USO DE ALGEMAS EM CRIMES DO COLARINHO BRANCO
THE USE OF HANDCUFFS ON WHITE-COLLAR CRIMES
Victor Hugo de Souza1
RESUMO
A utilização de algemas em crimes do colarinho branco é uma afronta a vários
princípios que regem o processo penal. Seu instituto priva a liberdade de locomoção
do indivíduo sem necessidade, haja vista a sua não periculosidade. Sem legislação
própria, a utilização de algemas a uma pessoa é medida dentre orientações das
autoridades policiais, bem como verificada a sua necessidade no momento de uma
prisão ou até mesmo de uma grande operação policial. Entretanto, muitas vezes o
investigado é algemado sem nenhuma necessidade, como nos casos de crimes do
colarinho branco. Desta forma, a mídia colabora de forma negativa quando mostra e
até comenta a prisão dos agentes, causando um pré-julgamento dos mesmos,
extrapolando os limites do princípio do dever de inocência. Portanto, este agente só
deve ser algemado quando realmente há um relevante perigo de fuga, ou quando há
um perigo iminente à sua integridade e de terceiros. Portanto, para o estado
democrático de direito se consolidar ainda mais, uma regulamentação neste instituto
seria a chave para acabar com a discussão, no mais, a jurisprudência e a doutrina
se mostram favoráveis aos princípios feridos, principalmente ao da dignidade da
pessoa humana.
Palavras-Chave: Uso de algemas. Crimes do colarinho branco. Periculosidade.
Dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT
The use of handcuffs in white-collar crimes is an affront to several principles that
compose criminal procedures. Its institute deprives without necessity the freedom of
movement of the individual, considering their not dangerousness. Without proper
legislation the use of handcuffs to a person is measured through orientations of
police authorities, they verify the need at the time of an arrest or even in a large
police operation. However, many times, the supposed criminal is handcuffed without
necessity, as in cases of crimes involving money,thus the media collaborates in a
negative way when broadcasts and declares the arrest causing a prejudgment of the
accused, exceeding the limits of the principle of duty of innocence. Therefore, the
indicted one should only be handcuffed when actually considered a relevant risk of
escaping, or when there is an imminent danger to their or other ones physical
integrity. Then, for the democratic state of law to consolidate more, a regulation in
this institute would be the key to end the discussion, furthermore in the jurisprudence
1
Graduado em Direito pela Faculdade Catuaí. Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal
pela Universidade Estadual de Londrina – UEL. Advogado.
and doctrine support the principles mentioned, mainly of the human Dignity.
Keywords: Use of handcuffs. White-collar crime. Dangerousness. Humandignity.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo pretende demonstrar os aspectos mais relevantes
sobre a utilização de algemas em crimes do colarinho branco, ou seja, relacionar o
instituto de algemar como medida de segurança o criminoso que pratica crimes
econômicos, crimes sem periculosidade. Diversas vezes temos conhecimento de
casos nos quais a mídia mostra o agente algemado, sem antes mesmo do mesmo
ter sido julgado, a maioria das vezes na fase inquisitiva do processo penal. Essa
demonstração, ou podemos dizer “este show midiático”, praticamente condena o
acusado.
Primeiramente, irá ser traçado um conceito e relação entre os crimes
econômicos com a não periculosidade do agente, vistos nas leis 8.137/90 de crimes
tributários, bem como na lei 7.492/86 de crimes contra o sistema financeiro nacional.
Este estudo pretende demonstrar que agentes que praticam este tipo de crime, são
pessoas de alto padrão social, normalmente, praticam este delito pelo alto cargo que
compõem e, assim sendo, já é um sujeito que está socializado, o que o seu modelo
de repressão deva ser diferente da utilização de algemas.
A questão principiológica será analisada à luz dos princípios do
dever de inocência, por meio do qual todos somos inocentes até o trânsito em
julgado da ação, princípio do devido processo legal, no qual é necessário o processo
estar dentro dos trâmites legais, princípios da humanidade e da dignidade da pessoa
humana, estes os mais importantes da monografia, que visam mostrar como o uso
de algemas pode infligir nestes princípios, bem como o princípio da motivação e a
relação com o uso de algemas, mostrando que toda decisão judicial, até mesmo
para se colocar algemas em alguém deve ser fundamentado por escrito.
A aplicação do uso de algemas dentro do código de processo penal,
bem como, sua colocação dentro do plenário do júri, deverá ser analisada de modo
que se irá se relacionar com o uso de algemas como uma forma de prevenção de
fugas e a utilização de algemas como método de segurança, de qualquer forma,
esta utilização de algemas deverá acontecer somente quando há algum risco de
fuga ou até mesmo perigo à integridade física de algum presente.
O uso de algemas em crimes do colarinho branco à luz do
posicionamento doutrinário será analisado minuciosamente, a sua problemática e
apontamentos solucionáveis. A jurisprudência também será analisada, de forma que
iremos notar alguns julgados de anulação de atos devido à utilização de algemas e a
sua parcialidade perante atos de julgamento e atos processuais.
Por fim, iremos analisar a súmula vinculante número 11 do Supremo
Tribunal Federal, súmula esta que adveio de um tribunal do júri, na qual o réu ficou a
seção inteira algemado, demonstrando falta de preparo das autoridades no local. A
seção acabou sendo anulada pelo Supremo.
Ante exposto, com base nas análise, faremos uma conclusão acerca
deste instituto, o qual não deve servir para tratamento abusivo ao indiciado,
demonstrando respeito aos princípio processuais penais.
2 DOS CRIMES ECONÔMICOS
Com previsão nos artigos 145 ao 169 da Constituição Federal 2de
1988, a matéria de ordem tributária é a qual estará em evidência sob a luz da lei
8.137/19903, que trata da previsão dos chamados crimes tributários. Ainda alocado
dentro da nossa carta maior, temos como referência para proteção da ordem
tributária, os respaldos econômicos, respaldos estes necessário para utilização de
fim social do estado, com previsão no artigo 170 da Constituição Federal.4
Dentro da lei 8.137/1990, há previsão para os tipos de crimes
referentes à sonegação de tributos, sendo que o bem jurídico é o Erário, ou seja, o
patrimônio da fazenda pública, não contando com qualquer tipo de conduta lesiva à
integridade, moral, dignidade sexual, vida, etc.
2
BRASIL.Vade Mecum. Constituição da República Federativa Do Brasil (1988). 16. ed. São
Paulo: Rideel, 2013.
3
Idem. Lei nº 8.137 de 27 de Dezembro de 1990: Dispõe sobre crimes contra a ordem tributária,
econômica e relações de consumo e dá outras providências. 16.ed. São Paulo: Rideel,2013.
4
Idem. Constituição da República Federativa Do Brasil (1988). 16. ed. São Paulo:
Rideel, 2013.
Cumpre, também, a existência de crimes contra o sistema financeiro,
devendo-se ter em mente de que o bem lesado em questão é o sistema financeiro
nacional (não a ordem tributária), como se vê na lei 7.492 de 1986.
3 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS E USO DE ALGEMAS
Previsto no artigo 5º inciso LVII da Constituição Federal 5, o princípio
do dever de inocência, presunção de inocência, ou até mesmo princípio da não
culpabilidade, tem como conceito o próprio fundamento legal, “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Para Nelson Roberto Bugalho, o juízo de reprovação social apenas deve incidir
sobre o agente quando o Estado reconhecer ter sido ele o autor da conduta típica,
antijurídica e culpável, ou seja, quando provada a culpa.6 Desta maneira, quando o
agente é algemado perante as câmeras de televisão, jornais impressos e até pela
internet, tem-se a total produção de uma ficção na mente de quem está do outro
lado da informação que o sujeito é culpado do crime que acabara de acontecer.
Na utilização de algemas em crimes econômicos, o agente sofre
com um percentual de culpabilidade, culpabilidade esta inserida devido ao próprio
uso de algemas, induzindo a uma condenação previamente.
3.1 Princípio do Devido Processo Legal
O processo penal, como diriam alguns especialistas, tem seu
fundamento legal no artigo 5º da Constituição Federal, inciso LIV, “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”7. Para Edilson
Mougenot Bonfim “A cláusula do devido processo legal estabelece a garantia do
acusado a ser processado segundo a forma legalmente prevista, reconhecendo no
processo
penal,
além
de
sua
instrumentalidade,
também
sua
natureza
constitucional. O estado está obrigado, na busca da satisfação de sua pretensão
5
BRASIL. Vade Mecum - Constituição da República Federativa Do Brasil (1988).
16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.
6
PRADO, Luiz Regis (Coord.) Processo e execução penal: direito processual penal, parte 1. São
Paulo: Revista dos Tribunais,2009.
7
BRASIL.op.cit.
.
punitiva, a obedecer o procedimento previamente fixado pelo legislador, vedada a
supressão de qualquer fase ou ato processual ou o desrespeito à ordem do
processo”.8 Veja-se que processo legal, também se encontra na fase pré-processual,
e também de inquérito policial, portanto um simples transporte de presos, todos
algemados, sem oferecer risco nenhum a eles mesmos ou a terceiros, transformase em uma afronta ao processo penal e ao princípio do devido processo legal.
Consagrado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º,
inciso XLVII e alíneas9, bem como no art. 1º, a Dignidade Humana tem como
objetivo cuidar para que não haja penas cruéis, nem de banimento, de trabalhos
forçados. Pode ser considerado uma lesão ao princípio da humanidade qualquer
ação cuja consequência crie um impedimento físico ao indivíduo, como também
qualquer consequência jurídica indelével do delito.10 No que tange à utilização de
algemas em confronto com a dignidade da pessoa humana, podemos entender que
o instrumento serve para dar segurança aos integrantes do fato e à sociedade, a
finalidade da aplicação de algemas não deve se atentar com a dignidade da pessoa
humana.11 Fernanda Herbella, sobre a aplicação de algemas e sua relação com o
princípio da dignidade da pessoa humana, tece o seguinte comentário:
O uso devido, legítimo e necessário de algemas não avilta esta
dignidade, mas o excesso, bem como sua injusta colocação,
inegavelmente sim. A exposição desnecessária à mídia, com o uso
de algemas, inegavelmente atenta contra tal direito fundamental.12
Nota-se que o algemado de maior conduta social também não fica
de fora deste abuso cometido, o mesmo, em algumas circunstâncias, pode sofrer até
um maior dano à imagem, à integridade, e à dignidade quando é exposto
na
situação de algemado13.
O princípio da motivação das decisões judiciais tem sua previsão
legal no artigo 93, inciso IX da Constituição federal: “Todos os julgamentos dos
8
BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 72.
BRASIL. Vade Mecum - Constituição da República Federativa Do Brasil (1988).
16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.
10
ASSIS, Rafael Damaceno de. Do direito humanitário e o princípio da humanidade. Âmbito
Jurídico, Rio Grande, X, n. 39, mar 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/
index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3626>. Acesso em: 02 set 2013.
11
HERBELLA, Fernanda, Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do
uso de algemas. São Paulo: Lex editora, 2008, p. 134.
12
, Ibidem. loc. cit.
13
Ibidem. loc. cit.
9
órgãos do poder judiciários serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob
pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o
interesse público à informação”.14 Para o professor Fernando Capez, o princípio é
visto hoje em seu aspecto político: garantia da sociedade que pode aferir a
imparcialidade do juiz e a legalidade da justiça e suas decisões. 15Outrossim, revela
para boa parte dos doutrinadores que a preocupação com este princípio é grande,
uma vez que, para aplicação de algemas o mesmo não é cumprido, vejamos, em
caso de prisões de políticos, banqueiros e grandes empresários, qual o motivo para
se algemar o indivíduo? Não há. A única alegação encontrada pela parte dos
agentes policiais é que é um simples procedimento, mas tal instituto não pode ser
regulamentado por simples procedimento, e sim devem ser expostos seus motivos,
razões e explicações para o fato em si.
4 DO USO DE ALGEMAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente na
Constituição Federal, no artigo 5º, inciso III, a segunda parte, afirma que ninguém
será submetido a tratamento degradante16. Além disso, em seu inciso X, protege
claramente o direito à intimidade, à imagem e à honra, dentre estes princípios temos
o relacionamento com a utilização de algemas no processo penal brasileiro. Há de
se observar as regras da Organizações das Nações Unidas para o tratamento de
presos, abrangendo o uso de algemas como algo que jamais poderá ser utilizado
como uma medida de punição.
Pois bem, na Lei de Execuções Penais, em seu artigo 199 17, há
previsão de que o uso de algemas dentro do ordenamento brasileiro seria
regulamentado por decreto federal, o que não ocorreu, fazendo com que as regras
14
BRASIL. Vade Mecum - Constituição da República Federativa Do Brasil (1988).
16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.
15
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.23.
16
BRASIL. Vade Mecum - Constituição da República Federativa Do Brasil (1988).
16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.
17
Idem.Lei 7.210 de 11 de Julho de 1984. Lei de execuções penais.16. ed. São Paulo: Rideel, 2013.
para a utilização de algemas fossem sendo resolvidas pelos diplomas em vigor no
país.
No artigo 284 do Código de Processo Penal, tem-se a seguinte
redação “não será permitido o uso de força, salvo indispensável no caso de
resistência ou tentativa de fuga do preso”18, entende-se então que somente nesta
hipótese é possível a utilização de algemas, seja em qualquer caso de delitos
ocorridos. Dessa maneira, só, excepcionalmente, quando realmente necessário o
uso da força, é que a algema poderá ser utilizada, seja para impedir fuga, seja para
conter os atos de violência das duas partes.19
Deste modo, cabe a autoridade judiciária medir, sopesar e analisar
os casos em que serão lícitos o uso de algemas ou não, isto é, quando tal
instrumento consistirá em meio necessário para impedir a fuga ou conter sua
violência20, sendo diagnosticado o caso concreto de cada réu.
Porém, conforme o uso de algemas foi se tornando comum, há uma
exposição midiática e causa uma falsa impressão de punição à sociedade, pois
bem, dentro das mídias, seja televisão, rádio, jornal impresso, internet, e etc.,
quando os cidadãos ouvem, veem, pensam sobre aquele réu que foi preso e está de
algemas já dentro de uma viatura policial ou cercado sem apresentar nenhum risco a
ele mesmo ou a terceiros, há uma presunção de que o acusado é culpado do crime
que cometeu, sem antes ter-se uma análise do que realmente aconteceu, neste
entendimento, Fernando Capez explicita o seguinte:
Sucede, no entanto, que, em algumas situações, tem-se lançado mão
das algemas de forma abusiva, com nítida intenção de execrar
publicamente o preso, de constranger, de expô-lo vexatóriamente,
ferindo gravemente os princípios da dignidade humana,
proporcionalidade e presunção de inocência. Desse modo, por conta
desses exageros, aquilo que sempre representou um legítimo
instrumento para preservação da ordem e segurança pública, tornouse objeto de profundo questionamento pela sociedade.21
Para colocar um entendimento só neste diapasão, o Supremo
Tribunal Federal, edita durante o julgamento do Habeas Corpus 91.952, a súmula
18
BRASIL. Vade Mecum – Decreto-lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código De Processo
Penal. 16.ed.São Paulo: Rideel, 2013.
19
CAPEZ, Fernando. Execução Penal Simplificado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 152.
20
Ibidem,, p.153.
21
CAPEZ, op. cit., loc.cit.
vinculante 11, a qual irá regular, a partir de 18 de Dezembro de 2008, data da sua
publicação, a legitimação de quando e porque deve se algemar um indivíduo.
4.1 Algemas no Código de Processo Penal e no Tribunal Do Júri
Sobre a temática das algemas durante o júri, Herbella cita o
desembargador Herotides Da Silva Lima, que no mesmo sentido explica:
A lei proscreve como regra o uso da força, isto é o de meios
coercitivos para executar a prisão. Mas como a execução, deixa ao
executor a faculdade de empregar a força necessária e adequada às
circunstancias, ao momento, à pessoa, quando se lhe oponham
ameaças e violências, ou haja tentativa de fuga, daí surgindo a
possibilidade de recorrer às algemas, correntes, cordas, laços,
camisas de força, para impedir que a reação triunfe. Pode até
mesmo acontecer que a aplicação desses meios extremos seja
necessária para garantir a vida do próprio preso, que pelos seus atos
de resistência pode dificultar a pronta remoção do local onde sua
vida corra perigo, facilitando o aliciamento de pessoas e recursos
com fim de vingança e represália.22
No que toca o uso da força, Luiz Flávio Gomes explicita os meios
aplicados do uso da força:
Indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação
teleológica(para defesa, para vencer a resistência) são os três
requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente
para justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com
muito mais razão), de algemas.23
Em 2008, com a reforma do procedimento do júri, feita através da lei
nº 11.689, de 9 de junho de 2008, causando impacto deste reforma, obtivemos dois
artigos, o primeiro deles o 474 no qual:
A seguir o acusado será interrogado, se estiver presente, na forma
estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com
as alterações introduzidas nesta seção. Parágrafo 3º Não se
permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que
permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à
22
LIMA, Herotides da Silva apud HERBELLA, Fernanda, Algemas e a dignidade da pessoa
humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 39 e ss.
23
GOMES, Luiz Flavio. O uso de algemas no nosso pais esta devidamente disciplinado? Jus
Navigandi, Teresina, ano.6, n.56, abr. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.
asp?id=2921. Acesso em: 26 set. 2013.
ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da
integridade física dos presentes24.
Já o artigo 478 prega que: “Durante os debates as partes não
poderão, sob pena de nulidade, fazer referencias: inciso I, à decisão de pronuncia,
as decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do
uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o
acusado.”25
A utilização de algemas dentro do tribunal do júri consiste em fazer
com que o acusado sofra uma pré-condenação em consequência da visão dos
jurados perante as algemas do réu. A partir de um momento em que qualquer um de
nós observa uma pessoa algemada, vem logo o espírito de que o mesmo cometeu
uma infração, um delito, e que por consequência é culpado pelo que fez, sem ao
menos se aprofundar ao caso para entender o que realmente ocorreu.
Muitas foram as alegações de defesas para se retirar a utilização de
algemas nos júris e em audiências, as quais pregavam a ocorrência do injusto préjulgamento que poderia ser feito, em decorrência da imagem da pessoa algemada
[...].26 Neste sentido a uma vasta jurisprudência a ser analisada.27
No uso de algemas no tribunal do júri o acusado está acuado,28não
consegue se expor ao jurados como se deveria, a ação de se inserir algemas ao
acusado prejudica a defesa, causa um descontrole emocional, e predomina o
entendimento dos jurados de que o réu estando preso neste momento, já se prepara
para a sentença de condenação final.
A aplicação de algemas em alguns casos é feita para prevenir fugas.
Esta, no entanto, será medida de acordo com a situação que ocorra no local da
prisão, portanto, a autoridade policial que estiver efetuando a prisão fará um primeiro
juízo de tipicidade da conduta do agente, devendo-lhe determinar sobre a sua
aplicação de algemas, se a prisão oferecerá risco a ele, a agente ou até a terceiros.
24
BRASIL. Vade Mecum – Decreto-lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código De Processo
Penal. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.
25
Ibidem.
26
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do
uso de algemas. São Paulo: Lex editora, 2008, p. 114.
27
RT 675/371, RT 694/318, JTJ 132/490, JTJ 139/273,JTJ 140/251, RT 643/285, RT 800/593, RHC
6922/RJ STJ, HC 71195-2 STF, HC 16808-ES STJ.
28
Ibidem. op. cit,, p. 115.
No artigo 244 do Código de Processo Penal, é previsto que:
a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou
quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de
arma proibida de objetos ou de papéis que constituam corpo de
delito, ou quando a medida for determinada no curso da busca
domiciliar.29
Portanto, neste sentido, a busca pessoal pela autoridade policial,
deverá ser feita com certa cautela, uma vez que, sua integridade física, bem como a
de outras pessoas envolvidas na prisão pode estar em risco.
Nesta toada, somente se poderá algemar a pessoa, neste tipo de
busca, como prevenção de fuga da mesma, outrossim, quando não acatar a ordem
legal. Os policiais civis do estado de São Paulo seguem a esta orientação:
A imobilização da pessoa sobre a qual se fará a busca, normalmente,
faz-se necessária de um lado, para garantir a segurança do policial
civil, de outro para preservar a integridade física do suspeito sujeito à
revista, evitando-se, assim, a eventual fuga. Por isso, em sendo
necessário, a contenção da pessoa far-se-á com o uso de algemas.
Frise-se que sua utilização só é possível quando o sujeito se opõe à
ordem legal.30
Deve se concluir então que em raros casos é que se deve utilizar as
algemas, somente quando houver realmente a necessidade. Outro método que se
usa e muito o uso das algemas é para se prevenir a fuga na questão da prisão em
flagrante, neste caso está explícito no artigo 302 do Código de Processo Penal quais
são as modalidades que determinam a flagrância do delito.
E, como prevê o artigo 218 do Código de Processo Penal, pessoas
que devem ser levadas a depor podem ser conduzidas, o que não implica
necessariamente uso de algemas.
Nota-se, contudo, que independentemente da situação a falta do uso
de algemas poderá causar danos ou levar a situações dificultosas, como a do “O
presidiário Vanderlei Luciano Machado, indiciado por assaltos a joalherias e
estabelecimentos comerciais, com passagens pela polícia e duas prisões
29
BRASIL. Vade Mecum – Decreto-lei nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Código De Processo
Penal. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013.
30
POLICIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO apud HERBELLA, Fernanda. Algemas e a
dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p.
194.
preventivas decretadas, realizou, pela quarta vez uma fuga espetacular. “Lelei”,
como é conhecido, iria depor no Fórum de Lageado, a 157 quilômetros de Porto
Alegre, quando teve as algemas retiradas pelos policiais. Num golpe rápido, sacou o
revólver que escondia sob o gesso do braço quebrado e tomou como refém a
secretária do Fórum. Em seguida, prendeu no banheiro o juiz Ney Alberto Vieira,
funcionários do Fórum e agentes penitenciários. Já na frente do prédio, fez de
escudo a secretária e rendeu o motorista de um fusca, que usou para fugir em alta
velocidade, após libertar a moça. A perseguição da polícia foi em vão.”31
Por isso, a cautela deve ser a regra no uso de algemas, tanto para
se evitar o excessivo quanto para se promover acautelamento devido.
5 USO DE ALGEMAS EM CRIMES DO COLARINHO BRANCO
A aplicação de algemas em criminosos do colarinho branco é
entendida como desnecessária devido a não periculosidade do agente, o modo de
repressão a este tipo de crime deve ser feita de forma diferenciada. Muitos
especialistas do assunto dizem que o criminoso do colarinho branco não deveria
nem mesmo sofrer uma imposição de uma intervenção ressocializadora uma vez
que este tipo de criminoso só comete de certa forma um delito.
A questão em si da utilização de algemas sobre estes crimes,
consiste em que o conceito de criminoso do colarinho branco se dá por uma pessoa
respeitável, e de alta posição (status) social, no exercício de suas ocupações.32
Edwin Sutherland foi quem criou esta nomenclatura de crime do
colarinho branco, segundo o seu entendimento, o comportamento do criminoso é
ligado a relações interpessoais com outros criminosos.33Nesta toada, a de se
analisar friamente a utilização de algemas aplicada ao conceito acima.
Será que realmente uma pessoa respeitável, de alta posição social,
poderia ser rotulada como perigosa na hora de uma prisão, pois muitas vezes o
“show” midiático de uma grande operação policial, resulta antes mesmo do
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público em uma condenação ao acusado,
31
MARTINS, Lupi. Presidiário foge pela quarta vez, em fórum de Porto Alegre, Disponível em :
http://www.radiobras.gov.br/. Acesso em: 15 abr. 2012.
32
SUTHERLAND, Edwin Hardin. (1949). White Collar Crime. New York: Dryden Press, 1949.
33
Ibidem.
e em outras várias situações, não se consegue no campo probatório a comprovação
de que tal pessoa praticou o crime.
No Brasil, casos como os de Celso Pitta, Salvatore Cacciola e vários
presos parlamentares ligados ao governo, bem como recentemente o do deputado
Natan Donadon, foram muito polêmicos acerca da utilização de algemas, em todos
estes casos para o uso de algemas não haveria fundamentação alguma, será que o
receio e perigo de fuga na hora da prisão existiram? Ou o perigo à integridade física
do agente e a de terceiros envolvidos? Em muitos casos os mesmos que foram
presos nas megaoperações estão soltos, devido a não comprovação da praticidade
da ação delituosa, pois bem, será que uma pessoa que nem mesmo praticou um
crime merece ser algemada, qual o nível de periculosidade deste indivíduo?
A falta de regulação no país para o uso de algemas, bem como qual
deveria ser o momento exato e o porquê de sua aplicação gera muita discussão
doutrinária e leiga. De qualquer modo, sempre na análise do caso concreto deve ser
levado em consideração o estado democrático de Direito que não pode sofrer com a
aplicação indevida de algemas, nem princípios podem ser quebrados por uma
simples questão de mídia. O devido processo legal deve estar acima de toda esta
afirmação.
No Direito Penal, após algumas intervenções do estado na
economia, novos transgressores surgem no cenário que obrigaram a criminologia e
os ideólogos a reverem as suas teorias.34Sutherland, fixou o conceito de crimes do
colarinho branco, por pessoas com elevada condição econômica e neste sentido o
conceito visava apenas chamar atenção sobre alguns delitos os quais a criminologia
não abrangia e podem ser definidos como cometidos por uma pessoa respeitável e
de elevada condição social no curso de sua ocupação.35
Hoje, dentro do Direito Penal, há uma grande consciência quanto à
importância de se reprovar as condutas dos crimes de colarinho branco,36devido ao
valor que a mídia dá aos homens de elevada condição social, qualquer
demonstração de lesividade, na maioria das vezes de bens públicos, são trazidos à
tona por todos do ramo.
34
TORON, Alberto Zacharias. Crimes de colarinho branco: os novos perseguidos?.Revista
Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 28, p. 73-84, 1999.
35
SUTHERLAND, Edwim H. apud TORON, Alberto Zacharias. Il crimine dei colletti Bianchi.Giuffrè,
1987, p. 8.
36
Ibidem. loc. cit.
Assim sendo, conforme colocado em outros campos da presente
monografia, a mídia, faz da prisão um verdadeiro show espetacular. Quando se tem
um banqueiro, político ou empresário algemado, todas as lentes estão voltadas para
o mesmo. Ocorre que o que interessa neste caso é demonstrar a utilização de
algemas no indivíduo, o uso das correntes de aço ilude quem vê este ato e imagina
que quem está sendo preso é mesmo o praticante do crime.
Pois bem, os criminosos de colarinho branco possuem uma
rotulação a qual não estabelece relação com criminosos comuns, uma vez que em
criminosos comuns temos a concordância que o mesmo precisa ser ressocializado,
porém, os criminosos de colarinho branco não estão dessocializados, o que deve se
tornar o modelo de repressão e punição do crime, diferenciados. 37Veja, que
conforme entendimento doutrinário, a nova inserção do criminoso de colarinho
branco na sociedade deve ser feita de modo diferente, isso reflete no que diz a
aplicação de algemas, como alguém caracterizado por já estar no meio social pode
oferecer o risco na hora de uma prisão.
Nesta vertente, imagina-se que ao mostrar os criminosos famosos,
de conduta social impecável, algemados, cumpre-se com o papel social do estado,
porém não se analisa o mérito da questão em si, um problema de política criminal
social. Apurando a utilização de algemas desta forma, caracteriza-se como um
troféu para a sociedade, o que se transforma no máximo de insensatez de um
estado democrático de direito.38
Portanto,
a
utilização
de
algemas,
deve
ser
devidamente
fundamentada, isto resta claro, no caso de utilização de algemas em relação com os
crimes do colarinho branco, temos que não há periculosidade por parte do agente,
casos estes em que, não deverá o mesmo ser algemado, na maioria das vezes,
algemado para atender o drama populacional e o sabor da mídia.
Na visão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, temos por
caracterização do abuso de autoridade e da quebra de princípios constitucionais o
Habeas Corpus nº 95009/SP, o qual abrange seguinte teor:
37
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
GOMES, Vinícius Corrêa de Siqueira. A Súmula Vinculante nº 11 e a legitimidade do uso de
algemas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3314, 28 jul. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br
/artigos/22092>. Acesso em: 7 out. 2013.
38
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL.
CORRUPÇÃO ATIVA. CONVERSÃO DE HC PREVENTIVO EM
LIBERATÓRIO E EXCEÇÃO À SÚMULA 691/STF. PRISÃO
TEMPORÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA PRISÃO
PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA
VIABILIZAR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. GARANTIA DA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL FUNDADA NA SITUAÇÃO
ECONÔMICA DO PACIENTE. PRESERVAÇÃO DA ORDEM
ECONÔMICA.
QUEBRA DA IGUALDADE (ARTIGO 5º, CAPUT E INCISO I
DA CONSTITUIÇÃODO
BRASIL).
AUSÊNCIA
DE
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA PRISÃO PREVENTIVA.
PRISÃO CAUTELAR COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE.
PRESUNÇÃO
DE
NÃO
CULPABILIDADE
(ARTIGO5º, LVII DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL). CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ESTADO DE DIREITO E
DIREITO DE DEFESA. COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO
DE
DIREITO.
ÉTICA
JUDICIAL,
NEUTRALIDADE,
INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. AFRONTA ÀS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º,
INCISOS XI, XII E XLV DACONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO,
DO
ACUSADO,
DE
PERMANECER
CALADO
(ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). CONVERSÃO
DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO EM HABEAS CORPUS
LIBERATÓRIO.39
Desta forma, tem-se a caracterização que no momento da prisão
houve o constrangimento ilegal, e o habeas corpus preventivo foi concedido em
liberatório devido à falta de fundamentação na aplicação de algemas.
No mesmo sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
concreta no seu entendimento demonstra a desonrosa posição que fica o acusado
sob a custódia de algemas:
Algemas (disciplina). Constrangimento (caso). 1. O emprego de
algemas é degradante, desonroso, humilhante e indigno, devendo
ser utilizadas quando, e somente quando, demonstrada a sua
necessidade. 2. Ordem parcialmente concedida a fim de se ratificar a
liminar deferida (STJ - HC: 111112 DF 2008/0156924-5, Relator:
Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO
TJ/MG), Data de Julgamento: 22/10/2008, S3 - TERCEIRA SEÇÃO,
Data de Publicação: DJe 02/03/2009)40
39
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus nº 95009 – SP. Relator: Ministro Eros Grau.
Brasília, DF, 18 de agosto de 2008. Disponível em <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14717
068/habeas-corpus-hc-95009-sp>. Acesso em: 07 out. 2013.
40
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 111112 – DF. Relator: Ministra Jane
Silva. Brasília, DF, 02 de Marco de 2009. Disponível em <http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia
/2433398/habeas-corpus-hc-111112-df-2008-0156924-5>. Acesso em: 07 out. 2013.
Para a legitimação do uso de algemas dentro do território nacional
houve o surgimento da súmula vinculante numero 11 do Supremo Tribunal Federal,
ante a isto o precedente desta súmula foi o Habeas corpus 91952/ SP, o qual anulou
um tribunal do júri, devido à utilização de algemas do réu no plenário:
ALGEMAS - UTILIZAÇÃO. O uso de algemas surge excepcional
somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou
risco concreto de fuga. JULGAMENTO - ACUSADO ALGEMADO TRIBUNAL DO JÚRI. Implica prejuízo à defesa a manutenção do réu
algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, resultando o
fato na insubsistência do veredicto condenatório.41
Ante a edição da súmula vinculante número 11, no mesmo sentido
entende o Tribunal de Justiça do Rio Grande Do Sul:
HABEAS CORPUS. USO DE ALGEMAS EM AUDIÊNCIA.
AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. SÚMULA
VINCULANTE Nº 11 DO STF. EXCESSO DE PRAZO. REVOGAÇÃO
DA PRISÃO PREVENTIVA. 1 - CONSOANTE O DISPOSTO NA
SÚMULA VINCULANTE Nº 11, O USO DE ALGEMAS PELO RÉU
EM
AUDIÊNCIA
EXIGE
CONCRETA
E
EXPLÍCITA
FUNDAMENTAÇÃO EM UMA DAS HIPÓTESES PRESENTES NA
SÚMULA, ISTO É, DEVE SER APONTADO EM QUE CONSISTE A
RESISTÊNCIA INDEVIDA DA PESSOA, O RECEIO DE FUGA OU O
PERIGO À INTEGRIDADE FÍSICA DAS PESSOAS PRESENTES AO
ATO. UMA VEZ NECESSÁRIA A MANUTENÇÃO DO RÉU
ALGEMADO DURANTE A AUDIÊNCIA, TORNA-SE IMPERATIVA A
FUNDAMENTAÇÃO POR ESCRITO PARA TAL MEDIDA DE
EXCEÇÃO, O QUE NÃO CONSTOU DO TERMO DE AUDIÊNCIA E
TAMPOUCO
DA SENTENÇA.
INEXISTINDO
QUALQUER
JUSTIFICATIVA PARA A MANUTENÇÃO DO RÉU ALGEMADO
DURANTE O SEU INTERROGATÓRIO, O ATO REALIZADO RESTA
EIVADO DE NULIDADE. 2 – DETERMINADA A REABERTURA DA
INSTRUÇÃO - DESDE O INTERROGATÓRIO -, HÁ FLAGRANTE
EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA, DE MODO
QUE DEVE SER REVOGADA A CUSTÓDIA CAUTELAR. POR
MAIORIA,
NULIDADE
DECLARADA.
À
UNANIMIDADE,
REVOGADA A PRISÃO PREVENTIVA.42
41
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas-corpus nº 91952 – SP. Relator: Ministro Marco
Aurélio. Brasília, DF, 19 de dezembro de 2008. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/juris
prudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+91952%2ENUME%2E%29+O
U+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+91952%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.
com/acfe7uj>. Acesso em: 07 out. 2013.
42
BRASIL. Tribunal de Justiça. Habeas-corpus nº 70055501019. Rel. Des. Francesco Conti,
Gravitaí, RS, 24 de Julho de 2013. Disponível em:<http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta
/consulta_acordaos.php?Número_Processo=70055501019&code=4751&entrancia=2&id_comarca=70
0&nomecomarca=Tribunal%20de%20Justi%E7a&orgao=TRIBUNAL%20DE%20JUSTI%C7A%20%205.%20CAMARA%20CRIMINAL> Acesso em: 07 out. 2013.
No que tange às decisões acima, encontra-se em nenhuma o
fundado perigo de fuga e lesividade à integridade física do agente, nem mesmo de
terceiros. No entanto há de se mencionar que por muitas vezes também há a devida
fundamentação na utilização de algemas no indivíduo seja pela periculosidade do
agente, no risco às autoridades policiais, ou até mesmo para a própria proteção do
mesmo.
Mediante esta situação de se aplicar algemas de forma abusiva com
intenção de expor o preso, o Supremo Tribunal Federal editou em 7 de agosto de
2008 a súmula vinculante 11, ou seja, no entendimento do plenário do Supremo
houve dois terços favoráveis a favor da jurisprudência. A súmula do traz o seguinte
teor:
Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado
receio de fuga ou de perito a integridade física própria ou alheia, por
parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por
escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do
agente ou das autoridades e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
43
Estado.
O objetivo deste súmula vinculante foi regular a utilização de
algemas seja em pessoas investigadas, seja em julgamentos, em audiências, e até
mesmo no tribunal do júri. O supremo neste sentido deixou explicitada a opinião
sobre a utilização de algemas nos acusados de modo geral, caracterizando o abuso
de autoridade quando houver a aplicação da mesma sem justificação, encontramos
aí a sua relação com os princípios da dignidade da pessoa humana e da motivação
para o uso de algemas.
A súmula vinculante nº 11, na opinião de Fernanda Herbella,
estabeleceu que a regra transformou-se na exceção:
Assim sendo, o uso de algemas para o preso deixou de ser regra e
passou a ser exceção, restringindo-se às hipóteses nas quais a
autoridade, mediante fundamentação escrita, considerar que tenha
havido resistência, haja fundado receio de fuga ou perigo à
integridade física própria ou alheia.44
43
BRASIL. Súmulas Vinculantes do STF. 16.ed. São Paulo: Rideel, 2013
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso
de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 93.
44
Observamos que, sendo assim, apenas em hipóteses bem restritas
estaria o agente obrigado a utilizar algemas. Bem como tais hipóteses deveriam
estar com a devida fundamentação.
Ainda, segundo entendimento da autora:
De fato, os direitos e garantias individuais constitucionalmente
assegurados impõem o absoluto respeito à imagem e à dignidade da
pessoa humana. Não se pode admitir espetáculos midiáticos de
execração pública e linchamento moral, constituindo verdadeiro
prejulgamento foda da sede própria e ao arrepio do devido processo
legal.45
Fica claro ao analisar estas palavras que todos os princípios
colocados acima ficam feridos ao ocorrerem fatos como o de se algemar agentes
sem a devida periculosidade e a fundamentação. O princípio do devido processo
legal, da humanidade, dever de inocência, dignidade da pessoa humana e da
motivação de nada servem consoante ao ato de algemar sem fundamento,
princípios estes que ao longo da busca pelo estado democrático de Direito foram e
são as principais armas da humanidade contra a crueldade e a desigualdade e não
podem ficar em segundo plano quando se fala de processo penal.
6 CONCLUSÃO
O presente trabalho fundou-se no método bibliográfico, indutivo e
dedutivo, passando por uma análise doutrinária e jurisprudencial sobre a utilização
de algemas, bem como a sua aplicação de acordo com os crimes do colarinho
branco. Contudo, demonstramos que a falta de periculosidade do agente criminoso
há de servir para um parâmetro sobre a utilização de algemas ao mesmo.
No que tange aos crimes considerados de colarinho branco,
conceituamos e classificamos os crimes econômicos, da lei 8.137/1990, lei que trata
dos crimes tributários e da lei 7.492/1986, lei que rege os crimes praticados contra o
sistema financeiro atual, a partir desta classificação, chegamos à finalidade de que o
agente que pratica tais crimes não oferece risco para a sociedade na hora da prisão,
bem como risco á integridade física dele e de terceiros.
45
HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do
uso de algemas. São Paulo: Lex, 2008, p. 93.
Em seguida, vimos a questão sobre à luz dos direitos fundamentais
no que tange aos princípios que regem o processo penal, acerca da utilização de
algemas. Analisamos os princípios do dever de inocência, princípio do devido
processo legal, da humanidade, da dignidade da pessoa humana, por fim, a relação
entre o princípio da motivação e uso de algemas. Neste contexto, chegamos à
conclusão de que o uso abusivo das algemas fere todos estes princípios, bem como
para se utilizar tais aparatos é necessária a devida motivação por parte das
autoridades policiais e da autoridade judiciaria.
Sobre o instituto das algemas dentro do processo penal brasileiro,
estudamos que, dentro do código de processo penal, a referida palavra – algemas –
aparece somente em poucos artigos, bem como a regulamentação feita por decreto
federal, prevista no artigo 199 da lei de execuções penais, não fora estabelecida até
então. A utilização de algemas dentro do plenário do júri só pode ser concretada
mediante fundamentação por escrito da autoridade judiciária, e esta fundamentação
será estendida às autoridades policiais no caso de utilização de algemas como
forma de prevenção de fugas e até mesmo como um método de segurança, seja
para o agente em si quanto para terceiros que estiverem sob proteção.
O título do trabalho foi analisado no capítulo 4, no qual se
estabeleceu uma relação entre a utilização de algemas com os crimes do colarinho
branco, e como acompanha a doutrina, vimos que a utilização de algemas é ilícita ao
ponto de não se utilizar as mesmas quando não há um fundado receio de fuga, nem
de um perigo iminente ao agente e a terceiros. Quanto à visão jurisprudencial do
caso, há em várias situações a anulação de atos devido à utilização de algemas de
forma ilegal, bem como em muitos casos a fundamentação da autoridade judiciária
ou policial é válida e entra nos parâmetros processuais penais. Por fim, analisamos
a súmula vinculante numero 11 do Supremo Tribunal Federal, a qual regula o uso de
algemas até então em nosso país, e determina que só será lícito o uso de algemas
mediante fundamentação por escrito e quando haja fundado perigo à integridade
física do agente e de terceiros.
Portanto, entende-se que é preciso uma regulamentação para este
instituto, assim sendo, quando não há uma fundamentação sobre esta utilização,
fere-se o estado democrático de direito, devido a este desrespeito aos princípios,
todos previstos na declaração universal dos direitos humanos.
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