também pode ser negado a partir da sua confrontação com o uso intensivo
da escrita como ferramenta profissional e com o papel dos professores como mediadores
entre a escrita e os alunos. Nesse embate entre o saber e o não-saber, se os professores
não sabem escrever, não o sabem em determinadas circunstâncias, pois em outras, eles se
expressam adequadamente, produzindo uma escrita coerente, individual que atende as
exigências que se apresentam. A pesquisa indica que o contexto pesquisado se revela
como ponto de encontro e de choque das várias visões que constituem os discursos sobre a
escrita. O reconhecimento da pluralidade e a valorização da diferença precisam ser
associados à promoção do diálogo em prol de propósitos comuns acerca da escrita do
professor.
Nesse jogo, os sentidos das práticas de escrita dos professores que constituem a idéia de
que os professores não escrevem ou são resistentes à escrita - tão presentes no grupo
pesquisado – precisam ser situados no contexto da comunidade reafirmando que o
interlocutor participa da formação do sentido, assim como os outros elementos sociais do
contexto da enunciação. Como narradores de nós mesmos, a dialogia face às questões da
escrita tem implicado na desconsideração da sua pluralidade e imposto a construção de
uma intersubjetividade que desqualifica os professores. Esse olhar desqualificador só se
manifesta assim para os professores porque há um outro olhar com relação ao qual a
desqualificação ganha sentido, uma outra ponta, dando a medida do desenvolvimento do
professor com a escrita.
No emaranhado de relações, percebe-se a ampliação de um
diálogo em que a relação dos professores com a escrita convive - e entra em conflito - com
diversos discursos, em complexas articulações, que fundamentam uma pluralidade de
pontos de vista. A aproximação dos professores a temáticas relacionadas ao estudo, à
pesquisa e ao registro implica o desejo de se apropriarem de recursos expressivos na
construção textual de gêneros valorizados socialmente. O desejo e a necessidade dos
professores revelam a perspectiva de conhecer e interferir no mundo.
A escrita é
relacionada à valorização pessoal, facilitando divulgação de idéias, solicitações e trabalhos
desenvolvidos.
A divulgação do trabalho do professor é relacionada ao desejo de reconhecimento e ao
conflito na relação de pertencimento a um sistema que capitaliza para si esse
193
reconhecimento. Nesse contexto, os professores utilizam a tática de confinar o seu trabalho
na escola e, principalmente, na sala de aula, permitindo apenas o compartilhamento entre
os pares (principalmente através de relatos de experiências). Essa tática confinadora do
trabalho e do sentido da atuação docente tem implicações na constituição da identidade
docente e na dimensão de atuação social. Possibilita uma liberdade de atuação porque, no
estabelecimento da invisibilidade do trabalho, o professor pode cuidar de si e produzir seu
trabalho resguardando-se das invasões normativas dos modos de ser e de fazer (LIMA,
2005, p. 196). No entanto, promove a idéia do enfraquecimento do poder de atuação dos
sujeitos, contribuindo também para o isolamento e a solidão no trabalho docente. Mesmo
sendo executadas na sala de aula, as ações e opções dos professores se situam também
para além dela. Integram o eu pessoal e o eu profissional no contexto da produção social da
realidade. Esses aspectos revelam a necessidade de “investir positivamente nos poderes
dos professores” (NÓVOA, 1998, p. 35).
Apropriando-se, a seu modo, das recomendações da literatura pedagógica para a formação
de professores e dos indicativos para as políticas públicas educacionais, o sistema
municipal apresenta a FC como uma das estratégias de investimento nos professores. Os
objetivos explícitos de desenvolvimento da escrita na FC promovem um investimento na
escrita nas atividades desenvolvidas. É importante considerar a FC integrada à dinâmica do
exercício da docência, observando que este espaço também tem seus limites e sofre os
percalços impostos à categoria, concorrendo com as outras atividades do trabalho e
acrescentando novas demandas (de leitura e de estudos) à vida dos professores. A
pesquisa indica que os espaços do trabalho, da FC e das demandas da vida pessoal
promovem diferentes interfaces, de modo que não é possível delimitar as fronteiras para a
execução das atividades que envolvem a escrita requisitada por cada espaço. De maneira
geral, a pesquisa indica que as demandas do trabalho com os alunos adquirem uma
supremacia na prioridade para a execução de tarefas indicando um senso de compromisso
e zelo com essa dimensão da atuação docente.
Os professores se apropriam do espaço da FC para diferenciados fins: garantir a formação
(e a certificação dela decorrente), realizar estudos e leituras, trocar experiências, reafirmar
suas reivindicações, estar com os pares, extravasar angústias... Esses fins promovem
diferentes atividades com a linguagem (e especialmente com a escrita) executadas na
mediação entre as exigências da FC e as demandas dos sujeitos participantes. A FC
aparece como um espaço possível para a conquista da escrita dos gêneros desejados pelos
professores. Numa reciprocidade, a conquista desses gêneros relacionados ao texto
194
acadêmico-científico aparece como uma possibilidade de fortalecimento do espaço da FC,
indicando uma instabilidade quanto à garantia desse espaço para a categoria.
Das atividades desenvolvidas na FC, o trabalho em grupo se mostrou como a atividade que
mais demanda a escrita com um fim específico de interlocução. O texto produzido se efetiva
a partir de um relator e atende aos objetivos de apresentação dos trabalhos desenvolvidos.
Com isso, o texto em tópicos atende aos requisitos da dinâmica empreendida nesse espaço.
Os tópicos enumerados ganham estrutura orgânica interna com o auxílio da oralidade no
momento da apresentação dos trabalhos em grupo. No entanto, ao ser confrontado com as
possibilidades de escrita valorizadas socialmente, esse tipo de texto não fortalece o
sentimento de produção de escrita na categoria. Ainda, as outras escritas da FC, tais como
registros nos cadernos, as anotações dos professores, as sínteses, os resumos produzidos
e os bilhetes que circulam, também não contribuem para o reconhecimento dos professores
como produtores de escrita valorizada socialmente.
Nas atividades da FC, o relato de experiência apresenta uma significação especial para os
professores. Une a oralidade às ações centradas na prática docente e promove uma
aproximação entre os pares. Nos relatos, a complexidade da educação parece permitir e,
por que não dizer, convidar à digressão. Os professores, a partir de um ponto qualquer,
conseguem chegar a distâncias insuspeitadas e de lá para mais longe ainda. Todos têm o
que dizer e se mostram mobilizados a fazê-lo. Nesse sentido, a experiência única se mostra
coletiva, sem perder sua singularidade. As enunciações dos pares são consideradas e
jamais causam dúvidas ou suspeitas. Às vezes, o dizer é efetuado de forma simultânea. Na
polifonia, o que parece caótico revela os sentimentos dos professores frente às várias
dimensões da educação. Com isso, é possível perceber que os interesses se mostram mais
intensos quando ocorre uma maior proximidade entre os temas, os dilemas, as experiências
e os desafios com a prática cotidiana, principalmente com o trabalho com os alunos. Na
pesquisa, a observação desse movimento do sujeito conferindo sentidos para a atuação no
compartilhamento entre pares, se constitui numa surpresa agradável em que, no meio do
caminho das atividades previamente organizadas, é possível se aproximar dos redutos, das
resistências e das defesas do humano. Do lado de fora, em práticas fugidias, se joga um
jogo diferente se valendo das regras do próprio jogo (as da interlocução, as do registro, as
da catarse...) para garantir a expressão. Nessa orquestração de vozes, o efeito sonoro
revela as diferentes funções da linguagem nas relações sociais.
Articulando os laços do discurso à análise da atitude do homem em relação as suas
atividades no contexto das interações sociais, podemos identificar tanto unidade integrada
195
quanto relações mecânicas, exteriores e superficiais.44 Nesse sentido, essa pesquisa retrata
que os professores também silenciam e emudecem através da escrita. O silêncio se torna
constitutivo da própria condição de significar. Os argumentos que sustentam a idéia da
dificuldade dos professores com a escrita não são, é fato, falsos argumentos. Têm, em
maior ou menor escala, sua procedência. Todavia, os dados desta pesquisa indicam que
esses argumentos fornecem explicações parciais e limitadas que escamoteiam os
problemas. A idéia generalizada da dificuldade dos professores com a escrita subestima o
contexto de uso da escrita na vida do professor. Nesse sentido, temos um fosso entre as
expectativas e aspirações estabelecidas e as condições efetivas do contexto. A sintonia e
relações dessas faces da escrita na vida do professor constituem a questão relevante para a
construção de políticas públicas de formação e, no interior destas, de políticas de
valorização da escrita.
Mas, nas condições e circunstâncias políticas e simbólicas retratadas nesta pesquisa, o que
pode a escrita para os professores? Em termos realistas, acredito que a escrita pode muito
pouco contra a desigualdade social. Consciente das limitações da escrita para confrontar a
desigualdade – que tem raízes estruturais também vinculadas ao processo de letramento –
e buscando as utopias realizáveis, a pesquisa indica, nas múltiplas facetas da escrita, sua
constituição como constrangimento e categoria meramente individual, mas também - e é
isso que gostaria de marcar - como uma possibilidade de inserção no discurso educativo e
nos meios de divulgação de idéias. Trazer à tona essas relações indica a complexa e
urgente tarefa de procurar soluções capazes de possibilitar a integração efetiva dos
professores no discurso pedagógico em sua dimensão valorizada contextualmente. Com
isso, efetivar sua pertença, estabelecer vínculos nesse meio pedagógico, nesse tempo e
nesse espaço que não começa do zero, mas tem a especificidade de, no contexto atual,
convidar os professores ao seu reconhecimento no grupo identificando seus vínculos com a
escrita.
No contexto dos repertórios e formas de discurso na comunicação socio-ideológica, o
desenvolvimento do campo educacional trouxe a necessidade de produção do texto
acadêmico científico para a realidade dos docentes. A escrita se apresenta como um desafio
para a inserção ativa nesse movimento. Um desafio que não pode servir na arena discursiva
para a crítica pública que desqualifica os professores, numa violência simbólica via níveis de
letramento. Consiste num desafio de todos, de toda a sociedade, uma vez que as exigências
de desenvolvimento de letramento passam por condições de desenvolvimento integradas
44
Essa análise foi desenvolvida a partir de leitura dos fragmentos - citados por Velmezova (2005) - do
artigo “A arte e a responsabilidade” escrito por Bakhtin em 1919.
196
numa política de democratização do saber. É acreditar nas possibilidades de descoberta da
linguagem como forma de expressão, como produção e não só como reprodução. É
reafirmar o direito de todos, inclusive dos professores, de participar dos espaços de
conversações de modo escrito, de constituir sua relação com os demais usufruindo dos
bens simbólicos e políticos produzidos pela humanidade. A pesquisa indica a presença das
exigências como elemento valorativo com condições restritas para sua efetiva execução.
Na observação dos desdobramentos e da complexificação da questão do tempo, a pesquisa
sinaliza um movimento em que os professores buscam a mudança de um lugar ou de um
momento em que se reconhecem, se apresentam (e assim são reconhecidos e
apresentados) em condições desprivilegiadas em relação as suas práticas de escrita. Com
isso, além do reconhecimento de uma história construída singularmente e de modo legítimo,
almejam para si e para os outros que futuramente integrarão a categoria o prosseguimento
da formação e a inserção em espaços de apropriação das práticas de escrita valorizadas
socialmente.
A pesquisa indica que o desenvolvimento da escrita de professores relaciona-se não só com
a interação com o discurso de valorização do texto científico, mas também com a
constituição de um espaço que valoriza o trabalho cotidiano do professor, que estimula a
discussão com os pares e que promova a inserção ativa nos espaços que desenvolvem a
escrita como suporte para a circulação de discursos valorizados socialmente. Sendo assim,
os problemas da FC não se resumem à FC, os problemas da escola não se resumem à
escola e os problemas da escrita de professores não se resumem apenas aos professores.
Apropriar-se desses saberes possibilita não só integrar/enfrentar a produção do discurso
pedagógico, mas também exercer direitos sociais.
A partir da perspectiva bakhtiniana de linguagem como construção social fundada na
dialogia, observar os movimentos interacionais nos processos de escrita dos professores
permite captar o espaço formador da escrita. A dimensão formadora da escrita está
relacionada ao direito ao estabelecimento do diálogo, às possibilidades de entrar em
condições diferenciadas, mas não desqualificadas, na cadeia discursiva. A questão que se
coloca, na perspectiva contextual da linguagem no mundo contemporâneo, é que esse
diálogo permite a criação de novos mundos em mediação e desorganiza velhos padrões. O
conceitual envolto nesta pesquisa marcado pela idéia do não fechamento e do movimento
infindo não sugere nenhuma perspectiva de superação definitiva dos jogos de poder. As
relações dialógicas evidenciadas indicam que o diálogo pode resultar em convergências
(com acordos, adesões, complementos, fusões, etc.), em divergências (com embates,
197
questionamentos, recusas, negações, etc.) e em intersecções e hibridizações. O viver é
concebido como a integração do sujeito num diálogo ininterrupto em que os discursos
penetram o tecido dialógico da vida humana.
No entanto, o diálogo infindável da vida
humana que nos indica um movimento de tensões também nos acena a possibilidade de
sonhar com um mundo polifônico, um mundo democrático de vozes eqüipotentes em que
nenhuma consciência seja convertida em objeto de outra e nenhuma voz social se imponha
como última palavra. Um mundo em que os gestos marcados pela causa de silenciar a
heterogeneidade sejam corroídos pelas forças do riso, da polêmica, da ironia, das práticas
invisíveis. O senso carnavalesco de mundo proposto por Bakhtin nos convida à utopia da
suspensão de tudo que resulta da desigualdade, de eliminar a distância entre os homens
(FARACO, 2003).
Aventar essa cadeia discursiva em condições de igualdade implica reconhecer que sou
convocado e convoco o outro para o diálogo. Implica repensar nosso mundo organizado em
extratos lingüísticos determinados pelos elementos contextuais que desqualificam alguns
em detrimento de outros. No horizonte de possibilidades dos professores pesquisados, o
fazer e o viver indicam o desejo de ampliação de suas práticas de escrita visando a
melhores condições de inserção neste mundo grafocêntrico para usufruir de suas
possibilidades emancipadoras.
Enfim, os dados analisados na pesquisa fazem surgir discursos sobre a escrita que
tensionam, surpreendem, inquietam e exigem conexões entre os diferentes espaços e
sentidos que constituem a materialidade da atividade docente atravessada pela dinâmica do
contexto escriturístico. A escrita é trazida à cena vinculada à possibilidade de pensar a vida
humana e toda a complexidade de suas interações. No quadro teórico proposto para essa
pesquisa, dar sentido ao vivido verbalmente é um processo sempre aberto e afeto às
interações estabelecidas. Ao desenvolver esse trabalho busquei, como participante ativa do
diálogo social, interagir com as vozes que habitam a temática da escrita de professores
penetrando nesse meio, com o fim de tocar os fios ideológicos dessa temática. Ao encerrar,
reafirmo o convite às contrapalavras que permitirão manter viva a cadeia dialógica acerca da
escrita na vida dos professores, no diálogo sem fim da existência humana.
198
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210
ANEXOS E APÊNDICES
211
A – O município de Vitória e seus espaços educativos
A1 – VITÓRIA: TERRITÓRIO E
LOCALIZAÇÃO
O município de Vitória possui uma área de 81
km² e constitui-se de duas porções distintas:
a ilha de Vitória, centro de um arquipélago
costeiro formado por 24 ilhas, e uma região
continental. A população é de 265.874
habitantes e a densidade populacional é de
3.282 habitantes por Km2. O clima
predominante na cidade é o tropical, quente
úmido, com temperaturas médias anuais de
24ºC.
Vitória compõe, juntamente com os
municípios de Serra, Vila Velha, Cariacica e Viana, a Região Metropolitana da Grande Vitória. Esta
concentra cerca de 42% da população do Estado e 50% dos estabelecimentos industriais, sendo
responsável por aproximadamente 70% da arrecadação dos principais impostos recolhidos no âmbito
estadual.
Fonte: <http:www.vitoria.es.gov.br/indicadores>
212
A2 – ESPAÇOS ESCOLARES
213
A3 – ESPAÇOS EDUCATIVOS
ESCOLA DA CIÊNCIA - FÍSICA: Foi inaugurada pela
Prefeitura de Vitória no dia 26 de abril de 2000. Ela está
instalada no Parque Infantil Ernestina Pessoa, situado no
Parque Moscoso, com uma área construída de 2 mil metros
quadrados. Foi criada com os seguintes objetivos:
democratizar e popularizar o conhecimento científico mediante
a interação dos alunos e da comunidade com instrumentos
científico-pedagógicos; contribuir para a formação da
cidadania; despertar vocações pela carreira científica; instigar
a curiosidade e a fascinação pelo conhecimento científico e
aproximar a Ciência do dia-a-dia.
ESCOLA DA CIÊNCIA – BIOLOGIA E HISTÓRIA: Funciona
no Sambão do Povo, no bairro Mário Cypreste. A escola faz parte
das ações do Programa de Educação Ampliada. No primeiro andar
do prédio são representados, por meio de uma exposição viva, três
ecossistemas aquáticos do Espírito Santo. São cinco aquários: dois
de água salgada, dois de água doce e um de manguezal, com
simulação de maré. No segundo andar, a área está reservada aos
Aspectos Históricos de Vitória e do Espírito Santo. Nesse espaço, o
visitante poderá conhecer as características do relevo da ilha de
Vitória, os sítios arqueológicos, as áreas de aterro, as áreas verdes
e miniaturas de prédios históricos, que estão expostos na Maquete
síntese.
PRAÇA DA CIÊNCIA: A Praça da Ciência está localizada na
Avenida Américo Buaiz, s/n, Enseada do Suá, próximo à Curva da
Jurema. Inaugurada em 12 de outubro de 1999, o espaço possui
7.500 metros quadrados e 11 instrumentos lúdico-pedagógicos
destinados ao ensino de conceitos científicos da Física, Astronomia,
Ciências e Educação Ambiental.
PLANETÁRIO: O Planetário de Vitória, localizado no
Campus da UFES, em Goiabeiras, foi inaugurado em junho de
1995 e, atualmente, é vinculado à Secretaria de Educação da
Prefeitura de Vitória e ao Centro de Ciências Exatas da
universidade. Os equipamentos disponíveis permitem mostrar,
na cúpula de sua sala de projeção, o céu como seria visto de
qualquer ponto da superfície da Terra e em qualquer tempo
passado, presente ou futuro. Além disso, é possível
representar os movimentos dos planetas, dos satélites de
Júpiter e estrelas cadentes e apresentar imagens e animações
de fenômenos astronômicos.
Fonte: <http://www.vitoria.es.gov.br/educação>.
214
A4 – PARQUES DA CIDADE
PARQUE MUNICIPAL DA PEDRA DA CEBOLA: Com área de
100.005m², o Parque Pedra da Cebola possui plantas típicas de mata
de restinga somadas à vegetação rupestre nativa do local para formar
paisagens rústicas que abrigam pequenos répteis e aves. Acesso
pela Av. Fernando Ferrari e Rua João Batista Celestino, na Mata da
Praia.
PARQUE MATA DA PRAIA: Localizado próximo à Praia de Camburi, o parque foi criado pela
união de cinco praças. São 44.021m² de área de contemplação da natureza original da região e de
observação de aves silvestres. Há três principais acessos: pelas avenidas Nicolau Von Schilgen,
Antônio Borges e Construtor Davi Teixeira.
PARQUE MUNICIPAL HORTO DE MARUÍPE: Cenário
reconstruído da Mata Atlântica com uma área de 66.129m²,
recoberto pelo verde e colorido pelas flores, entre elas diversas
espécies de bromélias típicas das montanhas do Espírito Santo.
Uma nascente desce das encostas formando lagos e um córrego
cheio de curvas habitado por aves aquáticas. Av. Maruípe,
próximo ao Quartel da Polícia Militar, Bairro Maruípe.
PARQUE MUNICIPAL GRUTA DA ONÇA: Possui 68.914m² de
vegetação remanescente da Mata Atlântica. Escadarias conduzem a
pracinhas bucólicas e caminhos íngremes levam a um passeio sob a
sombra de gigantescas árvores. Rua Barão de Monjardim, próximo à
Casa do Porto das Artes, no Centro.
PARQUE MOSCOSO: Localizado no Centro da cidade, é o
primeiro e o mais antigo parque de Vitória. Foi construído sob
uma extensa área de manguezal aterrada no fim do século XIX. A
Concha Acústica foi tombada como patrimônio cultural pelo
Conselho Estadual de Cultura. Av. República, um dos principais
acessos à saída de Vitória em direção a BR-101 Sul.
PARQUE MUNICIPAL DA FAZENDINHA: Parque temático, com a idéia de um espaço rural,
lúdico, educativo, de lazer e contemplação. Acesso principal pela rua Eugênio Pacheco de Queiroz,
em Jardim Camburi e av. Norte-Sul, esquina com av. Rio Amazonas no Bairro de Fátima.
PARQUE DA FONTE GRANDE: O Parque da Fonte Grande compõe, com a
Reserva Ecológica Municipal Pedra dos Olhos e o Parque Tabuazeiro, a Área de
Proteção Ambiental do Maciço Central. É uma região de localização e paisagens
privilegiadas, onde se encontram mirantes naturais, com múltiplas visões da cidade e
de seu entorno. O Parque possui três acessos: Rua Antônio Dell Antonia (Fradinhospedestres), Rod. Serafim Derenzi e Estrada Tião Sá.
215
PARQUE MUNICIPAL DE TABUAZEIRO: Com 50.140m²,
encravado nos contrafortes do Maciço Central de Vitória, o parque
foi implantado em uma área remanescente de um sítio agrícola.
Por isso, inúmeras árvores frutíferas são encontradas como:
jaqueiras, jambeiros, abacateiros, mangueiras e a árvore mais
significativa, o secular cajá-mirim conhecido também como
tabuazeiro, que originou o nome do parque. Entrada pela Rua
Santos Dumont com a Rua Jácomo Forza, no bairro Tabuazeiro.
PARQUE MUNICIPAL DE BARREIROS: São 46.106m2 de área de um antigo sítio onde se
desenvolviam a fruticultura e o plantio de hortaliças, que foi adquirida pelo município de Vitória, em
1991. Chegada pelos bairros São Cristovão e Joana D`Arc e um acesso pela Rodovia Serafim
Derenzi.
PARQUE MUNICIPAL PEDRA DOS OLHOS: Está
inserido na Área de Proteção Ambiental do Maciço Central e
faz divisa com o Parque da Fonte Grande, que juntos
compõem a maior reserva de Mata Atlântica de Vitória. O
parque abriga um importante monumento natural do
município de Vitória, a Pedra dos "Dois" Olhos. O acesso se
dá pelo bairro Fradinhos.
PARQUE MUNICIPAL DA BAÍA NOROESTE DE
VITÓRIA: Localizado na região noroeste da Ilha de Vitória,
o parque objetiva preservar e proteger, permanentemente, o
ecossistema do manguezal, considerado berçário do mar e
reserva genética da flora e da fauna. O acesso se dá pelas
vias marginais aos mangues nos bairros São Pedro, Santo
André, Nova Palestina e Resistência.
MANGUEZAL DE VITÓRIA - ESTAÇÃO ECOLÓGICA
MUNICIPAL ILHA DO LAMEIRÃO: Também situado na
região noroeste, é o coração de uma extensa área de mangue. O
manguezal de Vitória é um dos maiores e mais belos manguezais
urbanos do mundo. Há opções de navegação pelo manguezal em
escunas ou pequenos barcos para conhecer seus muitos canais,
dentre eles o Canal dos Escravos, onde também podem ser
vistos alguns sambaquis, formados pelo acúmulo de conchas e
esqueletos. Permite visita a bordo de embarcações.
RESERVA ECOLÓGICA MUNICIPAL DAS ILHAS OCEÂNICAS DE TRINDADE E
ARQUIPÉLAGO MARTIN VAZ: É composta pelo conjunto das ilhas oceânicas de Trindade e do
arquipélago de Martin Vaz, do município de Vitória. Criada em 1989, a reserva é considerada
patrimônio ambiental e genético do Oceano Atlântico. Não é permitida a visitação.
Fonte: <http:www.vitoria.es.gov.br/turismo>.
216
B – Instrumentos orientadores da Formação Continuada
217
C – Síntese das etapas de coleta dos dados
T
J
M 3
0
A
V
M
M
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Matemáti
ca
SEME
SEME
Lo
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Geografia
Cood. Geral
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11
V
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V
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26
O
12
26
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História
SEME
M
13
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O
20
15
29
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16
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Parque
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E
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29
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O
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para todas as áreas
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palestras currículo
para todas as áreas
1
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4
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AQ / D
17
Feira do Verde
V
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Ciências
15
O
V
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Física
SEME
Português
26
12
13
Inglês
25
26
M
Artes
Data da coleta por turnos (Matutino e Vespertino)
setembro
outubro
novembro
Dezembro 2003
6
-
agosto
4
E
7
21
2
palestra
3
O
palestra
4
palestra
4
O
palestra
5
O
palestra
5
palestra
21
O
AQ / D
5
palestra
15
vernisage
21
O
AQ / D
5
O
palestra
15
vernisage
Legenda: A: acesso ao campo; E: entrevista; O: observação e AQ / D: aplicação de questionário /
discussão. Ocorreu também uma reunião com um grupo de professores para análise dos dados
tabulados do questionário em 25/03/2004. No Fórum de Educadores de Vitória ocorrido nos dias 25 e
26/11/2005 tive a oportunidade de apresentar as análises encaminhadas na pesquisa para um grupo
de 40 professores.
218
D – Instrumentos da pesquisa
D1 – QUESTIONÁTIO APLICADO AOS PROFESSORES
Professor
Esta pesquisa procura captar a “voz do professor” e tem por objetivo investigar as condições de produção
da escrita do professor. Suas respostas são muito importantes para o êxito da pesquisa. Sua identidade
será preservada através da escolha pessoal de um pseudônimo. Desde já agradeço sua participação.
Valdete ([email protected]/ (027)3340-2812)
I - PERFIL
1. Dados pessoais
1.1 Pseudônimo
1.2 Idade
1.3 Sexo
1.4 Escolaridade
1.5 Fez trabalho de Conclusão de curso? SIM ( ) NÃO
1.6 Turnos de trabalho MAT ( ) VESP ( ) NOT ( )
1.7 Vinculação à PMV: CONTRATO ( ) EFETIVO ( )
1.8 Rendimento individual
1.9 Rendimento Familiar
1.10 Áreas de Atuação
1.11 Tempo de atuação no MAGISTÉRIO __ e na PMV
1.12 Trabalhos publicados
( ) em jornais ( ) em revistas ( ) em livros ( ) não tem
2. Escolaridade da Família
2.1 Pai
2.2 Mãe
2.3 Filhos 1
2
4
5
2.4 Irmãos mais velhos
1
2
3
4
5
7
8
9
10
11
2.5 Irmãos mais novos
1
2
3
4
5
7
8
9
10
11
3
6
6
12
6
12
II – SENTIDOS DA ESCRITA
3. Marque com um X as alternativas que retratam sua relação atual com a leitura e a escrita.
Marque também sua opinião sobre a relação dos professores de sua área e do magistério
em geral com a leitura e a escrita.
RELAÇÃO
VOCÊ PROFESSORES
MAGISTÉRIO
Comentários:
DA SUA ÁREA
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
EM GERAL
Prefere ler a escrever
Prefere escrever a ler
Gosta tanto de ler quanto de escrever
Não gosta nem de ler nem de escrever
Tem dificuldade para escrever
Tem facilidade para escrever
Tem dificuldade para ler
Tem facilidade para ler
4. Escreva uma palavra ou frase que sintetize cada período da sua trajetória pessoal com a
escrita:
PALAVRA OU FRASE SÍNTESE
Período
1.
Antes da escola
2.
Pré-Escola
3.
1ª a 4ª
4.
5ª a 8ª
5.
6.
Ensino Médio
Curso Superior
7.
Pós-Graduação
8.
Início da vida profissional docente
9.
Contexto atual da atividade docente
10. Contexto da formação continuada (PCNs)
5. Marque com X a freqüência das ações de que você participa no seu contexto profissional:
SEMPRE MUITAS ALGUMAS RARAMENTE
AÇÕES
VEZES
1.
2.
3.
Discussão sobre a escrita do professor
Discussão sobre a escrita do aluno
Planejamento de atividades para desenvolver a
escrita do professor
4. Planejamento de atividades para desenvolver a
escrita do aluno
Comentários:
VEZES
NUNCA
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
GOSTARIA DE NÃO
ESCREVER
DE
GOSTARIA
ESCREVER
TENHO
DIFICULDADE
TENHO FACILIDADE
ESCREVO
EVENTUALMENTE
ESCREVO SEMPRE
NÃO ESCREVO
III – OPORTUNIDADES DE ESCRITA
6. Nas atividades de escrita listadas, marque com um X selecionando as alternativas
conforme a sua vivência:
TIPOS DE TEXTOS
Preenchimento de pautas/diários
Registro de tópicos no quadro negro durante aula expositiva
Cópia de texto no quadro negro
Preenchimento de fichas de avaliações, de ocorrências etc.
Elaboração de plano de curso
Elaboração de planejamentos e planos de aula
Elaboração de projeto de trabalho escolar
Elaboração de relatório dos trabalhos desenvolvidos nos projetos
Elaboração de projeto de pesquisa
Elaboração de relatório de pesquisas realizadas
Anotações de reuniões
Elaboração de síntese de leitura
Elaboração de bilhetes e convites
Elaboração de cartazes
Elaboração de listas (chamadas, grupos de trabalho, compras)
Elaboração de exercícios e avaliações
Elaboração de correspondência oficial (ofícios, requerimentos etc.)
Elaboração de trabalhos acadêmicos (monografias, dissertações etc.)
Elaboração de artigos
Elaboração de memorial e de curriculum vitae
Anotações em agenda
Registro em diário pessoal
Escrita literária – poesia
Escrita literária – conto/crônica
Escrita literária – romance
Escrita literária – literatura Infantil
Escrita de cartas
Escrita de e-mails/mensagens eletrônicas
Revisão de textos
Outros (especificar)
7. Marque com X o grau de importância dos aspectos listados para o seu desenvolvimento na
escrita.
MUITO RAZOAVELMENTE
POUCO
ASPECTOS
1. O desejo pessoal de ampliar o papel da escrita na sua vida
2. As atividades realizadas na Formação Continuada (PCNs).
3. As atividades de formação promovidas pela escola
4. As solicitações de escrever na escola.
5. A continuidade dos estudos em Pós-Graduação
6. A organização do espaço escolar
7. Outros (especificar):
8. RESPONDA:
a) Existe algum texto que você escreveu, mas não mostra a ninguém? Que tipo de texto?
b) Quais são seus sentimentos frente aos textos de sua autoria?
c) Cite uma atividade de escrita que foi muito importante para você.
NADA
9. Marque com X as alternativas que caracterizam o seu processo de escrita. Alguns
aspectos podem ter mais de uma alternativa que se ajuste a sua situação.
A) RELAÇÃO COM A ESCRITA
B) LOCAL EM QUE MAIS ESCREVE
C) ELABORAÇÃO DE PROVAS
1.
2.
3.
4.
5.
1.
2.
3.
4.
5.
1.
Ótima
Boa
Regular
Ruim
Outro (especifique)
Em casa
No trabalho
Na formação continuada (PCNs)
Onde estuda
Outro (especifique
2.
3.
4.
5.
6.
D) ESPAÇOS QUE UTILIZA PARA
ESCRITA NO TRABALHO
1.
2.
3.
4.
5.
Sala de professores
Sala ambiente (utiliza quando os alunos
não estão).
Biblioteca
Laboratório de informática
Outro (especifique)
E) ESPAÇOS DE ESCRITA EM CASA
1.
2.
3.
4.
Tem espaço específico e pessoal
Tem espaço específico, mas divide com
outras pessoas
Utiliza outros espaços da casa (ex: mesa
do jantar, cama, sofá)
Outro (especifique)
G) INTERRUPÇÕES PESSOAIS NO
PROCESSO DE ESCRITA
H) INTERRUPÇÕES DE TERCEIROS
NO PROCESSO DE ESCRITA
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Vontade de se alimentar
Vontade de fumar
Necessidade de ir ao banheiro
Sono
Lembranças de outras obrigações
Vontade de assistir tv
Outro (especifique)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
J)
FAZ NO PROCESSO DE ESCRITA
1.
2.
3.
4.
Elabora previamente um roteiro
Elabora rascunho
Escreve de primeira
Passa a limpo sempre que conclui uma
idéia
Passa a limpo no final
Necessita de muitas reelaborações para
se sentir satisfeito com o texto
Desmancha/apaga muito
Rabisca muito
Revisa o português
Digita seus próprios textos
Escreve direto no computador
Solicita que alguém leia
Outro (especifique)
K) REGISTRO NA FORMAÇÃO
CONTINUADA (PCNs)
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
Atender a filhos
Atender a companheiro/a
Atender ao pedagogo
Atender ao coordenador
Atender a colegas de trabalho
Outro (especifique)
1.
2.
3.
4.
5.
Não registra
Contribui oralmente
Sempre registra
Registra eventualmente
Registra quando o tema é de interesse
6.
7.
8.
Em caderno específico
Em agenda
Em folhas avulsas
9.
Escreve enumerando pontos de
destaques
10. Escreve organizando sínteses de idéias
11. Em trabalhos de grupo faz o registro
para ser entregue
12. Em trabalhos de grupo faz anotações de
uso pessoal
13. Em trabalhos de grupo contribui
oralmente
14. Outro (especifique)
Faz montagem com xerox de
questões dos livros didáticos
Copia questões de livros didáticos
Reescreve questões dos livros
didáticos fazendo adaptações
Elabora as questões
Utiliza “banco” de provas
Outro (especifique)
F)
RECURSOS AUXILIARES QUE
UTILIZA PARA ESCREVER
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Dicionários
Gramáticas
Manuais
Consulta textos
Consulta revistas
Consulta livros
Internet
Outro (especifique)
I)
PROCESSOS DE MEDIAÇÃO
1.
2.
3.
7.
Escreve sozinho
Escreve em companhia do pedagogo
Escreve em companhia do
coordenador
Escreve com colegas de trabalho
Escreve com colegas de estudos
Escreve em grupo na formação
continuada (PCNs)
Outro (especifique)
L)
REGISTRO DO PL NA ESCOLA
1.
2.
3.
Não registra
Faz registros regulares
Faz registros eventuais conforme a
necessidade
4.
5.
6.
7.
Em
Em
Em
Em
4.
5.
6.
caderno específico
agenda
folhas avulsas
formulário próprio da escola
8. Registra sozinho
9. Registra com o auxílio do pedagogo
10. Registra com o auxílio do
coordenador
11. Registra com auxílio de colegas
12. Auxilia os colegas nos registros
13. Mostra seus registros ao pedagogo
14. Mostra seus registros ao coordenador
15. Não mostra seus registros a outros
profissionais
16. Faz um registro resumido
17. Faz um registro detalhado
18. Registra as considerações após a
realização do trabalho
19. Outro (especifique)
M) SENTIMENTOS QUE ESTIMULAM
A SUA ESCRITA
N) SENTIMENTOS QUE DIFICULTAM
A SUA ESCRITA
1.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Vontade de exposição (a elogios, críticas
e sugestões)
Compromisso com a formação
Desejo de publicar algum texto
Necessidade de documentar a prática
docente
Propósito de divulgar o trabalho
Intenção de trocar experiências
Desejo de inserir-se em meios de
produção acadêmica.
Outro (especifique)
2.
3.
4.
O) PROFISSIONAIS DE QUE
GOSTARIA PARA AUXÍLIAR A
Receio de exposição (a elogios críticas e
SUA ESCRITA
sugestões)
Sensação de incompetência em escrita
Preocupação com a permanência do
registro escrito
Outro (especifique)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
Um professor da mesma área
Um professor de Português
Um especialista em Português
Um pedagogo
Qualquer pessoa com experiência em
escrita
Outro (especifique)
10. Marque com um X como o domínio da escrita pelo professor influencia nas ações
listadas:
ASPECTOS
NÍVEL DE INFLUENCIA
MUITO
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
RAZOAVELMENTE
POUCO
NADA
No ensino da escrita para o aluno.
Na auto-avaliação do trabalho do professor
No desenvolvimento do conhecimento do professor
Na auto-estima do professor
No registro do trabalho
Na troca de experiência
Na valorização social do trabalho docente
Na comunicação com a comunidade
No destaque para a Secretaria de Educação
Outro (especifique)
11. Preencha o quadro informando a quantidade aproximada de recursos em sua biblioteca
pessoal:
RECURSOS
QUANTIDADE Comentários
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
Jornais
Revistas pedagógicas específicas da sua área de conhecimento
Revistas pedagógicas de temas gerais de educação
Revistas diversas
Livros – Educacional da sua área de conhecimento
Livros - Educacional de temas gerais e de outras áreas
Livros didáticos da sua área de conhecimento
Livros didáticos de outras áreas do conhecimento
Romances Seriados (Faroeste, Sabrina, Júlia etc)
Romances, contos e poesias da literatura nacional
Romances, contos e poesias da literatura internacional
Auto Ajuda
Religiosos
Literatura Infantil
Textos xerocados e apostilas
Outros (especifique)
12. Preencha o quadro identificando os recursos e a periodicidade de suas leituras atuais.
LEITURA ALGUMAS VEZES FINAIS DE
RECURSOS IDENTIFICAÇÃO
DIÁRIA
NA SEMANA
1. Jornais
2. Revistas
3. Livros
4. Textos e
apostilas
13.
a)
b)
c)
RESPONDA:
Qual profissional é mais solicitado a escrever na sua escola?
Na sua opinião, qual o profissional está mais apto a escrever na sua escola?
Cite uma atividade que você realiza em sala de aula com o objetivo de desenvolver a
escrita dos alunos.
14. OBSERVAÇÕES, COMENTÁRIOS, CRÍTICAS E SUGESTÕES.
SEMANA
D2 – ROTEIRO DA ENTREVISTA AOS PROFESSORES
1. Como se desenvolve o processo de formação continuada no Sistema Municipal de
Ensino de Vitória?
2. Quais atividades de escrita foram propostas aos professores?
3. Qual a reação dos professores frente às atividades de escrita propostas?
4. Quais as formas de registros dos professores e da coordenação?
5. A escrita é importante para o professor? Como desenvolvê-la?
6. O que se espera que os professores escrevam?
7. Quais as condições dos professores para escrever?
8. O que a escola demanda que os professores escrevam?
9. Em que o grupo de formação pode colaborar no desenvolvimento da escrita do
professor? Quais são os propósitos em relação à escrita do professor?
10. O professor que escreve com desenvoltura ensina melhor o aluno a escrever?
11. Em que o desenvolvimento da escrita do professor contribui para a dinâmica da
vida pessoal e profissional?
12. Como a competência para escrita é observada na área de conhecimento?
223
E – Tabelas de recolhimento dos dados
E1 - TABELA: CONTROLE DOS REGISTROS NO DIÁRIO DE CAMPO
Área
Codificação
Coord. Geral
Matemática
Geografia
História
Ciências
Português
Inglês
E. Física
Artes
Professores
coordenadores
Professores
participantes
CGCA
CM1 / CM2
CG
CH
CC
CP
CI
CEF1 / CEF2
CA
PM
PG
PH
PC
PP
PI
PEF
PA
Total de
DC por
área
Nº de identificação do registro
no DC
3
7
5
5
4
5
5
5
5
1 / 2 / 44
3 / 7 / 12 / 16 / 26 / 27 / 36
4 / 17 / 28 / 29 / 38
8 / 13 / 20 / 21 / 37
9 / 24 / 25 / 39
5 / 14 / 22 / 23 / 40
10 / 18 / 32 / 33 / 41
6 / 15 / 30 / 31 / 42
11 / 19 / 34 / 35 / 43
TOTAL
44
E2 - TABELA: MATERIAIS COLETADOS
Área
Acesso
Coord. Geral
04/08/03
Material coletado
-
Matemática
Geografia
História
Ciências
Português
Inglês
E. Física
Artes
01/09/03
01/03/04
02/03/04
28/10/03
21/10/03
04/11/03
07/11/03
14/10/03
23/12/03
23/12/03
-
Instrumentos de avaliação dos coordenadores e dos objetivos do
programa de formação;
Documentos: “Programa de desenvolvimento profissional continuado” e
“A dimensão pedagógica dos parâmetros em ação”.
Textos produzidos nos EFC realizados em 2002;
Cadernos de registros (2) dos EFC de 2003;
Apostila de atividades apresentadas nos EFC de 2003.
Caderno (único) de registros dos EFC de 2003.
Cadernos de registros (2) dos EFC de 2003.
Caderno (único) de registros dos EFC de 2003.
Cadernos de registros (2) dos EFC de 2003.
Cadernos de registros (2) dos EFC de 2003.
Sugestões para 2004.
Cadernos de registros (2) dos EFC de 2003.
E3 - TABELA: DINÂMICA DE REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS
Área
Coord. Geral
Matemática
Geografia, Ciências e Inglês
História
Português
E. Física
Artes
TOTAL
Participantes
Data 2003
Local
1
04/08
18/08 22/09
21/08
23/08
23/09 05/08
22/08/03
12/09/03
SEME
SEME EPG
CREAD
CREAD
SEME EPG
SEME
CREAD
2
1
3
1
1
1
2
1
Identificação
1
2A e 2B
9
3A, 3B e 3C
5
7
8
4A e 4B
6
09
224
F – Excertos do Diário de Campo
F1 - TRABALHOS REALIZADOS PELOS PROFESSORES
DIFICULDADES DOS ALUNOS COM A ESCRITA
EM
FUNÇÃO
DAS
A apresentadora continua dizendo que se trocarmos de lugar com o aluno também sentiríamos
dificuldades, por isso, “deveríamos entender o aluno como pessoa que busca a expressão em uma
forma que precisa de um esforço para aprender”. É de novo interrompida:
_ Quando percebi a dificuldade na escrita dos alunos, comecei a trabalhar mais a oralidade através
da leitura e da fala em apresentações. Isso melhorou um pouco os textos, parece que eles têm mais
auto-confiança. (PP15)
_ Passam a acreditar que têm autoridade para falar. (PP16)
A apresentadora retoma a fala para concluir tratando da importância de integrar as disciplinas.
_________________________________________________________________________(DC-R05)
Ao ser solicitado individualmente o PH8 informa que vem fazendo alguns trabalhos diferenciados.
Explica o trabalho com as músicas de um grupo local chamado “Herança Negra” e faz circular no
grupo uma folha, [...], com a cópia manuscrita, feita por um aluno, da letra de uma das músicas.
Destaca que realiza também a escrita de cartas a uma personalidade com os alunos e lê uma carta
escrita por uma aluna ao presidente [...]. Por fim, mostra um marcador de livro com curiosidades da
matéria feito também por um aluno [...].
Ao ser solicitado, o PH9 informa que vem enfrentando problemas para desenvolver o conteúdo
porque os alunos apresentam dificuldades em leitura e escrita [...]. Por isso, tem “deixado o conteúdo
da disciplina de lado para priorizar essas atividades [leitura e escrita] para ver se melhora o quadro”.
Explica que tem realizado atividades de escrita e interpretação buscando atender individualmente
cada aluno observando sua resposta para os exercícios. Com isso, alega:
_ Não é bem deixar o conteúdo de lado porque as atividades trabalham o conteúdo da disciplina, mas
é olhar a resposta do aluno, mostrar para eles, fazê-los ler a pergunta, não é dar a resposta para eles
[...] Eu acho importante fazer esse trabalho com os alunos porque eles estarão conosco no próximo
ano. A gente tem que aproveitar bem a aula, ensiná-los a ler, a interpretar, a escrever durante a aula
porque eles não fazem nada em casa. Eles só estudam na escola, então, procuro gastar a aula
fazendo escrever e fazendo ler para ver se a gente tem um aluno melhor. (PH9)
No contexto dos comentários das dificuldades dos alunos, a PH12 narra que trabalhou com um texto
de Monteiro Lobato sobre a criação do mundo e com o filme “A guerra do fogo”. Explicou que, como
os alunos têm dificuldades para escrever, têm utilizado a estratégia de inicialmente, elencar com eles
um conjunto de palavras relacionadas ao filme, em seguida, solicitar uma redação que envolva o
maior número daquelas palavras e que, por fim, ilustrar o texto. Afirma que com isso garante atender
aos alunos porque eles gostam de filmes, ao trabalho do conteúdo porque não deixa de lado os
temas de estudo e ao trabalho com as dificuldades de escrita [...].
PH13 retoma os relatos e informa que faz um trabalho com as sextas séries de produção do
dicionário ilustrado de história. A PH11, após afirmar que também realiza essa estratégia de trabalho,
destaca a vantagem de propiciar “a consulta de conceitos elaborados pelos alunos”. Narrou ainda que
vem realizando trabalhos com gibis e caderno de caligrafia esclarecendo:
_ Apesar de não ter preparo para alfabetizar, de não ter visto nada disso no curso de História, na
escola tem muitos alunos com problemas e a gente tem que fazer alguma coisa. (PH11) [...]
A coordenadora retoma pedindo que a PH4 narre, então, a sua experiência. PH4 explica que trabalha
com a quinta série com cadernos de história com quadrinhos e textos, mas que a quantidade grande
de alunos prejudica o trabalho. Destaca que com as outras séries vem trabalhando com pesquisa [...]
e que tem gostado muito porque desperta o interesse dos alunos. A PH12 lembra um trabalho de
história do bairro que fez com os alunos da 5ª série. O PH6 lembra um trabalho com fotografias
antigas e sua reprodução atualizada que fez com alunos do Ensino Médio. Na dinâmica dos relatos, a
PH3 explica:
_ Trabalhei o filme “O retorno da Múmia e o desenho “O príncipe do Egito”, mas que só pedi para os
alunos contarem porque “para escrever é um desastre”. (PH3)
_ Eu mudei a forma de falar. Não peço mais relatório, mas peço para os alunos me contarem o filme
de forma escrita. (PH6)
(DC-R13)
225
F2 - PROPOSTA
CONHECIMENTO
DE
TRABALHO
QUE
INTEGRA
DIFERENTES
ÁREAS
DO
_ Eu trouxe o que eu venho fazendo lá na escola. É um trabalho que conta com o auxílio da
professora de Artes que trabalha perspectiva com os alunos e isso ajuda muito nesse trabalho. A
turma se divide em grupos para fazer um jornal escrito, um noticiário de TV, um noticiário de Rádio e
desenhos. Isso ajuda nos problemas de alfabetização que estamos enfrentando. Trouxe um dos
jornais e alguns desenhos para vocês verem. Os temas foram as Grandes Navegações, as Viagem
Marítimas Européias e o Contexto Brasileiro da Chegada da Corte ao Brasil. (CH)
(DC-R13)
F3 - PROPOSTA DE TRABALHO QUE INTEGRA O CONJUNTO DA ESCOLA
A PH12 fala da turma disseriada em que o aluno vai para lá para ser alfabetizado e retorna para a
sala de aula quando “consegue ler e escrever e isso já facilita muito”. Nesse momento, o grupo se
volta para discutir sobre esse tipo de trabalho, suas vantagens, limitações e dificuldades. De maneira
geral, pareceu-me que foi consenso no grupo a importância de um outro espaço para desenvolver a
alfabetização. De um espaço específico que não a sala de aula das séries finais do ensino
fundamental. No entanto, muitos professores, na impossibilidade de tal estratégia, afirmaram sua
preocupação e destacaram o trabalho que realizam.
(DC-R13)
F4 - DIFICULDADES COM O COMPUTADOR
Após informada a pauta do dia, a coordenadora pediu-me que me apresentasse. Falei sucintamente
da minha pesquisa. O grupo me deu boas-vindas e mostrou-se receptivo à minha presença. Nesse
momento a PG1 fez a seguinte consideração:
_ Por falar em linguagem, CG, eu e algumas colegas estamos participando de um curso de formação
em convênio com a UFES e quando a gente chega lá, os professores falam umas palavras, uma
quantidade de termos: geoprocessamento, geomática que a gente não sabe nem o que eles estão
falando. Eu fico pensando: pelo amor de Deus, o que eles estão falando? E olha que é dentro da
minha área de conhecimento e a gente não dá conta, fica dentro da escola, dá aula, corre de uma
escola para a outra... (PG1)
Uma outra professora completou:
_ Teve um dia que o professor levou um programa e teve que nos ensinar como instalar. Imagine a
gente, professores da rede estadual e municipal, não sabia mexer com aquilo. (PG3)
A PG1 retomou:
_Veio aquele curso para os professores, mas não adiantou de nada. A gente longe da academia não
está dando conta do tanto de informações. É internet, é previsão do tempo, é geoprocessamento, é
muita coisa... Gostaria de dar uma sugestão a CG, que num próximo encontro a gente convidasse
alguém da informática, não para dar aulas de laboratório, mas para nos ajudar nesse conhecimento
“modernoso”, para nos ajudar com aqueles programas que podem auxiliar as nossas aulas. Tem uns
programas interessantes...
_________________________________________________________________________(DC-R04)
Cheguei à Secretaria às sete horas e encontrei um grupo de professoras em conversa informal. No
início, trataram de problemas escolares, horários e turnos de trabalhos. Uma professora (PP5)
informou que sempre trabalhou em três turnos. As outras, de diferenciados modos, destacaram que
se pudessem trabalhariam “apenas em um turno”, mas que devido “à necessidade” estavam
trabalhando em dois turnos. Nesse contexto estabeleceu-se o seguinte diálogo:
_ Trabalhando assim, ainda fui procurar no Saberes (instituição particular de pós-graduação) uma pós
para fazer. (PP5)
_ Lá tem literatura infantil, mas eu faço o curso de informática aos sábados (oferecido pela
Secretaria). (PP 2)
_ Tem, mas eu coloquei meu nome na lista para formar uma turma sobre produção de texto. De
informática, eu já desisti. Quando preciso, pago alguém para digitar. Na escola particular em que
trabalho, tenho que ir com a turma à aula de informática, mas sou responsável só pela disciplina. Lá
tem um técnico para os alunos. (PP5)
(DC-R14)
226
F5 - REGISTRO DE OFICINA
OFICINA SOBRE RECICLAGEM E MEIO AMBIENTE
A oficineira A iniciou os trabalhos apresentando
a exposição de peças [...] com diferentes
possibilidades de trabalhos educativos e
escolares a partir de reaproveitamento de
materiais. Dentre as peças, destacou que
selecionou duas propostas de trabalho: uma
primeira de confecção de uma maquete sobre o
mar ou sobre o mangue com massa de modelar
em superfície de bandejas de isopor (usadas
para
acondicionar
alimentos
em
supermercados) e uma segunda em que, com
papéis reciclados (papelão de caixa de sapato,
revistas coloridas e papel já impresso em uma
das faces), cada um escolheria se faria um
bloco de anotações ou um jogo da velha
temático. Por fim, sugeriu que o material
produzido poderia ser organizado em “envelopes” feitos com garrafas de plástico de refrigerantes e
passou a palavra para a B para esta apresentar um histórico do trabalho que elas vêm realizando.
A convidada B fez um histórico resumido do trabalho que elas vêm realizando com professores,
escolas e centros de educação infantil com o objetivo de não danificar o meio ambiente. Concluiu que
esse trabalho tem uma abordagem de sensibilização com visitas a ambientes e realização de oficinas
que se distanciam da idéia da necessidade de animais empalhados para as crianças se aproximarem
da temática do meio ambiente. Nessa parte expositiva, que durou cerca de 20 minutos, apenas a CC
efetuou anotações.
EXECUÇÃO DO TRABALHO
[...] Foi dado início à primeira proposta da oficina com algumas dificuldades devido à falta de
materiais. O grupo solidarizou-se e conseguiu que todos pudessem realizar a atividade com uma
divisão do material que dispunham. Desse modo, compartilhando animadamente os materiais, várias
pessoas utilizavam o mesmo pincel e tesoura e dividiam a massa de modelar de modo que todos
puderam concluir a tarefa [...]. Considerando o ritmo diferenciado, no processo de conclusão da
primeira proposta, foi efetuado um “intervalo” para o café. Nesse momento trabalho e intervalo se
confundiam e as pessoas comentavam, comparavam e riam de suas maquetes.
Terminado o intervalo, as oficineiras , para iniciar o processo de escolha da atividade da segunda
proposta, reforçaram a importância de estimular o aproveitamento do lixo seco na coleta seletiva.
Dando continuidade ao uso solidário dos materiais, o grupo efetuou a segunda proposta tendo a
maioria optado por fazer o bloco de anotações.
Apenas um professor (PC1) não efetuou o trabalho. Disfarçadamente, sentou-se ao lado da mesa de
exposição e passou a explorar as peças. Quando interpelado pela CC, disse:
_ Estou apreciando os colegas, mas aqui tem um jogo que quero fazer com os alunos. (PC1)
Pegou o jogo e fez alguns comentários. Os dois, explorando o jogo, propuseram algumas
adaptações. Oficineira A aproximando-se explicou que acabam fazendo os mais fáceis para
exposição porque trabalham com diferenciados níveis de ensino, inclusive com os “pequenininhos”
(referindo-se às crianças dos centros de educação infantil).
Não houve um processo formal de apresentação e de comentários sobre as possibilidades de realizar
aquela atividade com os alunos. No entanto, no decorrer do trabalho, vários comentários foram
efetivados nessa direção:
_ Estou penando para fazer essa concha. Como você fez a sua? (se dirigindo a oficineira B) Mas na
escola os alunos dão um banho na gente! Eles fazem muito melhor. (PC6)
_ Com os meus alunos vou fazer aquele pote com papel de jornal que está na mesa. Acho que eles
vão gostar. (PC7)
_ Isso é só um modelo, quero levar o meu para a escola para eles (os alunos) verem. Eles vendo
entendem melhor. (PC8)
_ E fazem muito melhor. (PC6)
Com esses e outros comentários, o foco do trabalho girava na possibilidade de reproduzi-lo com os
alunos. Apenas uma professora (PC9) mencionou o quanto era relaxante fazer tal trabalho e que “o
tempo passa mais rápido fazendo algo prático”. Quando a CC solicitou que os trabalhos prontos
227
ficassem para efetuarem uma exposição na SEME, a recusa foi geral. Os comentários reforçavam a
necessidade de levá-los para a escola para “mostrar aos alunos”. Diante de tal postura a CC afirmou:
_ Então é dever de casa. Fazer uma das propostas com os alunos e trazer os melhores trabalhos
para socializar com os colegas.
ORGANIZAÇÃO FINAL
Não houve um fechamento dos trabalhos, os professores que iam concluindo, limpavam o espaço
próximo, despediam-se dos colegas, iam à mesa assinar a lista de presença e pegar o comprovante
de participação e iam embora.
(DC- R9)
F6 - REGISTRO DE PRODUÇÃO DE TEXTO PARA APRESENTAÇÃO
O CM2 retoma:
_ O grupo solicitou discutir atividades, que pudessem ter condições de produção, em que se pudesse
sentar e discutir em pequenos grupos e depois apresentar para os colegas... No último encontro
pediu-se um tempo para fechar. No caso de materiais como cartolina a gente arruma ... (CM2)
O grupo inicia um processo de organização de pequenos grupos conforme os trabalhos iniciados nos
encontros anteriores. Fui para o grupo sobre proporcionalidade por uma questão de proximidade
física (estava sentada próxima) [...]. A CM1 oferece uns livros que trouxe. O grupo logo se apropria
dos livros porque estes abordam o tema em foco. Para retomar o trabalho, uma professora (PM11)
mostra o objetivo e uma lista de exercícios sobre o tema que “haviam elaborado” esclarecendo que
haviam “copiado” de um livro que neste dia ela não havia trazido porque esqueceu. Começa a
discussão sobre os encaminhamentos. Os integrantes do grupo não têm claro o que fazer com aquele
tema e definem que prepararão uma aula para a sexta série que seria apresentada no próximo
encontro. A PM9 encaminha os registros, mas o grupo não tem clareza quanto à forma da redação.
Não identificam se estão elaborando um plano de aula, um projeto ou um texto sobre a temática.
Essa dificuldade gera alguns entraves iniciais até que PM9 localiza uma parte do livro (TINOCO,
1996) com algumas informações sobre o tema e um desafio (que o grupo seleciona para ser a
estimulação inicial da apresentação). Ela copia literalmente numa folha um parágrafo do livro sem
fazer referências afirmando que “pode servir para alguma coisa”. Nesse momento peço discretamente
que ela coloque o nome do autor para depois localizarmos, se necessário. Terminada essa
transcrição ela copia o objetivo que haviam elaborado. Surge um novo entrave. Os membros do grupo
não conseguem avançar na escrita, discutem se terão que colocar um ou mais objetivos e o que
deverão fazer depois. Como tentativa de se livrarem dos apuros passam a folhear livros didáticos e
selecionam atividades sobre proporcionalidade. Nesse processo o grupo se motiva e fazem várias
reflexões sobre as atividades, sua importância e o interesse que despertam nos alunos. No entanto,
não avançam no texto em questão. De novo a professora PM9 retorna ao livro (TINOCO, 1996) e
completa as observações iniciais com outro fragmento acrescentando também um pequeno trecho de
outro livro (LEACIM, 1994).
Nesse momento o professor (PM16) sugere que comece “tipo” um projeto colocando a identificação
especificando o Tema e o Público Alvo, que aquelas informações ficassem como considerações
iniciais antes do objetivo e que fossem, então, para o desenvolvimento abordando como
desenvolveriam a aula com a sexta série. Para o desenvolvimento sugeriu que começassem com
indagações sobre situações-problemas do cotidiano que envolvam a proporcionalidade sem falar
sobre o conceito. Nesse momento uma professora (PM19) se dirige àquela (PM9) que está fazendo
os registros:
_Vai, anota aí antes que a gente esqueça. Escreve “desenvolvimento”. Coloca logo o número 1 sobre
os problemas do cotidiano. (PM19)
Juntas elaboraram o primeiro tópico escrevendo “1. Indagar situações-problemas do cotidiano que
envolvam proporcionalidade”. Outra professora (PM11) sugeriu que fosse “indagar informalmente
sobre”. Acatada a sugestão o texto final ficou “1. Indagar informalmente sobre situações-problemas
do cotidiano que envolvam a proporcioanalidade”. Selecionaram o exemplo do pão e do palito de um
livro e decidiram que na apresentação trariam o material concreto para explorar. No entanto, no
momento de registrar essa decisão, de novo ocorre um impasse retratado no seguinte diálogo:
_Eu acho importante jogar essa discussão na sala de aula porque através dessa discussão eles vão
chegar aonde a gente está querendo, que é a questão da proporcionalidade. (PM18)
_Olha aqui. O exemplo é sobre o pão de 50 e 100 gramas e o preço. Tem também a questão das
embalagens. A gente não pode dar uma coisa complicada. (PM11)
_Mas nós paramos aqui (apontando o texto). A discussão é a gente botar ou não botar o exemplo
aqui no papel. (PM9)
228
_Eu acho que você coloca aqui assim, exemplo do livro tal, de lápis para não digitar depois. Tem
estiver falando essa parte [na apresentação] faz o exemplo. Aqui vira o esquema da apresentação e
as pessoas vão desenvolvendo. (PM18)
_Não concordo! A gente não vai digitar para dar para os colegas? A aula tem os exemplos. (PM9)
_Você não está entendendo. Quando estiver lá projetando, a pessoa fala os exemplos, não coloca lá
porque senão fica parecendo que a gente está lendo, não apresentando. Você pode citar o exemplo,
ele não está perdido... (PM18)
_Mas a digitação da apresentação não é desse material aqui (PM9 apontando).
_Não, ela vai digitar o que está à caneta e nós vamos dando exemplo. Se não as pessoas não vão
olhar para a gente e sim para a projeção. O datashow é igual a uma transparência. É um resumo.
(PM18)
_Não estou entendendo... (PM9)
_Além do mais você não precisa colocar o preço do pão porque ele vai variar de acordo com a
comunidade onde você trabalha. (PM11)
Depois de discutir o preço do pão e de mais algum tempo ponderando sobre como sintetizar aquelas
idéias, o registro que estava à lápis continuou da mesma forma indicando que o grupo havia
concordado em não acrescentar nada ao ponto 1.
Após essa “decisão”, decidiram, por sugestão do professor PM16, que trabalhariam a explicação do
conceito. Ele argumentou que falaria aos alunos:
_Isso que vocês fizeram chama proporcionalidade. E o que é proporcionalidade? É uma relação entre
duas grandezas. A partir das indagações o aluno chega ao conceito. (PM16)
A professora que registrava escreveu então: “2. Explicação do conceito proporcionalidade” e deu o
papel e a caneta para ele “escrever o que havia falado”. Ele trocou a caneta pelo lápis e escreveu:
“Após os exemplos práticos definir o conceito de proporcionalidade, mostrando o resultado que eles
chegaram”. Leu em voz alta e completou “como sendo uma definição matematicamente”. Devolveu
para a colega que leu e achou estranho. Corrigiram para “matemática”. A seguir ele deu alguns
exemplos envolvendo velocidade que exploraria com os alunos e depois demonstraria
matematicamente através do conceito de proporcionalidade. Nesse momento percebi o
desenvolvimento da “autoria” no grupo. Estavam buscando registrar suas idéias sem fazer uma cópia
mas resgatando as informações e os exemplos dos livros relacionando-os à prática docente.
Feita essa parte decidiram que dariam sugestões de atividades fechando o desenvolvimento no item
3. De novo o grupo se voltou para a seleção das atividades que seriam sugeridas. Nesse momento
não houve dificuldades, o grupo já havia se familiarizado com a organização em itens e foram listando
as atividades que seriam sugeridas conforme iam selecionando no livro. Decidiram então preparar
uma seleção de atividades que seriam xerocadas dos livros. Uma colega se prontificou a digitá-las
para que a seleção tivesse uma “formatação homogênea”.
Após o intervalo, o grupo retornou aos trabalhos, discutindo como seria a avaliação e definiu que esta
seria relacionada ao desenvolvimento das atividades. Quando uma professora PM9 falou que estava
faltando só a conclusão. De novo aconteceu um entrave porque o grupo não sabia o que deveria
constar na conclusão. A professora PM18 falou:
_ Esse texto vai servir para mim para um trabalho da pós que estou fazendo. Tenho que preparar
cinco aulas. Essa vai ser uma. (PM18)
A professora PM11 alerta:
_ Mas para aula está faltando especificar os recursos e a metodologia. Não seria bom colocar aí?
A professora PM18 pondera:
_ Mas aqui o grupo já vai estar vendo o que estamos utilizando e como estamos fazendo, porque vai
estar projetado no datashow.
Solicitaram que eu preparasse/digitasse o texto, aceitei prontamente e perguntei se poderia devolvêlo por e-mail para alguma delas. Não seria possível porque apenas duas que tinham esse recurso não
utilizavam. Retornando ao trabalho, uma vez que a conclusão não tinha sido feita, a discussão girou
sobre duas possibilidades: se seria uma conclusão da temática ou uma da aula. Venceu, sem muita
convicção, a possibilidade de ser uma conclusão da temática e de novo buscaram no livro quando a
professora PM18 falou que iria elaborar e pegou o texto de PM9. O tempo acabou e o grupo voltou ao
coletivo com a professora PM18 com o material (o texto e o livro - TINOCO, 1996) sentada ao lado da
PM9. Os coordenadores retomaram a organização coletiva [...]. O professor PM3 sugeriu que o
encontro fosse dividido em dois tempos: um de laboratório com construção de material e outro de
estudo do tema. Quando o coordenador falou que a atividade que fizeram, na sua expectativa,
demandava uma fundamentação e estudo e os se grupos centraram apenas na parte prática, a
colega do meu grupo PM18, buscou uma citação para finalizar a conclusão afirmando que isto daria a
“fundamentação”. A coordenação falou ainda da importância dos registros [...].
(DC-R3)
229
F7 - CIRCULAÇÃO DE LIVROS NOS ENCONTROS DE FC
A CP, após um cumprimento inicial, [...] pediu que o grupo aguardasse num “bate-papo solidário”
enquanto ela tomaria as providências necessárias à realização da palestra. Nesse contexto os
professores formaram subgrupos.
Na parte central da primeira e segunda fila do auditório, um grupo se junta para ouvir uma professora
(PP12) contar sobre a dieta dos carboidratos (mostrando materiais com os cardápios e
recomendações) que ela e suas colegas de trabalho estavam fazendo.
À direita, na quarta e quinta fila, a professora (PP17) que corrigia as produções de texto se junta a
duas colegas e continua sua atividade. Ela corrige textos, outra (PP6) corrige provas e a terceira
(PP9) preenche pautas do primeiro bimestre.
À esquerda, na quarta e quinta fila, um grupo conversa a partir da indagação de um professor (PP18):
_ Vocês trouxeram os textos? [...]. Não vamos trabalhar com eles hoje?
Uma professora (PP21) procura os seus e não encontra, outra (PP10) afirma que esqueceu e a
seguinte (PP11) mostra os seus. Nesse contexto, chega mais uma professora (PP19) perguntando
porque ainda não haviam começado as atividades. Ao ser informada dos problemas, responde:
_ Pensei que estava atrasada [..]. Mostra um livro aos colegas (TIBA, Içami. Ensinar Aprendendo.
São Paulo: Editora Gente, 1998) e informa:
_ Li ontem e gostei muito. Vou passar para circular. (PP19)
O livro passa por uma professora (PP20) e chega à mão de outro professor (PP18) que o retém e
passa a lê-lo. Depois que a professora (PP19) disponibiliza o livro, senta no grupo e passa a ler o
jornal com a parceria das colegas próximas.
Na parte central do auditório três outras professoras inicialmente exploram livros didáticos e, a partir
de uma atividade sugerida em um dos livros, uma delas (PP15) mostra as produções de textos
(histórias infantis) de seus alunos. Passam a ler e comentar os textos [...].
Alguns professores não integram grupos e fazem diferenciadas tarefas: atualizam agenda, arrumam
os pertences na bolsa, organizam atividades dos alunos, fazem leituras ou apenas aguardam.
A coordenadora entra no auditório e informa a chegada da palestrante [...] A professora (PP21) que
não encontrara os textos em sua pasta, achou outros sobre leitura e escrita da revista AMAE
EDUCANDO e colocou-os sobre a carteira. Com a fala da coordenadora, o professor (PP18) fecha o
livro que lia e observa os textos da colega. Solicita-os, explora-os e comenta:
_ Esses textos são escritos para as séries iniciais. Essa fundamentação você pode usar, mas os
exemplos e as atividades são sempre para de primeira à quarta série. Não tem nada de quinta a
oitava.
A professora (PP21) responde:
_ Como eles (os alunos) não têm o hábito, nosso trabalho não surte o efeito que deveria.
O professor (PP18) devolve os textos e volta à leitura do livro que deveria estar circulando. Ninguém
solicita o livro e ele continua sua leitura por toda a manhã.
Às 8h:30min, a coordenadora dá início aos trabalhos [...].
(DC-R14)
F8 - DIFICULDADES DOS PROFESSORES PARA EFETIVAR LEITURAS
[...] O momento seguinte seria para comentários do que estariam lendo e dos livros que
recomendariam aos colegas. O responsável por este papel hoje, previamente determinado como
organização do grupo, foi se adiantando à solicitação:
_ Não inventa moda, tive três dias de infecção intestinal e não pude ler nada. (PM19)
Como o CM viu um professor ao lado com um livro, se dirigiu a ele:
_ E PM3? Você com esse livro, trouxe para alguém? Comenta rapaz!
[...] PM3 concordou em falar sobre o livro acatando a sugestão de ir a frente. Afirmou que havia
comprado o livro “Etnomatemática” ao ter contato com seu autor, Ubiratan D’Ambrósio, quando este
esteve no ES. Comentou que o livro é muito interessante e que valoriza a aula de campo fazendo
associações com algumas atividades que realiza com seus alunos tais como visitas, trabalhos com
embalagens e rótulos etc. Nesse momento PM19 (que antes não queria fazer comentários)
complementa os comentários do colega fazendo referências ao conteúdo de simetria tratado pelo livro
[...]. CM2 retoma a fala procurando o voluntário para falar de sua últimas leituras na próxima semana.
Como ninguém se prontifica e fica um silêncio constrangedor, CM pede que pensem até o final dos
trabalhos e que alguém o faça.
__________________________________________________________________________(DC-R3)
230
[Ficou combinado que] antes do próximo encontro 29/08 de todo o grupo, o grupo menor selecionado
se reuniria 22/08 para encaminhamentos sobre a proposta curricular da área [...]. Uma professora
(PEF3) que estava ao meu lado comentou discretamente que havia sido convidada para esse grupo e
que deveria efetuar a leitura de um livro sobre currículo para iniciarem as discussões mas que devido
aos problemas que tem enfrentado porque perdeu a empregada e tem três filhos “ainda não tinha lido
uma página”. Informou ainda que acreditava que isso inviabilizaria sua participação no grupo, uma
vez que “sem tempo pra ler, não adianta vir às reuniões”.
(DC-R06)
F9 - DIFICULDADES DE COMPRA DE MATERIAIS DE LEITURA
Em relação à biblioteca do professor e suas leituras foi enfatizada a importância de se observar a
proveniência dos materiais de leitura, uma vez que muitos professores têm acesso a esses materiais
não porque efetuam compras, mas via terceiros. Todos os professores destacaram a importância da
assinatura do jornal feita pelo município para as escolas como forma de acesso ao professor a esse
recurso. Algumas professoras narraram suas estratégias para ler revistas:
- Leio a Veja do meu namorado.
- Eu pego a do meu marido, mas só depois que ele lê.
- Leio aquelas revistas femininas em salão de beleza.
- Eu, no consultório médico, levo meu filho para fazer revisão todo mês e fico muito atualizada
(rindo).
- Pego aquilo da minha área na revista que o pedagogo assina.
Uma professora (PH18) destacou (com a concordância explícita de vários outros) que sua biblioteca
não tem renovação desde a graduação e que só consegue comprar aqueles livros que deseja muito
(ênfase) e à prestação:
_ Estou comprando os volumes de História da vida privada um a um e à prestação. (PH18)
Outra professora (PH19) narrou (demonstrando sua revolta) que teve que vender muitos de seus
livros no sebo no período em que o Estado atrasou o pagamento dos professores.
_________________________________________________________________________(DC-R21)
Ao final da exposição a palestrante propõe o debate. Uma professora (PP5) indagou o porquê do uso
do microfone mesmo com poucas pessoas. A palestrante explicou que era para proteger a voz
porque teria outra palestra para o grupo da tarde. Nesse contexto a platéia passou a fazer
comentários em relação às condições de trabalho do professor. PP9 indagou em tom de ironia:
_ Para que serve o professor nessas dificuldades?
Recebeu uma resposta também irônica acrescida de risos da platéia.
_ Para ter 50% de desconto de cinemas em Vila Velha (município próximo com lei em tramitação na
câmara com tal propósito). (PP20)
_Quero ganhar bem para pagar inteira e não ter descontos. Quero é 50% em livrarias [...]. Ou a gente
compra uma coisa para casa ou um livro. Nunca dá para o livro. (PP9).
(DC-R14)
F10 - INTERESSE PELO CADERNO DE REGISTRO
A CI retomou os informes [...]. Em seguida, pegando o caderno de registro solicitou:
_ O nosso caderno volante. Esquecemos um pouco dele. Como estamos terminando gostaria que
todos escrevessem uma mensagem, uma coisa pequena, aqui no encontro mesmo. Vamos
circulando o caderno e escrevendo. (CI)
A CI passa o caderno para circular, retira uns marcadores de página de sua bolsa e continua [os
trabalhos da pauta do dia]...
Poucos escreveram mensagens no caderno, mas quase todos o pegaram para olhar.
(DC-R32)
231
F11 - ELABORAÇÃO DE REGISTRO PARA APRESENTAÇÃO
[No trabalho com as diretrizes curriculares] Os grupos se organizaram conforme as séries (5ª, 6ª, 7ª e
8ª). Integrei o grupo da sexta série [...] composto por cinco pessoas [...]. A comparação dos
documentos evidenciou uma divergência quanto ao conteúdo sobre equação: segundo as diretrizes
esse conteúdo seria desenvolvido por completo na série em estudo enquanto que, de acordo com os
PCNs, conforme o segundo parágrafo da página 68 do documento, ele apenas seria introduzido
nessa série e desenvolvido mais aprofundadamente na sétima série. Na discussão dessa divergência,
o grupo optou por sugerir a adoção das orientações dos PCNs na plenária coletiva.
Nesse contexto de decisão, uma das professoras (PM7) que estava dirigindo as discussões indaga à
CM1 se seria necessário algum registro da discussão. A coordenadora reforça, para todos os grupos,
a importância das anotações para o prosseguimento do trabalho. Em meios às primeiras providências
para a efetuação do registro mais uma professora (PM18) se afasta e começa a acertar sua agenda
pessoal. A professora restante (PM7) volta-se para mim e solicita que façamos os registros. Com
isso, ela recupera oralmente a discussão do grupo e solicita que eu escreva repassando uma folha
branca que permaneceu durante todo trabalho em sua mesa. Eu escrevo:
-----------------------------------------------------------“Em função das orientações apresentadas no 2ª§ da página 68 dos PCNs em relação ao ensino das
equações, o grupo propõe que os três primeiros tópicos das diretrizes curriculares sejam mantidos na
sexta série e os dois seguintes sejam transferidos para o programa da sétima série”.
-----------------------------------------------------------Após efetuar esse registro no papel, leio para todo o grupo - inclusive solicito a atenção das três
professoras que haviam se distanciado da atividade -, peço apreciação e indago se não seria
necessário explicar melhor o que retrata cada tópico mencionado nos documentos. Uma das
professoras (PM9) afirma que “o registro deve ser resumido porque todos têm o documento e na
hora de falar é só explicar” e todos concordam com o registro. A professora que gerenciou a
discussão (PM7) indaga:
_ Quero completar com isso que anotei no meu caderno (mostra para mim). Como vou continuar?
(PM7)
Eu entrego a folha a ela e, observando suas anotações, sugiro:
_Complementa escrevendo “com isso, o conteúdo da sexta série será assim organizado...” e
acrescenta essa organização de conteúdos que você fez.
Dando prosseguimento ao texto anterior, ela escreve:
--------------------------------------------------------------------“Com isso, o conteúdo da 6ª série será assim organizado:
1º - Revisão das quatro operações
+ situações-problemas (esclarece que o símbolo utilizado
quer dizer “enfocando”).
2º - Inserir inteiros
3º - Ângulos
4º - Equação do 1º grau (só variáveis no primeiro membro).
5º - Proporções
6º - Segmentos proporcionais”.
---------------------------------------------------------------------Terminado o registro, o grupo aguarda a conclusão dos outros grupos, sem analisar o texto
produzido. Ele permanece na mão da PM7. Devido à proximidade, eu tinha acesso ao que estava
escrito e às outras professoras não foi ofertado e nem solicitada a análise do material que seria
entregue em nome de todo o grupo. Sugeri que juntas analisássemos a sugestão proposta no texto
escrito. A análise do texto escrito não foi implementada uma vez que na apresentação “se explicaria
melhor”.
(DC-R22)
232
F12 - RESPONSÁVEIS PELO REGISTRO E APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS DE
GRUPO NOS ENCONTROS DE FC
Depois de sua apresentação a palestrante propôs que a platéia se dividisse em grupos para redigir
um conceito de patrimônio e elaborar uma proposta de trabalho pedagógico relacionado a um
patrimônio conforme o material recebido pelo grupo. Formaram-se 4 grupos com três componentes
em cada [...]. Quando terminam, começam as apresentações [...].
Durante a apresentação do grupo 3 ocorreu um fato que reforça a idéia delineada em encontros
anteriores de que quem anota é que faz as apresentações e de que as apresentações são
sustentadas por anotações. No momento em que a palestrante solicitou a apresentação do grupo, a
professora que efetuara os registros havia saído da sala para atender ao telefone. A palestrante
solicita que “outro do grupo fale”. Estabelece-se um silêncio incômodo e uma professora procura na
sua agenda onde anotou e não encontra os registros que fizera. Quando localiza afirma:
_ Não anotei tudo do grupo, era a PH1 que estava fazendo. (PH15)
PH 15 lê o conceito de cultura e a professora que saíra retorna. Imediatamente abre suas anotações
e dá prosseguimento à apresentação.
(DC-R37)
F13 - DIFICULDADES DE INTERLOCUÇÃO ENTRE OS PROFESSORES
Com relação à comunicação CC esclareceu que:
_ Eu tinha certeza que um ofício seria mandado para as escolas, quando no Domingo [...] o CGCA
informou-me não seria possível. Então, na segunda, passei um e-mail para aqueles que tinham, por
isso, sempre peço que atualizem a lista, e fiz as ligações para as escolas [...].
Nesse momento alguns professores reforçaram sua insatisfação de variadas formas:
[...] _ Ah! Estou muito angustiando com isso (risos)! Nem e-mail eu tenho e meu computador está
quebrado. (PC1)
_________________________________________________________________________(DC-R09)
A CM1, informando que enviou para as escolas a mensagem escrita pelo grupo para os colegas que
não estavam presentes no último encontro, indagou sobre quem havia recebido a mensagem. Um
professor (PM16) informa que havia recebido e ela acrescenta que enviou também e-mail para todos
“lembrando do encontro”. De novo, solicita retorno do recebimento. Apenas três professores informam
o recebimento. Ela reclama:
_ Mando os e-mails, mas nunca recebo resposta. (CM1)
Após a apuração do recebimento da correspondência, solicita que se façam os comentários sobre os
livros “que estão lendo” [...].
Após o esclarecimento [das atividades realizadas] CM2 solicitou os registros. Como apenas o grupo
da sexta série tinha efetuado as anotações a CM1 sugeriu:
_ Então mandem por e-mail. (CM1)
Diante das impossibilidades apresentadas, o CM2 decidiu:
_ Então, no próximo encontro mantemos os mesmos grupos para efetuarem os registros e depois
damos prosseguimento.
(DC-R16)
233
G – Atividade proposta em apresentação
234
H – Imagens auxiliares à pesquisa
H1 – FOLDER DE DIVULGAÇÃO
235
H2 - BOLETIM INFORMATIVO DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
H3 – MENSAGEM EM CIRCULAÇÃO
H4 – TRABALHO PARA O
ESTANDARTE “VENTURAS,
AVENTURAS E DESVENTURAS DO
PROFESSOR”
236
I – Dados do questionário – Fonte: Base de dados do SPSS
I1 - DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONDENTES POR ÁREA DE CONHECIMENTO
120
113
Distribuição dos respondentes
100
92
87
85
80
65 65
60
59
56
48
53
55 54
48
40
46
35 33
29 29
29 29
G
C
43 42
27 27
20
0
M
H
presentes
respondentes
P
I
EF
A
total de lista de freqüência
DADOS GERAIS: Total de Presentes = 331
Total de Respondentes = 327 (N da pesquisa)
Total geral (expectativa nas listas de controle) = 591
I2 – PERFIL: SEXO
Sexo
23%
M
F
77%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
237
I3 – PERFIL: NÚMERO DE FILHOS
1%
1%
Filhos
14%
35%
não tem
1
2
3
4
27%
5
22%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
I4 – PERFIL: IDADE
Idade
9%
1%
18%
22 a 30
31 a 40
41 a 50
33%
51 a 60
+de 60
39%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 313
238
I5 – PERFIL: TEMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL
Tempo de atuação
180
Magistério
PMV
169
160
140
120
98
100
80
69
68
40
54
55
60
36
34
17
20
21
13
4
7 0
4
0
até 5
6 a 10
11 a 15
16 a 20
21 a 25
26 a 30
31 a 35
0
mais de
35
N da pesquisa = 327 /Respondentes para Magistério = 322 / Respondentes para PMV = 327
Tempo de serviço Média Mediana
MAGISTÉRIO
14,20 12
PMV
06,74 05
Moda
10
02
I6 – PERFIL: TURNO(S) DE TRABALHO
19%
Turnos de trabalho
26%
1
2
3
55%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
I7 – PERFIL: VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O MUNICÍPIO
Vinculação à PMV
24%
Contratado
Efetivo
76%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
239
I8 – PERFIL: RENDA INDIVIDUAL E RENDA FAMILIAR (EM REAIS)
225
Rendimento individual / familiar
individual
familiar
200
175
150
125
100
75
50
25
0
até 1.001 a 2.001 a 3.001 a 4.001 a 5.001 a 6.001 a 7.001 a 8.001 a 9.001 a
1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000
N da pesquisa = 327 / Respondentes para individual = 315 / Respondentes para familiar = 266
I9 – PERFIL: ESCOLARIDADE PESSOAL E FAMILIAR
não escolarizado
1ª a 4ª
5ª a 8ª
2º grau
3º grau
Pós / Esp
Pós/ Mest
Pós / Dout
Escolaridade
200
175
150
125
100
75
50
25
0
professor
companheiro(a)
pai
mãe
N da pesquisa = 327 / Respondentes para professor = 327 / Respondentes para companheiro(a)=
326 / Respondentes para pai = 316 / Respondentes para mãe = 315
240
I10 - EXPERIÊNCIAS ANTERIORES AO PERÍODO DE ESCOLARIZAÇÃO
Experiências anteriores à escolarização
15%
2%
31%
4%
3%
8%
18%
19%
1
2
3
4
5
6
7
8
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 257
Legenda
As experiências não vinculadas à escrita podem ser assim classificadas:
1 Respostas que indicam que não ocorriam experiências ligadas a essa atividade tais como não me
lembro de qualquer atividade envolvendo a escrita, não havia escrita, não sabia escrever, falta de
oportunidade, não havia incentivo, a realidade não permitia etc.
2 Respostas que caracterizam as atividades vivenciadas destacando seu distanciamento da escrita
tais como só brincava, vivia em liberdade, exercitava a imaginação, vivia na rua etc.
As experiências vinculadas à escrita podem ser assim classificadas:
3 Respostas que indicam um desejo mobilizador para essa atividade tais como vontade aprender,
curiosidade pela escrita, incentivo, descoberta com a escrita etc.
4 Respostas que envolvem o papel da família com destaque para as atividades específicas de
leitura tais como minha avó lia para mim, pedia para meu pai contar histórias dos livros, minha tia
me dava livros etc.
5 Respostas que envolvem o papel da família no ensino e aprendizagem da escrita tais como
aprendi a ler com minha mãe, ficava observando minha irmã escrever, minha avó me ensinou a
escrever, minha mãe me alfabetizou etc.
6 Respostas que caracterizam brincadeiras infantis ligadas à leitura e à escrita tais como brincar de
escolinha, brincar de professora etc.
7 Respostas que caracterizam as tentativas preliminares para a aprendizagem da escrita tais como
ganhava lápis coloridos, desenhava muito, rabiscava uma escrita indefinida, riscava muito o chão
e as paredes da casa etc.
8 Respostas que narravam processos de dificuldades com a atividade tais como a tensão e medo
das ameaças familiares da “obrigatoriedade” escolar que “daria jeito nas crianças inquietas e mal
comportadas”, a chatice de ter que fazer alguns exercícios com a escrita no contexto do lar, a
ansiedade do sucesso previamente cobrado etc.
241
I11 - A ESCRITA NO ENSINO PRÉ-ESCOLAR / EDUCAÇÃO INFANTIL
Atividades na pré-escola
11%
3%
18%
3%
5%
16%
17%
1%3%
1%
22%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
N da pesquisa = 327 / Respondentes : 207
Legenda
Nº Tipologia de respostas
1
Indicam a inexistência de
experiências ligadas à escrita
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Indicam a existência de
atividades distanciadas da
escrita
Indicam um desejo mobilizador
para essa atividade
Envolvem a família no ensino
aprendizagem da escrita
Envolvem a família com
destaque para as atividades de
leitura
Indicam brincadeiras associadas
à escolarização
Caracterizam as tentativas
preliminares para a
aprendizagem da escrita
Narram processos de
dificuldades com a atividade da
escrita
Indicam atividades ligadas à
leitura
Demonstra a descoberta inicial
da escrita
Tratam da alfabetização
propriamente dita
Exemplos
Não me lembro de qualquer atividade envolvendo a escrita
nessa fase, não havia escrita, não sabia escrever, falta de
oportunidade, não havia incentivo, não se ensinava a
escrever...
Só brincava, vivia em liberdade, socializava com o grupo,
descoberta da sexualidade, divertimento na escola...
Tinha vontade aprender, curiosidade pela escrita, incentivo,
desejo de aprender...
Minha mãe me ensinava, minha irmã já escrevia e me
ensinou, minha avó me ensinou a escrever, minha mãe me
alfabetizou...
Meu pai me contava história, minha mãe lia para mim,
ganhava livros de presente...
Brincava de escolinha, era a professora nas brincadeiras...
Fazíamos desenhos, tinha muita pintura e recortes, massa
de modelar, rabiscos e coordenação motora etc...
Foi uma alfabetização traumática, não tinha paciência
comigo, chorava e não conseguia fazer, odiava ter que
saber as letras etc...
Havia muitas histórias, tinha umas poesias, descobri as
revistas em quadrinhos...
Escrevia palavras mais simples, aprendi as vogais e o
nome...
Aprendi a ler e a escrever com uma cartilha, aprendi na préescola...
242
I12 - ATIVIDADES COM A ESCRITA DE 1ª A 4ª SÉRIE
Atividades com a escrita nas séries iniciais
5%
3%
22%
40%
0%
3%
3%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
17%
7%
N da pesquisa = 327 / Respondentes: 302
Legenda
Nº Tipologia de respostas
1
Indicam a inexistência de
experiências ligadas à escrita
2
3
4
5
6
7
8
9
Indicam a existência de
atividades distanciadas da
escrita
Indicam um desejo mobilizador
para essa atividade
Envolvem a família no ensino
aprendizagem da escrita
Indicam brincadeiras associadas
à escolarização
Caracterizam as tentativas
preliminares para a
aprendizagem da escrita
Narram processos de
dificuldades com a atividade da
escrita
Indicam atividades ligadas à
leitura
Exemplos
Não me lembro de qualquer atividade envolvendo a escrita
nessa fase, não havia escrita, não sabia escrever, falta de
oportunidade, não havia incentivo, não se ensinava a
escrever...
Só brincava, jogava futebol, gostava da Educação Física,
tinha muitos amigos...
Tinha vontade aprender, curiosidade pela escrita, incentivo,
desejo de aprender, recebia muitos elogios, tinha
facilidade...
Minha irmã já escrevia e me ensinou, minha avó me ensinou
a escrever, minha mãe me alfabetizou...
Brincava de escolinha, era a professora nas brincadeiras,
queria ser professora...
Fazíamos desenhos, tinha muita pintura e recortes, massa
de modelar, rabiscos e coordenação motora etc...
Foi uma alfabetização traumática, não tinham paciência
comigo, chorava e não conseguia fazer, odiava ter que
saber as letras, fiquei reprovado, etc...
Havia muitas histórias, tinha umas poesias, descobri as
revistas em quadrinhos, meu pai contava histórias, minha
mãe lia para mim...
Tratam da apropriação da escrita Aprendi a ler e a escrever com uma cartilha, fiquei
propriamente dita e das
orgulhoso ao aprender, tinhas as cópias, os ditados e as
disciplinas escolares
redações, escrevia palavras mais simples, procurava
escrever pequenos bilhetes para os colegas...
243
I13 - ASPECTOS LISTADOS NO ESTUDO DE 1ª A 4ª SÉRIE (Detalhamento I12)
Atividades mencionadas no processo de escolarização de 1ª
a 4ª séries
3% 2%1%
6%
6%
4%
44%
2%
9%
4%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
19%
N da pesquisa = 327 / N do item 9 do gráfico 12 = 120
1
Legenda
Nº
Tipo de respostas
9 -1
Enfocam o prestígio da
apropriação da leitura e da
escrita
9 -2
9 -3
9 -4
9 -5
9 -6
9 -7
9 -8
9 -9
9 -10
9 -11
1
Exemplo
Fiquei orgulhoso por saber ler, gostava de aprender a ler,
orgulho por conseguir entender o que estava a minha volta,
tinha responsabilidade com minha aprendizagem para
exibir para os outros...
Tratam da produção de texto e Não gostava de redação, tinha que escrever textos,
da redação
escrever nos meus livros de história, bilhetes era meu forte,
várias redações intituladas minhas férias...
Tratam dos episódios de ditado Escrevia muito ditado, eram ditados e mais ditados...
Tratam da cópia
Tinha muitas cópias, eram cópias imensas, era pouca
escrita e muita cópia, muita cópia do quadro...
Narram episódios de solicitação Tremia ao ter que escrever no quadro, tinha que escrever a
da escrita no quadro
palavra certa no quadro para a professora ver...
Tratam da caligrafia e do uso
Tinha que usar o lápis corretamente, reclamavam da minha
do lápis
letra...
Mencionam os exercícios de
Tinham as interpretações, tinha muitos exercícios para
interpretação, os exercícios
serem feitos, as tarefas de casa eram todas cumpridas,
repetitivos, os deveres de casa, decorava para responder, mas não sabia escrever...
e as atividades de decorar
Mencionam a leitura oral para a Tinha que ler para a professora, a professora cobrava a
professora
leitura
Mencionam o uso da cartilha e Lia e copiava da cartilha, tinha todo o alfabeto para
o estudo do alfabeto
aprender...
Mencionam a aprendizagem da Aprendi a tabuada cantando, tinha dificuldades na
matemática
matemática
Mencionam os personagens
Todas as datas eram comemoradas...
cívicos
Foi possível observar mais de um tipo de atividade em algumas respostas.
244
I14 - REFERÊNCIAS DA ESCOLARIZAÇÃO NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO BÁSICO
(5ª A 8ª SÉRIES)
Referências da escolarização de 5ª a 8ª séries
7%
21%
1
6%
2
3%
2%
1%
2%
11%
3
4
5
6
7
8
18%
9
9%
10
11
10%
10%
12
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
Legenda
Item Descrição
1
Não lembra o período
2
As atividades marcantes são ligadas a brincar, fazer amigos, jogar futebol, namorar,
bagunçar, conhecer-se.
3
As atividades marcantes estão ligadas às disciplinas de Educação Física/esportes (4), de
História (1) e de Matemática (5).
4
As referências estão ligadas a apreciação dos aspectos pessoais e didáticos da professora de
Português.
5
As referências estão ligadas ao contexto do despertar da possibilidade profissional na área
docente: brincar de escolinha, querer ser professor, ensinar a irmãos.
As atividades referências estão ligadas à leitura: descoberta da leitura, da biblioteca, de
6
determinados livros, de leitura em público.
7
As referências estão ligadas a dificuldades gerais na escolarização: período de dificuldades,
não tive sucesso, era tímido e não aprendia, ficava isolado etc.
As referências estão ligadas a dificuldades relacionadas à escrita de forma difusa: não
8
tinha interesse pela escrita, não havia estímulo, eu tinha pouca produção escrita, não gostava
de escrever, fugia da obrigação de escrever etc.
As referências estão ligadas aos exercícios escolares: decorar, copiar, responder
9
questionários, ditado, prova, exercícios gramaticais etc.
As referências estão ligadas à descoberta da escrita de forma positiva e difusa: bom
10
desempenho, tinha muito desejo, foi um período de desenvolvimento da escrita etc.
As referências estão ligadas ao sucesso explícito da escrita com a presença de elogios e a
11
participação em concursos escolares.
As referências estão ligadas ao tipo de texto que escreviam (ordenado na freqüência que
12
aparecem): redações/histórias, relatórios/trabalhos escolares, resumos, poesias, contos,
músicas, diários etc.
245
I15 - AÇÕES SIGNIFICATIVAS NO PERÍODO DO ENSINO MÉDIO
Ações significativas no Ensino Médio
2% 3%
18%
8%
0%1%
1%
9%
6%
31%
12%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
9%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 308
Legenda
Item Descrição
1
Não lembra o período
2
As atividades marcantes são ligadas a fazer amigos, jogar futebol, namorar, bagunçar,
conhecer-se, trabalhar.
3
As atividades marcantes estão ligadas às disciplinas de Educação Física/esportes (1), de
História (1), de Matemática (4), Língua Estrangeira (4), Filosofia (1), Psicologia (1) e prévestibular (12).
4
As referências estão ligadas a aspectos pessoais e didáticos da professora de Português.
5
As referências estão ligadas ao contexto da possibilidade profissional na área docente: fazer
planos de aula no magistério, fazia relatórios de observação de aulas etc.
As atividades referências estão ligadas à leitura: descoberta da leitura, da biblioteca e de
6
determinados livros (grande presença de livros técnicos).
7
As referências estão ligadas a dificuldades gerais na escolarização: período de dificuldades,
não tive sucesso, era tímido e não aprendia, ficava isolado etc.
As referências estão ligadas a dificuldades relacionadas à escrita de forma difusa: não foi
8
produtivo, não tinha interesse, abandonei a escrita, não havia estímulo, eu tinha pouca
produção escrita, não gostava de escrever, fugia da obrigação de escrever etc.
As referências estão ligadas aos exercícios escolares: decorar, copiar, responder
9
questionários, ditado, prova, exercícios gramaticais, exercícios de análise literária, seminários,
cartazes, anotações de aula etc.
As referências estão ligadas à descoberta de escrita de forma positiva e difusa: bom
10
desempenho, tinha muito desejo, foi um período de desenvolvimento da escrita, usava a
escrita para desabafar, etc.
As referências estão ligadas ao sucesso explícito da escrita com a presença de elogios e a
11
participação em concursos escolares.
As referências estão ligadas ao tipo de texto que escreviam: redações, histórias, textos
12
críticos e de contestação, relatórios, trabalhos escolares, resumos, poesias, contos,
músicas, cartas, diários etc.
246
I16 - REFERÊNCIAS DA GRADUAÇÃO
Referências da Graduação
9
8
M
7
H
6
G
5
C
4
P
3
I
EF
2
EA
1
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 311
I17 - REFERÊNCIAS DA PÓS-GRADUAÇÃO
Referências da Pós-Graduação
9
8
7
M
6
H
5
G
4
C
P
3
I
2
EF
1
EA
0
10
20
30
40
50
60
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 262
Legenda
Descrição
1 As lembranças são ligadas a aspectos pessoais: sofrimento, problemas familiares etc.
2 As lembranças são ligadas ao envolvimento na escolarização: esforço, desafio, dedicação, etc.
3 As referências estão ligadas ao contexto profissional.
4 As atividades referências estão ligadas a leitura: descobri a leitura, lia muitos textos da área,
comprei muitos livros do curso/ comprei livros para monografia etc.
5 As referências estão ligadas a dificuldades gerais na escolarização.
6 As referências estão ligadas a dificuldades relacionadas ao desempenho na escrita de
forma difusa: não conseguia escrever, tinha dificuldades de escrita etc.
7 As referências estão ligadas aos exercícios escolares na área de conhecimento: escrita de
cálculo, realização de maquetes, tentativas artísticas, realização de traduções etc.
8 As referências estão ligadas à (re)descoberta de escrita de forma exigente, positiva e difusa:
melhorei na escrita, aprendi a escrever, as exigências forçaram o meu desenvolvimento, etc.
9 As referências estão ligadas ao tipo de texto que escreviam:
Graduação: relatório, síntese, resumo, fichamento, monografia, trabalhos e pesquisas.
Pós-Graduação: monografia, dissertação, relatório, síntese, fichamento, trabalho e pesquisas
247
I18 - ATIVIDADE DE ESCRITA MAIS IMPORTANTE
100
Atividade de escrita mais significativa
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 282
Legenda
A)
1
2
3
TEXTOS PESSOAIS
Diários, agenda, memórias, anotações
pessoais
Cartas
Memorial
B)
4
5
6
7
TEXTOS LITERÁRIOS
Poesia
Conto e crônica
Teatro
música
C)
8
9
10
11
12
13
14
TEXTOS DO TRABALHO
Planejamento e notas de aula
Projeto
Relatório
Apostila e texto para alunos
Elaboração de provas
Ofícios
Construção de livro didático
D)
15
16
17
18
19
TEXTOS RELACIONADOS À
ESCOLARIZAÇÃO
Síntese, resumo, fichamento
Monografia
Projeto de pesquisa
Trabalhos escolares diversos
Redações
E)
20
21
TEXTOS CIENTÍFICOS/ACADÊMICOS
Livro
Artigo
F)
TEXTOS RELACIONADOS À
FORMAÇÃO CONTINUADA
Produção de textos nos encontros
Registro no caderno volante
22
23
248
I19 - REPERTÓRIOS TEXTUAIS: 1 a 7
300
Oportunidades de escrita 1 a 7
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
não escreve
escreve sempre
escreve eventualmente
tem facilidade
tem dificuldade
gosta (ria) de escrever
7
gosta (ria) de não escrever
I20 - REPERTÓRIOS TEXTUAIS: 8 a 14
300
Oportunidades de escrita 8 a 14
250
200
150
100
50
0
8
9
10
11
12
13
14
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Preenchimento de pautas/diários
2. Registro de tópicos no quadro negro
durante aula expositiva
3. Cópia de texto no quadro negro
4. Preenchimento de fichas de avaliações, de
ocorrências etc.
5. Elaboração de plano de curso
6. Elaboração de planejamentos e planos de
aula
7. Elaboração de projeto de trabalho escolar
8. Elaboração de relatório dos trabalhos
desenvolvidos nos projetos
9. Elaboração de projeto de pesquisa
10. Elaboração de relatório de pesquisas
realizadas
11. Anotações de reuniões
12. Elaboração de síntese de leitura
13. Elaboração de bilhetes e convites
14. Elaboração de cartazes
249
I21 - REPERTÓRIOS TEXTUAIS: 15 A 21
300
Oportunidades de escrita 15 a 21
250
200
150
100
50
0
15
16
17
18
19
20
21
não escreve
escreve sempre
escreve eventualmente
tem facilidade
tem dificuldade
gosta (ria) de escrever
gosta (ria) de não escrever
I22 - REPERTÓRIOS TEXTUAIS: 22 a 29
300
Oportunidades de escrita 22 a 29
250
200
150
100
50
0
22
23
24
25
26
27
28
29
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
15. Elaboração de listas (chamadas, grupos
de trabalho, compras)
16. Elaboração de exercícios e avaliações
17. Elaboração de correspondência oficial
(ofícios, requerimentos etc.)
18. Elaboração de trabalhos acadêmicos
(monografias, dissertações etc.)
19. Elaboração de artigos
20. Elaboração de memorial e de curriculum
vitae
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
Anotações em agenda
Registro em diário pessoal
Escrita literária – poesia
Escrita literária – conto/crônica
Escrita literária – romance
Escrita literária – literatura Infantil
Escrita de cartas
Escrita de e-mails/mensagens eletrônicas
Revisão de textos
250
I23 - REGISTRO DO PLANEJAMENTO NA ESCOLA
Registro do Planejamento
260
240
220
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Não registra
2. Faz registros regulares
3. Faz registros eventuais conforme a
necessidade
4. Em caderno específico
5. Em agenda
6. Em folhas avulsas
7. Em formulário próprio da escola
8. Registra sozinho
9. Registra com o auxílio do pedagogo
10. Registra com o auxílio do coordenador
11.
12.
13.
14.
15.
Registra com auxílio de colegas
Auxilia os colegas nos registros
Mostra seus registros ao pedagogo
Mostra seus registros ao coordenador
Não mostra seus registros a outros
profissionais
16. Faz um registro resumido
17. Faz um registro detalhado
18. Registra as considerações após a
realização do trabalho
I24 - ELABORAÇÃO DE PROVAS
Elaboração de provas
250
225
200
175
150
125
100
75
50
25
0
1
2
3
4
5
6
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Faz montagem com xerox de questões
dos livros didáticos
2. Copia questões de livros didáticos
3. Reescreve questões dos livros didáticos
4. Elabora as questões
5. Utiliza “banco” de provas
6. Outro (especifique)
251
I25 - LOCAL ONDE MAIS ESCREVE
Local onde mais escreve
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Em casa
2. No trabalho
3. Na formação continuada (PCNs)
4. Onde estuda
5. Outro (especifique)
I26 - ESPAÇOS PARA ESCRITA EM CASA
250
200
150
100
50
0
Espaços para escrita em casa
1
2
3
4
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Tem espaço específico e pessoal
2. Tem espaço específico mas divide com
outras pessoas
3. Utiliza outro espaço da casa
4. Outro (especifique)
I27 - ESPAÇOS PARA ESCRITA NO TRABALHO
Espaços de escrita no trabalho
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Sala de professores
2. Sala ambiente (utiliza quando os alunos
não estão).
3. Biblioteca
4. Laboratório de informática
5. Outro (especifique)
252
I28 - INTERRUPÇÕES PESSOAIS NO PROCESSO DE ESCRITA
Interrupções pessoais
200
175
150
125
100
75
50
25
0
1
2
3
4
5
6
7
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda:
1. Vontade de se alimentar
2. Vontade de fumar
3. Necessidade de ir ao banheiro
4. Sono
5. Lembranças de outras obrigações
6. Vontade de assistir televisão
7. Outro (especifique)
I29 - INTERRUPÇÕES DE TERCEIROS NO PROCESSO DE ESCRITA
Interrupções de terceiros
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda:
1. Atender a filhos
2. Atender a companheiro/a
3. Atender ao pedagogo
4. Atender ao coordenador
5. Atender a colegas de trabalho
6. Outro (especifique)
253
I30 - PROCESSOS DE MEDIAÇÃO NAS PRÁTICAS DE ESCRITA
Processos de mediação na escrita
350
300
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
7
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Escreve sozinho
2. Escreve em companhia do pedagogo
3. Escreve em companhia do coordenador
4. Escreve com colegas de trabalho
5. Escreve com colegas de estudos
6. Escreve em grupo na formação continuada
7. Outro (especifique)
I31 - RECURSOS AUXILIARES UTILIZADOS NO PROCESSO DE ESCRITA
300
Recursos utilizados na escrita
250
200
150
100
50
0
1
2
3
N da pesquisa = 327 / Respondentes =
Legenda:
1. Dicionários
4.
2. Gramáticas
5.
3. Manuais
6.
4
5
6
7
8
327(Foi possível mais de uma resposta)
Consulta textos
Consulta revistas
Consulta livros
7. Internet
8. Outro (especifique)
I32 - TRABALHOS PUBLICADOS
6%
Trabalhos publicados
5%1%
não tem
7%
em jornais
em livros
6%
em revistas
apostilas
75%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 323
outros
254
I33 - AÇÕES SOBRE A ESCRITA
4
Ações sobre a escrita
sempre
muitas vezes
algumas vezes
raramente
nunca
3
2
1
0
50
100
150
200
250
300
350
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
Legenda: AÇÕES
1. Discussão sobre a escrita do professor
2. Discussão sobre a escrita do aluno
3. Planejamento de atividades para desenvolver a escrita do professor
4. Planejamento de atividades para desenvolver a escrita do aluno
I34 - INFLUÊNCIA DO DOMÍNIO DA ESCRITA PELO PROFESSOR
300
Influência do domínio da escrita pelo professor
muito
razoavelmente
pouco
nada
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 321
Legenda
1. No ensino da escrita para o aluno.
2. Na auto-avaliação do trabalho do professor
3. No desenvolvimento do conhecimento do
professor
4. Na auto-estima do professor
5.
6.
7.
8.
9.
No registro do trabalho
Na troca de experiência
Na valorização social do trabalho docente
Na comunicação com a comunidade
No destaque para a Secretaria de Educação
255
I35 - ASPECTOS IMPORTANTES PARA O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA DO
PROFESSOR
250
Aspectos importantes para o desenvolvimento da escrita
200
150
muito
100
razoavelmente
pouco
50
nada
0
1
2
3
4
5
6
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 317
Legenda
1. O desejo pessoal
2. As atividades realizadas na Formação.
3. As atividades de formação na escola
4. As solicitações de escrever na escola.
5. A continuidade dos estudos
6. A organização do espaço escolar
7. Outros (especificar):
I36 - SENTIMENTOS QUE ESTIMULAM A ESCRITA
200
Sentimentos que estimulam a escrita
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
7
8
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda:
1. Vontade de exposição (a elogios, críticas)
6. Intenção de trocar experiências
2. Compromisso com a formação
7. Desejo de inserir-se em meios de produção
3. Desejo de publicar algum texto
acadêmica.
4. Necessidade de documentar a prática
8. Outro (especifique)
5. Propósito de divulgar o trabalho
I37 - SENTIMENTOS QUE DIFICULTAM A ESCRITA
Sentimentos que dificultam a escrita
150
100
50
0
1
2
3
4
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 313
Legenda
1. Receio de exposição (a elogios críticas e
sugestões)
2. Sensação de incompetência em escrita
3. Preocupação com a permanência do
registro escrito
4. Outro (especifique)
256
I38 - PARCERIAS DESEJADAS
175
Profissionais para auxiliar na escrita
150
125
100
75
50
25
0
1
2
3
4
5
6
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Um professor da mesma área
2. Um professor de Português
3. Um especialista em Português
4. Um pedagogo
5. Qualquer pessoa com experiência em
escrita
6. Outro (especifique)
I39 - PROFISSIONAIS E ESCRITA NA ESCOLA
Profissionais e escrita na escola
PEF
PM
PI
PG
PC
PA
PH
PP
prof
pedag
mais aptos
mais solicitados
secret
coord
diretor
0
25
50
75
100
125
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
150
175
257
I40 - A ESCRITA NA FORMAÇÃO CONTINUADA
60
AS AÇÕES DE FORMAÇÃO
50
40
30
20
10
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 275
Legenda: RESPOSTAS COM ÊNFASE
1. Na falta da escrita: constatam a falta de escrita na formação continuada.
2. Na escrita: destacam a escrita como uma atividade significativa na formação.
3. No compartilhamento: valorizam a possibilidade de descontração, de prazer, de conversar com
amigos, de desabafar, de estar com colegas etc.
4. Na oralidade: enfatizam a possibilidade de contato com novos assuntos e idéias através da troca
de experiências, do debate e da reflexão coletiva.
5. Na leitura: enfatizam a possibilidade de realizar leitura, análise e discussão de textos.
6. No trabalho com os alunos: enfatizam o trabalho a ser realizado com os alunos.
7. Na pesquisa: enfatizam a formação como um espaço de estímulo à pesquisa.
8. Na avaliação positiva dos encontros destacando os aspectos positivos da formação: informam
“crescimento pessoal pela a participação numa experiência boa”, a organização (bem organizada,
bem dirigida, com planejamento das ações etc.) e a importância (espaço importante, bom, precisa
continuar etc.).
9. Na avaliação negativa dos encontros destacando os aspectos negativos da formação: enumeram
dificuldades dos encontros tais como: repetitivo, não acrescenta nada, um espaço obrigatório,
desagradável etc.
I41 - A ESCRITA NA FORMAÇÃO (DETALHAMENTO DO ITEM 2 DO I40)
4% 4%
4%
Referências da escrita
na formação
27%
1
2
3
20%
4
5
6
41%
N da pesquisa = 327 / N do item 2 do I40 = 49 / Respondentes = 49
Legenda: REFERÊNCIAS
1. A escrever de maneira geral sem destaque
para um repertório textual
2. A escrita de relatórios/anotações no caderno
3. A escrita de sínteses e de resumos
4. A escrita de projetos
5. A escrita de planos
6. A produção de textos “mais elaborados”
258
I42 - REGISTRO NA FORMAÇÃO CONTINUADA
200
Registro na formação continuada
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1. Não registra
2. Contribui oralmente
3. Sempre registra
4. Registra eventualmente
5. Registra quando o tema é de interesse
6. Em caderno específico
7. Em agenda
8. Em folhas avulsas
9. Escreve enumerando pontos de destaques
10. Escreve organizando sínteses de idéias
11. Em trabalhos de grupo faz o registro para ser
entregue
12. Em trabalhos de grupo faz anotações de uso
pessoal
13. Em trabalhos de grupo contribui oralmente
14. Outro (especifique)
I43 - LEITURAS ATUAIS DOS PROFESSORES
Leituras
250
200
150
100
50
0
jornais
revistas
diária
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
livros
textos e
apostilas
algumas vezes na semana final de semana
259
I44 - BIBLIOTECA DO PROFESSOR
100
Biblioteca do professor
75
50
25
0
1
2
3
4
5
6
7
8
100
75
50
25
0
9
10
1a5
6 a 10
11
11 a 20
12
21 a 50
13
51 a 100
14
+de 100
15
não tem
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327
RECURSOS
1. Jornais
2. Revistas pedagógicas específicas da sua
área de conhecimento
3. Revistas pedagógicas de temas gerais de
educação
4. Revistas diversas
5. Livros – Educacional da sua área de
conhecimento
6. Livros - Educacional de temas gerais e de
outras áreas
7. Livros didáticos da sua área de
conhecimento
8. Livros didáticos de outras áreas do
conhecimento
9. Romances Seriados (Faroeste, Sabrina,
Júlia etc)
10. Romances, contos e poesias da literatura
nacional
11. Romances, contos e poesias da literatura
internacional
12. Auto Ajuda
13. Religiosos
14. Literatura Infantil
15. Textos xerocados e apostilas
I45 - TEXTOS PESSOAIS
Ocorrência de textos produzidos e guardados
41%
59%
sim
não
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 282
I46 - TIPOS DE TEXTOS SEM APRESENTAÇÃO PÚBLICA
50
Tipos de textos produzidos e não ofertados à leitura
40
30
20
10
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
N da pesquisa = 327 / N que responderam sim no gráfico 45 = 117 (Foi possível mais de uma
resposta)
Legenda
A)
1
2
TEXTOS PESSOAIS
Diários, agenda, memórias, anotações
pessoais
Cartas
B)
3
4
5
6
7
8
9
TEXTOS LITERÁRIOS
Poesia
Conto e crônica
Romance
Infantil
Teatro
música
Religioso
C)
10
11
12
13
TEXTOS DO TRABALHO
Planejamento e notas de aula
Projeto
Relatório
Relato de experiência
D)
14
15
16
TEXTOS CIENTÍFICOS/ACADÊMICOS
Resumo e resenha
Artigo
Projeto de pesquisa
I47 - A PRODUÇÃO DE POESIA NAS ÁREAS DE CONHECIMENTO
9%
12%
6%
A produção de poesia nas áreas
de conhecimento
9%
12%
9%
M
H
G
C
P
I
EF
12%
A
31%
N da pesquisa 327 / N do item 3 do gráfico 59 = 34
I48 - PROCESSO DE ESCRITA
300
Faz no processo de escrita
250
200
150
100
50
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 327(Foi possível mais de uma resposta)
Legenda
1.
2.
3.
4.
Elabora previamente um roteiro
Elabora rascunho
Escreve de primeira
Passa a limpo sempre que conclui uma
idéia
5. Passa a limpo no final
6. Necessita de muitas reelaborações para
se sentir satisfeito com o texto
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
Desmancha/apaga muito
Rabisca muito
Revisa o português
Digita seus próprios textos
Escreve direto no computador
Solicita que alguém leia
Outro (especifique)
I49 - RELAÇÃO COM A ESCRITA
5%
Relação pessoal
com a escrita
15%
26%
ótima
boa
regular
ruim
54%
N da pesquisa = 327 / Respondentes = 326
I50 - IMPRESSÕES SOBRE LER E ESCREVER
250
Impressões sobre ler e escrever
200
150
100
50
0
1
2
os professores
3
os da área
4
5
magistério
6
7
8
marca os três
N da pesquisa 327 / Respondentes = 327 (Foi possível mais de uma resposta)
Legenda:
RELAÇÃO
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
Prefere ler a escrever
Prefere escrever a ler
Gosta tanto de ler quanto de escrever
Não gosta nem de ler nem de escrever
Tem dificuldade para escrever
Tem facilidade para escrever
Tem dificuldade para ler
Tem facilidade para ler
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