A Cosmovisão Naturalista Sob o Prisma da Teologia Reformada Um Ensaio O resgate da responsabilidade cristã na preservação da Criação. 2 Sumário 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 3 2 – NASCE O NATURALISMO .............................................................................................................. 4 3 – UM POUCO MAIS DE SUA HISTÓRIA ............................................................................................. 6 4 – O QUE CRÊ O NATURALISMO ....................................................................................................... 8 4.1 – A ORIGEM DO UNIVERSO ...................................................................................................... 8 4.2 – A GÊNESE DO HOMEM ........................................................................................................ 11 5 . CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 17 6. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 18 3 1. INTRODUÇÃO Todos nós estamos acostumados a ver nos meio de comunicação referências à criação como tendo bilhões de anos. Nadadeiras de mamíferos marinhos são associadas com patas de mamíferos terrestres, e até mesmo os grandes répteis extintos são associados às aves. Apresentam-se, como expressões de verdade, hipóteses como a dos fósseis de homens pré-históricos, enquanto que as Escrituras são apresentadas como sendo lendas e mitos. Paralelamente a isso, percebemos o envolvimento de grande número de naturalistas que se envolvem ativamente no luta pela preservação da criação. Qual é a motivação deles em fazer isso? É coerente com seu sistema de pensamento? E a igreja reformada, não deveria também se engajar em tal luta? Teólogos reformados como Francis Schaeffer e John MacArthur Jr têm debatido essa questão e vão nos ajudar a entendê-la. Tem este trabalho o objetivo de tratar sucintamente da cosmovisão naturalista de um ponto de vista reformado, indicando ao final, algumas formas práticas de cumprirmos nossa responsabilidade como igreja. Realmente há muito material para pesquisar e muitas páginas a mais para serem escritas. Por hora, tentaremos tratar dos pontos principais. Vamos a eles.·. 4 2 – NASCE O NATURALISMO Quando falamos de Naturalismo, na verdade estamos tratando do “neto” do teísmo. Até a Idade Média, a sociedade do mundo ocidental era caracterizada pela cosmovisão teísta, ou seja, acreditava que o mundo foi criado por um Ser autossustentado, eterno, todo-poderoso, que mostrou sua graça e bondade dando oportunidade de existência a seres engendrados por sua própria sabedoria, tendo criado todas as coisas ex-nihilo (Latim, “do nada”). Contudo, com o advento do Iluminismo terminou o reinado absoluto do teísmo, e nasceu outra cosmovisão que ficou conhecida como “deísmo”. Embora continuasse a crer na criação de forma semelhante ao teísmo, a sua grande diferença estava na questão da imanência de Deus. O deísmo proclamava que o Criador era como um grande relojoeiro e a criação um grande mecanismo de engrenagens que funcionava como um imensurável relógio. Deus não estava presente no mundo, mas distante dele. Depois de ter criado todas as coisas, deixou-as “ligadas” e funcionando através de leis que a regiam. Tais leis passaram a ser consideradas como leis naturais. Talvez fosse mais adequado classificar o deísmo como o período de gestação ou até de maturação do naturalismo. Parece que desde a sua concepção, o deísmo já sofria com as dores de parto do naturalismo. Em outras palavras, a cosmovisão deísta nasceu grávida do naturalismo devido àquilo que afirmava. Depois de terem colocado Deus de lado, os homens o baniram de vez do seu próprio interesse. Nesse momento, nasce o naturalismo. O Naturalismo é também um herdeiro legítimo e direto de um processo que teve início com o Iluminismo. René Descartes (1596 – 1650), embora um teísta confesso, afirmou que o universo era um gigantesco mecanismo de “matéria” e que deveria ser explorado pela mente do homem. Seguindo os passos de Descartes, John Locke acreditava que Deus havia se revelado ao homem. Contudo, cria que a razão foi concebida pelo Criador e dada ao homem com o objetivo de ser a única ferramenta eficaz para se julgar a verdade.1 Para os naturalistas, a mesa estava posta e tinham uma dieta já prescrita e notadamente racional. Bastava retirar a ideia de Deus, e deixar a razão como o padrão único para se estabelecer a verdade. A razão deixou de ser um meio de ciência para se tornar a medida de todo conhecimento possível ao homem. Temos aqui um ponto de contato entre o macro e a micro história. A tragédia de muitas famílias cristãs que veem o afastamento progressivo das suas gerações da fé evangélica ilustra a história maior. Depois de uma primeira geração apegada a Deus, segue-se uma que 1 SIRE, James W. O Universo ao Lado. São Paulo, Editorial Press, 2001. p. 67, 68. 5 procura alguma síntese com o mundo. A terceira geração só quererá o mundo. Da mesma forma, uma sociedade baseada em Deus passou a não apenas desacredita-lo, mas também despreza-lo. 6 3 – UM POUCO MAIS DE SUA HISTÓRIA Depois de observarmos o caldo de cultura (útero?) que gerou o naturalismo, vejamos um pouco sobre seus principais expoentes nos tempos modernos. Para tanto, recorramos àquele que foi imortalizado por suas teorias naturais. Charles Darwin escreveu um interessante artigo antes da sua célebre obra A Origem das Espécies, intitulado Com respeito aos Progressos da Opinião Relativa à Origem das Espécies, no qual avalia o desenvolvimento dessa questão pelos óculos da cosmovisão naturalista.2 Lamarck foi o primeiro a demonstrar em suas obras3 a doutrina que todas as espécies, incluindo o homem, originaram-se de outras espécies. Acumula também a primazia, pela qual é efusivamente exaltado por Darwin, em afirmar que toda a alteração no mundo orgânico e inorgânico é o resultado de uma lei, e não de uma intervenção miraculosa. Outro grande expoente que é destacado é o Dr. W. C. Wells. Os elogios a sua pessoa são motivados pelos seus grandes esforços de pesquisa, demonstrando a adaptação de várias espécies, inclusive o ser humano, às diferentes condições climáticas e geográficas que encontramos no planeta. Observa, por exemplo, que os negros e mulatos se mostram imunes a certas doenças tropicais, sendo que o mesmo ocorre com os brancos quando se trata de climas frios. O naturalismo saiu do laboratório e começou a interferir na revelação bíblica. Darwin cita as conclusões das pesquisas realizadas pelo Rev. W. Herbert4 (1822) que indicavam inquestionavelmente que as espécies botânicas não são mais que uma classe superior de variedades mais permanentes. Certamente, o interesse de Darwin nessa citação tinha um objetivo não apenas científico, mas também apologético. Em 1826 Grant declara crer que as espécies derivam de outras espécies, e que vão se modificando em contínuo aperfeiçoamento. A geologia recebe também grande atenção do naturalismo. Charles Lyell publica em 1830 sua obra intitulada Princípios da Geologia no qual, através do estudo das camadas da crosta terrestre, explicou o passado das rochas em termos de processo, como erosão, sedimentação e atividade vulcânica, que são observadas ainda em nosso tempo.5 Em 1831, Patrick Matthew publicou um tratado no qual defende os mesmos pontos apresentados por Darwin em A Origem das Espécies. A partir de 1836, com a publicação de Description physique des Îles Canaries por von Buch, um novo elemento é introduzido na receita naturalista. Trata-se da diferença entre variedades e espécies. 2 DARWIN, Charles. Com Respeito Aos Progressos da Opinião Relativa à Origem das Espécies. In: DARWIN, Charles. A Origem das Espécies. Rio de Janeiro. Ediouro Publicações S.A. 2004. p. 7-15. 3 Principalmente Philosophie zoologique de 1809 e Histoire naturelle des animaux sans vertèbres 1815. 4 Obras citadas: Horticultural Transactions e Amaryllidaceae. 5 KEELING, Michael. Fundamentos da Ética Cristã. São Paulo. ASTE. 2002. p. 170. 7 Von Buch afirmou que há modificações que vão se tornando padrão permanente, caracterizando assim uma nova espécie. Pelo mesmo caminho seguiram as pesquisas de Rafinesque (1836)6, Haldeman (1843), e J. d’Omalius d’Halloy (1846). Ao deixar Deus de lado e a ideia de uma criação pronta, o homem se tornou o centro do universo e seu principal agente. Portanto, o desdobramento natural da pesquisa enveredou para estudar a agência do homem na modificação das espécies. Em 1851, Isidore Geoffroy Saint-Hilaire afirmou que os caracteres específicos de uma espécie se manterão estáveis à medida que seu habitat se mantenha também o mesmo, ou seja, que se for mudado o ambiente da espécie ela tenderá a modificar-se. No ano seguinte, Herbert Spencer e Naudin estabeleceram uma clara ligação entre o cultivo de plantações e a criação de animais praticados pelo homem, com o desenvolvimento de novas espécies.7 Em 1854, Von Baer publicou sua convicção que as formas atuais mais desenvolvidas são descendentes de um progenitor único. Em 1859 Huxley declarou numa conferência que os tipos persistentes da vida animal não podem ser explicados se considerarmos que foram formados e colocados prontos na Terra por um ato distinto do poder criador. Por fim, desse mesmo ano temos Hooker,8 que abraça o conceito da descendência e das modificações das espécies. Darwin declara ter profunda admiração e reconhecimento por seu trabalho. 6 Especialmente Nouvelle flore de l’Amérique du Nord. Em 1853 Keyserling sugeriu que da mesma forma que as doenças surgiram de um miasma, também os germes foram afetados quimicamente em algum período por moléculas ambientais, dando origem a novas formas. No mesmo ano, Schaaffhausen explicou a modificação de várias espécies tendo como causa a eliminação de outras que eram intermediárias. 8 Especialmente sua obra Introduction to the Australian Flora (1869). 7 8 4 – O QUE CRÊ O NATURALISMO Naturalismo é a posição filosófica que defende a ideia que tudo o que existe é natural. Em outras palavras, basicamente prega que tudo é relativo à matéria. 4.1 – A ORIGEM DO UNIVERSO9 É hora de falarmos de cosmogonia. Essa é a área da ciência que estuda a origem do universo. O naturalismo prega que todas as coisas fazem parte do processo do espaço – tempo da natureza. Mesmo que possa existir algum tipo de objeto não natural, afirma que ele só será conhecido através de seus efeitos dentro da natureza. Nega completamente a existência de Deus e tudo que vai além daquilo que possa ser comprovado empiricamente. Não há elementos distintos como matéria e mente ou matéria e espírito. Há apenas uma substância com várias modificações.10 As afirmações de fé, como a vida após a morte e o conceito de ressurreição dos mortos, são impossibilidades absolutas para alguém que acredita que a realidade e a existência estão confinadas à matéria. Esta existe eternamente e é tudo o que há no universo. Dessa forma, a ciência se torna religião firmada em pressupostos filosóficos, e o universo (matéria) o objeto de adoração.11 O que causou o universo? Essa pergunta tem aguçado o interesse científico desde o Iluminismo. Só existem três possibilidades: Ele foi causado por algum fenômeno natural? É autocausado? Sempre existiu (não-causado)? Ou alguma coisa ou alguém o causou? O que se torna óbvio é que se o universo teve uma causa, então ele necessita de um começo. A concepção mais propalada entre os naturalistas é que o universo existe como uma uniformidade de causa e efeito num sistema fechado. Com isso, sugerem que todas as coisas que acontecem no universo têm causa nele mesmo. Não há nenhuma intervenção de fora, sugerindo a ideia de Deus. Embora tenha sido gerado pelo deísmo, o naturalismo concebeu um conceito de cosmo mais complexo que as engrenagens de um relógio gigante. Apelar para causas naturais para explicar a origem do universo é ilógico e absurdo. Como seria possível surgir tudo do nada sem a agência de algo ou alguém? Igualmente, a ideia de o universo ser autocausado é impossível. Para ser autocausado pressupõe a pré-existência para que possa causar a si mesmo. Assim, exige que eu tenha existido para ser a causa e não ter existido para ser o efeito, e isso, ao 9 GEISLER, Norman; BOCCHINO, Peter. Fundamentos Inabaláveis. São Paulo. Editora Vida. 2003. p. 85-110. SIRE, James W. Op. cit. p. 67-91. 10 Alguns chegam a afirmar que o pensamento é um tipo de secreção cerebral, para fugir da questão epistemológica necessariamente envolvida nessa questão. Até o pensamento é matéria! 11 MACARTHUR, John. Criação ou Evolução. São Paulo. Cultura Cristã. 2004. p. 12, 13. O autor cita o renomado astrônomo Carl Sagan como um televangelista da religião naturalista. 9 mesmo tempo. Portanto, só resta aos cosmólogos naturalistas afirmarem que ou o cosmo veio do nada e por meio do nada, ou sempre existiu. Certamente, é impossível ao nada produzir alguma coisa, como já dissemos. Assim, a única fé naturalista viável é a que o universo sempre existiu. Até mesmo a própria ciência se incumbe de contrariar essa ideia através do chamado conceito de entropia, da segunda lei da termodinâmica. Esta especialidade científica estuda o calor (termo) e sua potência para realizar trabalho mecânico (dinâmica). A primeira lei da termodinâmica afirma que a quantidade real de energia do universo físico permanece inalterada e constante. Entretanto, a segunda lei afirma que a quantidade utilizável dessa energia está diminuindo constantemente, trazendo desordem ao sistema original altamente organizado. O nível de desordem do universo é medido pelos cientistas. O resultado do desgaste percebido é chamado de entropia. A conclusão lógica que temos se reconhecermos o princípio da entropia, é que o universo é finito e necessariamente teve um início.12 À mesma conclusão chegamos pela teoria da relatividade formulada por Albert Einsteisn. Segundo essa teoria, o universo teve um começo e está se expandindo em todas as direções. O naturalismo parece estabelecer uma fórmula absurda de existência:13 “ninguém x nada = tudo”.14 A origem do Universo, segundo a posição reformada,15 está baseada principalmente no relato do Livro de Gênesis capítulo 1. Afirma-se que Deus criou todo o universo através de sua palavra, o que ficou conhecido como fiat divino.16 Sendo assim, necessariamente o mundo foi criado ex-nihilo,17 ou seja, não havia nada quando Deus o criou. Dessa forma, a posição bíblica reformada é completamente contra a ideia da pré-existência ou da eternidade da matéria, uma visão extremamente panteísta defendida pelos naturalistas. 12 Em 1989 os cientistas tiveram uma “visão” gloriosa. Através de um satélite, fotografaram a radiação que permanece no planeta como sendo o eco do grande big-bang. Stephen Hawking chamou tal descoberta de “a mais importante descoberta do século, senão de todas as épocas” (Cf. GEISLER, Norman. Op. cit. p. 94, 95). Também a teoria do big-bang aponta para a verdade que o universo teve um começo. 13 Certamente, a posição naturalista vai além da fé. A definição de fé que encontramos nas Escrituras “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem” (Hb 11.1) fala de se crer em uma realidade revelada por alguém que é transcendente ao próprio universo. A diferença entre fé e absurdo é que a primeira crê numa realidade sobrenatural, e o segundo atribui existência e poder ao nada. 14 MACARTHUR, John. Op. cit. p. 29. 15 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas. Luz Para o Caminho. 1990. p. 130-134; BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. Santa Bárbara do Oeste. Socep. 2001. p. 175-193; HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo. Hagnos. 2001. p. 410-418; VAN DYKE, Fred. et al. A Criação Redimida. São Paulo. Cultura Cristã. 1999. p. 37, 38. 16 Palavra latina que significa “faça-se”, e é a ordem criativa de Deus nos seis dias de criação. 17 Expressão latina que quer dizer “do nada”, fixando Deus não como um mero inventor que juntou algumas peças, mas como o legítimo Criador da existência conforme a conhecemos. 10 É pertinente que falemos algo sobre os dias de criação. Originalmente, como não poderia deixar de ser, os crentes do Antigo e Novo Testamento entendiam os dias de criação literalmente, determinado pelos períodos de um sol e uma lua. Já na era dos Pais da Igreja, Agostinho não considerou a literalidade dos dias de criação, afirmando que os marcadores de tempo só foram criados no quarto dia. Por isso, distinguiu apenas dois momentos de criação. O primeiro quando Deus criou a matéria e o segundo quando deu forma a todas as coisas. Atualmente, além da literalidade dos dias, tem-se proposto também a possibilidade de entendê-los figuradamente como representações de eras.18 Para isso, procura-se associar o texto de 2Pe 3.8 “para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia” com o relato da criação, na tentativa de apoiar tal argumentação baseado nas Escrituras. Com toda certeza, essa concepção tem algum ponto de contato com os naturalistas e a teoria da Terra antiga.19 Contudo, embora Deus tenha o direito de criar da forma como ele bem entende, e que seria perfeitamente possível ter criado o mundo em longas eras, não parece que essa seja a posição mais coerente com as Escrituras. Uma abordagem exegética do texto mostra que todas as vezes que o termo hebraico traduzido por dia é associado a um numeral como na contagem dos dias de criação, sempre se referem a dias literais. Além disso, como já dissemos, a única forma possível dos hebreus terem entendido essa narrativa era considerando os dias como períodos de vinte e quatro horas. Por fim, devemos também examinar quais as implicações teológicas causadas quando abordamos os dias de criação de forma figurada. Essa cristianização do evolucionismo resulta no questionamento da historicidade do relato da queda de Adão e, consequentemente, da obra redentora de Cristo como o segundo Adão. Ora, se o sexto dia durou milhares de anos, então, ao se falar da criação do homem, falaremos de sua evolução durante uma era. Isso apaga a imagem de Deus da humanidade como um todo, transformando-a em algo bizarro. As implicações para toda doutrina bíblica do pecado original, da imputação do pecado de Adão, bem como, de todos os aspectos da obra de Cristo caem por terra. Por isso, não se trata meramente de uma opção de interpretação, mas de interpretar a Bíblia da forma como 18 Poderíamos ainda citar a concepção daqueles que entendem os sete dias de Gênesis não como de criação, mas de visão. Nesta, os sete dias nada tem a ver com a criação propriamente dita, mas foi o tempo que levou a suposta visão, tida por Moisés, da criação. Assim, no primeiro dia ele viu a origem da luz e a sua separação das trevas; no segundo o firmamento e a separação das águas; e assim por diante. Devido à fraqueza dessa possibilidade, apenas faço menção dela para registro. 19 A Teoria da Terra Antiga é aquela que supõe que o universo tem milhões de anos, ao contrário do que muitos defendem ser a posição bíblica. 11 deve ser interpretada, usando-se de boa exegese, respeitando aquilo que o texto está dizendo, e observando a harmonia com o todo da revelação escriturística.20 Certamente Deus é imanente àquilo que criou, pois nada pode existir fora da sua presença. Na verdade, a presença de Deus nesse particular é explicada melhor em termos de sua onipresença. Não podemos pensar na presença de Deus no cosmo como se fosse uma grande massa que transborda a assadeira. Se essa comparação fosse de alguma forma verdadeira, sua essência estaria espalhada por toda Criação e teríamos contato com uma ínfima parte de seu ser. Contudo, a maravilha da onipresença de Deus está no fato de se apresentar integralmente em cada parte do universo criado. Todavia, seu ser não faz parte da criação. Deus não tem corpo, e o universo jamais poderia ser confundido como a parte física do Criador, como querem alguns ramos panenteístas. O universo é criatura de Deus, não podendo ser misturado com o ser de Deus. Assim, Deus não é apenas imanente, mas transcendente a tudo o que criou. Seu ser não é limitado pelo universo, mas vai além dele. O mundo não é fruto do acaso. Do contrário, não haveria motivo para lhe dar valor. Quando o homem reconhece que há um Criador ele é levado a assumir seu papel de administrador com a responsabilidade de alguém que vive em “comodato”. Tendo sido criado por Deus, o universo tem valor em si mesmo, pois tudo que o Criador fez é essencialmente bom. Na verdade, devemos tratar da criação como algo que não nos pertence, que tem como objetivo a glória do Criador.21 4.2 – A GÊNESE DO HOMEM A visão naturalista do homem lhe retira toda dignidade e importância. Ele é visto como uma espécie de máquina pensante. Embora seja um pequeno elemento se comparado ao tamanho do universo, é o ser que suplanta a todos os demais em sua complexidade. Como o cosmo é formado de apenas uma substância, todas as leis que se aplicam à matéria determinam a vida humana. Somos um com o universo. Nosso único valor está nas características exclusivas da humanidade que, no entanto, não nos tornam essencialmente diferentes em nada. Tal concepção confere ao homem o destino de ser aniquilado na morte. Embora a matéria física continue no universo na mesma proporção, a pessoa que existiu simplesmente desaparece quando a matéria que a constituía fica “desorganizada” na morte. A vida do homem é definida como um episódio entre dois esquecimentos. A única forma de imortalidade reconhecida pelo naturalismo é aquela vista figuradamente na continuidade da própria linhagem e na 20 21 MACARTHUR, John. Op. cit. p. 61, 62. VAN DYKE, Fred. MAHAN, Op. cit. p. 29, 46. 12 magnitude de gloriosos feitos que firmem a nossa lembrança contra o esquecimento da morte.22 Tal concepção levou John MacArthur a concluir que, segundo a cosmovisão naturalista, somos apenas protoplasma à espera de nos tornarmos adubo. Não somos em nada diferentes dos animais.23 Quando o assunto é vida, tanto animal quanto vegetal, a espinha dorsal do pensamento naturalista é a chamada teoria da evolução, que tem como um de seus principais pressupostos a seleção natural. Darwin conta sua experiência de “conversão”, quando deixou de crer na criação de espécies prontas, uma herança do pressuposto teísta, e abraçou a fé da seleção natural: Ora, embora numerosos pontos continuem obscuros, tanto que devem permanecer, sem dúvida, inexplicáveis por bastante tempo ainda, vejo-me, contudo, após os estudos mais profundos e uma apreciação desapaixonada e imparcial, forçado a sustentar que a opinião defendida até a pouco pela maioria dos naturalistas – opinião que eu próprio partilhei, isto é, que cada espécie foi objeto de uma criação independente -, é absolutamente errônea. Estou plenamente convencido de que as espécies não são imutáveis; convenci-me que as espécies pertinentes ao que denominamos de o mesmo gênero derivam diretamente de qualquer outra espécie ordinariamente distinta, do mesmo modo que as variedades reconhecidas de uma espécie, seja qual for, derivam diretamente desta, convicto estou, enfim, de que a seleção natural tem desempenhado o principal papel na modificação das espécies, 24 embora outros agentes tenham-na igualmente partilhado. Tal teoria não considera nenhum direcionamento divino ou algum princípio regulador que determine a evolução. Ao contrário, diz que as alterações afetam grupos de pessoas de forma a causar efeitos indefinidos e indeterminados. 25 Tocamos novamente no absurdo da fé naturalista, agora destacando o princípio da casualidade. O acaso é uma das “pessoas” da trindade naturalista formada por, além deste, matéria e o tempo. O homem é fruto do acaso, um acidente provocado sem nenhuma inteligência no planejamento ou objetivo. É apenas uma somatória de fatores naturais imprevistos: “impessoal + tempo + acaso ⇒ natureza + homem”.26 Percebe-se que há um erro conceitual quanto à utilização desse termo pelos naturalistas. O acaso não é uma força determinante, mas tão somente a constatação de algo que não foi antecipado pelo homem. Não podemos dizer que mesmo um gol marcado quando o atacante errou o chute, foi 22 Cf. SIRE, James W. Op cit. p. 71-74. MACARTHUR, John. Op. cit. p. 30. 24 DARWIN, Charles. Op. cit. p. 20, 21. 25 Cf. Ibdem. p. 25. 26 SCHAEFFER, Francis. Poluição e Morte do Homem. São Paulo, Cultura Cristã. 2003. p. 12. 23 13 causado pelo acaso. Foi resultado do chute dado, mesmo que não tenha sido pretendido. O acaso é passivo, e serve para explicação daquilo que não foi previsto. Todavia, ele não é força para realizar qualquer tipo de obra ou transformação. “Entretanto, na linguagem evolucionista e naturalista, acaso se torna algo que determina o que acontece na ausência de qualquer outra causa ou projeto”.27 Na verdade o acaso é levantado como postulado de fé naturalista contra a lógica da causalidade. Francis Bacon (1561 – 1626), a quem é atribuído o título de pai da ciência moderna, afirma: “Ciência e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a natureza não se vence, se não quando se lhe obedece. E o que à contemplação apresenta-se como causa é a regra na prática”.28 Toda pesquisa científica tem como pressuposto o princípio da causalidade que estabelece “que para todo efeito deve haver uma condição necessária e suficiente ... Se o universo é finito e teve um começo, então precisa ter uma causa – se o princípio da causalidade é um princípio válido. Uma imperfeição no princípio da causalidade seria equivalente a um colapso fatal no fundamento da ciência”.29 Admitir a ideia evolucionista é também colocar fortes impedimentos para a fixação de qualquer princípio de ética. Na verdade, leva à reprovação do altruísmo e da ajuda humanitária, pois auxiliar aquele que se encontra em dificuldades que estabeleçam alguma fraqueza para sua existência, é frear o ambiente necessário para a evolução humana. A docilidade do comportamento altruísta impede o desenvolvimento na adaptação. Tal atitude não contribui para a evolução pessoal.30 Evolução é contrária à ética.31 Geralmente, o Naturalismo nega a liberdade humana, pois acredita que todo evento deve ser explicado com base em leis naturais que o determina. Da mesma forma, comumente nega qualquer valor absoluto. Isso é apenas uma implicação coerente com seu sistema de pensamento. Uma vez que não há Deus, não há padrão de ética e moral inquestionável. Agora o homem assume sobre seus próprios ombros a responsabilidade de dizer o que é e o que não é ética e moralmente adequado. Não podem ser alicerçados em um mundo que é feito apenas de matéria e energia. O próprio universo não tem nenhum propósito ou significado, pois não há Deus para fixá-los, e além dele, nada e ninguém mais o poderia fazer.32 27 MACARTHUR, John. Op. cit, p. 34. BACON, Francis. Novum Organum. São Paulo. Abril Cultural. 1973. p. 19. 29 GEISLER, Norman. Op. cit. p. 72, 73. 30 PLATINGA, Alvin. Mothodological Naturalism? [Artigo]. Disponível em: http://idwww.ucsb.edu/fscf/library/platinga/nan/home.html . Acesso em: 23 julho 2004. 31 MACARTHUR, John. Op. cit. p. 15. 32 Naturalism. Disponível em http://mb-soft.com/believe/txc/naturali.htm . Acesso em: 23 julho 2004. 28 14 Um dos efeitos mais danosos do naturalismo foi transformar o papel do Estado. Ele deixou de ser um estado de governo, que domina com base na ética e moral herdadas do cristianismo, para ser um autenticador de novas práticas e comportamentos totalmente convexos àquilo que sempre foi reconhecido como padrões comportamentais na sociedade ocidental. Com a pregação naturalista oposta à ideia de Deus, o Estado deixou de legislar com base no comportamento ditado pelo Criador e passou ele mesmo a legitimar novas formas baseadas e ditadas pelo único ser que é matéria pensante, o homem. A prática do direito pelo Estado, desvinculada completamente da autoridade divina, passou a ser chamada de “direito positivo”. Este fez oposição ao chamado “direito natural”. Já em Platão e Aristóteles percebemos essa distinção. O direito natural trata das normas que regem o universo e que são conhecidas através da revelação natural. Na Idade Média, o jusnaturalismo (outro nome dado ao “direito natural”) foi fixado de forma mais clara como sendo o conteúdo das normas éticas e morais contidas no Antigo e no Novo Testamento. Contudo, “direito natural” e “direito positivo” eram qualificados ambos como direito na mesma acepção do termo. Deu-se o nome de positivismo jurídico a concepção de direito que nasceu quando “direito natural” e “direito positivo” não foram mais considerados direito no mesmo sentido, tendo prevalecido apenas o último como expressão de direito em sentido próprio.33 Uma vez que o naturalismo negou base sólida para estabelecer o padrão de ética e moral, o Estado agora tem seu papel mudado de inibidor e modelador de bons costumes da tradição cristã, para mero inibidor e freio de éticas que agridem ou, em alguns casos, tornam impossível a vida em sociedade. Uma vez que valores absolutos de comportamento são negados, tem-se um falso sentimento de liberdade que é a verdadeira libertinagem. O que temos visto hoje é que as leis são modeladas pelas práticas, ao invés de normatizarem a forma de conduta do indivíduo na sociedade. O homem agora é a única fonte e padrão de moral. Assumiu para si a responsabilidade de ditar o que é certo e o que é errado. Certamente o que temos visto e ouvido na mídia atestam tal realidade. A concepção bíblica da mordomia do homem quanto a Criação tem sido usada para lançar uma séria acusação contra o cristianismo. Schaeffer rebate brilhantemente um artigo escrito por Lynn White, Jr. escreveu um artigo muito interessante intitulado “As Raízes Históricas da Nossa Crise Ecológica”, no qual analisa a questão ecológica abordando a evolução do pensamento humano. Ele acredita que “Nossa crise ecológica é o produto de uma emergente e totalmente moderna cultura democrática. A questão é se um mundo democratizado pode sobreviver às suas próprias implicações. Presumivelmente nós não 33 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo. Ícone. 1995. p. 16-19, 26. 15 podemos, a menos que repensemos nossos axiomas”.34 Ele reconhece que em uma sociedade livre, o problema está nos pressupostos, no caso, quanto ao tratamento do nosso meio ambiente. “O que as pessoas fazem sobre a ecologia delas depende do que pensam em relação a coisas ao redor delas. A ecologia humana é profundamente condicionada por meio de convicções sobre a nossa natureza e destino – isto é, pela religião”.35 Afirma que até a Idade Média o homem estava integrado com o meio ambiente e não possuía técnicas de cultivo e armazenamento em grande escala, fazendo com que o cultivo tivesse sua ênfase necessariamente na subsistência. Todavia, a predominância da tradição judaico-cristã, que estabelece e ordena o domínio do homem sobre toda a criação, levou-o ao desenvolvimento de ciência e tecnologia para usar o meio-ambiente com o único propósito de servi-lo. A natureza perdeu seu valor intrínseco, e passou a ser apenas um objeto de consumo. À medida que o cristianismo destruiu o animismo do paganismo, que defendia a interação do homem com a natureza olhando-a como divina em vários aspectos, abriu as portas para a sua exploração desenfreada. A disposição mais pragmática do ocidental, levou-o ao desenvolvimento científico muito mais acentuado e acelerado em comparação ao oriental, notadamente com uma disposição mais contemplativa do que ativa. “Para um cristão, uma árvore pode ser não mais que um fato físico. Todo o conceito de bosque sagrado é estranho as Cristianismo e para as crenças do Ocidente. Por quase dois milênios, missionários cristãos têm derrubado bosques sagrados, que são idólatras porque eles assumem espírito na natureza”.36 A conclusão a que White chega é que “Mais ciência e mais tecnologia não vão nos tirar da crise ecológica atual até que nós encontremos uma religião nova, ou repensemos nossa antiga”.37 Analisando a vida e obra de São Francisco de Assis, identifica uma posição saudável no relacionamento entre religião e meio-ambiente, chegando a propor este santo como o padroeiro para os ecológicos.38 Outro artigo citado por Schaeffer é “Por Que se Preocupar com a Natureza?”, escrito por Richard L. Means. Acertadamente, ele reconhece que a questão ecológica, ou seja, o relacionamento do homem com a natureza é um problema de ordem moral. No entanto, como observa Schaeffer, a sua resposta foi pragmática, sobrando de moral apenas o termo.39 Não é possível solucionar os problemas de ordem 34 WHITE, JR., Lynn. As Raízes Históricas da Nossa Crise Ecológica. In: SCHAEFFER, Francis A. Poluição e Morte do Homem. São Paulo, Cultura Cristã. 2003. p. 68 35 Ibdem. p. 71. 36 Ibdem. p. 75. 37 Ibdem. p. 75. 38 Ibdem. p. 77. 39 Ibdem. p. 19. 16 ecológica através de meras medidas práticas, como uma política de respeito ao meio-ambiente. Deve haver uma mudança completa na forma de enxergar a Criação, dando a ela o seu real valor. A crítica feita por White é muito valiosa, embora careça de uma compreensão mais adequada da revelação bíblica. Ele culpa o cristianismo pelo problema ecológico porque não enxerga que o problema não está na cosmovisão cristã, mas na ganância do coração humano. A doutrina bíblica não sugere uma exploração desmedida e desrespeitosa da criação, antes mostra o uso inteligente e santo daquilo que Deus criou para sua glória. Embora o homem não seja igual aos outros seres por ter sido criado a imagem e semelhança de Deus, é tão criatura quanto tudo o que foi criado. Seu espírito e sua razão, ou seja, sua pessoalidade o distingue como administrador nomeado por Deus, mas sua constituição física também o coloca em continuidade com toda criação.40 Desrespeitá-la é desvalorizar-se a si mesmo. Na verdade o Jesus pregado pelo cristianismo tem significado cosmológico, pois sua obra também inclui a redenção da criação.41 Novamente a história se repete. Nero mandou atear fogo em Roma e precisava de um bode expiatório. Elegeu os cristãos devido àquilo que eles pregavam e a forma de vida que tinham. Adoravam um “morto” e eram vistos como um povo separado. A verdade cristã que desmistificou o mundo pagão animista foi um prejuízo para a humanidade? Parece que White sugere que teria sido melhor se o homem continuasse escravo da árvore e da pedra. O conhecimento da verdade jamais poderia ser apresentado como um prejuízo para a sociedade. O real problema está no homem, ou seja, na forma em que ele aplica o conhecimento da verdade. . 40 41 Ibdem. p. 37. KUYPER. Abraham. Calvinismo. São Paulo. Cultura Cristã. 2002. p. 125. 17 5 . CONCLUSÃO Depois de confrontar o naturalismo com a Teologia Reformada percebe-se um saldo grandemente positivo. Embora a preocupação do naturalismo com a criação seja exclusivamente egoísta (confere-se valor mediante a utilidade que tenha para mim) e romântica (atribui-se pessoalidade a seres animados e inanimados), é praticamente o único movimento filosófico ocidental, junto com outros movimentos panteístas orientais ou sincréticos, que tem empenhado esforços para a preservação do meio-ambiente. As igrejas cristãs deveriam assumir seu importante papel nesta área, sendo uma agência de Deus na restauração que for possível à Criação, como fiéis mordomos. Além disso, a formação de ONG’s cristãs de preservação e formação de pessoas capacitadas para ministrar cursos de preparação para ecologistas e biólogos com uma cosmovisão cristã, é indispensável se queremos de fato influenciar nossa sociedade materialista e naturalista. As concepções dos homens quanto ao uso utilitarista da criação devem ser mudadas, concedendo-lhes uma cosmovisão que confira ao meio-ambiente seu real valor, importância e significado. O homem é aquilo que pensa. Somente os conceitos bíblicos podem fazer isso. 18 6. BIBLIOGRAFIA ________________ Naturalism. Disponível em http://mb-soft.com/believe/txc/naturali.htm . Acesso em: 23 julho 2004. BACON, Francis. Novum Organum. São Paulo. Abril Cultural. 1973. BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. Santa Bárbara do Oeste. Socep. 2001. BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Campinas. Luz Para o Caminho. 1990. p. 130-134. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo. Ícone. 1995. p. 16-19, 26. DARWIN, Charles. 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