Segunda-feira, 29 de julho, 2013 Brasil Econômico 31
JULIO GOMES DE ALMEIDA
DAGOBERTO J.S. LIMA
Professor do Instituto de Economia
da Unicamp e Ex-Secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda
Sócio-fundador da Dagoberto
Advogados e especializado
em direito empresarial da saúde
O menor crescimento do
emprego e o ciclo de serviços
A saúde suplementar
pode ficar na fila
Dois destaques muito positivos ainda dominam o tema do emprego, mesmo em um contexto em que a economia já atravessa o terceiro ano de dificuldades: a) a desocupação se mantém
muito baixa para padrões brasileiros (média de 6%), especialmente em regiões metropolitanas como a de Belo Horizonte e
Porto Alegre, que estão próximas ao pleno emprego; b) O emprego formal segue com alto desempenho (2,7% em junho
frente ao mesmo mês de 2012), enquanto o emprego como um
todo nas regiões metropolitanas progride lentamente (0,6%).
Em tempos de protestos e manifestações sobre os mais variados temas, o mercado de saúde suplementar também vive um
período de insatisfações. O setor apresentou crescimento tímido em 2012, já que a massa socialmente ascendente que demandava tal serviço, a aclamada classe C, foi gradualmente atendida com o passar dos últimos anos. Além disso, a tendência deredução docrescimentoeconômico vislumbrada para ocurto prazo, aliada ao boom da sinistralidade — que cresceu 85% em
2012 —, acaba não colaborando para crescimentos expressivos.
Ou seja, o estado do emprego no
Brasil segue favorável. O mesmo, no
entanto, não se pode dizer de sua
evolução recente, a qual poderá em
breve começar a afetar a taxa de desocupação e a própria formalização
do trabalho.
Para avaliar a perda de ritmo do
emprego urbano no país basta a observação de que no segundo trimestre desse ano relativamente ao mesmo período do ano passado, o aumento da ocupação foi diminuto
(apenas 0,5%), embora tivesse sido
muito maior no último trimestre de
2012 (3%). Compare-se ainda o fraco vigor dos últimos meses com a variação média no ano como um todo
de 2011 e 2012, em torno a 2,2%.
É claro que os planos de saúde, não
bastassem os problemas já citados,
ainda sofrem com os desafios estruturais do Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) mantém cerca de 1.900 hospitais para atender 200 milhões de
brasileiros, um para cada 100 mil,
com um orçamento muito apertado
quando comparado com outros sistemas de saúde no mundo. Com isso, temos menos leitos que o necessário e
serviços piores que os desejados. As
distorções chegam à saúde privada,
que cuida de 1/3 da população e ainda
presta apoio ao SUS, absorvendo a incapacidade do sistema público de absorver toda a demanda.
A inflação de serviços
poderá ser menor,
contribuindo para a
evolução mais branda dos
preços ao consumidor, o
que protege a renda real e
o consumo da população
A indústria, que após um breve período de recuperação, desde março
voltou a desempregar, tem sua parcela de responsabilidade neste retrocesso. A construção também porque interrompeu um período de dois anos
de expansão e passou a acumular taxas negativas nos últimos seis meses. Nesse percurso, no primeiro semestre do ano a ocupação teve variação zero na indústria e queda de
2,7% na construção.
Um fator ainda mais destacado
entrou em cena nos últimos meses.
Trata-se do que pode vir a ser o fim
de um ciclo longo e decisivo para a
dinâmica do emprego da economia
brasileira nos últimos dez anos: o ciclo de serviços, desencadeado pelo
boom de consumo que acompanhou a redistribuição da renda. Segmentos fundamentais, como “comércio e reparação”; “intermediação financeira, atividades imobiliárias e serviços prestados à empresa”; e “outros serviços” continuam
absorvendo mão de obra, mas experimentam notável desaceleração.
Por exemplo, no primeiro deles
foi pouca a evolução em maio e junho com relação aos mesmos meses
do ano passado (1,1%), após crescer
quatro vezes mais nos três meses finais de 2012. No segundo caso, uma
elevação de quase 3% no ano passado foi perdendo fôlego a cada mês ao
longo da primeira metade desse ano,
de forma que já há registro de taxa
negativa em junho (-0,1%). Em outros serviços o ritmo é cada vez menor (1,4% em junho) desde que este
setor logrou uma expansão superior
a 4% na média do último trimestre
de 2012. Do lado oposto, a administração pública, educação, saúde e
serviços sociais, onde é preponderante o setor público, teve papel
amortecedor dos impactos adversos
dos demais segmentos, crescendo
5,7% em média no último trimestre.
Se o ciclo de serviços não é o mesmo, por enquanto não há sinais de regressão do emprego, mas acomodação ou desaceleração na demanda de
trabalho, sendo mantido o nível elevado de ocupação. O lado positivo
deste cenário é que a inflação de serviços poderá ser menor, contribuindo para a evolução mais branda dos
índices de preços ao consumidor, o
que, por seu turno, protege a renda
real e o consumo da população.
Temos que correr para
evitar que a saúde
suplementar entre em
estado de coma, algo que
nem médicos estrangeiros
nem especialistas em gente
são capazes de reverter
Os fornecedores de planos convivem constantemente com uma barreira criada pelo excedente de consumidores insatisfeitos com os serviços públicos, o que, por sua vez, sobrecarrega o complexo privado de medicina.
Se o governo, com toda a sua avassaladora máquina, tem sérios problemas
na construção e viabilização de hospitais e clínicas, a história é ainda mais
complicada para os empreendedores.
Materiais importados, alta carga tributária, regulamentações fundiárias e a
escassez de financiamento inviabilizam o que é básico para que o setor seja administrativa e economicamente
sustentável, em um recorte histórico
que toma proporções malthusianas.
A Agência Nacionalde Saúde Suplementar (ANS), órgão competente na
regulação dos planosde saúde e congêneres,nosentidolatoenosentido estrito, entendeu a necessidade de intervir
em operadoras que, pretensamente,
estariam postergando o cumprimento
de suas obrigações de provimento de
procedimentos clínicos. Cerca de 30
operadoras, com um total aproximado
de 4 milhões de clientes, foram proibidas de comercializar novos planos.
Ninguémdiscordaqueoquefoi acordado em contratos deve ser fornecido ao
contratante. Mas a situação em si e os
subprodutos das interferências nos
alertam para fatos preocupantes. As
operadoras que sofreram as sanções
eram, em geral, de porte reduzido, o
que influenciou os movimentos do
mercadona direçãodeuma maiorconcentração de negócios nas mãos das
grandes empresas.
Isso nos remete a lucros. Aproximadamente 85% das entradas nas
empresas de saúde suplementar são
gastas com os procedimentos assistenciais contratualmente cobertos.
Dos 15% restantes, boa parte é despendida com as necessidades administrativas, enquanto outra relevante
parcela é desembolsada para liquidar
as cobranças de tributos. A exígua
margem de lucratividade mostra que
a falta de incentivos para o empreendedorismo na área deve ser levada
em consideração, pois tem influência
decisiva no médio prazo.
O cenário exige um sinal de alerta
por parte de todos. A perspectiva é de
que a saúde, no Brasil, sofra na fila. Temos que correr para evitar que a saúde suplementar entre em estado de
coma, algo que nem médicos estrangeiros nem especialistas em gente são
capazes de reverter.
Presidente do Conselho de Administração Maria Alexandra Mascarenhas Vasconcelos
Diretor Presidente José Mascarenhas
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