A saga da uniformização da compra e venda internacional: da lex mercatoria à
Convenção de Viena de 1980
Véra M. Jacob de Fradera
Mestre e Doutora em Direito pela Universidade de Paris II
Membro da Academia Internacional de Direito Comparado
Professora Adjunta na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Advogada em Porto Alegre, RS
INTRODUÇÃO
A importância e o lugar de destaque ocupado pelo contrato de
compra e venda internacional, em meio a tantos outros contratos, é tão relevante,
que uma autora, a professora Alina Kaczorowska, considerou-o como o «life blood
of international commerce»1.
Os primeiros esforços no sentido de uniformizar-se o contrato de
compra e venda internacional já são muito antigos, e não foram concretizados antes,
devido a obstáculos da mais variada espécie, dentre os quais destaca-se a existência
de fronteiras nacionais, mormente em relação às empresas, cuja atuação é ampliada
em direção ao mercado internacional. Estas empresas importam matéria prima e
insumos
de
toda
a
ordem,
provenientes
dos
mais diferentes
Estados,
comercializando, posteriormente, os produtos já acabados em terceiros países.
1
- In International Trade Conventions and their Effectiveness. Present and Future, The Hague, Kluwer
International, 1995 , p. 14.
O atual período que atravessa a economia, caracterizado por esta
globalização,
provoca
um
extraordinário
desenvolvimento
do
comércio
internacional, exigindo a criação de instrumentos mais aptos e eficazes de regulação
das trocas e dos conflitos que delas possam surgir. Dentre o que se objetiva, devem
ser salientadas a celeridade, e a universalidade, sempre que possível, e a busca por
ocupar um lugar especial dentre as relações jurídicas contratuais. Neste âmbito o
trabalho dos árbitros internacionais merece destaque, porquanto suas decisões vem
formando uma importante jurisprudência, fonte de inspiração para outros árbitros e
comentários da doutrina.
A universalização da utilização do contrato, determinou na Doutrina,
uma vocação para criar soluções de adaptação a um meio ambiente onde a
diversidade de sistemas jurídicos está sempre presente e a instabilidade econômica e
política é, o mais das vezes, a regra.
Outrossim, as dificuldades para a regulação jurídica desses contratos
são inúmeras, pois, cada um deles tem sua norma de supra-direito, donde resultam
formas distintas de eleição da ordem jurídica competente para reger contratos onde
co-existam um ou mais elementos de estraneidade.
A partir destas constatações, surgiu um movimento doutrinário e
político, no sentido de promover a uniformização da lei sobre compra e venda
internacional de mercadorias, culminando na redação da Convenção de Viena de
19802[2], elaborada sob os auspícios da UNCITRAL 3. A trajetória percorrida até a
efetiva redação da Convenção de Viena de 1980 passa por várias etapas e inspiração
a partir de certos modelos já existentes, há muito tempo, em circulação nas
2
3
-A sigla correspondente à Convenção é CISG.
- United Nations commission of international trade law.
sociedades, merecendo destaque dentre eles a lex mercatoria4 sob cuja inspiração,
sem dúvida, chegou a doutrina à formulação de uma lei uniforme para as trocas
internacionais5
Contudo, a lex mercatoria não foi o único influxo a determinar a
elaboração de uma lei uniforme para o comércio internacional, pois o legislador da
Convenção, ao traçar os contornos do contrato de compra e venda internacional de
mercadorias, buscou em outros modelos, estes já positivados, um estímulo à
criatividade legislativa. Neste aspecto, podemos referir os modelos, alemão, do
BGB, e o do Uniform Commercial Code americano, devido a longa tradição de
atuação prática no comércio internacional desses dois povos.
O fato de o Brasil contar com um novo Código civil, desde 2002, e
ter adotado uma concepção de contrato, onde o comportamento das partes deve ser
regulado pela boa fé objetiva, torna este estudo sobre o contrato na Convenção de
Viena, um interessante exercício comparativo, podendo o modelo da lei
internacional servir à interpretação da noção brasileira de contrato, pois, cada vez
mais, é possível perceber a influência do direito internacional sobre o direito
interno, tornando-o mais atual, mais flexível e eficiente6.
Neste estudo, trataremos, em primeiro lugar, da lex mercatoria e de
sua importância como norma uniforme, reguladora da atividade dos comerciantes,
4-
Já em 1622, Gerard MALYNES formulava uma definição de lex mercatoria : lei costumeira dos
comerciantes....mais antiga do que qualquer lei escrita...e cujo fundamento é a Razão e a Justiça., no seu
tratado intitulado Consuetudo Vel Lex Mercatoria,, cit. por Klaus Peter BERGER, The Creeping Codification
of the lex mercatoria, Kluwer Law International, 1999, págs. 01.
5
- De acordo com Ph. KHAN, o comércio internacional cria suas próprias regras, as quais, pouco a pouco,
são integradas ao direito comercial internacional positivo. As regras de comportamento dos contratantes no
comércio internacional são na maioria das vezes baseadas nos usos comerciais, invocados também pelos
árbitros em suas decisões. In « Les principes généraux du droit devant les arbitres du commerce
international», JDI, 1989, págs. 305.
6
-V., a respeito, nosso «O Contrato» in O Direito Civil no Século XXI, sob a coordenação de Maria Helena
Diniz e Roberto Senise, São Paulo, 2003, Editora Saraiva, p. 547 e segs.
desde os tempos medievais e de como pode ser reputada como um autêntico
antecedente da Convenção de Viena de 1980, sobre venda internacional de
mercadorias.
Em segundo lugar, analisaremos o modelo de contrato de venda
internacional de mercadorias, inspirado de dois modelos, o alemão e o americano,
constante do Uniform Commercial Code.
Ia Parte: Da necessidade de uma lei uniforme para regular a
compra e venda internacional de mercadorias
Todos os sistemas jurídicos, inclusive os de direito codificado,
admitem a existência de um modo paralelo de solução dos conflitos sociais, cujo
surgimento dá-se espontaneamente, à margem da lei, tanto no plano do direito
interno, como é o caso do costume, como no âmbito internacional. Isto ocorre de
maneira natural, a partir do momento em que um grupo atinge uma certa coesão
interna. No que respeita a lex mercatoria, ela é uma criação dos tribunais de
comércio medievais, destinada a dirimir extrajudicialmente os conflitos jurídicos
relacionados ao exercício do comércio, além das fronteiras de determinado burgo.
A doutrina francesa situa o nascimento do comércio internacional,
tal como hoje o entendemos, na Idade Média, mas suas raízes são muito mais
profundas, mais antigas. As razões motivadoras de seu grande desenvolvimento
durante o medievo devem-se ao comércio desenvolvido pelas Repúblicas de
mercadores da região sita na Itália do Norte, como Veneza, Pisa, Gênova, Amalfi e
Florença.
Na região correspondente aos Países Baixos (Holanda e Bélgica),
denominada Flandres, os portos de Bruges, Antuérpia e Amsterdam também
desempenharam relevante papel no progresso comercial entre os povos7.
A Alemanha, por sua vez, alcançou extraordinário desenvolvimento
na criação de regras comerciais, durante o período em que as cidades membros da
Liga Hanseática8, Hamburgo, Bremen e Lübeck, tinham seus próprios tribunais, e a
excelência de suas decisões era divulgada em todo o mundo.
Observa-se uma grande expansão da utilização da lex mercatoria
durante a Idade Média, comprovada pela jurisprudência da Liga Hanseática, e a dos
Tribunais do Mar, como o de Veneza, a República do Adriático, e, no Mediterrâneo,
os antigos portos de Barcelona e Gênova, a grande rival de Veneza, sem esquecer
os ingleses e sua Law Merchant, que, durante séculos, regulou as relações
comerciais internacionais dos ingleses, transportando
seus produtos
por via
marítima e desembarcando-os em portos do mundo inteiro.9
A literatura sobre a denominada lex mercatoria10, tem chamado a
atenção da Doutrina por seu carácter global, o que fez E. GAILLARD afirmar que,
para acompanhar a aventura da lex mercatoria é preciso falar todas as línguas11.
7
- Para aprofundar este tema, V. Yvon LOUSSOUARN e Jean-Denis BREDIN, Droit du Commerce
International, págs. 14 a 17.
8
- A expressão Hansa é um termo jurídico de origem alemã, relativo ao comércio exterior. O vocábulo
significa, ao mesmo tempo, a comunidade de comerciantes ativos num mesmo país estrangeiro, o direito a
participar das atividades comerciais e, ainda, o próprio direito comercial. As Ligas Hanseáticas remontam
ao ano de 1161, fundadas por simples comerciantes, mas tiveram notável desenvolvimento, estendendo-se a
várias regiões da Europa. Eram constituídas de forma flexível, desprovidas de personalidade jurídica, mas
dispondo de armas econômicas para para impor a aplicação das decisões tomadas por suas dietas regionais e
gerais. Seu declínio tem início no final da Idade Média, mas lograram sobreviver até 1669, deixando traços de
uma inegável unidade cultural, sobretudo nas regiões do norte da Europa. V. Dictionnaire du Moyen Âge,
Quadrige, puf, 2002, págs.654 e 655, verbete Hanse.
9- Vide a esse respeito o primoroso trabalho dos
professores Francesco GALGANO e
FabrizzioMARRELLA, « Interpretación del contrato y lex mercatoria » , in Revista de Derecho Comparado,
nº 3, feb. 2 001, p. 7 e segs. sobretudo p. 20. Consultar igualmente, Klaus Peter BERGER, The creeping
codification of the lex mercatoria, Kluwer Law International, 1999.
10
- - A maioria dos autores é unânime ao atribuir origem inglesa a esta expressão.
Além de ser internacional na verdadeira acepção da palavra, a
literatura sobre a lex mercatoria é muito antiga12 e as discussões a seu respeito,
bastante acirradas, a ponto de a Doutrina internacionalista dividir-se em dois
campos, os mercatoristas e os anti-mercatoristas, com extremistas em cada um
desses polos.
Com efeito, a praxis da lex mercatoria revela uma bipolaridade
entre nacionalidade e universalidade, na tradição jurídica do Velho Mundo.
A concepção sobre o que seja a lex mercatoria denota a influência
das idéias, a um mesmo tempo universalistas e nacionalistas de SAVIGNY,
sobretudo a de comunidade jurídica dos povos, a Volkerrechtlichen Gemeinshaft,
concebida como uma espécie de «premonição», a respeito da criação da União
Européia. Outro ponto a ser referido, é o da «nacionalização» do direito
internacional privado, idéia igualmente aventada pelo notável mestre da
Universidade de Berlim13.
Ainda com referência às contribuições de SAVIGNY, neste preciso
âmbito do conhecimento jurídico, é de ser mencionada sua reflexão sobre a relação
entre a atividade do comércio e autonomia da vontade, consideração válida até os
11
-O autor alude aqui à existência de estudos sobre este tema em várias línguas, alemão, francês, italiano,
espanhol, holandês. In «Trente ans de la Lex mercatoria.Pour une application sélective de la méthode des
principes généraux du droit» Clunet, I, 1995, p. 05 e segs.especialmente p. 06, nota 04 .
12
-Rudolf MEYER refere textos datados do século XV, como o Estatuto de Bréscia, do ano de 1429, assim
redigido: [...] ut iuxta mercatorum ritus et mores honestos in eorum exercitiis et trafegis possint et debeant
idoneis legibus, ordinibus et statutis vivere , além de inúmeros fragmentos de decisões proferidas com base na
lex mercatoria, nas cidades hanseáticas de Bremen, Lübeck e Hamburgo, in Bona Fides und lex mercatoria in
der europäischen Rechtstradition, Wallstein Verlag Göttingen, 1994, p.58.
- Para um estudo da evolução da doutrina de Savigny neste campo, na Europa, vide o artigo de Bernard
AUDIT « Le droit international privé à fin du XX e. siècle : progrès ou recul » in RIDC 2-1998, p. 421 e
segs.
13
dias atuais, pois, na área do direito comercial, por exemplo, a autonomia da
vontade é bem mais ampla do que no direito civil.
Neste mesmo sentido, o professor Erik JAYME assinala uma
irresistível extensão da autonomia da vontade, como uma expressão do pluralismo
de valores, uma das características de nossa era pós-moderna14.
Outro aspecto a ser ponderado, é o de que a maior ou menor
aceitação da lex mercatoria, como norma reguladora das relações do comércio
internacional, depende de certos fatores, como o de se tratar de país de direito
codificado ou não, de país excessivamente nacionalista ou ainda de país, cujo
apego à lei escrita seja extremado. Nestes últimos, os juízes tendem a repudiar a lex
mercatoria.
Nos dias atuais, fala-se numa nova lex mercatoria, um direito
próprio da sociedade globalizada15. De acordo com o professor GALGANO, a
expressão tem uma origem erudita, quer aludir «ao renascimento, na época
moderna, de um direito também universal, como foi universal o direito dos
mercadores da época medieval». Ainda segundo o mesmo jurista, hoje em dia, a
nova lex mercatoria deve ser entendida como «um direito criado pelo
empresariado16, sem a intermediação do poder legislativo dos Estados e formado por
regras destinadas a disciplinar de modo uniforme, além da unidade política dos
Estados, as relações comerciais que se estabelecem dentro da unidade econômica
dos mercados» 17.
14
- In Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne , Cours général de droit
international privé, recueil des Cours de la Haye, tome 251, 1995, págs. 256.
15
- A respeito da relação entre direito e globalização, ver o interessante estudo de Natalino IRTI, « Le
categorie giuridiche della globalizzazione » , in Rivista di Diritto Civile, nº 5, 2002, págs. 625 e segs.
16
- A denominada business community .
17
-Op. cit. págs. 20
Para o jurista alemão Eugen LANGUE, a lex mercatoria há muito
tempo pode ser considerada um direito transnacional, contudo, o seu conceito
moderno foi formulado por Berthold GOLDMAN 18, Herman BRAECKMAN e R.
DAVID19 para os quais a lex mercatoria constitui «um conjunto de normas de
natureza para-legal».
Aliás, ninguém pode ignorar o fato de aquela concepção tradicional
e nacionalista de direito internacional, pela qual o Estado seria o único competente
para dirimir conflitos decorrentes de relações plurinacionais, seja no âmbito do
direito contratual, seja na esfera da família, há muito foi substituída por outra, onde
as fontes do direito internacional são ampliadas.
Neste sentido, um representativo número de juristas, dentre os quais
destaca-se, por sua visão de futuro, o renomado comparatista da Universidade de
Paris II, René DAVID, propugnando a favor da adoção de um sistema de Direito
Internacional, ao lado dos sistemas nacionais, sistema esse cuja elaboração seria
incumbência da Comunidade Internacional.
A idéia do professor DAVID alinha-se perfeitamente com o ideal de
SAVIGNY, considerado, com razão, o fundador do moderno direito internacional
privado.
Uma decisão da Corte de Cassação italiana, datada de 08 de
fevereiro de 1982, considera a lex mercatoria como um verdadeiro e original
ordenamento jurídico, separado dos ordenamentos estatais, expressão da sociedade
mercantil 20.
18
- -B. GOLDMAN, Frontières du droit et « lex mercatoria », in AphD, 1964, 177.
- Dentre outras referências ao tema, de autoria do mestre comparatista francês , v. « Il diritto del commercio
internazionale : un nuovo compito per il legislatori nazionali o una nuova lex mercatoria ? » In Riv. Dir. Civ.,
1976, I , p. 577 e s.
20
- Public. in Foro it., 1982, I, c.2285 .
19
As características do comércio internacional
21
e a necessidade de
uniformização das trocas para facilitar o comércio, fizeram com que organizações
internacionais, como a UNCITRAL, tomassem a iniciativa de promover a
elaboração de Convenção sobre a compra e venda internacional de mercadorias,
com o objetivo de uniformizar as regras relativas ao mais importante de todos os
contratos.
A necessidade de segurança nas relações comerciais internacionais
impôs a uniformização das regras reguladoras do contrato de compra e venda
internacional, tornada ainda mais premente pelo incremento e desenvolvimento da
Comunidade européia, cuja estrutura modificou substancialmente a noção de
contrato internacional, determinando um novo significado ao termo contrato
internacional, pelo menos no território europeu, onde, devido às liberdades de
circulação de bens, pessoas, capitais e serviços, asseguradas pelo tratado de Roma,
outra categoria de contrato surgiu em cena, a dos denominados contratos
transnacionais, reguladores das trocas regionalizadas.
Como sabido, na Europa unida pelo Mercado Comum, um dos
maiores obstáculos à manutenção e desenvolvimento desse Mercado, é justamente a
falta de integração jurídica, pois, no espaço europeu, convivem três distintas
concepções de contrato, a saber, a alemã, a inglesa e a francesa, cada uma delas
produto de variadas influências políticas, filosóficas e econômicas 22.
21
- Muito antigo e avesso à formalidade, aspecto corporativo muito forte, longa tradição, e a eclosão de um
fenômeno atual, o da desnacionalização dos contratos, tanto nos mercados regionalizados, como nos
nacionais.
22
- Os arts. 14 e 94 do Tratado de Amsterdam, prevêem a elaboração de legislação uniforme em matéria de
contratos, isto é, a codificação do direito dos contratos europeus sob forma de um regulamento. As
discussões em torno da possibilidade ou não de ser feita esta uniformização tem sido permanente, tanto no
âmbito da doutrina, como nas instâncias políticas.
Idêntico fenômeno ocorre no âmbito do Mercosul, onde os direitos
nacionais, em matéria de direito internacional privado, são muito antigos, não
atendendo a atual demanda do mercado. A esses dados, deve ser acrescentado ainda
o fato de, no Mercosul, a presença do Estado ser muito forte, dificultando e
reduzindo enormemente o exercício da autonomia da vontade23.
Não deixa de constituir outro aspecto problemático, na estrutura do
Tratado de Assunção, a falta de previsão de diretivas, como as previstas pelo
Tratado de Roma, visando à harmonização e/ ou a aproximação dos sistemas de
direito privado24, cuja adoção, visando a harmonização dos direitos, facilitaria
sobremaneira, o incremento das trocas comerciais na região.
Outrossim, a inexistência da noção de supranacionalidade no
Mercosur, conditio sine qua non para uma integração entre as normas derivadas do
Tratado e os mecanismos de efetivação do Mercado comum, impede a qualificação
do direito do Mercosul como direito comunitário. Logo, os elementos essenciais
para a configuração do Mercado Comum do Sul, livre circulação de bens, pessoas,
capitais e serviços, estão ausentes.
Desta sorte, a adoção de uma norma uniforme para a compra e venda
internacional, como a Convenção de Viena de 1980, tornaria mais rápida a
efetividade do Mercado Comum do Sul.
23
-A respeito, consultar Nádia de ARAÚJO, Direito Internacional Privado,teoria e prática, Ed. Renovar,
2003, sobretudo págs. 123 e sseguintes. Da mesma autora, Contratos Internacionais : Autonomia da
Vontade, Mercosul e Convenções Internacionais, Renovar, 1997.
24
- - Dois grandes esforços no sentido de harmonizar o direito contratual devem ser aqui referidos : os
Principles UNIDROIT, de cunho internacional e o Code européen des contrats, no âmbito da União Européia.
Tampouco se pode deixar de mencionar o grande papel unificador da doutrina européia na consecução desse
objetivo, operando uma autêntica circulação transnacional de modelos jurídicos. A respeito do assunto
existem duas correntes principais, os contrários a qualquer forma de codificação do direito privado, cujo
opositor mais importante talvez seja o professor Pierre LEGRAND, e aqueles que admitem a possibilidade
de uma codificação européia do direito privado, pelo menos no âmbito do direito contratual. V. de
LEGRAND, «Sens et non-sens d’un Code civil européen», RIDC4-1996, p. 779 e segs. e , dentre os
favoráveis a uma codificação, de tipo principial ou aberta, consultar Anthony CHAMBOREDON e
Christoph U. SCHMID «Pour la création d’un Institut européen du droit», in RIDC, 3-2001, p. 685 e segs.
Postas estas premissas, cujo intuito foi o de estabelecer a relação
entre a lex mercatoria e a evolução das concepções acerca da uniformização direito
do comércio internacional, e, estando assente a opinião de constituir o contrato de
compra e venda o cerne das operações do comércio, em todas as suas acepções, nos
deteremos, a seguir, na análise da noção de contrato, recepcionada pelo legislador da
Convenção de Viena.
Deve ser destacado, antes de tudo, o fato de o legislador da
Convenção de Viena não ter definido expressamente o contrato de compra e venda
internacional de mercadorias. Ele se limitou, nos artigos 1º, 2º e 3º aos aspectos
relativos à internacionalidade do contrato, à determinação das matérias às quais a
Convenção não se aplica e ao contrato de fornecimento de bens para serem
manufaturados ou produzidos.
Como a Convenção resultou da colaboração de juristas provenientes
de sistemas jurídicos distintos, e a noção de contrato varia segundo a família de
direito, o legislador optou por concentrar-se no contrato de venda, este concebido,
de maneira igual em toda a parte: um contrato pelo qual entrega-se alguma coisa
pelo pagamento de um preço.25
Na CISG, para evitar um choque entre culturas jurídicas distintas,
não foi definida, de forma expressa, uma noção de contrato. Contudo, a doutrina é
unânime em nela identificar uma concepção de contrato calcada no princípio
fundamental do comércio, o da boa fé objetiva. Além disto, o legislador da CISG
25
- - A própria Chambre Internationale de Commerce, a ICC, de Paris, vem utilizando esta mesma noção,
desde os primórdios da edição dos Incoterms, até os nossos dias.
enumera os deveres do comprador26, os do devedor27 e deveres aos quais ambos
estão adstritos28.
Tendo em vista a relevância da noção de contrato internacional,
decorrente dos termos da Convenção de Viena sobre a venda internacional de
mercadorias, teceremos nossos comentários em torno do modelo de contrato por ela
adotado, dada a sua interessante configuração, obtida através da conjugação de duas
importantes concepções da relação contratual, de famílias jurídicas distintas, porém
com um aspecto comum, qual seja, o de terem sida ambas desenvolvidas em
sociedades voltadas para o comércio.
IIa PARTE – Os dois modelos contratuais
inspiradores do
legislador da Convenção de Viena: o direito alemão dos contratos e o Uniform
Commercial Code americano
Na condição de instrumento de direito uniforme, a elaboração da
CISG teve a participação de juristas oriundos de vários ordenamentos, pertencentes
tanto à família da Civil law,com sua sub-divisão, bem como a da Common law.
Desta sorte, não é de estranhar o fato de ela se apresentar como
produto de um verdadeiro exercício de direito comparado, pois suas soluções são, na
maioria das vezes, uma síntese de outras, encontradas nos sistemas jurídicos dos
juristas que a produziram.
Este fato, longe de ser desabonatório a CISG, revela, ao contrário, a
capacidade de seus legisladores de criar algo novo, e trabalhar com o objetivo de
26
-Arts. 30 a 52.
-Arts. 53 a 70 .
28
-Arts. 71 a 88.
27
interpretar a sua criação (ou construção) de forma desvinculada de suas origens
nacionais. Com idêntica perspectiva, a Corte de Cassação italiana afirmou: não é
possível, com fundamento em uma norma interna, com distinta área de aplicação,
dar a uma norma de caráter internacional, destinada a regular o tráfico
internacional, um significado distinto daquele resultante da formulação nela
adotada e da intenção conjunta dos Estados contratantes. A norma produzida na
esfera internacional forma parte do ordenamento jurídico italiano, porém não pode
ser interpretada por meio de uma norma interna (grifos nossos)29.
Contudo, ainda assim, existe sempre a possibilidade de o direito
interno beneficiar-se dos avanços obtidos na esfera internacional, de modo que a
nova configuração dada aos conceitos já existentes nos ordenamentos nacionais, no
plano internacional, constitui, muitas vezes, fator de progresso em relação aos
direitos internos.
Examinaremos a seguir, os dois modelos jurídicos subjacentes à
noção de contrato da CISG.
A) A noção de contrato na CISG : uma síntese entre o BGB e as
idéias germanistas.
Na Alemanha, durante o século passado, duas correntes de juristas se
confrontaram: de um lado, os partidários da codificação dos costumes locais, da
alma do povo alemão, o Volksgeist,30 e, de outro, os adeptos da adoção do direito
das pandectas 31, como base do futuro Código32.
29
-Corte di Cassazione, 24 junio, 1968, n.2106, in Riv. Dir. Internz.priv. e proc., 1969, págs. 914. Para
aprofundamento do tema, consultar M.BONELL, «L’interpretazione del diritto uniforme alla luce dell’art.7
della Convenzione di Vienna sulla vendita internazionale», in Riv.dir. civ., 1986, II, págs. 225 e segs.
30
- Corrente liderada por Savigny, contrário à codificação.
31
- O vocábulo grego pandectas corresponde ao Digesto latino , isto é, as compilação das opiniões dos
jurisconsultos romanos reunidas por Justiniano, à guisa de leis.
Os primeiros são denominados germanistas33 e os segundos
pandectistas34.
Qual foi o direito dos contratos adotado pelo legislador alemão?
Antes de mais nada, é preciso observar que a recepção do direito
romano pelos alemães traduziu-se na adoção de regras do Corpus Juris, sobretudo
no âmbito do direito das obrigações e no da propriedade mobiliária, dois ramos do
direito civil, constituindo ambos a verdadeira essência das trocas econômicas.
Esta recepção foi muito mais intensa do que em qualquer outro
sistema jurídico europeu, tendo contribuído para este fato, variadas causas, dentre
as quais podem ser destacadas, conforme aponta Claude WITZ
35
: a fraqueza do
poder imperial, a ausência de uma justiça imperial poderosa em torno da qual
poderia ter sido elaborado um direito comum germânico, a despeito das coleções
privadas de costumes, como o Sachsenspiegel, de apoximadamente, 1230. Além
disto, havia os direitos locais fragmentados e inadaptados as novas necessidades
econômicas e sociais do fim da Idade Média.
Uma outra razão, talvez a mais forte de todas, fez com que a
Alemanha se voltasse para o direito romano: este direito não era propriamente
32
- Esta segunda corrente sob a liderança de Thibaut .
- Como ensina Almiro do COUTO e SILVA, o germanismo pode ser entendido como o conjunto de
institutições, regras, práticas e costumes, de cunho jurídico, observados pelos povos germânicos, antes da
recepção do direito romano na Alemanha, iniciada tardiamente neste país, apenas a partir da metade do século
XIV . In «Romanismo e germanismo no Código Civil brasileiro» conferência proferida na Faculdade de
direito da UFMG, em o6.11.97, no Ciclo de estudos Oitenta Anos do Código Civil..
34Partidários da recepção do direito romano como modelo do que seria mais tarde o BGB.
35
- In Le droit allemand, Dalloz, 2001, págs. 8 e segs.
33
estrangeiro ao povo alemão, pois este havia formado o Santo Império romanogermânico, criado para, justamente, ser o sucessor do Império romano.
Desta sorte, o direito romano, considerado ratio e aequitas, como
que mergulhou36 neste vazio, pois seria capaz de preenchê-lo com a sua grande e
rica experiência jurídica, sua forma de raciocínio e a possibilidade de adequar-se a
muitos casos concretos.
Com efeito, o direito romano era o oposto aos direitos costumeiros. Tinha
uma vocação universalista, representando um atrativo aos comerciantes. Além disto, as
soluções claras, práticas, idênticas em todo o antigo Império romano, adequavam-se
perfeitamente à circulação de riquezas, de acordo com objetivo do governo alemão, de
exportar seus produtos para o mundo inteiro. A Alemanha então, desprezando seus antigos
costumes populares, voltou-se para o direito romano.
Este
ressurgimento e recepção do direito romano teve início com
Frederico Barba ruiva, Imperador da Alemanha e Rei dos Lombardos, que percebeu o
proveito a ser obtido pelo direito criado pelos romanos. Com este objetivo, foram enviados
juristas alemães à Universidade de Bologna, para lá estudarem o Corpus Juris. Mais
tarde, já no século XIV, as próprias Universidades alemãs iniciaram a sua difusão entre os
estudiosos do direito. Ao mesmo tempo, o Imperador, pela ordonnance de 1495, editada
em Worms, reconheceu o direito romano como lex scripta, fonte supletiva do direito
relativamente aos costumes. Esta relação de hierarquia foi mantida até a entrada em vigor
do BGB, em 1º de janeiro de 190037.
O que levou os alemães a adotarem o direito romano como base para
seu Código Civil, foi o fato de, ainda tendo sido este direito criado e desenvolvido
por um povo desaparecido há muito tempo, era inegável ter lhe sido atribuído
grande renome, ter sido conhecido no mundo inteiro, além de seu espírito
36
- Esta é a expressão de Cl. WITZ, op. e loc. cits.
- Os reis franceses, diversamente, atribuíram um lugar muito mais importante aos costumes, mesmo se, em
caso de necessidade, o direito romano pudesse ser invocado em virtude de sua autoridade.
37
pragmático facilitar as trocas comerciais, constituindo uma espécie de moeda
comum, podendo ser utilizado em toda a parte. Uma importante característica do
direito alemão é o lugar de destaque ocupado pelo valor segurança38, na hierarquia
de valores presentes em seu Código, tendo em vista a necessidade de tornar atrativa
a atividade contratual entre alemães e estrangeiros.
Além de segura, a relação contratual alemã tem como base a
lealdade e a confiança, dois valores típicos do comércio.
a) O princípio da boa fé objetiva no direito alemão dos
contratos.
Com efeito, adota o BGB, em matéria de obrigação contratual, uma
concepção bem distinta daquela do legislador francês do Code Napoléon, imitada
pela maioria dos legisladores do mundo ocidental e, até mesmo, em alguns países do
Oriente Médio39 .
Por outro lado, o direito romano, direito do cidadão, modelo
recepcionado pelo BGB, admite a vontade como principal mola propulsora do
relacionamento social, de sorte que as pretensões de um mundo consagrado ao
comércio nele encontram um excelente respaldo. Pode-se mesmo afirmar terem sido
os romanos os precursores do liberalismo40
38
- O exemplo mais emblemático desta vocação para a elaboração de um direito dotado de mecanismos de
segurança é o da forma de transmissão da propriedade imobiliária, o Abstraktions Prinzip, onde ocorre uma
distinção entre o ato criador da obrigação, o contrato visando a transmissão do imóvel, e o ato de disposição,
criando, desta sorte, uma separação de planos. Os dois contratos são independentes um do outro, cada um
existe, abstratamente do outro. A Convenção de Viena não alude a este princípio, porque seu objeto são
apenas as mercadorias (bens móveis).
39
- O Código civil libanês é um desses exemplos.
40
- Cf. François Xavier TESTU, in « Les glossateurs, regards d’un civiliste », R.T.D.Civ. (2), avr.-juin 1993,
p. 279 et s.
Tendo em vista tal perspectiva, a doutrina alemã construiu uma
teoria da obrigação contratual, onde se estabelece uma correspondência entre um
direito e um dever contrapostos. O seu âmago é constituído pela conduta a ser
desenvolvida pelo devedor, a favor do credor, por exemplo, a obrigação daquele de
entregar a este a coisa vendida.
Dentro desta obrigação, aparentemente unitária, o vínculo jurídico41,
porque dotado de natureza dinâmica, desdobra-se em vários tipos de deveres, tais os
de entregar a mercadoria bem embalada, protegida, se for o caso, contra o ataque de
insetos, contra a umidade, deveres estes externos às partes decorrentes da aplicação
do princípio diretor da relação contratual, o princípio da boa fé objetiva. Desta sorte,
ainda sem ter sido tais deveres pactuados pelas partes, elas estariam sujeitas a sua
observância. Todas estas prestações estão vinculadas entre si, tendo em vista a
consecução de um fim comum, o adimplemento, que não pode ser desvinculado da
consideração do inteiro desenvolvimento da relação, da medida dos esforços e dos
meios empregados pelas partes, visando a consecução do objetivo comum, por elas
colimado.
Até ser alcançado o seu fim, a obrigação sofre um processo, isto é,
ultrapassa várias fases, todas elas conducentes ao adimplemento42.
De acordo com esta concepção, a obrigação contratual é estruturada
a partir de dois princípios fundamentais: o da autonomia da vontade e o da
confiança sendo a relação entre as partes pautada por um princípio a elas externo,
41
- Para uma visão francesa da natureza do vínculo jurídico obrigacional, v. Emmanuel JEULAND,
«L’énigme du lien de droit», in RTDrciv., Juillet/ Septembre, 2003, págs. 455 e segs., esp. págs. 470.
42
- A visualização da obrigação como um processo não é a única forma de concebê-la. Autores como
LARENZ nela percebem uma estrutura (Gefüge) no sentido hegeliano, outros nela veem uma forma
(Gestalt), isto é, a obrigação não seria formada por uma soma de elementos isolados, mas sim por
conjuntos. Para Clóvis do Couto e Silva a obrigação contratual é uma totalidade. Consultar a respeito, Clóvis
do COUTO e SILVA, A obrigaçao como processo. Vide ainda Francisco C. Pontes de Miranda, Tratado
de Direito Privado,, Esser / Schmidt Schuldrecht Band I , Ed. C.F.Mueller Juristischer Verlag, 1992,
sobretudo p. 83 a 99.
criado pelos usos de tráfico, e adotado pelos legisladores da maioria dos Códigos
civis e comerciais, o princípio da boa fé em sentido objetivo.
A Convenção de Viena de 1980 sobre venda internacional de
mercadorias, como não poderia deixar de ser, recepcionou este princípio, sob a
forma de uma cláusula geral, como veremos a seguir.
b) A cláusula geral de boa fé do artigo 7º da CISG
O artigo 7º da Convenção de Viena de 1980 tem a seguinte redação:
Na interpretação desta Convenção, será levado em conta o seu caráter
internacional, a necessidade de promover a uniformidade na sua aplicação e a
observância da boa fé no comércio internacional.
O tema das cláusulas gerais vem sendo tratado, há muitos
anos, pela doutrina, no mundo inteiro, destacando-se, dentre todas elas, a
alemã, pois, no BGB, a utilização deste mecanismo de abertura do sistema
jurídico serviu à recepção de valores a ele externos43.
43
- A respeito do tema das cláusulas gerais, existe extensa e variada bibliografia, sobretudo no plano
europeu, remontando os primeiros estudos as primeiras décadas de vigência do BGB. Assim, apenas a título
de exemplo, indicamos: J HEDEMAN, Die Flucht in die Generalklauseln, Eine Gefahr fűr Recht und Staat,
Tűbingen, 1933 ; J. ESSER , Princípio y Norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado,
Generalklausen als Gegenstand der Sozialwissenschaften, mit Beiträgen von K.
Bosch, 1961,
LUEDERSSEN, E. Noelle NEUMANN, T. RAISER, G. TEUBNER und A. ZIELCKE , Baden-Baden,
Nomos Verlag, 1978, Stefano RODOTÀ, « Il tempo delle clausole generale ». in Riv. Crit del Diritto
Privato, vol. 05, 1986, p. 709 e segs. Luciana Cabella PISU e Luca NANNI ( a cura di ) Clausole e principi
generali nell’argomentazione giurisprudenziale degli anni novanta , Cedam, 1998 . No Brasil, J. MARTINSCOSTA , « As cláusulas gerais como fatores de flexibilização do sistema » in Rev. de Informação
Legislativa do Senado Federal, v. 112, 1992. Posição crítica, a respeito da adoção das cláusulas gerais,
devido a sua intervenção demasiado incisiva na autonomia da vontade, in « Desatualização do Projeto de
Código Civil na questão da Boa Fé Objetiva nos contratos » , Revista dos Tribunais,, fasc. cív., vol. 775,
maio 2002, p. 11 a 17, em especial páginas 11 e 12. Igualmente crítico, o comentário de Gustavo Tepedino,
chamando a atenção para o aspecto da insegurança do jurisdicionado, frente às cláusulas gerais do novo
Código civil brasileiro, devido estarem desassociadas de um conteúdo axiológico, consultar «O Código civil,
os chamados microsistemas e a Constituição : premissas para uma reforma legislativa », in Problemas de
Direito civil-constitucional , org. por Gustavo TEPEDINO, Ed. Renovar, RJ, 2000, págs. 1-16., sobretudo
págs. 09 e nota 18.
A boa fé, considerada desde os tempos medievais, como o
Grundprinzip des Handels44 pode ser concebida em duas acepções, ou seja, como
princípio e como standard. Alguns ordenamentos atribuem-lhe a natureza de um
standard, servindo de critério de julgamento, em outros, é reputada um princípio,
o que lhe dá maior importância
Como standard, a boa fé objetiva pode receber acepções muito
variadas, distintas segundo a matéria onde é aplicada, pois o standard
dá uma
medida média de conduta social, suscetível de se adaptar às particularidades de cada
hipótese determinada. Desta sorte, a boa fé objetiva é um conceito de geometria
variável45, cuja constância é duvidosa, mas cuja vantagem é a sua grande
flexibilidade. Exemplo dessa acepção,é a forma como ela está prevista no Code
Civil francês e no Uniform Commercial Code americano 46.
Em outros ordenamentos, a boa fé objetiva é tida como um princípio,
e, como tal, é chamada a desempenhar três relevantes funções, as de interpretação,
concretização e controle47.
De acordo com o §157 do BGB, os contratos devem ser
interpretados conforme exige a boa fé levando-se em conta os usos.
O legislador brasileiro de 2002, na parte geral do Código Civil, em
seu artigo 113, dispôs de forma análoga à do legislador do BGB: Os negócios
44
-Princípio fundamental do comércio.
- Esta expressão, de rara felicidade, é de autoria de Béatrice JALUZOT, in La bonne foi dans les
contrats, Dalloz, 2001.
46Artigo 1134 do CN: as convenções legalmente formadas têm valor de lei em relação aqueles que as
constituíram. Elas somente podem ser revogadas por seu consentimento mútuo, ou por causas autorizadas
pela lei. Elas devem ser executadas de boa fé. Já o UCC americano, em seu § 1-102, dispõe que as partes
podem, mediante as cláusulas contratuais, quais os standards deverão ser observados durante a execução do
contrato.
47
-A propósito, v. nosso artigo «A boa fé objetiva, uma noção presente no conceito alemão, brasileiro e
japonês de contrato » , in Cadernos do Programa de Pós-graduação em Direito-PPGDir/UFRGS , Edição
Especial, novembro 2003, p.125 e segs.
45
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa fé e os usos do lugar de sua
celebração48.
No que tange à função concretizadora da boa fé, há uma sintonia
entre o direito alemão e a Convenção de Viena, pois através da Konkretisierung, é
feita a determinação mais concreta do conteúdo da boa fé, mediante o recurso aos
usos, usos locais e a certos valores. Esta função concretizadora é cumprida bem
mais facilmente no âmbito do direito dos negócios internacionais, pois a incidência
dos usos e costumes é marcante nesta área, enquanto no âmbito dos contratos
domésticos, há uma certa relutância em recorrer aos usos e costumes, sobretudo nos
sistemas jurídicos de longa tradição positivista, como é a do Brasil.
Mas, é na esfera das decisões arbitrais, que esta função
concretizadora é percebida com maior clareza, de vez que os árbitros são pessoas
experimentadas nesta área do comércio internacional, geralmente advogados ou
comerciantes, proferindo decisões realmente justas e conformes a esta atividade
específica, o comércio transnacional e o internacional.
Neste particular aspecto, cabe referir a sempre evocada decisão
proferida pela Chambre de Commerce Internationale de Paris, no caso Norsolor, no
ano de 1979, onde os árbitros elaboraram uma definição ampla do princípio da boa
fé objetiva, deduzindo de seus termos a exigência de certo comportamento, que não
fora observado, por parte de um dos contratantes, resultando deste imcumprimento,
a sua responsabilização49.
48
- O nosso vetusto Código Comercial de 1850 já dispunha no mesmo sentido, em seu artigo 131 : Sendo
necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada
sobre as seguintes bases: 1.a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa fé, e ao
verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer á rigorosa e restrita significação das
palavras. Inciso IV: o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos de mesma natureza, e
especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em
contrário que se pretenda dar às palavras.
49
V. Rev.arb, 1983, págs. 530-531.
Em relação à função de controle da boa fé objetiva, os sistemas
jurídicos alemão e brasileiro coincidem no ponto em que ambos concebem a boa
fé objetiva como uma espécie de diretiva do comportamento das partes, quando da
execução contratual, autorizando
um efetivo controle desse comportamento, pelo
magistrado ou pelo árbitro.
Apesar desse reconhecimento comum, as formas de realização do
controle são diferentes nos distintos ordenamentos:
a) no sistema alemão, o controle do exercício da autonomia da
vontade é realizado de maneira ampla pelo juiz, valendo lembrar aqui a teoria do
abuso de Direito, nascida
da exceptio doli generalis, ressuscitada pela
jurisprudência do final do século passado. Esta construção foi vinculada ao § 242,
onde se prevê a execução de boa fé das convenções. Esta construção é peculiar ao
direito alemão.
Nos contratos entre comerciantes nacionais, o controle pode ser
menos incisivo, não obstante, até mesmo essa categoria pode ser sujeita a controle
judicial, conforme autoriza o § 9, da lei de 1976, sobre condições gerais de
negócios.
b) No plano da CISG, a boa fé objetiva exerce igualmente um
controle sobre o comportamento das partes, na relação comercial internacional,
controle cuja origem está na aplicação do princípio da boa fé objetiva, adotado pela
lex mercatoria.
Consoante as palavras do renomado professor da Universidade de
Paris I, J. GHESTIN, um dos árbitros na já mencionada decisão Norsolor, ...diante
da dificuldade de escolher a lei nacional, cuja aplicação forçosamente se imporia, o
Tribunal considerou que seria conveniente, levando em consideração o caráter
internacional do contrato, afastar qualquer referência obrigatória a uma legislação
específica, seja ela turca ou francesa, e aplicar a lex mercatoria internacional. Um
de seus princípios inspiradores é o da boa fé, que deve presidir a formação e a
execução dos contratos. A ênfase posta sobre a boa fé contratual é, aliás, uma das
tendências dominantes, que revela a convergência das legislações nacionais nesta
matéria.....Ora, a boa fé expressa não apenas um estado psicológico, o
conhecimento ou a ignorância de um fato, mas também uma referência aos usos, a
uma regra moral de comportamento...Ela traduz, pois, uma exigência de
comportamento que pode ser aproximado do princípio geral da responsabilidade.
De acordo com o princípio da boa fé, que inspira a lex mercatoria internacional, o
Tribunal apurou se, no caso concreto, a ruptura do mandato era imputável ao
comportamento de uma das partes e se ela havia causado a outra um prejuízo, que
seria injustificado, impondo desta sorte a eqüidade, seja ele reparado50.
De acordo com esta concepção de contrato, erigida sobre o alicerce
da boa fé objetiva, é possível deduzir outro dever a que ambas as partes estão
sujeitas, o dever de cooperação, jamais mencionado no texto da CISG, mas cuja
exigência decorre da noção mesma de contrato, constituindo uma diligência
reforçada pelo dever de solidariedade51.
c) No Código Civil brasileiro de 2002, está consagrado o controle do
exercício da autonomia da vontade, mediante a aplicação do artigo 422, onde o
legislador impõe aos contratantes o dever de guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa fé.
Anteriormente à publicação do novo Código Civil, a doutrina nacional já havia
50
- Loc. e op.cit. Tradução nossa.
-V. François DIESSE, « La bonne foi, la coopération et le raisonnable dans la Convention des Nations
Unies relative à la vente internationale de marchandises» , JDI, 1, 2002, págs. 59 e segs.
51
sido pródiga em obras relativamente às funções da boa fé objetiva52, inclusive a
de controle, assim como a jurisprudência de nossos tribunais, atingindo níveis de
verdadeira excelência, ao exercer a função controladora do exercício da
autonomia da vontade 53.
É de ser destacado o papel da cláusula geral do artigo 7º da CISG
pois, da mesma forma como ocorre no BGB, como apontado por John Dawson54 ela
serve para aproximar o sistema da Civil law e o da Common law, pois nelas se
conjugam dois modos distintos do verbo “ decidir “: o modo dedutivo da Civil law e
o indutivo da Common law .
As cláusulas gerais permitem aos juízes da Civil law criarem a lei
para o caso concreto, realizando uma operação semelhante a do juiz colocado em
um sistema de tipo aberto, não codificado. Contudo, esta possibilidade, apesar da
grande riqueza que encerra, traz, em seu bojo, elevada dose de insegurança.
Ora, esta co-existência ou harmonização na cláusula geral do artigo
7º da CISG tem por origem em um mesmo fenômeno, o de, tanto os alemães, como
americanos e ingleses, professarem a mesma vocação para o comércio. Nesta
cláusula também está muito presente o sentido de uma desejada eficiência da norma,
para regular esta peculiar relação.
Outro modelo, igualmente de origem alemã, teve marcante
influência na elaboração da noção de contrato adotada na Convenção de Viena de
1980: estamos nos referindo à noção de contrato estampada no Uniform Commercial
Code americano, de que nos ocuparemos a seguir.
52
- O grande estudioso e « descobridor » de todas as potencialidades do princípio da Boa Fé Objetiva no
Brasil , foi Clóvis do COUTO e SILVA , com sua obra A Obrigação como Processo , em 1976, Ed. José
Bushatsky.
53
-V. referências jurisprudenciais, in J. MARTINS-COSTA, op. cit. p. 455 e segs.
54
In « The general clauses viewed from a distance », RabelsZ Jg. 41, H.3. 1977, págs. 441 e segs.
B - O Uniform Commercial Code: um modelo aberto de lei
comercial de inspiração germanista, presente na Convenção de Viena de 1980
A Convenção de Viena foi elaborada por um grande número de
juristas, de várias nacionalidades e provenientes de distintas famílias de direito.
Tendo em vista seu caráter internacional e seu objetivo de facilitar a
venda de mercadorias entre comerciantes de qualquer latitude, a noção de contrato
por ela adotada deveria revestir-se de certas peculiaridades, de modo a ser aceita e
compreendida, tanto por juristas da Civil law, como pelos da Common law.
A busca do modelo contratual eleito pelo UCC americano teve por
finalidade abranger aqueles comerciantes, cuja vivência comercial deu-se e vem se
dando, de acordo com os sistemas abertos, o norte-americano e o inglês.
Contudo, os autores da CISG não contavam com um aspecto
interessante desta escolha, qual seja, o de as suas origens situarem-se, igualmente,
na Alemanha.
a. A influência da personalidade do legislador no Uniform
Commercial Code americano, o UCC
O legislador do UCC foi Karl LLEWLLYN, jurista cuja
personalidade era tão extravagante e seu comportamento tão insólito, que, por si só,
já bastaria para tornar polêmica a sua obra mais importante, o UCC.55 Nele foi
utilizada uma linguagem vaga e imprecisa, diversamente do ocorrente nas demais
55
- Para aprofundar o conhecimento a respeito deste notável jurista, v. WISEMAN, « The Limits of Vision :
Karl Llewllyn and the Merchant Rules», 100, Harv.L.Rev.,465, 1987. A doutrina americana há tempos
identificou forte influência de Rudolf von IHERING, na concepção jurídica de Llewllyn. A respeito, v. S.
HERMAN, « Llewllyn the Civilian : Speculations on the Contribution of Continental Experience to the
Uniform Commercial Code », 56, Tulane L.Rev., 1125/1135, 1982.
leis americanas, cujo detalhamento pode atingir o grau máximo. Exemplos
significativos da maneira original de redatar normas, adotada por Karl
LLEWELLYN, são algumas das expressões constantes do UCC, como customs,
usages of trade , reasonably , etc.
Dentro desta forma de visualizar as relações comerciais, o legislador
do UCC, em seu § 1- 203, determinou : Todo contrato ou dever no âmbito deste
Código, impõe uma obrigação de boa fé, em seu cumprimento
ou
em sua
aplicação56.
Já no § 205, o legislador do UCC dispõe sobre o dever de boa fé e de
contratar de forma justa: Todo contrato impõe a cada uma das partes um dever de
boa fé e de contratar de forma justa em seu cumprimento e em sua aplicação57.
A maioria dos comentaristas do UCC justificava a feição vaga do
Código pela personalidade excêntrica de seu legislador, americano cujos estudos
universitários foram realizados na Alemanha. Profundamente influenciado por uma
corrente de pensamento jurídico quase esquecida na Alemanha de então, oposta
àquela que havia preconizado a adoção do direito romano como modelo do BGB,
LLEWLLYN deixou-se impressionar por esta corrente germanista, muito voltada
para o cultivo das tradições locais, extremamente nacionalista e defensora da criação
de uma jurisdição especial para decidir os casos relacionados ao comércio,
independente do poder judiciário do Estado.
Foi aventada também a hipótese de o UCC representar uma
campanha em favor da liberalização da lei comercial. Outros viam ainda, neste
código, um retorno à law merchant , a lei comercial da Idade Média.
56
- No original : Every contract or duty within this Act imposes an obligation of good faith in its performance
or enforcement.
57
- No original : Every contract imposes upon each party a duty of good faith and fair dealing in its
performance and its enforcement.
Verdadeira ou falsa, esta última assertiva vem sendo seguidamente
relacionada a uma outra característica germânica, presente no UCC, a noção de
immanent law.
b. A noção de immanent law e sua relação com o conceito de law
merchant
A verdadeira origem do pensamento original de LLEWLLYN está
nas idéias dos juristas da Alemanha romântica, sobretudo nas de Levin
GOLDSCHMIDT, advogado de renome, hoje esquecido, que divulgou um conceito
adotado pelo legislador do UCC, o de immanent law58, expressão da
concepção
jurisprudencial de direito comercial, adotada pelo jurista norte americano.
A idéia de immanent law tem estreita ligação com a de law
merchant, costume comercial da Alemanha, bem como uma associação com as
idéias romântico- nacionalistas do papel popular no desenvolvimento das relações
sociais.
Durante as últimas décadas do movimento romântico, cresceu a
convicção, na Alemanha, de que a codificação comercial poderia satisfazer os
anseios nacionalistas dos advogados germanistas. A lei comercial romântica atraía
os germanistas, porque ela havia sido, nos primeiros séculos, um sistema
costumeiro, independente daqueles criados pela lei. Na Alemanha, sob a influência
da França, durante a ocupação napoleônica, existiram muitas jurisdições privadas
que aplicavam a lei comercial, introduzindo uma espécie de “corte leiga de direito
comercial “.
58[58]
-Immanent law : medida para aferir o comportamento das partes, se razoável e conforme à law merchant.
Na Alemanha romântica, pensava-se terem os casos comerciais uma
especial
Natur59,
considerando-se,
por
isso,
os
Tribunais
de
comércio
indispensáveis, porquanto os juízes comuns, segundo os germanistas, ficariam
confusos com as leis comerciais. De acordo com essa ótica, a comunidade dos
comerciantes formava um corpo independente, dotado de uma consciência própria e
de uma lei costumeira, fundada na boa fé e no pacto honesto.
Segundo este
pensamento, os juízes não estatais, isto é, leigos, deveriam distanciar-se das noções
jurídicas e usar simplesmente o seu bom senso, de modo a dominar a especial
natureza da transação.
Talvez esta característica da visão germanista de Karl LLEWLLYN,
adotada no UCC, e inspiradora dos legisladores da CISG, seja uma das razões
explicativas de seu sucesso, como lei uniforme dos contratos comerciais
internacionais, pois os comerciantes internacionais possuem determinadas
características, distintas daquelas dos contratantes nacionais, pois fogem, em regra,
da justiça estatal, devido não estar ela familiarizada com a sua forma de ser e atuar,
põem fim aos litígios resultantes de suas relações perante uma justiça privada, a
arbitral, preconizando soluções fundadas exatamente na tão especial Natur de suas
relações, as comerciais.
Num tal contexto, a forma capaz de oferecer uma maior segurança
ao comércio internacional é a da uniformização das regras da venda internacional de
mercadorias, além de, sempre que possível, serem os litígios decorrentes desta
atividade, resolvidos, quase em sua totalidade, perante os tribunais arbitrais.
59
- - A origem desta idéia situa-se na concepção germanista, segundo a qual a decisão, em qualquer caso, não
deveria ser deduzida formalmente de princípios. Ao contrário, cada caso deveria ser decidido conforme a
Natur der Sache ( a natureza das coisas ). Foi a partir desta concepção a respeito do critério para formular a
lei no caso concreto, a Natur der Sache, que Levin GOLDSCHMIDT deduziu a noção de immanent law .
O aspecto insólito dito tudo é o fato de a fonte primeira das duas idéias está em MONTESQUIEU, L’esprit
des lois, de 1748. Na versão em inglês, The Spirit of the laws, de que dispomos, está nas págs. 1-7. Na
Alemanha, o Iluminismo tardio adotou esta idéia, sendo posteriormente seguidos pelos germanistas.
Consultar, para este período, « Que signifie éclairer ? », texto escrito em dezembro de 1784, em um momento
considerado como o apogeu da Aufklärung, in Aufklärung, les Lumières allemandes, textes et commentaires
par Gérard RAULET, GF-Flammarion, 1997.
Conclusão
A Convenção de Viena de 1980 constitui, como se demonstrou, o
mais importante resultado de um esforço internacional de uniformização60 de regras
de direito privado, num setor determinado, a venda internacional de mercadorias.
Neste sentido a CISG expressa muito bem as razões por que foi criada, regular uma
nova ordem internacional.
Apesar de muito propalada, a denominada crise do direito
internacional privado positivo representa, ao invés, o surgimento de uma nova
maneira de pensar o direito internacional privado, uma maneira pós-moderna , como
diriam o filósofo LYOTARD e o professor Erik JAYME, no sentido de vislumbrar,
na globalização e na integração econômica , não algo mau, como afirmam muitos,
mas,ao contrário, ver nos
seus efeitos, algo bom, útil e desejável, como a
aproximação jurídica e cultural entre os mais variados povos.
No nosso entendimento, a CISG representa a concretização de um
dos ideais de SAVIGNY, o da Comunidade Jurídica dos povos, a Völkerrechtlicher
Gemeinschaft, baseada no universalismo do comércio, representando, outrossim,
uma reação ao direito internacional privado demasiado nacionalista.
E, sempre de acordo com uma perspectiva pós-moderna, afirmamos
e confirmamos a existência de um pluralismo de fontes do direito, e de uma
autêntica e exitosa coabitação entre os diferentes aspectos do direito, tais o direito
constitucional, o direito civil, o direito interno e o internacional, o nacional e o
60
- Aqui estamos utilizando o vocábulo uniformização no sentido de esforço em direção a
uma concepção meta-nacional do Direito, com a superação e a abstração dos limites
nacionais.
supranacional, ocorrendo múltiplas e proveitosas trocas entre essas diferentes
esferas, algo inusitado no passado recente.
Desta sorte, acreditamos ser possível afirmar, sem medo, que a CISG
representa, além de um notável exemplo de utilização bem sucedida do direito
comparado, uma expressão do pós-modernismo, pelo menos, no referente à noção
de contrato, onde convivem, de um lado, alguns elementos do presente ( o BGB) e
de outro, elementos do passado ( as noções de Natur der Sache e Immanent law) sob
nova roupagem, uma roupagem adequada às contingências atuais do comércio
internacional, à necessidade de ser cunhada
uma lei uniforme da venda
internacional de mercadorias.
Mais ainda: a CISG realiza a aproximação das duas famílias de
direito, a da Civil law e a da Common law, mediante o recurso às cláusulas gerais,
das quais constitui um bom exemplo a do artigo 7º, aqui analisado.
Finalmente, o estudo e a análise interpretativa do seu artigo 7º, bem
como a da jurisprudência dos tribunais arbitrais, poderá servir de subsídio à
interpretação e aplicação do artigo 422 do Código civil brasileiro de 2002, desde
que a prática internacional, neste preciso aspecto, é muito mais antiga e sua
eficiência e justiça vem sendo comprovadas há longo tempo.
Download

da lex mercatoria à Convenção de Viena de 1980 Véra M. Jacob de F