Igreja Presbiteriana Morada da Serra
Escola Bíblica Dominical
“Dia da Bíblia”
Pb. Rodrigo da Silva Gomes
Cuiabá, Dezembro de 2011.
Sumário
Introdução ..................................................................................................................... 03
Revelação...................................................................................................................... 03
Escrituração.................................................................................................................. 05
Características.............................................................................................................. 08
Conclusão ..................................................................................................................... 16
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Introdução
Conforme o calendário oficial da IPB, no dia 12 de dezembro de 2011,
comemoramos o Dia da Bíblia. A Bíblia é a coleção de 66 livros organizados em duas
porções que se complementam: o Antigo Testamento, composto de 39 livros e o Novo
Testamento, composto de 27 livros.
Muitos grupos de pessoas atribuem um valor diferenciado às Escrituras
Sagradas. Os ativistas gays, por exemplo, consideram o seu conteúdo como um mito e
os seus ensinos retrógrados e ultrapassados. As feministas consideram a Bíblia como
preconceituosa e machista, inferiorizando a mulher e colocando-a numa posição
humilhante em relação ao homem. Há também os que aceitam só parte do seu
conteúdo, usando-a para embasar seu modo de vida, experiências e convicções.
Para o homem regenerado, para o povo de Deus alcançado pela sua graça e
misericórdia, a Bíblia é uma fonte inesgotável de riquezas. Do conceito que tivermos da
Bíblia dependerá a nossa crença, ou não, na veracidade do seu conteúdo. Por isso, ter
um conceito exato sobre a sua natureza é essencial para o tipo de leitura que vamos
fazer das Escrituras. Se crermos que as Escrituras são a única e infalível regra de fé e
prática, por ser inspirada por Deus, então não sobrará lugar para nossas próprias idéias
e convicções. Tudo o de que precisaremos, para conhecer a verdade de Deus, será
interpretar corretamente o texto sagrado. Porém, se entendermos que a Bíblia é apenas
um livro humano, escrito para expressar as experiências de pessoas que se
relacionaram com Deus, em diferentes tempos e situações, então estaremos livres para
formular nossas próprias idéias à luz das nossas experiências e convicções. De nosso
conceito das Escrituras, por conseguinte, dependem a nossa fé e o nosso modo de
viver.
A Revelação
Tudo o que sabemos sobre o Cristianismo nos foi revelado por Deus. Revelar
significa "tirar o véu." Tem a ver com remover a cobertura e descobrir algo que está
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encoberto. Se Deus não quisesse se revelar, não saberíamos absolutamente nada
Dele. A Bíblia é a nossa fonte externa de todo o conhecimento teológico (Principium
cognoscendi externum). Portanto, é a ela que devemos recorrer para uma
compreensão adequada da revelação de Deus. A Bíblia é a revelação de Deus ao
homem a respeito de si mesmo e das suas relações para com a sua obra.
O autor da carta aos Hebreus escreveu:
“Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos
pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb
1.1,2).
Embora a Bíblia fale das "diversas maneiras" em que Deus se revela,
distinguimos entre dois tipos principais de revelação – a geral e a especial. A revelação
geral é chamada assim por duas razões: (1) ela é geral no conteúdo e (2) é revelada
para uma audiência geral.
1. Conteúdo: A revelação geral nos proporciona o conhecimento de que
Deus existe. "Os céus proclamam a glória de Deus", diz o salmista. A
glória de Deus é manifesta nas obras das suas mãos. Essa manifestação
é tão clara e visível que nenhuma criatura pode deixar de percebê-la. Ela
revela o poder eterno de Deus e sua divindade (Rm.1.18-23). A revelação
na natureza, porém, não proporciona uma revelação plena de Deus. Não
nos dá informações sobre o Deus Redentor que encontramos na Bíblia. O
Deus que se revela na natureza, entretanto, é o mesmo Deus que se
revela na Bíblia.
2. Público: Nem todas as pessoas no mundo já leram a Bíblia ou ouviram a
proclamação do Evangelho. A luz da natureza, porém, brilha sobre todos,
em todos os lugares em todo o tempo. A revelação geral de Deus
acontece diariamente. Deus nunca fica sem um testemunho de si mesmo.
O mundo visível é como um espelho que reflete a glória do seu Criador.
Há a revelação de Deus na criação, expressa no próprio ato criador, na
providência, no ato de manutenção e governo da coisa criada e no próprio homem,
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criado à imagem de Deus. É a imagem de Deus no homem que o distingue de todo o
resto da criação material, pois o torna “semelhante a Deus”. Isto equivale a dizer que o
homem foi criado para ser uma revelação de Deus.
Além da revelação geral, há outros modos de revelação, mais diretos e pessoais,
que chamamos de revelação especial. A Bíblia não faz distinção entre um e outro tipo
de revelação. Ela é feita apenas pelos estudiosos, por razões didáticas, para efeito de
sistematização do estudo bíblico. Qualquer que seja o modo como se apresenta tudo é
revelação divina. Esta revelação foi dada como parte do processo de revelação que
Deus quis dar de si mesmo e do seu propósito ao homem. Ela foi o meio pelo qual
Deus deu a conhecer a sua aliança com o homem e entrou em relacionamento com ele.
O conceito de graça só entrou na história da humanidade depois da queda, quando o
homem ficou debaixo da condenação e necessitado da salvação. Por isso, a revelação
especial, depois da queda, passou a ter caráter redentivo, por excelência. A revelação
especial tornou-se necessária não apenas para que o homem pudesse compreender a
Geral, mas para que conhecesse a misericórdia e a graça do Deus salvador.
Como dissemos anteriormente, a fonte ou principium cognoscendi externum da
revelação especial são as Escrituras. Elas não são o único meio pelo qual Deus se
revelou de modo especial, mas são o registro inspirado que hoje temos dessa
revelação, sendo, elas próprias, parte e modo dessa revelação. A revelação especial se
dá nos atos e palavras de Deus e passou a ter propósito redentivo após a queda. É
com vista a esse propósito que parte dessa revelação foi escriturada. Vejamos alguns
aspectos desta escrituração.
A Escrituração
A escrituração não se estendeu a toda a revelação, mas apenas a uma parte dela.
Portanto, devemos considerar alguns aspectos envolvidos na revelação e escrituração.
São eles:
•
Nem tudo o que foi revelado foi escriturado
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Algumas porções das Escrituras são seleções de revelação mais volumosa.
Muitos profetas, recipientes da revelação especial, nunca escreveram nada. Elias, por
exemplo, deve ter dito e feito muito mais, como instrumento da revelação divina, do que
está registrado na Bíblia. Ele próprio nunca escreveu uma só palavra das Escrituras.
Nem Eliseu, Semaías (2Cr 12.5) ou alguns dos apóstolos do NT, como Tomé ou
Natanael. Profetas, é dito nas Escrituras, foram muitas vezes enviados a pessoas e
lugares com uma mensagem do Senhor, mas nem sempre essa mensagem foi
registrada. Grupos inteiros de profetas são mencionados (escolas de profetas) sem que
suas profecias tenham sido preservadas (2Rs 2.3ss; 4.1ss.). Isso significa que a
revelação especial é muito mais ampla do que a escrituração.
•
Palavras e feitos de profetas e do próprio Senhor Jesus não foram todos
registrados
1Rs 4.29-34; Pv 25.1; Jo 20.30-31; 21.25.
30 Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda
muitos outros sinais que não estão escritos neste livro;
31 estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (Jo 20:3031)
25 E ainda muitas outras coisas há que Jesus fez; as quais, se fossem
escritas uma por uma, creio que nem ainda no mundo inteiro caberiam os
livros que se escrevessem. (Jo 21:25)
•
Nem tudo o que os profetas, ou mesmo ou apóstolos, escreveram, foi
preservado e incluído no cânon (1Cr 29.29; 1Co 5.9; Cl 4.16)
9 Já por carta vos escrevi que não vos comunicásseis com os que se
prostituem; (I Co 5:9).
Todavia, sem as Escrituras nada saberíamos sobre a revelação de Deus no
passado, nem o fato nem o seu conteúdo. Nem mesmo as palavras de Cristo seriam
conhecidas. Para que essa revelação pudesse ser conhecida em todos os tempos,
após o fato, Deus serviu-se de um outro processo de revelação, que chamamos de
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escrituração ou “inscrituração”, que é o registro da revelação produzido através do que
é, por sua vez, chamado de “inspiração”. Esse registro é parte do processo da
revelação e é a própria revelação especial para nós hoje. Não temos atualmente outra
fonte ou principium cognoscendi externum senão as Escrituras. É através dela que
Deus fala hoje.
•
O propósito da escrituração foi “eternizar” a revelação
O evento da revelação ocorre uma vez só no tempo, mas com o seu registro ela se
torna permanente e útil para todas as épocas (Rm 15.4).
4 Porquanto, tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito,
para que, pela constância e pela consolação provenientes das Escrituras,
tenhamos esperança. (Rm 15:4)
A tradição oral não é totalmente confiável, embora tenha servido como estágio, em
muitos casos, da preservação da revelação, até que esta fosse escrita.
A escrita estabiliza a transmissão da revelação
•
A escrituração é o ponto culminante da revelação, pois a torna definitiva e
final
Em alguns casos, a revelação foi dada especialmente para fins de escrituração,
como o livro de Apocalipse, por exemplo (Ap 1.11-19; 22.18).
11 que dizia: O que vês, escreve-o num livro, e envia-o às sete igrejas: a
Éfeso, a Esmirna, a Pérgamo, a Tiatira, a Sardes, a Filadélfia e a
Laodicéia.
19 escreve, pois, as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois
destas hão de suceder. (Ap. 1:11 e 19)
•
A escrituração tem um propósito definido
Trazer as pessoas ao conhecimento de Deus e da salvação, e edificá-las na fé
(2Tm 3.14-17, Rm 15.4).
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14 Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste
inteirado, sabendo de quem o tens aprendido,
15 e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te
sábio para a salvação, pela que há em Cristo Jesus.
16 Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para
repreender, para corrigir, para instruir em justiça;
17 para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado
para toda boa obra. (2 Tm 3:14-17).
A Escritura, portanto, como culminância da revelação, é a nossa única fonte de
conhecimento de Deus para a salvação. Sendo assim, o que a torna confiável e
preciosa para os cristãos? Vejamos agora algumas características que a Bíblia possui e
que a torna tão necessária para o nosso conhecimento de Deus.
Características
Para elucidar os elementos básicos que caracterizam as Sagradas Escrituras,
consideremos a conceituação dada por Clark H. Pinnock:
Toda a Escritura é inspirada (soprada) por Deus e é a Palavra de Deus
escrita ao homem, infalível e inerrante, na forma como foi originalmente
dada. A inspiração divina é plenária, verbal e confluente. Por ser a própria
Palavra de Deus, a Escritura possui autoridade, suficiência, clareza e
eficácia. O propósito central da Escritura é apresentar Cristo.
Nesta formulação, encontramos os seguintes elementos básicos das Escrituras:
•
Toda a Escritura é “soprada por Deus”
Em outras palavras, o autor das Escrituras é Deus (Hb 3:7). Toda a Escritura é
dada por Deus, portanto, não há passagens mais inspiradas do que outras. Os dez
mandamentos representam um grau mais elevado de revelação (porque foram dados
diretamente por Deus), não de inspiração.
•
A Escritura é a Palavra de Deus escrita ao homem (Mc 7:13; At 28:25)
8
25 E estando discordes entre si, retiraram-se, havendo Paulo dito esta
palavra: Bem falou o Espírito Santo aos vossos pais pelo profeta Isaías,
(At 28:25).
A Escritura é, intrinsecamente, a Palavra de Deus. Não é apenas um registro da
revelação, mas também a própria revelação. A Bíblia identifica-se como a própria
“palavra de Deus”, sem qualquer restrição, em sentido unívoco. O que o profeta disse
foi o que o Senhor disse. O que a Escritura diz é o que Deus diz: Mt 1.22; At 4.24-25;
28.25; Gl 3.8; Hb 10.15.
8 Ora, a Escritura, prevendo que Deus havia de justificar pela fé os
gentios, anunciou previamente a boa nova a Abraão, dizendo: Em ti serão
abençoadas todas as nações. Gl 3:8()
O fato de ser a Palavra de Deus escrita não elimina a possibilidade de ser mal
entendida ou distorcida, como acontecia com os escribas e fariseus: Mc 7.6-13. Há um
sentido em que continua sendo apenas “letra” (2 Co 3.6), por isso pode ser mal
entendida e mal usada.
6 o qual também nos capacitou para sermos ministros dum novo pacto,
não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica.
(2 Co 3:6)
O fato de ser a Palavra de Deus escrita não dispensa a iluminação do Espírito
para o seu entendimento espiritual. Não é por ser a Palavra de Deus que infalivelmente
comunica a persuasão da verdade espiritual a todo que a lê (2 Co 3.15-16) O Espírito
precisa agir na mente e coração do leitor para que a verdade objetiva seja apreendida
subjetivamente.
15 sim, até o dia de hoje, sempre que Moisés é lido, um véu está posto
sobre o coração deles.
16 Contudo, convertendo-se um deles ao Senhor, é-lhe tirado o véu. (2 Co
3:15-16).
•
A Escritura é infalível (Sl 19:7; Jo 10:35; Mt 5:18)
9
18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de
modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja
cumprido. (Mt 5:18).
Por “infalibilidade” da Escritura quer-se dizer que ela é incapaz de enganar, de
cometer erros, de falhar no seu ensino e julgamento dos fatos. É a expressão da
verdade. É o que afirma a Confissão de Fé de Westminster quando declara que “a
regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura” (I,9).
A infalibilidade decorre do fato de ser a Palavra de Deus e, portanto, incapaz de
errar, porque Deus não pode errar: Tt 1.2.
2 na esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir,
prometeu antes dos tempos eternos, (Tt 1:2)
A infalibilidade está intimamente relacionada com o conceito de autoridade da
Escritura. A Escritura é tanto autoritativa quanto infalível porque Deus é o seu autor.
A infalibilidade se limita à afirmação ou conceito intencionado pela Escritura, assim
entendido por uma exegese gramático-histórico-teológica. Assim, quando diz que “E o
sol se deteve, e a lua parou” (Js 10.13), ou que o “sol quando se levanta” (Jz 5.31) não
está fazendo uma afirmação científica, mas referindo-se a um fato, usando a linguagem
popular, aquela que até os cientistas usam para referir-se aos fatos, sem preocupação
científica.
•
A Escritura é inerrante (Is 45:19; Pv 30:5-6)
19 Não falei em segredo, nalgum lugar tenebroso da terra; não disse à
descendência de Jacó: Buscai-me no caos; eu, o Senhor, falo a justiça, e
proclamo o que é reto. (Is 45:19).
A infalibilidade exige a inerrância, pois ambas estão relacionadas com o princípio
de autoridade divina. Se ela contiver erros não pode ser de autoria divina.
Os aparentes erros ou dificuldades da Bíblia podem ser atribuídos à nossa falta de
conhecimento de todos os dados ou podem ser resolvidos através de uma ou mais
explicações possíveis. Podem também, em alguns casos, ser atribuídos à própria
transmissão do texto (cópias), mas nunca aos autógrafos. Não se pode fazer essa
10
concessão sem se destruir a veracidade e a confiabilidade das Escrituras. Não há
inerrância parcial. Ou a Bíblia é inerrante ou não é digna de confiança
•
A inspiração é Plenária – estende-se por toda a Bíblia (Rm 15:4; 2Tm 3:16)
16 Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para
repreender, para corrigir, para instruir em justiça; (2 Tm 3:16)
Não apenas algumas partes da Escritura são inspiradas, mas todas as partes que
formam o todo. A Escritura tem que ser vista como um organismo, um corpo de
revelação formado de partes, mas indivisível. Não se pode atribuir inspiração apenas à
parte doutrinária ou soteriológica. Ela é inspirada em todas as suas partes. Já vimos
que Jesus e os autores do NT consideravam todo o AT como Escritura e toda a sua
história como fatual e verdadeira. Escolher o que é e o que não é inspirado é
determinar o que deve e o que não deve pertencer à Escritura, e isso seria insultar a
sabedoria divina e requereria igual sabedoria para tanto.
Plenária quer dizer que todas as passagens são importantes no propósito
revelacional de Deus. Se estão lá é porque Deus as colocou e se Deus as colocou é
porque servem a um propósito seu.
•
A inspiração é Verbal (Mt 4:4; 5:18)
4 Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem,
mas de toda palavra que sai da boca de Deus. (Mt 4:4)
Não é possível aceitar a doutrina da inspiração sem aceitar que ela se estende às
palavras também e não apenas às idéias. Não é possível expressar idéias sem
palavras. Não é possível nem mesmo pensar sem palavras. Como elas são o meio
(símbolos convencionais) através do qual pensamos e exprimimos o pensamento,
idéias inspiradas exigem palavras inspiradas, como modo de sua expressão.
É a doutrina da inspiração verbal que nos assegura que a revelação de Deus nos
foi comunicada de modo adequado e correto. De nada nos serviriam idéias ou autores
inspirados que não pudessem transmitir segura e corretamente a verdade de Deus.
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•
A inspiração é confluente (2 Sm 23:2; 2Pe 1:21)
2 O Espírito do Senhor fala por mim, e a sua palavra está na minha língua.
(2 Sm 23:2)
Por confluência quer-se dizer que a Bíblia é tanto um livro divino quanto humano,
ao mesmo tempo. Ela tem dupla autoria. É a Palavra de Deus expressa por homens.
A confluência é um mistério que não podemos explicar, tal como o da encarnação,
que tornou possível o Filho de Deus ser ao mesmo tempo divino e humano. Ao mesmo
tempo em que é a Palavra de Deus confiável e autoritativa, é também palavra de
homens com seus próprios estilos e marcas de sua cultura e ambiente histórico. A
soberania de Deus não anula nem dispensa a ação livre do homem. Como diz Warfield:
“Se Deus quis dar ao seu povo uma série de cartas como as de Paulo, ele
preparou um Paulo para escrevê-las, e o Paulo que ele levou a fazer essa
obra foi um Paulo que espontaneamente escreveu tais cartas”.
A confluência humana na Bíblia não a torna falível ou errante, se aceitamos a
doutrina teísta da providência de Deus e de sua intervenção sobrenatural no curso da
história, da mesma forma como a encarnação não tornou a pessoa de Cristo
pecaminosa. A “humanidade” da Bíblia foi isenta de erros da mesma forma sobrenatural
como a humanidade de Cristo foi isenta de pecado.
•
A Escritura é dotada de Autoridade (Is 1:2)
2 Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra, porque falou o Senhor: Criei filhos, e
os engrandeci, mas eles se rebelaram contra mim. (Is 1:2)
A questão da autoridade das Escrituras está diretamente relacionada com a sua
inspiração. É porque é a palavra de Deus inspirada, infalível e inerrante que ela é
autoritativa. Ela se impõe com a própria autoridade divina como a única regra de fé e
prática, a norma ou padrão pelo qual todas as coisas devem ser julgadas. Deus dixit:
causa finita est (Deus falou: assunto encerrado). Essa autoridade é assim afirmada na
Confissão de Fé de Westminster, I:4,10:
12
“A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e
obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas
depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem,
portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus”.
Essa autoridade é reivindicada pela própria Escritura nos textos de Mt 22.29,31,32;
Lc 10.25; Jo 5.39; At 28.25; 1 Ts 2.13; 2 Tm 3.16; 1 Pe 1.21.
13 Por isso nós também, sem cessar, damos graças a Deus, porquanto
vós, havendo recebido a palavra de Deus que de nós ouvistes, a
recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo ela é na
verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós que credes.
(I Ts 2:13).
•
Por ser inspirada, a Escritura é suficiente (2Tm 3:15)
Crer na suficiência da Escritura é crer que ela contém tudo que o homem precisa
saber a respeito da salvação e de como agradar a Deus. É na base da suficiência que
os reformadores proclamaram a mística da sola scriptura. Todo e qualquer sistema que
reivindique outra fonte de revelação ou autoridade fora da Escritura naturalmente
rejeitará essa sua propriedade.
Essa suficiência é ensinada em textos como 2 Tm 3.15-17 e Lc 24.25-27. Para
Cristo e os apóstolos a instância última de autoridade eram as Escrituras (AT). O "está
escrito" era decisivo e final. Negar a suficiência das Escrituras seria dizer que o homem
tem a capacidade de decidir o que deve ou não aceitar como suplementação à verdade
que elas revelam, em matéria de fé. E isso é dar ao juízo humano a mesma autoridade
das Escrituras.
25 Então ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crerdes tudo
o que os profetas disseram!
26 Porventura não importa que o Cristo padecesse essas coisas e
entrasse na sua glória?
27 E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicou-lhes o que
dele se achava em todas as Escrituras. (Lc 24:25-27)
Isto não significa que a Escritura exaure todo o conhecimento possível nem que
ela contém tudo que o homem poderia conhecer (Jo 21.25; 1 Co 13.12).
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25 E ainda muitas outras coisas há que Jesus fez; as quais, se fossem
escritas uma por uma, creio que nem ainda no mundo inteiro caberiam os
livros que se escrevessem. (Jo 21:25).
Mas como regra de fé e prática ela é suficiente por conter tudo que o homem
precisa conhecer para a salvação e por fornecer os princípios mestres através dos
quais construímos nosso sistema doutrinário. Como diz Calvino: “a Escritura é a escola
do Espírito Santo na qual, assim como nada proveitoso e necessário de se conhecer foi
omitido, também nada é ensinado além do que é preciso saber”.
•
Por ser inspirada, a Escritura é clara (Sl 119: 105)
105 Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu
caminho. (Sl 119:105)
A clareza ou perspicuidade da Escritura é uma decorrência lógica da inspiração e
uma exigência da sua qualidade de suficiente. Se a Escritura não fosse clara, isto é,
compreensível, necessitaria de uma iluminação externa (fora dela) que a tornasse clara.
Isso negaria a sua suficiência. Negar a clareza é também negar o princípio da sola
scriptura. É o que fazem tanto o Catolicismo Romano (a igreja como intérprete da
Bíblia) como o liberalismo teológico (a razão humana [raciocínio] como intérprete).
Pode haver entendimento errado das Escrituras, por isso é preciso que nosso
entendimento seja sempre verificado pela própria Escritura (analogia da fé), mas o
princípio não pode ser negado. De nada valeria uma revelação inspirada que não
pudesse ser compreendida por aqueles para quem ela foi intencionada.
Por clareza das Escrituras, todavia, não queremos dizer que tudo nela pode ser
facilmente compreendido. Significa que tudo que é necessário que saibamos para a
nossa salvação e vida cristã está claramente revelado e pode ser claramente
compreendido pelo homem comum. A Confissão de Fé de Westminster apresenta
assim essa doutrina:
Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do
mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser
obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da
Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos,
mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar
uma suficiente compreensão delas
14
O próprio apóstolo Pedro achou difícil entender alguns dos escritos de Paulo (2 Pe
3.16), ainda que os aceitasse no mesmo nível e com a mesma autoridade das "demais
Escrituras".
16 como faz também em todas as suas epístolas, nelas falando acerca
destas coisas, mas quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e
inconstantes torcem, como o fazem também com as outras Escrituras,
para sua própria perdição. (2 Pe 3:16)
A Confissão de Fé acima citada diz que "não só os doutos, mas ainda os indoutos,
no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão
delas", e é isto que se quer dizer por clareza ou perspicuidade.
•
Por ser inspirada, a Escritura é eficaz (Hb 4:12; Is 55:11)
11 assim será a palavra que sair da minha boca: ela não voltará para mim
vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei.
(Is 55:11)
Por eficácia das Escrituras queremos dizer que ela tem a capacidade de produzir
os resultados intencionados por Deus: convencer e converter pecadores e conduzi-los a
uma vida santa e agradável a Deus (Jo 17.17). A palavra de Deus é retratada por ela
mesma com figuras metafóricas como: fogo e martelo que esmiúça a penha (Jr 23.29),
chuva e neve que descem dos céus para regar e fecundar a terra (Is 55.10-11), (Jr
20.9) e genuíno leite espiritual (2Pe 2.2).
Necessário é, porém, dizer que as Escrituras não têm essa eficácia por si sós,
independentemente da obra do Espírito. Sem a ação do Espírito elas são apenas
gramma (letra – 2 Co 3.6), um escrito como qualquer outro, para quem lê. A Escritura
sem a ação do Espírito não deixa de ser a Palavra de Deus, com sua mensagem de
condenação ao homem impenitente (Jo 12.48), mas não terá o poder de transformar
vidas. Ela é a espada do Espírito (Ef 6.17) e como tal precisa por ele ser operada.
Textos como 1Co 2.4-5,14-15 e 1 Ts 1.5 mostram a relação íntima e até
interdependente da Palavra e do Espírito. A Palavra é o instrumento do Espírito, o meio
que ele usa para agir no coração do homem. Por isso ela é eficaz.
15
5 porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas
também em poder, e no Espírito Santo e em plena convicção, como bem
sabeis quais fomos entre vós por amor de vós. (I Ts 1:5)
•
O propósito central a Escritura é apresentar a Cristo (Lc 24:27; Jo 5:39;
Rm 10:4; 2Tm 3:15)
4 Pois Cristo é o fim da lei para justificar a todo aquele que crê. (Rm 10:4).
A teologia reformada tem dado ênfase ao fato da centralidade de Cristo na
revelação e da continuidade dessa revelação entre os dois testamentos (Antigo e
Novo). Os textos acima são a prova bíblica de que não só o Novo, mas também o
Antigo Testamento revelam Cristo e sua obra de redenção, como o Mediador do Pacto
feito por Deus com o seu povo. Os ofícios, o tabernáculo, a forma de culto, as
promessas explícitas, tudo no AT aponta para Cristo, sua obra e sua relação para com
o seu povo, seja na forma do Israel do AT ou da Igreja do NT.
Isso não significa que precisamos encontrar uma referência a Cristo em todo e
qualquer versículo, nem que nosso método de interpretar a Bíblia deva buscar sempre
essa referência, ainda que ela não esteja clara (interpretação alegórica). Apenas
significa que a mensagem central, o escopo das Escrituras, é apresentar o propósito de
Deus com relação ao seu povo e, nesse propósito, a figura de Cristo é central, como
Mediador da Aliança. A Escritura é a revelação que aponta para uma revelação maior:
Jesus Cristo.
Conclusão
Nestas qualidades, é que se baseia o conceito de valor que damos à Escritura. Ela
não é um livro comum. Em seu aspecto formal e material, é um livro como qualquer
outro, mas tem qualidades que nenhum outro tem. É um livro de origem divina. Claro
que outros livros religiosos como o Alcorão e o livro de Mórmon, por exemplo, também
são reputados como divinos pelos muçulmanos e mórmons, respectivamente. Mas é o
valor intrínseco da Escritura, associado a outras evidências, como cumprimento de
16
profecias, unidade e seqüência de conteúdo (ainda que escrito por diferentes pessoas
em diferentes épocas), por exemplo, que faz com que a Bíblia se imponha como livro
divino. Acima de tudo, está o testemunho interno do Espírito Santo, que confirma ao
nosso espírito que estamos lendo a própria Palavra de Deus. Aquele que tem o Espírito
(o verdadeiro homem espiritual, conforme o contexto de 1 Coríntios) é capaz de
reconhecer o “mandamento do Senhor” (1Co 14.37).
37 Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas
que vos escrevo são mandamentos do Senhor. (1 Co 14:37).
Muitos têm curiosidade para conhecer fatos a respeito da Bíblia, mas nem sempre
de conhecer a própria Bíblia. Embora seja o livro de maior publicação em todo o mundo
(só no Brasil são publicados e distribuídos, todo ano, mais de seis milhões de
exemplares), isso não significa que seja um livro conhecido. Mesmo entre nós, crentes,
isto é verdade. Falta visão do conjunto, da mensagem como um todo, talvez porque
apenas algumas porções favoritas sejam as que ocupem nossa leitura e pregação.
Pregar todo o desígnio (Boule =propósito) de Deus era o cuidado de Paulo (At 20.27).
27 Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus. (At
20:27).
Numa época quando muitos andam à busca de revelações e sinais de Deus, não
há melhor nem mais segura fonte de conhecimento do que as Escrituras Sagradas, a
própria Palavra de Deus. Que seja nosso desejo e propósito conhecê-la melhor e
anunciá-la!
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Escola Bíblica Dominical “Dia da Bíblia”