Guiomar Fanganiello CALCADA
(USP)
ABSTRACT: Preliminary diagnostic of the use of thd verbal forms in Contemporary
Portuguese, from a quantitative-qualitative point of view, and its importance on mother
langage teaching.
KEYWORDS: Lexicography, Portuguese, Vocabulary, Verb, Teaching.
A partir dos resultados obtidos atraves do Projeto Uxico-estatfstico e
Uxicografico do Portugues CODtemporaneo (cinco milMes de ocorrencias
vocabulares), foi-nos possivel elaborar a primeira e atual versao do DiciomIDo de
Freqtiencias do Portugues Contemporaneo (variante brasileira - lingua escrita), que
devera ser ampliada pelo acrescimo da lingua oral documentada nas diferentes regioes
do Brasil.
Essa obra, result ante de pesquisa Msica em lexico-estatistica, area fundamental
para a lexicografia, para 0 ensino da lingua materna e para a recupera~ao de informa~ao
das diferentes areas do conhecimento, esta fomecendo dados para uma caracteriza~ao,
ainda que preliminar, da estrutura e da distribui~ao das palavras do uso do portugues
contemporaneo, em sua variante brasileira, lingua escrita. Isto nos permite apresentar
um diagnostico de aspectos distintivos do lexico, observados a partir de uma dimensao
quantitativo-qualitativa.
CODvemsalientar que, neste trabalho, a lingua oral estara representada apenas
pelos itens lexicais do material de entrevistas do Projeto NURCISP. Trata-se, portanto,
de um subcorpus reduzido, a ser ampliado para manuten~ao do equilibrio entre os
demais integrantes do projeto. Por esse motivo, os resultados da analise dessa
modalidade estao sujeitos a confirma~ao, pela analise da totalidade dos seus dados.
Assim sendo, com base no levantamento lexical por nos realizado, preocupar-nosemos, nesta exposi~ao, com 0 comportamento dos verbos, observando-Ihes os aspectos
sintatico-semanticos e 0 use, em termos de tempo, modo, mlmero e pessoa.
Estabeleceremos urn paralelo desse comportamento entre as modalidades escrita e oral
da variante brasileira do portugues e teceremos algumas considera~oes sobre sua
importancia para 0 ensino/aprendizagem da lingua.
Dada a natureza e fmalidade do presente trabalho, considerando a extensllo e a
complexidade do assunto, limitar-nos-emos a analisar, a titulo de exemplifica~llo, 0
comportamento de apenas dois verbos, que julgamos representativos dentre aqueles de
altissima freqU!ncia. sem pretendermos esgotar 0 assunto.
Assim, serio objeto de nossa aten~io os verbos comefar e ir e os valores que
assumem nos diferentes contextos.
Quanto ao verba comefar, pudemos verificar seus valores sint!tico-semilnticos, de
acordo com os termos que the completam ou modificam 0 sentido.
Usado de forma transitiva, aparece em varias ocorr!ncias com 0 significado de
"dar com~o", "principiar", como atestam os exemplos:
"( ...) economicoS[desta Ultima fase par af comefaremos a an~ise do
perlodohist6rico que (... H
"( ...), emprego, descansou, evitou bebidas, reuni15es, comprimidos, comefou sua
psicoterapia ( estava entrando na moda) (...)" AF
r'
Em ambos os casos, 0 verba indica ~io-processo, com sujeito agente, (em H, nos
e em AF, ele) e com complemento expresso par nome abstrato de ~io
(respectivamente analise e psicoterapia).
mesmo verbo, quando tem pOI complemento urn verba no Inf, mant6m 0 uso
das preposi~15es a ou de (Fernandes, 1957):
o
Trata-se agora de um verba auxiliar na forma a + Inf, usado para indicar aspecto
inceptivo.
Enquanto verba intransitivo ocorre com 0 significado de "ter inicio", "com~ar",
"pricipiar", conforme em:
"Atletismo inclui corridas, saltos, arremessos. Cornect devagar,
.atividade diliria disciplinada (...)" REA
"( ...) aos calouros, que comecem com urn trenzinho bcisico, (...r.REA
com urna
Nos do is exemplos 0 verba cornefar indica a~ao-processo, com sujeito agente
(voc! e eles) e complemento expressu por nome abstrato de acao, apagado pelo fate de
se ter explicitado 0 instrumental (com uma atividade didria disciplin'lda e com um
temzinho bdsico)
Com 0 mesmo significado de "ter principio" ou "com~o" (revelando intencao ou
estado) em uso predicativo, con forme registra Francisco Fernandes, nao se verificou ate
o momento nenhuma ocorrencia desse verbo.
Quanto as ocorr!ncias em termos de tempo, modo, mlmero e pessoa, nota-se urn
certo equilibrio etltre 0 usa das formas simples e das constru~l5es com Inf.
Considerando as formas verbais registradas, em lingua escrita e oral, pode-se
observar, pela tabela, a presen~a significativa, das formas de altissima e media
frequencias:
LiNGUA ESCRITA
MT
PN
OC
IdPt2 3·s
1021
IdPr
3·s
810
Inf
417
3-0
IdPt2
270
3"0 223
IdPtl
3-0 207
IdPr
IdPt2 l·s.
146
Ger
131
IdPt3 3·s
67
=
3.596 oc
MT
IdPt3
SbPrllnf
IdFtl
SbPr
IdPt2
SbFtllnf
IdFt1
IdFt1
SbImp
PN
3-0
1·/3·s
3·s
1-0
3"0
3"0
3-0
3·s
3·s
ILiNGUA ORAl: 129 oc
OC
MT
PN
OC
IdPr
3·s
55
31
IdPt2
3·s
33
31
29
Inf
22
3"0
IdPt2
18
14
Ger
15
8
1-S
IdPt2
15 (
7
3-0
IdPr
12
5
1"0
IdPr
15
5
.
13
-
As demais formas encontradas, de lingua escrita, registram frequencia inferior a
dez ocorrencias e as de lingua oral niio ultrapassam a uma ocorrencia.
Comparando-se as formas verbais, da lingua escrita e da lingua oral, pode-se
observar certa coincidencia no uso dos tempos, modos mimeros e pessoas do verbo nas
duas modalidades analisadas, apesar da disparidade dos subcorpora.
No caso das formas de media ocorrencia, verifica-se que, na lfngua oral,
praticamente desaparece 0 uso das formas verbais do subjuntivo, que passam a ter
baixissima frequencia.
Cabe ainda observar 0 uso predominante das 3·s pessoas do singular e do plural do
verbo nos textos de lfngua escrita, seguido pelas l·s pessoas do singular e do plural.
Quanto ao uso das 2·s pessoas do singular e do plural, ainda que bastante restrito,
se fez presente.
Em lingua oral, devido it situa~iiode comunic~iio, a presen~a das formas das l·s
pessoas do singular e do plural, embora nao se aproxime do uso daquelas das 3·s
pessoas do singular e do plural,e bastante significativa.
Quanto ao verbo ir, apresenta urn indice de frequencia muito superior aquele que
registramos para 0 verbo come~ar. (5.053 oc)
No que se refere aos valores sintatico-semanticos desse verbo, ainda sem a
pretensiio de esgotar 0 assunto que merece urn estudo bastante detalhado, considerando
seus diferentes usos, comentaremos alguns de seus empregos, em seus diversos
significados.
Intransitivamente, com valor de "mover-se", "transpor-se ou transitar de um lugar
para outro", "deslocar-se", "por-se na dire~ao de", ocorre em varios momentos, a
exemplo do que se pode verificar em:
Temos 0 verba ir indicando a~ao com sujeito agente (Irene) seguido de
complemento de dire~ilo (a Sao Paulo).
Entretanto 0 que se observa, com altissima frequ8ncia, pois abarca a quase
totalidade dos exemplos recolhidos, merecendo a cri~ao de urn programa especial para
definir sua porcentagem, C 0 usa do verba ir como auxiliar seguido de Inf, para
"exprimir a linguagem do futuro" segundo Francisco Fernandes (op. cit.)
Percebe-se que tal constru~ilo substitui nao somente 0 futuro do presente como
tambCm 0 do preterlto do indicativo em suas formas simples, que registram baixfssima
freqn8ncia.
A titulo de exemplific~ilo vejam-se:
{
"(...) candidato a vereador. Se 0 govemo, (...) ir resolver esse problema
candidatura. QUanto(... AM
"Ia/azer um cigarro, a enchente derrubou (... DE
r
da
r
Conforme observamos nos exemplos apresentados, as formas do presente, do
imperfeito e do Inf do verba ir auxiliar, seguido do Inf do verba principal, passaram a
indicar futuridade, alcm da imin8ncia de tempo, por estarem associados a outros
eventos. Neste sentido, veja-se Borba (1990: 287, v.come~ar,VI).
Em alguns usos, a locucao verbal formada indica que a ~ao ou estado do verba
estao quase a realizar-se:
"Momentos depois tornaram a bater (...) af (...) sua mae, Sebastiao, ela
contente." AM
vai ficar
Nas constru~oes em que ir se apresenta seguido de Ger, observa-se urn valor
aspectual de progressao gradual, indicando que a ~ao do verba principal se realiza a
pouco e pouco, como em:
"A maturidade ffsica se vai estabelecer pelo aumento das dimensoes das (...)
a adolescencia. E a maturidade se vai caracterizando pelo desenvolvimento do
poder inibidor (...)" AE
Com id6ia de continuidadc significando "mover-se par impulso imprimido",
temos:
De acordo com os termos que Ihe completam ou modificam
uso predicativo significando "achar-se, passar de saMe," em:
Em outros momentos discursivos
"concordar", "combinar", rdentificar-se":
0
0
sentido, ocorre com
verba passa a significar
"simpatizar,
{
"( ...) luto, mesmo dentro de sobrado. Nao ia muito com Dulce." FR
Quanto ao uso dos tempos, modos, nUmeros e pessoas, evidenciam-se pelas
ocorrencias:
LrnGUA
MT
IdPt2
IDf
IdFt2
Ger
IdPt1
IdFtl
IdFt1
IdFt2
ESCRITA = 5.053
MT
PN
OC
1·/3·s
IdPt1
1961
IdFtl
1469
3·s
IdFt1
320
313
Inffle
3-0
IdFt2
311
3·s
Imper
173
3-0
93
Inffle
3-0
IdPr
79
PN
1-0
l·s
1-0
3-0
1-0
2-0
1-0
2-0
I LfN'GUA ORAL
OC
MT
72
Inf
IdPt1
55
49
IdFt2
Ger
30
19
IdPtl
18
IdPtl
12
IdFtl
10
IdFt2
= 234 oc
PN
3·s
3·s
3-0
2-0
3·s
3-0
OC
93
75
16
15
13
8
4
4
As demais formas registradas, de lingua escrita, registram freqtiencia inferior a
oito ocorrencias e as de lingua oral somam apenas duas.
Comparados os registros de lfngoa escrita e oral. apesar da disparidade dos
subcorpora. verificamos que as formas de alta freqfiencia sao mantidas. em termos de
tempo. modo. mlmero e pessoa. 0 mesmo ocorrendo com aquelas de media freqUencia.
Deve-se chamar novamente a aten~ao para 0 baixlssimo uso das formas do modo
subjuntivo. que em lfngoa oral praticamente desaparece.
Nota-se tambem, embora sem freqiiencia significativa. a presen~a das formas
verbais das 2-S pessoas do singular e do plural.
Como se pode conc1uir. a anilise do material obtido. ainda que realizada
preliminarmente e de fonna parcial, ja se mostra de extrema importincia para 0 ensinoaprendizagem da l£ngoa, no que respeita a aprendizagem progressiva das formas
verbais..
No que respeita ao uso dessas formas. cabe aconselhar que seu estudo se inicie
pelo uso dos tempos ~imples do modo indicativo. enfatizando-se os tempos de maior
freqiiencia nas l·s e 3·s pessoas do singular e do plural, nas modalidades de lingoa
escrita e oral.
Quanto ao futuro do presente e do preterito do indicativo, deve-se estabelecer a
correspondencia entre suas fonnas simples e aquelas locucionais em que 0 verba ir
adquire 0 valor de futuro na lingoagem, a fim de que se possa enriquecer as
possibilidades de use, oferecidas pelo sistema lingilistico para fins de comunica~ao, em
diferentes situa~Oesdiscursivas.
o uso dos tempos do modo subjuntivo, deve ser objeto de exerC£ciosde correla~ao
modo-temporal, em perfodos compostos por subordina~ao, sem que se ignore a
possibilidade do uso do indicativo, nas situa~oes em que tal procedimento e comum no
uso da Hngoa. Nestes casos, deve-se atentar para os aspectos semanticos envolvidos ou
efeitos estilisticos provocados pela o~ao modo-temporal.
Para a observa~ao dos valores sintatico-semanticos podem ser propostos exercicios
de intercambio de itens lexicais em diferentes contextos, ou mesmo exerclcios de
estabelecimento de correspondencia entre eles, com vistas uma continua ampliacao do
vocabulario.
o fato de 0 aluno conhecer 0 comportamento dos tempos e dos modos verbais. a
estrutura~ao dos perfodos subordinados em que ocorrem e os Valores sintliticosemanticos que os verbos assumem, contribuini para que ele reflita sobre a riqueza da
lingua e de suas variedades de us'o, nas modalidades escrita e oral. as exercicios devern
possibilitar-lhe a observa~ao das situa~Oes de comunic~ao, a fim de venha a ter
coridi~oes de expressar-se de forma mais adequada e eficiente e de comprender, com
maior propriedade, as mensagens recebidas.
RESUMO: Versiio preliminar do diagnostico do comportamento do uso das formas
verbais no portugues contemporaneo, do ponto de vista quantitativo-qualitativo, e de
sua importancia no ensino da lfngua materna.
PALAVRAS-C¥ VB: Lexicografia, Portugues, Vocabulario, Verbo, Ensino.
BORBA, F. da S. (coord.) et aI. (1990) Diciondrio gramatical de verbos do porluguis .comempordneo do
Brasil. Sio Paulo, EDUNESP.
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Guiomar Fanganiello CALCADA (USP) ABSTRACT