Igreja Presbiteriana Morada da Serra Escola Bíblica Dominical “Dia da Bíblia” Pb. Rodrigo da Silva Gomes Cuiabá, Dezembro de 2011. Sumário Introdução ..................................................................................................................... 03 Revelação...................................................................................................................... 03 Escrituração.................................................................................................................. 05 Características.............................................................................................................. 08 Conclusão ..................................................................................................................... 16 2 Introdução Conforme o calendário oficial da IPB, no dia 12 de dezembro de 2011, comemoramos o Dia da Bíblia. A Bíblia é a coleção de 66 livros organizados em duas porções que se complementam: o Antigo Testamento, composto de 39 livros e o Novo Testamento, composto de 27 livros. Muitos grupos de pessoas atribuem um valor diferenciado às Escrituras Sagradas. Os ativistas gays, por exemplo, consideram o seu conteúdo como um mito e os seus ensinos retrógrados e ultrapassados. As feministas consideram a Bíblia como preconceituosa e machista, inferiorizando a mulher e colocando-a numa posição humilhante em relação ao homem. Há também os que aceitam só parte do seu conteúdo, usando-a para embasar seu modo de vida, experiências e convicções. Para o homem regenerado, para o povo de Deus alcançado pela sua graça e misericórdia, a Bíblia é uma fonte inesgotável de riquezas. Do conceito que tivermos da Bíblia dependerá a nossa crença, ou não, na veracidade do seu conteúdo. Por isso, ter um conceito exato sobre a sua natureza é essencial para o tipo de leitura que vamos fazer das Escrituras. Se crermos que as Escrituras são a única e infalível regra de fé e prática, por ser inspirada por Deus, então não sobrará lugar para nossas próprias idéias e convicções. Tudo o de que precisaremos, para conhecer a verdade de Deus, será interpretar corretamente o texto sagrado. Porém, se entendermos que a Bíblia é apenas um livro humano, escrito para expressar as experiências de pessoas que se relacionaram com Deus, em diferentes tempos e situações, então estaremos livres para formular nossas próprias idéias à luz das nossas experiências e convicções. De nosso conceito das Escrituras, por conseguinte, dependem a nossa fé e o nosso modo de viver. A Revelação Tudo o que sabemos sobre o Cristianismo nos foi revelado por Deus. Revelar significa "tirar o véu." Tem a ver com remover a cobertura e descobrir algo que está 3 encoberto. Se Deus não quisesse se revelar, não saberíamos absolutamente nada Dele. A Bíblia é a nossa fonte externa de todo o conhecimento teológico (Principium cognoscendi externum). Portanto, é a ela que devemos recorrer para uma compreensão adequada da revelação de Deus. A Bíblia é a revelação de Deus ao homem a respeito de si mesmo e das suas relações para com a sua obra. O autor da carta aos Hebreus escreveu: “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.1,2). Embora a Bíblia fale das "diversas maneiras" em que Deus se revela, distinguimos entre dois tipos principais de revelação – a geral e a especial. A revelação geral é chamada assim por duas razões: (1) ela é geral no conteúdo e (2) é revelada para uma audiência geral. 1. Conteúdo: A revelação geral nos proporciona o conhecimento de que Deus existe. "Os céus proclamam a glória de Deus", diz o salmista. A glória de Deus é manifesta nas obras das suas mãos. Essa manifestação é tão clara e visível que nenhuma criatura pode deixar de percebê-la. Ela revela o poder eterno de Deus e sua divindade (Rm.1.18-23). A revelação na natureza, porém, não proporciona uma revelação plena de Deus. Não nos dá informações sobre o Deus Redentor que encontramos na Bíblia. O Deus que se revela na natureza, entretanto, é o mesmo Deus que se revela na Bíblia. 2. Público: Nem todas as pessoas no mundo já leram a Bíblia ou ouviram a proclamação do Evangelho. A luz da natureza, porém, brilha sobre todos, em todos os lugares em todo o tempo. A revelação geral de Deus acontece diariamente. Deus nunca fica sem um testemunho de si mesmo. O mundo visível é como um espelho que reflete a glória do seu Criador. Há a revelação de Deus na criação, expressa no próprio ato criador, na providência, no ato de manutenção e governo da coisa criada e no próprio homem, 4 criado à imagem de Deus. É a imagem de Deus no homem que o distingue de todo o resto da criação material, pois o torna “semelhante a Deus”. Isto equivale a dizer que o homem foi criado para ser uma revelação de Deus. Além da revelação geral, há outros modos de revelação, mais diretos e pessoais, que chamamos de revelação especial. A Bíblia não faz distinção entre um e outro tipo de revelação. Ela é feita apenas pelos estudiosos, por razões didáticas, para efeito de sistematização do estudo bíblico. Qualquer que seja o modo como se apresenta tudo é revelação divina. Esta revelação foi dada como parte do processo de revelação que Deus quis dar de si mesmo e do seu propósito ao homem. Ela foi o meio pelo qual Deus deu a conhecer a sua aliança com o homem e entrou em relacionamento com ele. O conceito de graça só entrou na história da humanidade depois da queda, quando o homem ficou debaixo da condenação e necessitado da salvação. Por isso, a revelação especial, depois da queda, passou a ter caráter redentivo, por excelência. A revelação especial tornou-se necessária não apenas para que o homem pudesse compreender a Geral, mas para que conhecesse a misericórdia e a graça do Deus salvador. Como dissemos anteriormente, a fonte ou principium cognoscendi externum da revelação especial são as Escrituras. Elas não são o único meio pelo qual Deus se revelou de modo especial, mas são o registro inspirado que hoje temos dessa revelação, sendo, elas próprias, parte e modo dessa revelação. A revelação especial se dá nos atos e palavras de Deus e passou a ter propósito redentivo após a queda. É com vista a esse propósito que parte dessa revelação foi escriturada. Vejamos alguns aspectos desta escrituração. A Escrituração A escrituração não se estendeu a toda a revelação, mas apenas a uma parte dela. Portanto, devemos considerar alguns aspectos envolvidos na revelação e escrituração. São eles: • Nem tudo o que foi revelado foi escriturado 5 Algumas porções das Escrituras são seleções de revelação mais volumosa. Muitos profetas, recipientes da revelação especial, nunca escreveram nada. Elias, por exemplo, deve ter dito e feito muito mais, como instrumento da revelação divina, do que está registrado na Bíblia. Ele próprio nunca escreveu uma só palavra das Escrituras. Nem Eliseu, Semaías (2Cr 12.5) ou alguns dos apóstolos do NT, como Tomé ou Natanael. Profetas, é dito nas Escrituras, foram muitas vezes enviados a pessoas e lugares com uma mensagem do Senhor, mas nem sempre essa mensagem foi registrada. Grupos inteiros de profetas são mencionados (escolas de profetas) sem que suas profecias tenham sido preservadas (2Rs 2.3ss; 4.1ss.). Isso significa que a revelação especial é muito mais ampla do que a escrituração. • Palavras e feitos de profetas e do próprio Senhor Jesus não foram todos registrados 1Rs 4.29-34; Pv 25.1; Jo 20.30-31; 21.25. 30 Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; 31 estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (Jo 20:3031) 25 E ainda muitas outras coisas há que Jesus fez; as quais, se fossem escritas uma por uma, creio que nem ainda no mundo inteiro caberiam os livros que se escrevessem. (Jo 21:25) • Nem tudo o que os profetas, ou mesmo ou apóstolos, escreveram, foi preservado e incluído no cânon (1Cr 29.29; 1Co 5.9; Cl 4.16) 9 Já por carta vos escrevi que não vos comunicásseis com os que se prostituem; (I Co 5:9). Todavia, sem as Escrituras nada saberíamos sobre a revelação de Deus no passado, nem o fato nem o seu conteúdo. Nem mesmo as palavras de Cristo seriam conhecidas. Para que essa revelação pudesse ser conhecida em todos os tempos, após o fato, Deus serviu-se de um outro processo de revelação, que chamamos de 6 escrituração ou “inscrituração”, que é o registro da revelação produzido através do que é, por sua vez, chamado de “inspiração”. Esse registro é parte do processo da revelação e é a própria revelação especial para nós hoje. Não temos atualmente outra fonte ou principium cognoscendi externum senão as Escrituras. É através dela que Deus fala hoje. • O propósito da escrituração foi “eternizar” a revelação O evento da revelação ocorre uma vez só no tempo, mas com o seu registro ela se torna permanente e útil para todas as épocas (Rm 15.4). 4 Porquanto, tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que, pela constância e pela consolação provenientes das Escrituras, tenhamos esperança. (Rm 15:4) A tradição oral não é totalmente confiável, embora tenha servido como estágio, em muitos casos, da preservação da revelação, até que esta fosse escrita. A escrita estabiliza a transmissão da revelação • A escrituração é o ponto culminante da revelação, pois a torna definitiva e final Em alguns casos, a revelação foi dada especialmente para fins de escrituração, como o livro de Apocalipse, por exemplo (Ap 1.11-19; 22.18). 11 que dizia: O que vês, escreve-o num livro, e envia-o às sete igrejas: a Éfeso, a Esmirna, a Pérgamo, a Tiatira, a Sardes, a Filadélfia e a Laodicéia. 19 escreve, pois, as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de suceder. (Ap. 1:11 e 19) • A escrituração tem um propósito definido Trazer as pessoas ao conhecimento de Deus e da salvação, e edificá-las na fé (2Tm 3.14-17, Rm 15.4). 7 14 Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, 15 e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela que há em Cristo Jesus. 16 Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; 17 para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra. (2 Tm 3:14-17). A Escritura, portanto, como culminância da revelação, é a nossa única fonte de conhecimento de Deus para a salvação. Sendo assim, o que a torna confiável e preciosa para os cristãos? Vejamos agora algumas características que a Bíblia possui e que a torna tão necessária para o nosso conhecimento de Deus. Características Para elucidar os elementos básicos que caracterizam as Sagradas Escrituras, consideremos a conceituação dada por Clark H. Pinnock: Toda a Escritura é inspirada (soprada) por Deus e é a Palavra de Deus escrita ao homem, infalível e inerrante, na forma como foi originalmente dada. A inspiração divina é plenária, verbal e confluente. Por ser a própria Palavra de Deus, a Escritura possui autoridade, suficiência, clareza e eficácia. O propósito central da Escritura é apresentar Cristo. Nesta formulação, encontramos os seguintes elementos básicos das Escrituras: • Toda a Escritura é “soprada por Deus” Em outras palavras, o autor das Escrituras é Deus (Hb 3:7). Toda a Escritura é dada por Deus, portanto, não há passagens mais inspiradas do que outras. Os dez mandamentos representam um grau mais elevado de revelação (porque foram dados diretamente por Deus), não de inspiração. • A Escritura é a Palavra de Deus escrita ao homem (Mc 7:13; At 28:25) 8 25 E estando discordes entre si, retiraram-se, havendo Paulo dito esta palavra: Bem falou o Espírito Santo aos vossos pais pelo profeta Isaías, (At 28:25). A Escritura é, intrinsecamente, a Palavra de Deus. Não é apenas um registro da revelação, mas também a própria revelação. A Bíblia identifica-se como a própria “palavra de Deus”, sem qualquer restrição, em sentido unívoco. O que o profeta disse foi o que o Senhor disse. O que a Escritura diz é o que Deus diz: Mt 1.22; At 4.24-25; 28.25; Gl 3.8; Hb 10.15. 8 Ora, a Escritura, prevendo que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou previamente a boa nova a Abraão, dizendo: Em ti serão abençoadas todas as nações. Gl 3:8() O fato de ser a Palavra de Deus escrita não elimina a possibilidade de ser mal entendida ou distorcida, como acontecia com os escribas e fariseus: Mc 7.6-13. Há um sentido em que continua sendo apenas “letra” (2 Co 3.6), por isso pode ser mal entendida e mal usada. 6 o qual também nos capacitou para sermos ministros dum novo pacto, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica. (2 Co 3:6) O fato de ser a Palavra de Deus escrita não dispensa a iluminação do Espírito para o seu entendimento espiritual. Não é por ser a Palavra de Deus que infalivelmente comunica a persuasão da verdade espiritual a todo que a lê (2 Co 3.15-16) O Espírito precisa agir na mente e coração do leitor para que a verdade objetiva seja apreendida subjetivamente. 15 sim, até o dia de hoje, sempre que Moisés é lido, um véu está posto sobre o coração deles. 16 Contudo, convertendo-se um deles ao Senhor, é-lhe tirado o véu. (2 Co 3:15-16). • A Escritura é infalível (Sl 19:7; Jo 10:35; Mt 5:18) 9 18 Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. (Mt 5:18). Por “infalibilidade” da Escritura quer-se dizer que ela é incapaz de enganar, de cometer erros, de falhar no seu ensino e julgamento dos fatos. É a expressão da verdade. É o que afirma a Confissão de Fé de Westminster quando declara que “a regra infalível de interpretação da Escritura é a mesma Escritura” (I,9). A infalibilidade decorre do fato de ser a Palavra de Deus e, portanto, incapaz de errar, porque Deus não pode errar: Tt 1.2. 2 na esperança da vida eterna, a qual Deus, que não pode mentir, prometeu antes dos tempos eternos, (Tt 1:2) A infalibilidade está intimamente relacionada com o conceito de autoridade da Escritura. A Escritura é tanto autoritativa quanto infalível porque Deus é o seu autor. A infalibilidade se limita à afirmação ou conceito intencionado pela Escritura, assim entendido por uma exegese gramático-histórico-teológica. Assim, quando diz que “E o sol se deteve, e a lua parou” (Js 10.13), ou que o “sol quando se levanta” (Jz 5.31) não está fazendo uma afirmação científica, mas referindo-se a um fato, usando a linguagem popular, aquela que até os cientistas usam para referir-se aos fatos, sem preocupação científica. • A Escritura é inerrante (Is 45:19; Pv 30:5-6) 19 Não falei em segredo, nalgum lugar tenebroso da terra; não disse à descendência de Jacó: Buscai-me no caos; eu, o Senhor, falo a justiça, e proclamo o que é reto. (Is 45:19). A infalibilidade exige a inerrância, pois ambas estão relacionadas com o princípio de autoridade divina. Se ela contiver erros não pode ser de autoria divina. Os aparentes erros ou dificuldades da Bíblia podem ser atribuídos à nossa falta de conhecimento de todos os dados ou podem ser resolvidos através de uma ou mais explicações possíveis. Podem também, em alguns casos, ser atribuídos à própria transmissão do texto (cópias), mas nunca aos autógrafos. Não se pode fazer essa 10 concessão sem se destruir a veracidade e a confiabilidade das Escrituras. Não há inerrância parcial. Ou a Bíblia é inerrante ou não é digna de confiança • A inspiração é Plenária – estende-se por toda a Bíblia (Rm 15:4; 2Tm 3:16) 16 Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; (2 Tm 3:16) Não apenas algumas partes da Escritura são inspiradas, mas todas as partes que formam o todo. A Escritura tem que ser vista como um organismo, um corpo de revelação formado de partes, mas indivisível. Não se pode atribuir inspiração apenas à parte doutrinária ou soteriológica. Ela é inspirada em todas as suas partes. Já vimos que Jesus e os autores do NT consideravam todo o AT como Escritura e toda a sua história como fatual e verdadeira. Escolher o que é e o que não é inspirado é determinar o que deve e o que não deve pertencer à Escritura, e isso seria insultar a sabedoria divina e requereria igual sabedoria para tanto. Plenária quer dizer que todas as passagens são importantes no propósito revelacional de Deus. Se estão lá é porque Deus as colocou e se Deus as colocou é porque servem a um propósito seu. • A inspiração é Verbal (Mt 4:4; 5:18) 4 Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. (Mt 4:4) Não é possível aceitar a doutrina da inspiração sem aceitar que ela se estende às palavras também e não apenas às idéias. Não é possível expressar idéias sem palavras. Não é possível nem mesmo pensar sem palavras. Como elas são o meio (símbolos convencionais) através do qual pensamos e exprimimos o pensamento, idéias inspiradas exigem palavras inspiradas, como modo de sua expressão. É a doutrina da inspiração verbal que nos assegura que a revelação de Deus nos foi comunicada de modo adequado e correto. De nada nos serviriam idéias ou autores inspirados que não pudessem transmitir segura e corretamente a verdade de Deus. 11 • A inspiração é confluente (2 Sm 23:2; 2Pe 1:21) 2 O Espírito do Senhor fala por mim, e a sua palavra está na minha língua. (2 Sm 23:2) Por confluência quer-se dizer que a Bíblia é tanto um livro divino quanto humano, ao mesmo tempo. Ela tem dupla autoria. É a Palavra de Deus expressa por homens. A confluência é um mistério que não podemos explicar, tal como o da encarnação, que tornou possível o Filho de Deus ser ao mesmo tempo divino e humano. Ao mesmo tempo em que é a Palavra de Deus confiável e autoritativa, é também palavra de homens com seus próprios estilos e marcas de sua cultura e ambiente histórico. A soberania de Deus não anula nem dispensa a ação livre do homem. Como diz Warfield: “Se Deus quis dar ao seu povo uma série de cartas como as de Paulo, ele preparou um Paulo para escrevê-las, e o Paulo que ele levou a fazer essa obra foi um Paulo que espontaneamente escreveu tais cartas”. A confluência humana na Bíblia não a torna falível ou errante, se aceitamos a doutrina teísta da providência de Deus e de sua intervenção sobrenatural no curso da história, da mesma forma como a encarnação não tornou a pessoa de Cristo pecaminosa. A “humanidade” da Bíblia foi isenta de erros da mesma forma sobrenatural como a humanidade de Cristo foi isenta de pecado. • A Escritura é dotada de Autoridade (Is 1:2) 2 Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, ó terra, porque falou o Senhor: Criei filhos, e os engrandeci, mas eles se rebelaram contra mim. (Is 1:2) A questão da autoridade das Escrituras está diretamente relacionada com a sua inspiração. É porque é a palavra de Deus inspirada, infalível e inerrante que ela é autoritativa. Ela se impõe com a própria autoridade divina como a única regra de fé e prática, a norma ou padrão pelo qual todas as coisas devem ser julgadas. Deus dixit: causa finita est (Deus falou: assunto encerrado). Essa autoridade é assim afirmada na Confissão de Fé de Westminster, I:4,10: 12 “A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus”. Essa autoridade é reivindicada pela própria Escritura nos textos de Mt 22.29,31,32; Lc 10.25; Jo 5.39; At 28.25; 1 Ts 2.13; 2 Tm 3.16; 1 Pe 1.21. 13 Por isso nós também, sem cessar, damos graças a Deus, porquanto vós, havendo recebido a palavra de Deus que de nós ouvistes, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo ela é na verdade) como palavra de Deus, a qual também opera em vós que credes. (I Ts 2:13). • Por ser inspirada, a Escritura é suficiente (2Tm 3:15) Crer na suficiência da Escritura é crer que ela contém tudo que o homem precisa saber a respeito da salvação e de como agradar a Deus. É na base da suficiência que os reformadores proclamaram a mística da sola scriptura. Todo e qualquer sistema que reivindique outra fonte de revelação ou autoridade fora da Escritura naturalmente rejeitará essa sua propriedade. Essa suficiência é ensinada em textos como 2 Tm 3.15-17 e Lc 24.25-27. Para Cristo e os apóstolos a instância última de autoridade eram as Escrituras (AT). O "está escrito" era decisivo e final. Negar a suficiência das Escrituras seria dizer que o homem tem a capacidade de decidir o que deve ou não aceitar como suplementação à verdade que elas revelam, em matéria de fé. E isso é dar ao juízo humano a mesma autoridade das Escrituras. 25 Então ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crerdes tudo o que os profetas disseram! 26 Porventura não importa que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória? 27 E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicou-lhes o que dele se achava em todas as Escrituras. (Lc 24:25-27) Isto não significa que a Escritura exaure todo o conhecimento possível nem que ela contém tudo que o homem poderia conhecer (Jo 21.25; 1 Co 13.12). 13 25 E ainda muitas outras coisas há que Jesus fez; as quais, se fossem escritas uma por uma, creio que nem ainda no mundo inteiro caberiam os livros que se escrevessem. (Jo 21:25). Mas como regra de fé e prática ela é suficiente por conter tudo que o homem precisa conhecer para a salvação e por fornecer os princípios mestres através dos quais construímos nosso sistema doutrinário. Como diz Calvino: “a Escritura é a escola do Espírito Santo na qual, assim como nada proveitoso e necessário de se conhecer foi omitido, também nada é ensinado além do que é preciso saber”. • Por ser inspirada, a Escritura é clara (Sl 119: 105) 105 Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o meu caminho. (Sl 119:105) A clareza ou perspicuidade da Escritura é uma decorrência lógica da inspiração e uma exigência da sua qualidade de suficiente. Se a Escritura não fosse clara, isto é, compreensível, necessitaria de uma iluminação externa (fora dela) que a tornasse clara. Isso negaria a sua suficiência. Negar a clareza é também negar o princípio da sola scriptura. É o que fazem tanto o Catolicismo Romano (a igreja como intérprete da Bíblia) como o liberalismo teológico (a razão humana [raciocínio] como intérprete). Pode haver entendimento errado das Escrituras, por isso é preciso que nosso entendimento seja sempre verificado pela própria Escritura (analogia da fé), mas o princípio não pode ser negado. De nada valeria uma revelação inspirada que não pudesse ser compreendida por aqueles para quem ela foi intencionada. Por clareza das Escrituras, todavia, não queremos dizer que tudo nela pode ser facilmente compreendido. Significa que tudo que é necessário que saibamos para a nossa salvação e vida cristã está claramente revelado e pode ser claramente compreendido pelo homem comum. A Confissão de Fé de Westminster apresenta assim essa doutrina: Na Escritura não são todas as coisas igualmente claras em si, nem do mesmo modo evidentes a todos; contudo, as coisas que precisam ser obedecidas, cridas e observadas para a salvação, em um ou outro passo da Escritura são tão claramente expostas e explicadas, que não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas 14 O próprio apóstolo Pedro achou difícil entender alguns dos escritos de Paulo (2 Pe 3.16), ainda que os aceitasse no mesmo nível e com a mesma autoridade das "demais Escrituras". 16 como faz também em todas as suas epístolas, nelas falando acerca destas coisas, mas quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, como o fazem também com as outras Escrituras, para sua própria perdição. (2 Pe 3:16) A Confissão de Fé acima citada diz que "não só os doutos, mas ainda os indoutos, no devido uso dos meios ordinários, podem alcançar uma suficiente compreensão delas", e é isto que se quer dizer por clareza ou perspicuidade. • Por ser inspirada, a Escritura é eficaz (Hb 4:12; Is 55:11) 11 assim será a palavra que sair da minha boca: ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei. (Is 55:11) Por eficácia das Escrituras queremos dizer que ela tem a capacidade de produzir os resultados intencionados por Deus: convencer e converter pecadores e conduzi-los a uma vida santa e agradável a Deus (Jo 17.17). A palavra de Deus é retratada por ela mesma com figuras metafóricas como: fogo e martelo que esmiúça a penha (Jr 23.29), chuva e neve que descem dos céus para regar e fecundar a terra (Is 55.10-11), (Jr 20.9) e genuíno leite espiritual (2Pe 2.2). Necessário é, porém, dizer que as Escrituras não têm essa eficácia por si sós, independentemente da obra do Espírito. Sem a ação do Espírito elas são apenas gramma (letra – 2 Co 3.6), um escrito como qualquer outro, para quem lê. A Escritura sem a ação do Espírito não deixa de ser a Palavra de Deus, com sua mensagem de condenação ao homem impenitente (Jo 12.48), mas não terá o poder de transformar vidas. Ela é a espada do Espírito (Ef 6.17) e como tal precisa por ele ser operada. Textos como 1Co 2.4-5,14-15 e 1 Ts 1.5 mostram a relação íntima e até interdependente da Palavra e do Espírito. A Palavra é o instrumento do Espírito, o meio que ele usa para agir no coração do homem. Por isso ela é eficaz. 15 5 porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo e em plena convicção, como bem sabeis quais fomos entre vós por amor de vós. (I Ts 1:5) • O propósito central a Escritura é apresentar a Cristo (Lc 24:27; Jo 5:39; Rm 10:4; 2Tm 3:15) 4 Pois Cristo é o fim da lei para justificar a todo aquele que crê. (Rm 10:4). A teologia reformada tem dado ênfase ao fato da centralidade de Cristo na revelação e da continuidade dessa revelação entre os dois testamentos (Antigo e Novo). Os textos acima são a prova bíblica de que não só o Novo, mas também o Antigo Testamento revelam Cristo e sua obra de redenção, como o Mediador do Pacto feito por Deus com o seu povo. Os ofícios, o tabernáculo, a forma de culto, as promessas explícitas, tudo no AT aponta para Cristo, sua obra e sua relação para com o seu povo, seja na forma do Israel do AT ou da Igreja do NT. Isso não significa que precisamos encontrar uma referência a Cristo em todo e qualquer versículo, nem que nosso método de interpretar a Bíblia deva buscar sempre essa referência, ainda que ela não esteja clara (interpretação alegórica). Apenas significa que a mensagem central, o escopo das Escrituras, é apresentar o propósito de Deus com relação ao seu povo e, nesse propósito, a figura de Cristo é central, como Mediador da Aliança. A Escritura é a revelação que aponta para uma revelação maior: Jesus Cristo. Conclusão Nestas qualidades, é que se baseia o conceito de valor que damos à Escritura. Ela não é um livro comum. Em seu aspecto formal e material, é um livro como qualquer outro, mas tem qualidades que nenhum outro tem. É um livro de origem divina. Claro que outros livros religiosos como o Alcorão e o livro de Mórmon, por exemplo, também são reputados como divinos pelos muçulmanos e mórmons, respectivamente. Mas é o valor intrínseco da Escritura, associado a outras evidências, como cumprimento de 16 profecias, unidade e seqüência de conteúdo (ainda que escrito por diferentes pessoas em diferentes épocas), por exemplo, que faz com que a Bíblia se imponha como livro divino. Acima de tudo, está o testemunho interno do Espírito Santo, que confirma ao nosso espírito que estamos lendo a própria Palavra de Deus. Aquele que tem o Espírito (o verdadeiro homem espiritual, conforme o contexto de 1 Coríntios) é capaz de reconhecer o “mandamento do Senhor” (1Co 14.37). 37 Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor. (1 Co 14:37). Muitos têm curiosidade para conhecer fatos a respeito da Bíblia, mas nem sempre de conhecer a própria Bíblia. Embora seja o livro de maior publicação em todo o mundo (só no Brasil são publicados e distribuídos, todo ano, mais de seis milhões de exemplares), isso não significa que seja um livro conhecido. Mesmo entre nós, crentes, isto é verdade. Falta visão do conjunto, da mensagem como um todo, talvez porque apenas algumas porções favoritas sejam as que ocupem nossa leitura e pregação. Pregar todo o desígnio (Boule =propósito) de Deus era o cuidado de Paulo (At 20.27). 27 Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus. (At 20:27). Numa época quando muitos andam à busca de revelações e sinais de Deus, não há melhor nem mais segura fonte de conhecimento do que as Escrituras Sagradas, a própria Palavra de Deus. Que seja nosso desejo e propósito conhecê-la melhor e anunciá-la! 17