PARA ALÉM DO OLHAR ECONÔMICO NAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS:
IMPLICAÇÕES SOCIOLÓGICAS A PARTIR DO CASO UNIHOTÉIS
Autoria: Fabio Vizeu, Edson Ronaldo Guarido Filho, Marcelo Alves Gomes
Resumo
O presente estudo trata das alianças estratégicas a luz do potencial explicativo de perspectivas
sociológicas de análise. Neste sentido, buscou-se realizar um contraponto com a orientação
predominante na literatura sobre o tema dentro da área de estratégia. Nosso argumento foi
constituído a partir da investigação da formação da rede Unihotéis, no período de 2005 a
2007, tendo em vista a maturidade desse empreendimento no momento atual. O presente caso
caracteriza-se como um exemplo de aliança estratégica no setor de hotelaria, tendo sido parte
de um projeto coordenado pelo Sebrae na cidade de Foz do Iguaçu. A pesquisa possui
características de um estudo de caso descritivo, com delineamento seccional retrospectivo,
com atenção para a compreensão da formação da rede Unihotéis e para o caráter diacrônico
deste processo. A coleta e análise dos dados envolveu material documental e entrevistas,
combinando o método tradicional da entrevista qualitativa com a história oral. Os dados
foram analisados por meio de análise qualitativa de conteúdo, visando descrever o processo
de formação da rede à luz da interpretação de seus participantes efetivos (Sebrae/PR e
hoteleiros) e, a partir disso, obter informações acerca dos múltiplos significados envolvidos na
constituição das alianças estratégicas que sustentam a rede. Com base nos dados obtidos,
exploramos o processo de formação da aliança, apoiada na noção de cooperação, de forma a
sinalizar pressupostos e implicações para a análise do fenômeno sob a perspectiva
sociológica. Procuramos rebater os contornos teóricos e os espaços pouco explorados que
demarcam o estudo de alianças estratégicas, destacando a predominância de abordagens
amparadas em concepções de ator racional, sob uma lógica utilitarista e contratualista. A
análise de variáveis sociológicas trouxeram à tona aspectos que melhoram a capacidade
explicativa quanto aos fundamentos que orientam e sustentam a formação de alianças
estratégicas: (i) a dimensão sociopolítica vinculada à concepção e inserção do programa de
criação do Unihotéis na agenda do Sebrae/PR; (ii) o papel indutor exercido pelo Sebrae junto
aos hoteleiros da região, desenvolvendo não apenas a estrutura relacional, mas principalmente
o sentido da cooperação; e, (iii) os múltiplos significados atribuídos pelos atores participantes
da rede ao esforço e ao empreendimento comum a que estavam associados. Conclui-se o
trabalho tratando das possibilidades de uma análise sociológica na explicação de fenômenos
da estratégia, por meio do reconhecimento de categorias ligadas à imersão social dos atores,
do discurso e de componentes institucionais subjacentes a ação.
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PARA ALÉM DO OLHAR ECONÔMICO NAS ALIANÇAS ESTRATÉGICAS:
IMPLICAÇÕES SOCIOLÓGICAS A PARTIR DO CASO UNIHOTÉIS
INTRODUÇÃO
Desde a sua institucionalização como uma das mais importantes áreas acadêmicas da
administração e dos negócios, o campo de estudo da estratégia empresarial vem se
desenvolvendo rumo a uma perspectiva plural e multi-paradigmática. Especialmente a partir
do momento em que a pesquisa da estratégia empresarial se articula a partir de uma lógica
científica hipotético-dedutiva (Bulgacov, et al., 2007), o campo de estudo da estratégia se
consolida sob os auspícios dos cânones teóricos e metodológicos da Economia. Assim, a
prática da administração estratégica é condicionada por uma visão cartesiana da realidade,
onde se pretende, pelos mecanismos matemáticos de previsão e controle oriundos da
economia, a determinação de uma realidade artificialmente construída (Clegg, Carter e
Kornberger, 2004). Todavia, especialmente a partir da década de 1980, a área de estratégia
sofre forte influência das correntes de pensamento e abordagens oriundas de campos diversos
da economia, tais como a psicologia e a sociologia (Bowman, Singh e Thomas, 2002). É certo
que essas novas influências se fazem sentir mais decisivamente em contextos nacionais fora
dos EUA (Whittington, 2004), mas isso não significa que seu impacto na área seja menos
importante.
De certo modo, a crescente diversidade de temas e perspectivas relacionados à prática
de administração estratégica reflete a paulatina constituição de visões alternativas àquela
tradicional na área, de caráter exclusivamente econômico (Bertero, Vasconcelos e Binder,
2003). Todavia, isso representa ainda uma pequena fração de trabalhos em relação à
hegemonia alcançada por essa perspectiva. Por isso, ainda faz-se necessário que se aponte
para as contribuições de olhares alternativos ao econômico sobre o fenômeno da estratégia em
organizações, especialmente de forma a revelar aspectos e matizes que permitam o
desenvolvimento de uma prática gerencial crítica e efetivamente proveitosa para o
desenvolvimento das organizações e da sociedade (Pettigrew, Thomas e Whittington, 2002).
Assim, defendemos, em consonância com outros pesquisadores interessados na estratégia
(Whittington, 2004; 2007; Clegg, Carter e Kornberger, 2004), que muitos dos temas que vêm
sendo tratados na área poderiam ser melhor observados quando investigados por diferentes
perspectivas acadêmicas, que dessem ensejo a questionamentos de postulados que, por vezes,
são dogmatizados por uma academia pouco heterogênea.
Esse é o caso do tema das alianças estratégicas, foco do presente artigo. Observando a
literatura corrente, é notável a persistência da orientação predominante de que as relações de
cooperação, sob o ponto de vista da vantagem competitiva, são exclusivamente de cunho
oportunístico e de interesse econômico, apesar da presunção do ator racional da perspectiva
econômica clássica já ser questionada mesmo entre os economistas. Tendo isso em vista,
buscamos, em nosso trabalho, assinalar para aspectos nas relações de alianças estratégicas que
não são suportados pela visão do ator racional, como questões de significado socialmente
construído e outros condicionantes institucionais também são relevantes para explicar a ação.
Tais aspectos nos dão margem para acreditar que se trata de prática de estratégia empresarial
com fortes elementos para serem tratados sob o olhar sociológico. Todavia, não é nossa
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intenção negar o olhar econômico, mas sim, refletir acerca dos componentes econômicos a
partir de outros pressupostos.
Quanto a isso, desde já, vale assinalar que temos consciência dos riscos que circundam
uma proposta de aproximação entre a perspectiva econômica e a sociológica da estratégia. Na
verdade, existem problemas sérios em se considerar, tendo em conta que há
incompatibilidades paradigmáticas que dificilmente não se configurariam em um problema de
coerência epistemológica no delineamento de uma pesquisa. Contudo o que pretendemos em
nosso argumento é assinalar o potencial explicativo da alternativa sociológica para a
compreensão do fenômeno da estratégia, sem negar as contribuições até então obtidas pela
visão econômica. Acreditamos com isso ser possível refletir sobre como esses dois diferentes
olhares constituem determinado fenômeno da estratégia empresarial, de forma a descortinar
aspectos que dificilmente seriam levantados sem a romper com a ortodoxia que ainda parece
estar presente na área.
Assim, o presente trabalho visa explorar o tema das alianças estratégicas abordando as
contribuições sociológicas advindas, especialmente, do institucionalismo sociológico, em
contraposição a perspectiva econômica na análise da prática estratégica. Nosso argumento foi
constituído a partir da investigação da formação da rede Unihotéis, no período de 2005 a
2007, tendo em vista a maturidade desse empreendimento no momento atual. O presente caso
caracteriza-se como um exemplo de aliança estratégica no setor de hotelaria, tendo sido parte
de um projeto coordenado pelo Sebrae na cidade de Foz do Iguaçu. Com base nos dados
obtidos, procuramos explorar o processo de formação da aliança, apoiada na noção de
cooperação, de forma a sinalizar pressupostos e implicações para a análise do fenômeno sob a
perspectiva sociológica.
Com vistas a esse objetivo, organizamos o trabalho em cinco sessões além desta
introdução. Primeiramente, discutimos os contornos teóricos e os espaços pouco explorados
que demarcam o estudo de alianças estratégicas, destacando a predominância de abordagens
amparadas em concepções de ator racional, sob uma lógica utilitarista e contratualista. Na
sequência, são apresentados os elementos metodológicos da pesquisa realizada junto à rede
Unihotéis, expondo os procedimentos realizados e contextualizando a formação da rede na
agenda do Sebrae/PR. A discussão dos componentes econômicos e sociológicos da análise
são tratados em seguida. Primeiramente, são apontados elementos associados às implicações
sobre a vantagem competitiva da associação dos hotéis na forma de uma aliança estratégica
horizontal. Depois, discutem-se os achados face aos componentes de natureza sociológica que
a análise do fenômeno propiciou no estudo da rede Unihotéis. São tratados elementos ligados
à dimensão sociopolítica da concepção da rede, à capacidade de agência do Sebrae/PR
enquanto agente indutor e, em certo sentido, empreendedor institucional e, aos múltiplos
significados atribuídos pelos hoteleiros ao empreendimento de cooperação. Conclui-se o
trabalho tratando das possibilidades de uma análise sociológica na explicação de fenômenos
da estratégia, por meio do reconhecimento de categorias ligadas à imersão social dos atores,
do discurso e de componentes institucionais subjacentes a ação.
ALIANÇAS ESTRATÉGICAS: PRESSUPOSTOS E (DE)LIMITAÇÕES
As alianças estratégicas têm sido foco de grande interesse dos acadêmicos da área de
estratégia desde as décadas de 1980 e 1990, quando esse fenômeno cresceu no cenário
corporativo a partir das parcerias realizadas entre corporações multinacionais visando
desenvolvimento de mercados globais (Keasler e Denning, 2009; Osborn e Baughn, 1990). O
desafio posto pela literatura especializada é o de compreender quais são os fatores de sucesso
das alianças, observadas como um mecanismo para a consecução da vantagem competitiva
dos parceiros. As pesquisas comumente giram em torno das formas de governança das
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alianças, sendo este um dos fatores-chave para que esta relação inter-organizacional atinja o
objetivo pelo qual ela foi estabelecida.
Neste sentido, estudos enfocam particularmente os elementos de risco das alianças,
para apontar para os eventuais problemas a serem evitados quando as organizações decidem
empreender esta ação. Comumente explicitados como sendo um problema de governança das
alianças (Gulati e Singh, 1998), os riscos desta ação estratégica teriam origem nos eventuais
problemas de trapaça por parte de um dos envolvidos na parceria, os quais seriam
minimizados pela adoção de mecanismos de governança empreendidos para limitar esse
comportamento, ou, no mínimo, para garantir compensações caso o acordado não seja
cumprido. Esse problema é entendido a partir do binômio custos de transação e custo de
coordenação, onde assumir ou não os riscos implica em assumir custos para estabelecer
contratos formais ou estruturas de controle e acompanhamento (Williamson, 1983). Assim, os
estudos sobre alianças estratégicas da área de estratégia enfatizam o comportamento
oportunístico, seja para explicar o caso de alianças fracassadas – onde se aponta que o não
cumprimento do acordado na origem da aliança se deve aos interesses de uma das partes em
mudar as regras do jogo para atender aos seus interesses pessoais – seja para explicar os casos
de sucesso – tidos como resultado da precaução ao risco de trapaça, obtido especificamente
pela adoção de uma governança efetiva e adequada para o cumprimento do acordo.
Dentro desta premissa do comportamento oportunístico, podemos elencar três grandes
pontos que suportam a concepção de alianças estratégicas e seus condicionantes centrais,
conforme enfatizados na literatura dominante sobre o tema. A seguir, apresentamos esses
pontos.
Ator racional. Admite-se, com frequência, que, para realizar uma aliança estratégica,
os atores envolvidos adotam um comportamento de cálculo de conseqüências. A escolha por
uma aliança estratégica, nesse sentido, corresponde à visão racional-instrumental de cálculo
de conseqüências, onde se pondera conscientemente sobre vantagens e desvantagens
econômicas e técnicas postos em uma balança e definindo um comportamento lógico e
racional. Isso ocorre tanto na ponderação sobre as vantagens em se estabelecer uma aliança
quanto na decisão em se desfazê-la. Ou seja, o descompromisso pelo cumprimento do acordo
também aflora na medida em que os envolvidos ponderam sobre outras vantagens na quebra
do contrato, mesmo considerando as implicações onerosas desta decisão. Essa premissa de
racionalidade tem sido observada como pressuposto central do comportamento gerencial nas
organizações modernas, mas também, tem sido objeto de críticas quanto a falta de ética destas
relações (Ramos, 1989; Vizeu, 2009).
Lógica utilitarista. Em derivação a perspectiva de ator racional, a relação
interorganizacional nas alianças estratégicas também se sustenta pelo pressuposto,
comumente compartilhado na literatura, de ganho/retorno econômico e técnico como principal
justificativa para o estabelecimento da parceria. Na medida em que não houver ganhos
econômicos ou, ao menos, vantagens técnicas que produzam ganhos potenciais, a aliança não
se sustentaria. Essa perspectiva utilitarista das alianças é corroborada pela preocupação da
literatura em enfatizar a aliança estratégica como um mecanismo para a vantagem competitiva
pautada na obtenção de recursos traduzidos economicamente – mão de obra, equipamentos e
instalações, tecnologias, market share, finanças, entre outros –, para os quais se estabelece
algum tipo de investimento também de natureza econômica (Keasler e Denning, 2009). Neste
sentido, a base da cooperação é o reconhecimento individual da vantagem econômica (Gulati
e Singh, 1998).
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Abordagem contratualista. Seguindo as premissas do ator racional e da lógica
utilitarista, a literatura sobre alianças estratégicas incorpora em seu olhar sobre o fenômeno a
perspectiva contratualista da relação econômica. A ideia de que as relações entre sujeitos na
nossa sociedade são estabelecidas pela adoção de instrumentos formais de garantias e/ou
controles, baseia-se nos pressupostos de uma racionalidade legal de contratos formais (Weber,
1974) que explicitam regras e normais oficiais para regulamentar a associação entre os
indivíduos e as organizações. Essa relação contratualista tem sido observada como uma das
premissas fundamentais da sociedade moderna, tendo suas raízes nas relações simétricas e de
equivalência contábil do mercado, entendido como o pressuposto fundamental das sociedades
baseadas no capitalismo (Godbout, 1999). O contrato – ou outros mecanismos formais de
garantias, como por exemplo, um sistema racional de coordenação e gestão para controle da
aliança – se estabelece como mecanismo de mediação entre sujeitos estranhos e sem vínculos,
o que representa, em última instância, a forma de substituição da confiança dos vínculos de
comunidade das sociedades pré-capitalistas (Giddens, 1991).
Isto posto, resta ainda apontar que os três aspectos assinalados como elementos
explicativos do comportamento oportunístico pressuposto na análise de alianças estratégicas
se referem à visão de ator organizacional cuja racionalidade da ação está diretamente atribuída
a uma noção de entidade de iniciativa própria. Assim, alianças são constituídas com o fim de
atender supostos interesses organizacionais de cunho utilitarista e fundamentadas em
garantias contratuais/legais.
A questão do comportamento oportunístico como premissa para a compreensão das
alianças estratégicas, mesmo sendo consubstanciada por perspectivas teóricas de grande
aceitação no meio acadêmico – como por exemplo, as teorias da agência e a teoria os custos
de transação (Gulati e Singh, 1998; Kesler e Denning, 2009) – é passível de questionamentos.
Se confrontarmos cada uma das premissas com outras concepções da realidade social, talvez
seja possível chegarmos a um novo entendimento sobre o fenômeno, capaz de lançar luz
sobre matizes nem sempre devidamente explorados pela literatura corrente.
A racionalidade instrumental e o utilitarismo como pontos de partida para a
ponderação sobre a constituição da aliança – ou seja, a suposição de que o ator organizacional
decide entrar ou romper uma aliança estratégica a partir do cálculo utilitário de conseqüências
– podem ser confrontados com a idéia de que o comportamento organizacional é suportado
diferentes racionalidades e lógicas, muitas destas, não econômicas. A literatura sobre a
realidade organizacional vem alertando para esse problema, de que existem lógicas que vão
além da dimensão econômica a orientar as decisões nas organizações. Mesmo se tratando de
entidades cuja razão de ser seja o ganho econômico, as pessoas que interagem dentro das
organizações não o fazem exclusivamente seguindo um impulso econômico (Scott e Davis,
2008).
Já a visão contratualista das relações sociais nas sociedades capitalistas também vem
sendo questionada por autores que reconhecem no utilitarismo e a lógica de mercado como
lógicas delimitadas historicamente, não cabendo auferir-lhe status de elementos psicológicos
naturais da condição humana (Polanyi, 2000). Na verdade, observando outros períodos
históricos, pesquisadores têm reconhecido lógicas alternativas ao contrato de cunho capitalista
(por exemplo, a lógica da dádiva tratada por Marcel Mauss), e tais lógicas também são
verificadas dentro das sociedades capitalistas (Godbout, 1999). Por exemplo, estudos sobre
redes interfirmas da Terceira Itália reconhecem a perenidade de lógicas de confiança que
dispensam a garantia de contratos formais, baseadas em sistemas relacionais tradicionais
constituídos ao longo de séculos (Kumar et al, 1998). Finalmente, a concepção da ação
organizacional baseada exclusivamente no interesse organizacional desconsidera que as
organizações são entidades formadas por indivíduos que compartilham valores e interesses,
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bem como racionalizam significados. Nesse sentido, qualquer abordagem que desconsidere
isso admite uma concepção reificada de organização, bem como de suas ações e supostos
interesses.
Diante do exposto, admite-se um espaço em favor de outros elementos analíticos que
favorecem uma explicação mais elaborada para a formação de alianças estratégicas. A
apresentação dos questionamentos tratados até aqui favorece a reflexão acerca da
possibilidade de adoção de perspectivas alternativas à ótica econômica que predomina na
literatura acadêmica. Como forma de melhor compreender tais aspectos, apresentamos na
próxima seção os componentes metodológicos que orientaram a análise empírica focada na
aliança realizada por empresários do setor hoteleiro de Foz do Iguaçu, constituindo a rede
Unihotéis.
METODOLOGIA
A pesquisa empírica realizada analisou a formação da rede Unihotéis levando em
consideração diferentes aspectos: a trajetória de formação da rede e os benefícios, em termos
de vantagem competitiva, por ela gerados às organizações hoteleiras participantes. Contudo o
a análise, sob uma postura indutiva, revelou diferentes aspectos, de natureza mais sociológica,
que preenchem a dimensão econômica associada à constituição da aliança. Antes de
apresentar esses resultados, a presente seção é dedicada à exposição do objeto em estudo e
dos procedimentos realizados para a coleta e análise dos dados.
O Campo em Estudo: A Rede de Hotéis em Foz
O campo escolhido para pesquisa compreende a rede interorganizacional de pequenos
e médios hotéis da cidade de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, chamada Unihotéis. A
escolha desse campo de estudo se justifica por apresentar importantes características para o
propósito da presente pesquisa e para a área de estratégia em organizações. Primeiramente, a
trajetória de criação da rede envolve a participação de agentes indutores, como o Sebrae, na
promoção de alianças estratégicas entre organizações hoteleiras da região. Além disso, tratase de um empreendimento recente, com ponto de origem no ano de 2005, o que permite
acessar informantes que tenham participado desse momento inicial da rede, os quais deveriam
possuir condições de recuperar da memória eventos e condições envolvidas ao longo do
processo. Outro fator relevante é o tamanho da rede e sua delimitação geográfica, haja visto se
tratar de um empreendimento circunscrito ao município de foz do Iguaçu e ligado ao Plano de
Desenvolvimento Setorial do Estado do Paraná, o que possibilitou o acesso a representantes
da maior parte das organizações envolvidas, bem como a consideração de material
documental de suporte à análise. E por fim, o processo de formação da rede Unihotéis possui
componentes de importância teórica para a área da estratégia, na medida que envolveu, por
um lado, a negociação de alianças estratégicas, remetendo a aspectos contratuais e utilitários
do relacionamento interorganizacional e, por outro, a consideração de motivos que justificam
a adesão à rede, remetendo à dimensões simbólicas e sociais inerentes à formação de alianças
estratégicas.
A rede Unihotéis é um modelo de cooperação interorganizacional, associado ao
Programa de Desenvolvimento Setorial do Estado do Paraná, que promove o fortalecimento
de parcerias com instituições públicas e privadas atuantes num setor específico. A projeto de
criação da rede foi iniciado efetivamente em 2005 nos moldes de um Arranjo Produtivo Local
(APL) por iniciativa e consequência de esforço realizado por empresários locais e o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) para promover a competitividade
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de empreendimentos hoteleiros por meio de ações coordenadas entre si, em face da
concorrência das grandes redes nacionais e internacionais. Atualmente, a rede Unihotéis
compreende um conjunto de 20 hotéis de pequeno e médio porte, de natureza familiar, e pode
ser considerada um tipo de aliança horizontal, em que competidores estão interessados em
atribuir um maior valor ao destino Foz do Iguaçu, utilizando de materiais informativos, site e
“tarifas acordos”, que permitam gerar valores para todos os envolvidos. Apesar de aliados, a
rede possibilita que continuem competindo entre si ao mesmo tempo que estejam
cooperando.
Delineamento, coleta e análise
A presente pesquisa possui características de um estudo de caso descritivo na medida
que está orientado para a análise da formação da rede Unihotéis, com atenção para dois
aspectos em particular. O primeiro tem como foco a compreensão da formação da rede, a
partir dos significados que representam a estratégia de alianças subjacente ao programa
Unihotéis. O segundo está ligado ao caráter diacrônico deste processo, cujo interesse remete à
trajetória desta estratégia, como foi influenciada e fortalecida pelos seus atores, entre outras
questões associadas.
O estudo apresenta um delineamento temporal seccional retrospectivo,
compreendendo os anos de de 2005 a 2007. Este período foi marcado pela intensa atuação do
Sebrae junto ao empresariado do setor hoteleiro da região de Foz do Iguaçu no sentido de
promover e estruturar a rede Unihotéis por meio de ações indutoras em favor da constituição
de alianças estratégicas entre eles.
Para a coleta e análise dos dados, duas etapas foram realizadas: preliminarmente, foi
realizada investigação exploratória junto ao Sebrae e fontes secundárias a fim de
contextualizar a formação da rede Unihotéis, identificar os atores e instituições parceiras, no
caso Senac e Sindhotéis; posteriormente, procedeu-se com a investigação junto aos hoteleiros
e organizações parceiras de modo a descrever o processo à luz da interpretação de seus
participantes efetivos e, a partir disso, obter informações acerca dos múltiplos significados
envolvidos na constituição das alianças estratégicas que sustentam a rede.
A abordagem metodológica utilizada para coleta dos dados combinou o método
tradicional da entrevista qualitativa com a história oral. Além disso, informações acerca do
setor hoteleiro e da trajetória do Unihotéis também foram obtidas por meio de pesquisa
documental que tanto subsidiaram a construção das entrevistas, quanto possibilitaram a
triangulação de dados. Foram coletados dados secundários de diversas fontes, incluindo: atas
de reuniões do conselho deliberativo (governança) da rede Unihotéis, atas de reuniões de
sensibilização e desenvolvimento da rede coordenadas pelo Sebrae, jornais de circulação
regional, revistas especializadas em turismo e hotelaria, relatórios extraídos do Sistema de
Informação da Gestão Estratégica Orientada para Resultados (SIGEOR) utilizado pelo Sebrae
como suporte para o programa de formação da rede e publicação específica do Turismo
(Casos de Sucesso) relatando a experiência do Unihotéis, edição de 2006.
No total, 21 entrevistas foram realizadas, envolvendo representantes do Sebrae, Senac,
Sindhotéis, e hoteleiros, cujo envolvimento com o Unihotéis variou de gestor do programa,
membro da governança da rede ou parceiro. Nas entrevistas, foi solicitado que os informantes
expusessem com a maior riqueza de detalhes possível sua experiência no decorrer da
formação da rede. Para tanto, foram orientados a relatar suas atividades e motivações tendo
em vista a história da rede Unihotéis, a participação dos demais atores ao longo do processo,
as razões ou motivações de sua adesão ou desistência de integrar a rede e, no caso do gestor
do projeto, além de impressões gerais quanto aos tópicos acima, foram solicitados detalhes
acerca da metodologia do programa.
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Cada entrevista teve entre 60 e 90 minutos duração e foram todas gravadas e
transcritas. Contudo pôde-se perceber que nas conversas informais, fora da gravação, os
entrevistados se mostravam menos nervosos e reprimidos, sendo, assim, mais sinceros e
reveladoes. Diante disso, utilizou-se como recurso o ato de desligar o gravador como forma
de incentivar espontaneidade e acessar de forma mais profunda as reflexões do entrevistado.
Deste ponto em diante, as entrevistas passaram a ser sucedidas de gravação, mediante relato
daquilo que foi dito out-records.
As informações decorrentes das entrevistas e da pesquisa documental foram analisadas
por meio de análise qualitativa de conteúdo a fim de compreender as condições e processos de
formação da rede Unihotéis, especificamente no que concerne ao conceito de aliança
estratégica subjacente às ações de indução, adesão e rejeição à rede, bem como os diferentes
significados associados à estratégia do Unihotéis no período em estudo.
EMERGÊNCIA DA REDE UNIHOTÉIS EM FOZ DO IGUAÇU
A estrutura hoteleira da cidade de Foz do Iguaçu é composta por pequenos hotéis
independentes, de características familiares e com capacidade limitada de investimento
tecnológico e profissional, além de redes nacionais e internacionais com boa capacidade de
investimentos. Alguns fatores, como a proximidade com dois países – Argentina e Paraguai –,
a existência de dois pontos turísticos de grande visibilidade internacional (as Cataratas do
Iguaçu e a hidroelétrica de Itaipu), contribuem significativamente para que a região seja um
destino turístico com alto fluxo de visitação. Sob o ponto de vista da estrutura competitiva do
setor, na concepção de Porter (1991), o relativamente baixo custo operacional do negócio,
aliado à demanda crescente dos serviços de hotelaria – especialmente dada pelo turista
internacional - garantem altas taxas de rentabilidade do setor, o que, por sua vez, aguça o
interesse de novos entrantes em potencial; finalmente, considerando as poucas barreiras a
entrada no setor, se estabelece um cenário de intensa competição.
Conforme já mencionado, a rede Unihotéis se estabeleceu a partir de uma iniciativa
coordenada pelo Sebrae/PR, ao movimentar entidades públicas e privadas, no intuito de
melhorar os serviços, o faturamento e a rentabilidade das organizações participantes. Essa
iniciativa teve início no final do ano de 2004 quando foi identificada, pelo Sebrae, a
oportunidade de desenvolver um projeto voltado para a área de Turismo de Foz do Iguaçu
vinculado ao Plano de Desenvolvimento Regional do Paraná, um programa instituído por este
órgão que visava a atuação das unidades regionais do Sebrae como desenvolvedores de
Arranjos Produtivos Locais em seus respectivos estados.
Na época, após um trabalho de sensibilização, quinze hotéis aderiram ao projeto,
constituindo, em 2005, a rede Unihotéis. O intuito da rede era transformar Foz do Iguaçu em
um marco turístico com um conceituado ramo hoteleiro, aproveitando a estrutura da cidade e
a grande concentração de hotéis – na época, mais de 100 estabelecimentos. A proposta tinha
como foco o envolvimento de pequenas e médias empresas do ramo hoteleiro, de modo a
favorecer sua transição do mercado marginal para o mercado turístico, através da cooperação
em iniciativas de capacitação de seus funcionários, da viabilização de benefícios e da
facilidade na rede de compras.
A participação do Sebrae foi fundamental para a viabilização do projeto por meio da
intermediação de interesses e atuação na consultoria e organização de ações de treinamento e
capacitação dos funcionários; assessoria administrativa, financeira e de marketing; exposição
e participação de feiras; programas para modernização; planejamento estratégico e
organização de reuniões semanais orientadas para a expansão da rede de contatos e troca de
experiências. A adesão à rede era voluntária, mas seus membros deveriam arcar com uma taxa
mensal para financiamento do projeto. Apesar da mediação do Sebrae como idealizador do
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projeto, sua intenção inicial era apenas de viabilizar e apoiar o Unihotéis, cabendo a gestão ser
conduzida por seus integrantes, organizados por meio de assembleias e de um comitê eleito
para a governança da rede. Esse comitê era constituído por um presidente e outros três
integrantes hoteleiros.
Nesse contexto de formação da rede Unihotéis, dois aspectos foram de grande
interesse para a presente pesquisa: por um lado, o desenvolvimento de parcerias com outros
atores não hoteleiros aparece como fator relevante no desenvolvimento das estratégias da rede
e, por outro, o processo de construção dessas estratégias, bem como o sentido a elas atribuído
não se apresentou sob razões meramente instrumentais uniformemente compreendidas em
torno de benefícios econômicos potenciais decorrentes da aliança representada pelo Unihotéis.
Diferentemente, estes estiveram ancorados à percepção de outros fatores e a razões
particulares que justificavam à adesão, as quais, por sua vez, estiveram vinculadas a diferentes
significados atribuídos à própria natureza cooperativa da rede Unihotéis. Esses aspectos serão
tratados nas seções subsequentes.
DISCUSSÃO: PERSPECTIVA ECONÔMICA
Um dos argumentos que servem como ponto de partida para a perspectiva do ator
racional na adoção da ação colaborativa na formação do Unihotéis pode ter como base a
análise da autodefinição apresentada na página da rede social de seus hoteleiros na internet:
Grupo de hotéis independentes de Foz do Iguaçu. Criado em
2005 para desenvolver os hotéis de forma a se tornarem mais
profissionais e competitivos perante as grandes redes hoteleiras
(http://br.dir.groups.yahoo.com/group/unihoteis/, acesso em
janeiro de 2011, grifo nosso).
Nesta autodefinição, o cálculo utilitário de consequências – a orientação psicológica
do ator racional utilitarista apregoada pela literatura de orientação econômica dos estudos
sobre alianças – é evidenciado pela explicitação clara do ganho, a maior competitividade
perante as grandes redes de hotéis. Contudo outras vantagens também estão associadas à
aliança entre os hotéis, como a possibilidade de compras coletivas, a melhor negociação com
centros de capacitação de mão-de-obra (como, por exemplo, o Senac), entre outras de
natureza técnico-econômicas. Tais aspectos explicitam o cálculo utilitário e justificam o ônus
referente ao pagamento de uma pequena taxa de participação dos integrantes da rede. Esta
taxa refletiria uma vantajosa relação custo-benefício associadas à vinculação à rede.
Quando analisados os documentos formulados pelo Sebrae/PR para comunicar e aos
hoteleiros a proposta da criação da rede, esses pontos também são bastante visíveis,
evidenciando a lógica orientadora da promoção das parcerias. Nesses documentos são
apresentados os seguintes objetivos: i) Promover a qualificação profissional dos
colaboradores dos hotéis; ii) Promover a qualificação empresarial dos gestores dos hotéis; iii)
Integrar o setor por meio de ações associativas; iv) Otimizar as taxa de ocupação; v)
Promover acesso a mercado.
Também foi possível observar a concepção utilitarista nas justificativas de alguns dos
participantes da rede. Por exemplo, em relação aos programas de capacitação, muitos dos
hoteleiros se interessavam na rede por conta da possibilidade de adquirir os cursos de
capacitação a taxas reduzidas. Ou seja, os membros da rede definem sua parceria a partir do
interesse na competitividade, que será obtida especialmente pelo incremento de elementos e
competências que tornam os hotéis mais ‘profissionais’. Sobre este ponto, consideramos o
caso do Senac – um dos mais importantes parceiros da rede Unihotéis: este órgão viabilizou o
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programa PAS (Programa de Alimentos Seguros), que se refere a uma forma de certificação
para o ambiente de restaurante e alimentação. De acordo com os comentários de um dos
hoteleiros entrevistados:
(...) Depois que viram que estava andado entraram outros,
lembro que tem gente que entrou [na rede] só por causa do
gerenciamento de resíduos sólidos porque a prefeitura
aumentou a fiscalização. O PAS na época custava R$2.500,00.
O pessoal pensa no agora não pensa no longo prazo (...).
A questão contratualista da perspectiva econômica sobre as alianças estratégicas pode
ser observada no caso do Unihotéis pelo interesse na formalização jurídica de elementos de
controle e gestão das finanças próprias da rede. Assim, a governança do ano de 2007 percebeu
a necessidade de criação de uma pessoa jurídica específica para a rede Unihotéis e realizou
estudo sobre a possibilidade de abrir conta corrente junto à Associação Comercial e Industrial
de Foz do Iguaçu – ACIFI – ou ao Sindhotéis. Adicionalmente, a ACIFI criou uma câmara de
desenvolvimento do turismo e requisitou a integração do Unihotéis com a promoção de um
núcleo setorial do turismo. Foi neste momento de transição que alguns hotéis se retiraram e
outros aderiram ao projeto, justamente, por não desejarem vincular formalmente seu
estabelecimento à aliança.
Apesar da presença do comportamento oportunístico no caso Unihotéis, não se pode
afirmar que este explica todas as nuances do estabelecimento da rede. Na verdade, muitos
pontos sobre a participação dos hoteleiros nesta aliança estratégica somente podem ser
explicados quando se assume um outro olhar sobre o fenômeno, perspectiva esta que
apresentamos a seguir.
DISCUSSÃO: ASPECTOS SOCIOLÓGICOS
A análise da formação da rede Unihotéis trouxe elementos que, em certo sentido,
extrapolam as explicações econômicas definidas nos termos discutidos até aqui. O fenômeno
da constituição de alianças estratégicas, como o ocorrido com os hoteleiros de Foz do Iguaçu,
revela uma dimensão adicional que abarca o caráter instrumental das relações entre eles,
dando a ele uma interpretação mais abrangente. Nesse sentido, a análise de variáveis
sociológicas trazem à tona aspectos não discutidos até então e que melhoram a capacidade
explicativa quanto aos fundamentos que orientam e sustentam a formação de alianças
estratégicas. Três aspectos deles merecem atenção, em função da análise do caso da rede
Unihotéis: (i) a dimensão sociopolítica vinculada à concepção e inserção do programa de
criação do Unihotéis na agenda do Sebrae/PR; (ii) o papel indutor exercido pelo Sebrae junto
aos hoteleiros da região, desenvolvendo não apenas a estrutura relacional, mas principalmente
o sentido da cooperação; e, (iii) os múltiplos significados atribuídos pelos atores participantes
da rede ao esforço e ao empreendimento comum a que estavam associados. Do primeiro
aspecto, chama atenção a articulação de interesses não econômicos vinculados às políticas de
desenvolvimento local baseadas na promoção de alianças estratégicas; do segundo, a agência
em processos de institucionalização ganha destaque, aproximando a análise das alianças
estratégicas do conceito de empreendedorismo institucional e da participação de atores
capacitados na promoção de princípios e valores ligados à cooperação; e do terceiro aspecto,
tem-se a atenção voltada para outras dimensões da racionalidade que reconhecem a imersão
social do ator, cujas decisões de adesão às alianças estratégicas não estão pautadas sob
interesses econômicos isoladamente, mas a condições sociais que circunscrevem a atividade
10
econômica, associando componentes institucionais às ações. Cada um desses pontos será
tratado na sequência.
Dimensão Sociopolítica na concepção de alianças estratégicas
Diferentemente do que poderia conceber a perspectiva econômica da formação das
alianças estratégicas, a rede Unihotéis foi articulada tendo por base uma complexa base de
relacionamentos, que envolve uma dimensão social de referência que vai muito além do setor
de hotelaria da região Foz do Iguaçu. Conforme já mencionado, a própria origem do projeto
de formação da rede Unihotéis, pelo Sebrae, se deu em nível nacional, como parte da agenda
do Sebrae Nacional. Essa agenda tinha como princípio orientador o Programa de
Desenvolvimento Regional, para o qual as unidades estaduais deveriam identificar
oportunidades.
O ponto em questão remete, por um lado, à missão do Sebrae, enquanto agente
promotor de sustentabilidade socioeconômica, mas sob demanda de uma agenda mais ampla
para o qual deveria apresentar resultados concretos. Por outro lado, essa agenda remete a uma
dimensão social de referência que envolve diversos atores, dentre eles o Sebrae/PR, que
compartilham, ao menos em parte, do interesse de promover ações de cooperação. Nesse
sentido, haja vista o que ocorreu na experiência do Unihotéis, parece ser exagerada a
afirmação de que a aliança estratégica decorre, meramente, da conjunção de membros do setor
hoteleiro em parceria.
Vale ainda mencionar que a iniciativa de formação do Unihotéis decorreu, no sentido
exposto acima, da articulação de diferentes fontes de poder político durante o período de
formação da rede, mas também, no esforço de manutenção desta nos momentos em que houve
desestímulo dos participantes em manter sua afiliação. Especialmente recorrendo a fontes de
poder local, prefeitura, órgãos de classe, sindicatos, entre outros, a articulação da rede
somente foi possível graças a este tipo de envolvimento. Esses aspectos são melhor
evidenciados nos dois tópicos seguintes.
Empreendedorismo Institucional na formação de alianças estratégicas
Como já foi tratado, a formação da aliança estratégica ocorreu a partir de um conjunto
de ações coordenadas por um ator externo a rede, o Sebrae/PR, tratado aqui como agente
indutor. O marco zero do projeto foi reconhecido na pesquisa como anterior a constituição
oficial da rede Unihotéis; este se deu dentro de um projeto particular do Sebrae/PR – o seu
‘Programa Nacional de Desenvolvimento Setorial’ – um plano de metas formalizado pela
unidade central do Sebrae em Brasília, fundamentado em interesses próprios desta
organização para atender seu planejamento estratégico nacional. Constituindo-se como uma
organização do chamado sistema ‘S’, integrado por órgãos de fomento e desenvolvimento
sócio-econômico da sociedade brasileira, o Sebrae/PR articula o projeto de desenvolvimento
do setor de turismo da região de Foz do Iguaçu em atenção a sua própria missão
organizacional.
Ou seja, a investigação do caso do Unihotéis apontou para a constituição da rede
através da força indutora do Sebrae/PR, que articulou todo o processo de construção da rede
promovendo tanto a cooperação relacional entre os atores, incentivando o contato e as
sinergias operacionais, como a constituição de uma espécie de consciência cooperativista dos
participantes da rede. Nesse caso, a retórica utilizada teve por base o valor dado ao
desenvolvimento econômico obtido através dos Arranjos Produtivos Locais. Este valor,
reconhecidamente uma forte referência cultural-cognitiva compartilhada pelos membros do
Sebrae/PR e de outras instâncias sociais de referência desta organização (como, por exemplo,
11
o governo), foi indutivamente alimentado por seus representantes no decorrer do processo de
criação do Unihotéis. Nessa trajetória, a indução das referências institucionais da rede se deu
no sentido de legitimar a ideia de que a constituição dos Arranjos Produtivos Locais seria a
única alternativa de desenvolvimento socioeconômico de regiões e/ou setores considerados
pouco competitivos.
A estratégia assumida pelo Sebrae/PR para a indução das referências institucionais
para a formação da rede Unihotéis se configurou a partir de dois pontos em particular:
primeiro, a constituição de um discurso legitimador, baseado particularmente na prática de
“sensibilização”, que consiste de reuniões com os potenciais participantes para comunicação
de ideias e reforço de valores e princípios compartilhados – dentre eles o cooperativismo e a o
profissionalismo; segundo, o envolvimento de parceiros que garantissem a mobilização de
recursos políticos no processo de constituição da rede, garantindo, assim, a legitimidade
daqueles que decidissem participar da rede. Nesses aspectos, sua atuação não ficou restrita à
formação do arranjo estrutural que sustenta a aliança, mas, e talvez principalmente, na
promoção de uma concepção que suporta a atividade coordenada entre os membros. Tais
aspectos, possuem relação com o conceito de empreendedor institucional que, na literatura do
institucionalismo sociológico, reconhece a capacidade de atores em promover
intencionalmente estruturas institucionais por meio da mobilização de recursos e estratégias
discursivas (DiMaggio, 1988; Fligstein, 2001; Battilana, Leca e Boxenbaum, 2009).
Multiplicidade de Significados e as razões para a adesão
O terceiro ponto a ser observado na formação da rede Unihotéis é o fato desta aliança
se sustentar em múltiplas significações dos seus membros. Isso foi evidenciado nas
entrevistas, onde os participantes da rede demonstraram diferentes entendimentos quanto aos
benefícios e razões para ingressar na rede. Estes entendimentos, por sua vez, demonstram
motivações não econômicas, onde os participantes apresentaram consciência de mecanismos
sociais associados aos aspectos técnico-econômicos comuns à prática organizacional.
Um destes mecanismos sociais evidenciados pelas entrevistas é a busca pela
legitimação. Tendo em vista uma perspectiva sociológica da prática de estratégia empresarial,
a legitimidade já foi apontada pela literatura como um importante benefício buscado pelas
organizações, capaz de explicar, entre outras coisas, atitudes cerimonialistas (Machado-daSilva e Vizeu, 2007). Por cerimonialismo, entende-se a adoção apenas aparente de
determinada prática – ou seja, a adoção é justificada apenas como mecanismo de aparência
(parecer ser), já que a real motivação nesta adoção é o reconhecimento por parte de um
determinado grupo de referência.
Neste sentido, um dos aspectos mais significativos no caso diz respeito a reputação do
agente indutor da rede – o Sebrae/PR –, foi lembrada por alguns dos hoteleiros entrevistados
como fator crítico para que estes ingressassem na aliança. Ou seja, nestes casos, a participação
na rede não se deu pela ponderação sobre os benefícios técnicos-econômicos que dela
advinha, mas do reconhecimento que se atribuía a participação de um projeto encabeçado pelo
Sebrae/PR. Em complemento a isso, também é necessário considerar que a articulação feita
por este ator com outras organizações de prestígio no setor hoteleiro – Associação Comercial
e Industrial de Foz do Iguaçu, Sindicato de Hotéis, Conselho Municipal de Turismo,
Federação do Comércio do Paraná, entre outros órgãos governamentais e de classe –
permitiria uma visibilidade aos hoteleiros, que passariam a contar com o prestígio do
envolvimento em um projeto de aparente importância para uma comunidade de classe
especializada (no caso, os profissionais do setor hoteleiro e de turismo).
Interessante notar que a multiplicidade de significados aponta para pressupostos que
vão além do simples interesse econômico. Como foi observado, a busca por legitimidade se
12
constituiu em forte elemento de motivação para alguns dos membros, tendo em conta duas
diferentes interpretações sobre fatores as vantagens em participar desta aliança. Isso remete ao
fato de que distintas interpretações sobre o fenômeno se constituem a partir de diferentes
valores e pressupostos. Ainda, vale ressaltar que as distintas interpretações não se restringem
a uma simples dimensão cognitiva individual, tendo em conta que se constituem a partir de
um contexto sócio-cultural de referência vivenciado pelos atores (Machado-da-Silva, Fonseca
e Crubellate, 2005).
A construção de significados, associada à maneira pela qual o agente externo induziu
sua constituição, nos leva à perspectiva da aliança que pode ser vista “de cima” e isso implica
em reconhecê-la como fenômeno social-relacional com outros aspectos além da dimensão
puramente econômica. Além disso, a articulação da rede não se explica em uma análise da
participação individual (privilegiada pela premissa de motivações particulares da concepção
do ator racional), mas sim, deriva de uma referência coletiva, que vai além da esfera particular
de atuação do membro da rede. Dito de outra forma, na perspectiva sociológica da aliança
estratégica, o coletivo é a unidade.
CONCLUSÃO
O estudo da formação da rede Unihotéis trouxe diferentes contribuições para uma
reflexão sob o enfoque sociológico sobre o fenômeno das alianças estratégicas. Os dados
evidenciaram aspectos convergentes com a abordagem econômica na medida que foi possível
perceber ganhos relativos ao compartilhamento de recursos, promovendo vantagem
competitiva para os integrantes da rede; tais aspectos também foram evidenciados em
algumas justificativas de interesse declaradas por participantes. Contudo a análise do caso
possibilitou a reflexão a respeito de outros componentes explicativos para a formação de
alianças. Esses componentes, a nosso ver, trazem ganhos para a compreensão desse fenômeno
inserindo a racionalidade econômica dos atores num corpo de proposições mais abrangentes
de natureza sociológica.
Primeiramente, os aspectos decorrentes do presente caso, levantam questão sobre o
caráter projetado da formação de alianças. No caso do Unihotéis, ficou claro que essa questão
não se restringe à escolha individual daqueles que farão parte do empreendimento. Ao
contrário, a emergência da aliança se apresentou vinculada a interesses de diferentes naturezas
e níveis: da agenda política do Sebrae Nacional, ao cumprimento do plano de metas do
Sebrae/PR, do envolvimento de outros agentes públicos da cidade de Foz do Iguaçu e da
participação da Associação Comercial do Paraná e outros atores.
Em segundo lugar, o caso evidenciou que uma aliança estratégica não consiste apenas
de um arranjo relacional entre participantes interessados, mas parece ser, antes de tudo, uma
concepção, cujos princípios e valores, orientam ações e papéis. Isso remete à consideração de
que o componente estratégico associado às alianças não está apenas na previsibilidade de
ganhos competitivos, mas também na ação indutora de empreendedores institucionais que
podem agir intencionalmente em prol de interesses específicos.
Terceiro, e vinculado aos anteriores, não há como conceber as alianças estratégicas
apenas à luz de arranjos contratuais que, supostamente, coadunam interesses instrumentais de
diferentes atores. O caso Unihotéis nos permitiu perceber a multiplicidade de significados que
permeiam a noção de cooperação, bem como a atribuição de sentido para a adesão, ou
mesmo, do prestígio associado aos agentes envolvidos. Isso remete à aspectos associados à
interpretação e a construção de significados que podem dar outro sentido às relações
interorganizacionais quando analisadas empiricamente.
À guisa de conclusão, o presente artigo procurou lançar luz à possibilidades analíticas
que o estudo da estratégia abarca. O diálogo entre elementos econômicos e sociológicos
13
compreende um vasto campo de estudos e merece ser ampliado por meio do uso de
referências advindas da sociologia econômica ou dos estudos organizacionais. Todavia, essa
aproximação merece cuidados, já que se trata de pressupostos nem sempre convergentes
(Okhuysen e Bonardi, 2011). Nossa posição remete a um privilégio sociológico sobre a ótica
econômica, na medida que a natureza da atividade econômica pressupõe, antes de tudo, o
reconhecimento da inserção social dos atores, da valorização de recursos e de dimensões
institucionais do ambiente.
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