2013 Tradução do capítulo 6.º do Estudo do CHEPS “Policy Challenges for the Portuguese Polytechnic Sector” CCISP [POLICY CHALLENGES FOR THE PORTUGUESE POLYTECHNIC SECTOR: RESUMO CONCLUSIVO] 1 6 Resumo Conclusivo Leon Cremonini, Jon File Leon Cremonini é Investigador no Center for Higher Education Policy Studies (Centro de Estudos sobre Política do Ensino Superior), Universidade de Twente, Holanda Jon File é o Director de: Desenvolvimento e Consultadoria do Center for Higher Education Policy Studies (Centro de Estudos sobre Política do Ensino Superior), Universidade de Twente, Holanda Este relatório elenca as principais características do sector das UCA (Universidades de Ciências Aplicadas – ver tabela 6.1.) nos diversos países e analisa o modo como os desafios estão a ser encarados - ou como o foram no passado. O objetivo fundamental deste exercício foi o de identificar os problemas chave que o sector politécnico em Portugal enfrenta hoje, num momento de restrições orçamentais inéditas. O CCISP desenvolveu sete propostas iniciais com o objetivo de clarificar e reforçar o papel do ensino superior politécnico público no sistema de ensino superior português. Este capítulo conclusivo resume, por um lado, as principais conclusões descritivas e, por outro, identifica as tendências no âmbito das propostas do CCISP. Em geral, a nossa revisão internacional demonstra que, embora frequente, o sistema binário no ensino superior é um fenómeno relativamente recente, tendo surgido nos últimos 50 anos em oposição ao sector universitário tradicional que, em muitos casos, é centenário. Assim, os desafios que Portugal hoje enfrenta são comuns a muitos outros países embora as respostas as estas questões têm ou tenham sido tão díspares como o número de sistemas. Em teremos descritivos, podemos distinguir quatro grandes áreas: (a) o estatuto dos politécnicos face às universidades (b) o papel da investigação nos politécnicos face ao seu papel nas universidades, (c) fusões de politécnicos e (d) o papel regional dos politécnicos. 6.1 Principais Conclusões e Tendências O estatuto dos politécnicos face às universidades Existe muitas vezes a ideia de que o estatuto de uma UCA é inferior ao de uma universidade "tradicional". Embora os responsáveis políticos e os governos possam envidar grandes esforços para contrariá-la, esta é ainda uma ideia muito presente. Por exemplo, na maioria dos sistemas binários, como o da Holanda, o estudante enfrenta sérias dificuldades se pedir transferência de uma UCA para uma universidade, seja em termos horizontais (por ex., na transferência de créditos em caso de mudança de curso) ou em termos verticais (de um ciclo para o outro, ou seja, por exemplo, na passagem da licenciatura para o mestrado). Onde os obstáculos formais são menores (por exemplo, na Alemanha), os licenciados por uma universidade raramente pedem transferência para uma UCA enquanto os licenciados por uma UCA tendem a pedir transferência para um curso universitário. Na maioria dos países, com a exceção da Irlanda e da Noruega, as UCA não podem conferir o grau de doutor. No RU, as reformas de 1992 tornaram possível que politécnicos se "transformassem em universidades" com base no princípio de que todas as qualificações concedidas por 2 instituições nacionais (licenciaturas e mestrados, por ex.) deveriam ter um significado semelhante, o que, por sua vez, sugere que uma qualificação atribuída por um politécnico tem um valor menor1. Na Noruega, as UCAs podem "ascender" a universidades (um objetivo muito procurado) se cumprirem critérios que são exclusivamente da esfera universitária, como é o caso de atividade de investigação relevante. Estes casos colocam em evidência dois aspetos importantes para a reforma do sector das UCA: 1) Há uma ideia enraizada de desigualdade em termos de estatuto em todos os países. Na nossa opinião, esta deve-se em grande medida a um conceito de diversidade mal compreendido e que coloca em evidência a diferenciação vertical (onde indicadores semelhantes são utilizados para comparar sectores diferentes), ao contrário da diferenciação horizontal (que reconhece diferenças em termos de missão e perfil das instituições). Em termos de diferenciação vertical, os politécnicos tendem a ser encarados como tendo um "estatuto inferior" pois alguns aspetos - nomeadamente a investigação - são valorizados nesta avaliação (e continuarão a sê-lo durante muito tempo). É óbvio que a "paridade de perceção", discutida no capítulo sobre a Irlanda (e na recente revisão da EUA/CRUP), não é um objetivo fácil de atingir. 2) A natureza do sector das UCAs, que se centra na educação e na investigação aplicada (ver mais à frente) não impede ipso facto que as UCAs possam oferecer uma gama completa de cursos, desde cursos de curta duração (bacharelatos) a doutoramentos2 O papel da investigação nos politécnicos face às universidades O sector das UCA é frequentemente considerado uma resposta à "massificação" do ensino superior. Na Holanda, por exemplo, o sector das UCAs é significativamente maior do que o sector universitário e foi visto como uma resposta à crescente massificação do ensino superior. Esta ideia poderá ter a sua origem no facto de, em muitos sistemas, o sector da UCA ter sido realmente um upgrade do ensino secundário profissional, como foi o caso na Holanda. Por conseguinte, em quase todos os países, os fundos atribuídos para investigação nas UCA públicas é muito menor do que o atribuído para a investigação académica (com a exceção da Noruega). No entanto, a investigação realizada hoje no seio das UCAs não só é aceite como apoiada. As UCAs têm obviamente expressado cada vez o seu desejo de se dedicarem à investigação (até pela inclusão deste item nas estratégias das instituições) dado que os rankings que surgiram após 2003 fazem parte integrante do debate a nível mundial sobre políticas do ensino superior. Mas mesmo antes da Universidade Tjao Tong de Shanghai ter iniciado a "corrida ao ranking mundial", as UCAs estavam empenhadas na corrida aos fundos para investigação. Muitas vezes 1 É importante realçar que os antigos politécnicos estão frequentemente ainda atrás das universidades em inúmeros fatores e que são elementos chaves para as universidades (como é o caso dos fundos para a investigação). Esta situação é vista como uma consequência direta da reforma de 1992 que, na verdade, negava a existência de diversidade (horizontal) entre os anteriores sectores e obrigava os politécnicos a concorrer com as universidades em termos de fundos para a investigação em condições idênticas de jure, ou seja, em circunstâncias que não eram de igualdade de facto (os anteriores politécnicos começaram numa posição de desvantagem). 2 Em particular, no caso de Mestrados e Doutoramentos, estes são cada vez mais vistos como um modo de atribuir os graus mais altos mantendo a essência da missão das UCA. No entanto, este desenvolvimento é cerceado pela visão de que Mestrados e Doutoramentos profissionais têm "menos valor" e a prova é de que, por exemplo, na Alemanha, trabalhadores com mestrados profissionais ganham menos do que os que têm mestrado académico. 3 nesta corrida contra as universidades, as UCAs tentavam a via da aproximação ao meio académico, ou seja, tentavam imitar as universidades (consideradas como tendo mais prestígio) com o objetivo de, se possível, se "tornarem" universidades, (como aconteceu, por exemplo, na Noruega). Hoje em dia, poucos colocariam em causa o facto de as UCAs realizarem investigação. As diferenças essenciais estão mais ligadas a (i) tipo de investigação e (ii) modo de participação. As conclusões a que chegámos com base na nossa revisão internacional é que as UCA participam essencialmente em investigação aplicada principalmente vocacionada para áreas específicas e contribuindo para as necessidades regionais e do mercado de trabalho3. Em alguns países (como, por ex. na Suíça, Alemanha, Áustria e Noruega) a UCA é vista como uma instituição educativa e de investigação; noutros países, as UCAs têm um papel ativo nas redes de investigação (por ex., na Dinamarca ou na Finlândia). Em outros ainda (em particular, na Holanda e na Flandres), as UCAs são encaradas como instituições de ensino massificado Em termos do desenvolvimento/apoio à investigação nas UCA, é necessário considerar dois níveis complementares: o dos fundos nacionais (públicos) e as estratégias institucionais: 1) 2) Os fundos públicos devem ser adequados, o que implica uma visão partilhada do papel que as UCAs podem ter a nível da investigação nacional. Na verdade, as diferenças nacionais da investigação nas UCA refletem-se na atribuição de fundos e vice-versa. Talvez o exemplo mais óbvio deste fenómeno seja o caso holandês. A crescente atribuição de fundos de investigação para o sector das UCA é global. No entanto, na Holanda, apesar de representar 65% das inscrições no ensino superior, as UCA recebem apenas 2,3% dos fundos disponíveis para I&D, uma das mais baixas da Europa. Construir um papel para a investigação no sector das UCA em países onde, até há pouco tempo, a investigação era uma prerrogativa das universidades "tradicionais", requer medidas importantes em termos de recursos humanos. Para que algumas UCA possam ter sucesso nos seus esforços de investigação, é necessário que os professores das UCA, cada vez mais envolvidos em investigação, alterem as suas 4 aspirações e padrões de trabalho. Fusões entre politécnicos As fusões no sector politécnico acontecem sempre que se sinta que o sistema tem de evoluir e onde haja a perceção de que, para que o sistema do ensino superior progrida, seja necessária maior autonomia, aumento da procura por parte de estudantes e um maior equilíbrio entre as UCAs e as universidades. A possibilidade de fusões no sector das UCA portuguesas não é uma surpresa e é uma tendência enraizada em outros países. Por exemplo, as fusões que tiveram lugar na Holanda na década de 1980 tinham como objetivo racionalizar um sistema ineficiente, dispendioso (com centenas de pequenos institutos) e que criava duplicações desnecessárias em termos de oferta educativa. Hoje em dia, a Irlanda está a promover as fusões entre IoTs (Institutes of Technology - Institutos Tecnológicos) de modo a criar massa crítica e apoiar a implementação de "Universidades Tecnológicas". Correm-se dois riscos contextuais, que devem ser tidos em conta na implementação 3 A Noruega é de novo a exceção, uma vez que as UCA fazem investigação fundamental e estão ao mesmo nível das universidades e elegíveis para se "tornarem” universidades sob condições restritas relativamente às suas atividades de investigação. 4. O que não é uma recomendação da convergência académica: as UCAs podem desenvolver a sua estratégia de investigação mantendo-se fiéis à sua missão, do mesmo modo que podem oferecer os diferentes graus académicos (ver a nota de rodapé anterior). 4 de fusões, nomeadamente, possíveis consequências indesejadas tais como a espiral de fusões que tiveram lugar na Holanda (onde algumas UCAs se tornaram instituições com inúmeros campus e extremamente grandes, muito maiores do que o expectado pelos políticos) ou ainda a grande "convergência académica" na Noruega (onde institutos se puderam tornar universidades como meio de evitar a convergência académica mas que, de facto, a promoveu); e (b) interpretações incorretas sobre vantagens a curto prazo: apesar de muitas vezes existirem justificações retóricas para as fusões em termos económicos (por ex., em relação às atuais medidas de austeridade), estas são um investimento a longo prazo (os efeitos imediatos de uma fusão muito provavelmente implicarão altos custos e caos sistémico alimentado pela oposição de parceiros). Esta análise indica que, ao se considerarem fusões, os seguintes critérios são habitualmente verdadeiros: 1) O sucesso de uma fusão depende de uma justificação clara, de uma boa estratégia de implementação (incluindo a formação do pessoal relativamente aos seus novos papéis e responsabilidades) e uma boa estratégia de comunicação (em especial, mas não só, de modo a ultrapassar falhas de comunicação sobre as consequências imediatas da política adotada) 2) Devido aos benefícios a longo prazo, dado que consomem recursos humanos e financeiros, assim como tempo, a fusão deve acontecer num momento de estabilidade e não ser uma medida ad hoc (por ex., para poupar dinheiro num período de recessão económica) O papel regional dos politécnicos Uma vez que são instituições orientadas para a prática, espera-se que os politécnicos contribuam para o desenvolvimento da região em que estão implementados através da sua colaboração com empresas locais. Esta é uma realidade ainda hoje, em especial em zonas periféricas e com menor densidade populacional (como é o caso de Portugal, Irlanda, Escandinávia e outros países). No entanto, hoje em dia as questões centram-se no desenvolvimento regional e em como as UCAs podem contribuir para esse desenvolvimento. Num mundo globalizado, as regiões representam um nódulo numa extensa rede de ligações internacionais. Estratégias de "glocalização" onde há uma forte presença regional (por ex., empresas) podem possibilitar a concorrência das localidades no mercado global e são muitas vezes encaradas como um novo paradigma ("pensar globalmente, agir localmente"). As UCAs podem desempenhar um papel chave neste novo mundo, capitalizando nos seus perfis de instituições inspiradas no utilizador e vocacionadas para a aplicação prática. 5 Para além da colaboração com PMEs através da investigação baseada nas necessidades das empresas, as UCAs podem identificar novas ligações tecnológicas e promover a inovação onde as PMEs podem não ter o know-how ou os recursos necessários para a implementar. Isto é muitas vezes designado "especialização regional inteligente" e pode revestir-se de diferentes formas. Em primeiro lugar, as UCAs podem ajudar as empresas a melhorar a sua capacidade de inovação ("o papel transformacional das UCAs"); em segundo lugar, as UCAs podem colaborar ativamente com parceiros locais (ao incluir empresas e parceiros políticos) de modo a criar agendas comuns para o desenvolvimento estratégico regional ("o papel de liderança coletiva das UCAs"). Este estudo identifica cinco áreas (importantes mas não exclusivos) em que as UCAs podem contribuir positivamente para o desenvolvimento regional, nomeadamente (i) estimulando a inovação, (ii) facilitando clusters de empresas inovadoras, (iii) mantendo o talento, (iv) desenvolvendo a cultura e a marca local e (v) desenvolvendo o capital humano Em geral, e no caso do papel do sector das UCA no desenvolvimento regional, os casos e o workshop sublinharam dois elementos principais na agenda de reforma de qualquer UCA: 1) 2) 6.2 O papel regional é ainda central nas missões das UCAs. Isto traz grandes possibilidades e deverá, por isso, permanecer uma atividade central. No entanto, e em virtude das crescentes ligações globais e da concorrência, o papel regional das UCAs está em transformação, nomeadamente ao dar capacidade às regiões de serem atrativas a nível global. O sector das UCA não está simplesmente a colaborar com a indústria e as empresas locais mas está gradualmente a contribuir (e mesmo estabelecer) a "agenda de inovação" ao inovar onde as empresas locais podem não ser capazes de o fazer devido à falta de recursos (o que pode ser ainda mais premente em tempos de escassos recursos) Revisão das Propostas do CCISP O CCISP identificou sete possíveis propostas de intervenção pública para o reforço do sector Politécnico em Portugal. Este estudo analisou vários sistemas binários que enfrentaram ou enfrentam desafios semelhantes e identificou as grandes tendências relacionadas com as sete propostas. Estas tendências encontram-se resumidas na Tabela 6.1. (para uma análise mais profunda por país, ver o Capítulo 5). Tabela 6.1 Conclusões sobre Possíveis Políticas de Intervenção do CCISP Propostas de intervenção Designação institucional Reflexões baseadas em seis estudos de caso (países) São mantidas as diferentes designações a nível nacional mas a designação “Universidade de Ciências Aplicadas (UCA)” (“University of Applied Sciences – UAS) é cada vez mais reconhecida a nível internacional. No entanto, o termo UCA não implica ipso facto uma "melhoria" em termos de estatuto universitário (académico). É necessário ter o cuidado de não dar azo a interpretações erradas relativamente à natureza e perfil de uma UCA face às universidades tradicionais, em particular para estudantes estrangeiros que possam não estar a par da estrutura binária do país de acolhimento. 6 A reorganização da rede politécnica Realçar as identidades das universidades e dos politécnicos Racionalizar o número de cursos de 1º ciclo Assegurar a viabilidade e a sustentabilidade do sector politécnico Reforçar o papel do sector politécnico na investigação aplicada Alargamento das atividades internacionais As fusões, colaborações consórcios são tendências comuns no sector da rede Politécnico e têm, inter alia, promovido formas inovadoras de colaboração intersectorial (entre UCA e o sector universitário). As fusões intersectoriais são raras (embora tenham sido sugeridas por exemplo, na Noruega, principalmente como meio de unificar o sistema). Não há convergência neste aspeto. Por um lado, exige-se cada vez maior especificidade de graus profissionalizantes, quer se trate de Bacharelato ou de doutoramentos (por exemplo na Austrália ou na Holanda). Por outro lado, é visível a tendência para a convergência (convergência académica por parte das UCAs e convergência profissional por parte das universidades), o que, apesar de tudo, não parecem retirar o carácter distintivo do sector das UCA, em termos de investigação aplicada (veja-se, por ex., o caso da Alemanha) O apelo à redução de número de cursos redundantes de 1 º ciclo não é inédito, especialmente mas não exclusivamente em países com baixa densidade populacional (como é o caso da Noruega). O custo de manter cursos semelhantes em dois ou mais locais com pouca densidade populacional em vez de os juntar num só num único local é por vezes excessivo. Mas em muitos países existe também a ideia de que o custo de deslocações diárias e de relocalização dos estudantes pode prejudicar a participação estudantil (especialmente em tempos de crise económica, por ex. na Irlanda). Uma distribuição equilibrada de vagas entre as UCAs e o sector universitário requer uma transição suave em termos de opções entre os dois sectores (tanto a nível vertical como horizontal). Diferentes países têm abordado a questão de maneira distinta mas todos estão de acordo de que esta é uma questão que deve ser resolvida. Alguns países têm tido sucesso neste aspeto (por ex. a Alemanha e a Noruega); outros menos (por ex., a Holanda), o que pode também estar relacionado com antecedentes que levaram ao próprio sistema (por ex., na Holanda, o sistema de localização precoce no ensino secundário) Há a ideia de que o papel das UCAs em termos de investigação está centrado na investigação aplicada, uma ideia apoiada na maioria países e que está a levar, inter alia, a um aumento na colaboração não só com empresas mas também com o sector universitário (por exemplo na Holanda e na Finlândia). A tendência para atrair estudantes internacionais é universal. É uma estratégia de marca em instituições de ensino superior a nível mundial, incluindo as UCAs. A questão é até que ponto o recrutamento internacional deverá ocorrer antes de o sistema se tornar excessivamente dependente de estudantes estrangeiros como fonte de rendimento (como parece ser o caso na Austrália). Para além disso, a internacionalização do pessoal parece menos relevante (por ex., é limitada na Alemanha), mas não deixa de ser um 7 elemento importante. Finalmente, a internacionalização da investigação (por ex., a participação em redes de investigação internacionais ou a cooperação com companhias internacionais, como acontece na Holanda) é também cada vez mais relevante. 8