Departamento de Direito O NOJO COMO ELEMENTO CONDICIONANTE DAS DECISÕES JUDICIAIS Aluno: Savigny Gonçalves de Sousa da Silva Orientador: Noel Struchiner Introdução Há muito a comunidade jurídica dirige críticas ao poder judiciário e legislativo pátrio, alegando que ambos, muitas vezes, não cumprem com seu compromisso de assegurar a tão almejada segurança jurídica, indispensável ao direito. A máxima de que a lei é a garantia da estabilidade das relações jurídicas por vezes acaba esbarrando em normas mal elaboradas, dúbias, obscuras, lacunosas e, sobretudo de conteúdo ultrapassado, conservador. É por esse motivo que, não raro, magistrados alegam que o processo legislativo é precário e moroso e as leis acabam destoando em muitas situações da realidade social, o que as faz injustas em muitos casos concretos. O grande problema é que os juízes buscando estabelecer uma conexão genética entre direito e justiça acabam se arvorando na competência do legislativo e tomando decisões judiciais segundo suas próprias convicções morais. A problemática, que por si só não é de fácil solução, tende a se agravar com novos fatos e dados trazidos ao campo do direito pela filosofia experimental. Através de investigações empíricas especula-se atualmente que o processo de elaboração de leis e o destino das pretensões submetidas ao Estado-juiz podem estar sujeitos a fatores imprevisíveis que fogem até mesmo da reflexão consciente do magistrado e dos responsáveis pelo desenho institucional. A filosofia experimental em conjunto com a psicologia moral têm investigado mecanismos psicológicos subjacentes às intuições humanas, como as emoções, capazes de afetar o comportamento e julgamento dos indivíduos sem que eles percebam. A noção de que processos afetivos influenciam julgamentos e avaliações morais, permite-nos cogitar a possibilidade de uma lei ter seu conteúdo comprometido no momento de sua elaboração ou uma decisão ser tomada de uma determinada maneira por fatores externos alheios a percepção do legislador ou do tomador de decisão. O presente trabalho buscará investigar como o nojo pode ser um elemento condicionante dos julgamentos morais em um modelo de tomada de decisão judicial, tendo por base uma série de experimentos realizados por profissionais da área da filosofia experimental e da psicologia moral. Para isso, examinar-se-á o que é o nojo, como ele afeta os julgamentos morais de uma forma geral, chegando finalmente a entender qual o papel por ele desempenhado especificamente frente aos operadores do direito e aos legisladores, responsáveis por buscar incessantemente o aperfeiçoamento do sistema legal do país. O Nojo e Sua Origem Há um consenso entre os psicólogos de que o nojo seria uma emoção primitiva básica, presente em todas as culturas, sempre acompanhada de expressões faciais características e que surge, geralmente, por volta da mesma idade ainda quando se é criança [1]. Segundo esses especialistas, o nojo está intimamente ligado à própria sobrevivência da espécie humana, na medida em que se apresenta como uma pulsão instintiva extremamente fácil de manifestar-se cuja origem está relacionada a reações que evoluíram para manter o ser humano longe de Departamento de Direito substâncias nocivas e doenças infecciosas. Isso explicaria, por exemplo, um padrão de resposta universal acerca do nojo quando se aborda temas e situações associadas ao risco de transmissão de doenças: qualquer assunto relacionado à fezes, ratos, baratas, pus, comida podre normalmente evocam o nojo em pessoas do mundo inteiro. De um modo geral, pode-se dizer que o nojo é um sentimento capaz de antecipar automaticamente algo que nos venha a ser prejudicial. A Relação Entre o Nojo e os Julgamentos Morais Pesquisas mais recentes demonstraram que o nojo estende seu campo de atuação para além do domínio de sua função originária vinculada meramente ao aspecto físico infeccioso, desempenhando um papel fundamental também no que diz respeito à formulação de julgamentos sociais e especialmente morais [2]. O senso-comum corrobora com essa informação, na medida em que, não raro, os termos “nojo” e “desaprovação moral” aparecem de alguma forma correlacionados e consignados em expressões lingüísticas do nosso cotidiano: é comum, por exemplo, rotular determinados comportamentos supostamente imorais (pornografia, obscenidade, aborto) como “nojentos”, “repulsivos”, “revoltantes” e “asquerosos” [3]. A filosofia experimental, no intuito de dar suporte empírico para essa aparente correlação entre “nojo” e “julgamento moral”, se propôs a investigar e manipular o nojo de forma extrínseca aos atos morais que estavam sendo avaliados em uma série de experimentos, podendo dessa maneira constatar pelo menos três maneiras diferentes de interação entre esses dois elementos (o “nojo” e os “julgamentos morais”). A primeira delas sugere que o nojo seja uma consequência de violações morais. Psicólogos argumentam que essa emoção está especialmente relacionada à condenação de ações que violam o conceito de pureza moral [4]. O núcleo desse conceito compreende principalmente transgressões de viés sexual: a maneira como se dispõe o corpo, vestimentas inapropriadas, relações promíscuas, confusão de gêneros etc. Comportamentos vistos como degradantes, contaminadores e certas atividades e práticas sociais incomuns que de alguma forma reduzam essa pureza, costumam evocar o nojo no observador como um sinal de que alguma violação moral ocorreu, ainda que ele, observador, não tenha conscientemente percebido. Para dar suporte a essa assertiva, pesquisadores colocaram um grupo de indivíduos para avaliar situações que além de serem, em princípio, imorais, não causavam dano algum a alguém - por exemplo, um caso de zoofilia. O que se percebeu foi que os participantes na presença daquele ato imoral demonstravam os traços faciais característicos do sentimento nojo, que por sua vez, funcionava como uma espécie de indicador para os participantes de que aquele ato em avaliação era de fato imoral. Isso parece ser especialmente evidente em pessoas mais conservadoras, que possuem pensamentos, hábitos e costumes arraigados em tradições de cunho paternalista do passado: elas admitem que o elemento nojo exerce um forte peso no momento de se avaliar se determinada ação é realmente certa ou errada [5]. Assim é que, para um conservador, trabalhar em um sexshop (comportamento visto como degradante), ou possuir um filho que opte por seguir a carreira de bailarino (uma atividade pouco usual para um indivíduo do gênero masculino) são, a princípio, ambas atividades imorais e podem ser vistas como atos repulsivos/nojentos - o que seria um indicativo para eles de que ali, de fato, houve uma violação moral. A segunda forma de interação sugere uma amplificação da severidade do julgamento moral em decorrência do nojo, de modo que atos a princípio imorais tornem-se ainda mais imorais proporcionalmente ao nojo experimentado pelo indivíduo [6]. Para dar suporte a essa assertiva, pesquisadores se propuseram a elaborar um experimento em que 64 participantes foram submetidos a sessões de hipnose cujo intuito era instruí-los a sentirem um lampejo de nojo ao lerem determinada palavra já no estado pós-hipnótico, mas não lembrar dessa instrução até que lhes fosse autorizado. Metade dos participantes foi instruído a sentir nojo ao Departamento de Direito ler a palavra "geralmente", enquanto a outra metade foi instruída a sentir nojo ao ler a palavra "pegar". Com as instruções já dadas, foram submetidas à avaliação dos participantes seis situações que descreviam transgressões morais e eram acompanhadas de duas escalas de avaliação: uma para avaliar "o quão moralmente errado" era o ato e outra "o quão nojento" ele era. As situações utilizadas para testar a hipótese de que o nojo contribui com o julgamento moral, tornando-o mais severo, foram: 1) Primos de segundo grau que têm relações sexuais um com outro; 2) Um homem que come seu cachorro já morto; 3) Um deputado que aceita propina; 4) Um advogado oportunista; 5) Um larápio de shopping; 6) Um estudante que rouba livros da biblioteca. Cada situação foi escrita de duas maneiras diferentes, mas sem que seu sentido semântico fosse alterado: uma versão incluía a palavra "pegar" e a outra a palavra "geralmente". Todos os participantes leram 3 situações hipotéticas escritas na versão que continha "pegar", depois mais 3 situações que eram sobre infrações não relacionadas ao nojo (como correr acima do limite de velocidade de uma via) e que não continham as palavras hipnóticas, e por último três situações em que a palavra "geralmente" estava presente.Como previsto os participantes avaliaram as situações como "mais nojentas" quando a palavra a que eles foram hipnoticamente condicionados estava presente. Mais importante que isso, os participantes também avaliaram as situações como "moralmente mais erradas" na presença da palavra hipnótica, o que sugere uma relação direta de proporcionalidade entre o nojo por eles experimentado e a imoralidade do ato em avaliação. Para se ter uma idéia, dentro de uma escala que ia de 0 a 100 para medir a imoralidade dos atos, a hipótese do incesto entre primos atingiu 43.29 pontos quando a palavra a que os participantes foram condicionados para sentir nojo não estava presente contra 67.63 pontos quando a palavra se encontrava presente. Um fato interessante e que merece menção é que depois que os participantes terminaram de avaliar as situações, lhes foram oferecidos biscoitos e os assistentes de pesquisa ao oferecerem esses biscoitos acabaram utilizando frases como: "Você gostaria de pegar um biscoito?"; "Pode pegar quantos quiser". Mesmo esse simples episódio do biscoito já foi capaz de produzir resultados interessantes que corroboraram com o experimento: participantes condicionados a sentirem um lampejo de nojo ao escutarem a palavra "pegar" acabaram comendo muito menos biscoitos que os demais participantes [7]. A terceira forma de interação sugere que o nojo exerce um efeito moralizante sobre atos em princípio moralmente neutros. Ainda em relação ao experimento da hipnose supramencionado, os pesquisadores averiguaram que quando os participantes da pesquisa eram colocados para avaliarem cenários moralmente neutros que continham as palavras às quais eles haviam sido condicionados para sentirem nojo, havia por parte deles uma moralização daqueles quadros. O que se percebeu foi que o sentimento do nojo era tomado pelo participante como evidência de aquele determinado comportamento em avaliação era errado, ainda que fosse reconhecidamente um ato moralmente neutro [8]. Os pesquisadores chegam a argumentar que o nojo dirigido ao comportamento dos homossexuais, por exemplo, pode ser a causa por trás dos movimentos homofóbicos – o nojo estaria exercendo seu efeito moralizante, de modo que um comportamento a princípio moralmente neutro (um beijo, um abraço, ou qualquer outra demonstração de afeto entre homossexuais) fosse considerado errado, simplesmente por ser supostamente repulsivo e nojento [9]. Além dessas 3 hipóteses supramencionadas, há ainda que se ressaltar que, observando o resultado de varias fontes de suporte empírico, constatou-se que os indivíduos estão propensos a sentirem nojo em diferentes graus e intensidades – é o que os especialistas chamam de “sensibilidade para o nojo” [10]. Em uma série de estudos conduzidos pelos pesquisadores, averiguou-se que existem indivíduos mais e outros menos sensíveis ao nojo e que isso irá refletir, por exemplo, na intensidade de seu julgamento moral, na sua percepção do que é Departamento de Direito imoral ou não e até na transmutação de atos neutros em atos moralmente relevantes – todas hipóteses já supracitadas. O Nojo no Campo do Direito O direito, por suas particularidades, é sem dúvida uma área chave em que o nojo deve ser visto com certa cautela. Trata-se de uma ciência cuja dinâmica exige que, necessariamente, uma decisão seja sempre tomada. Fato é que não se admite que o juiz venha se esquivar de decidir sob qualquer escusa e espera-se que ele sempre tenha a prudência e o bom senso para prolatar a melhor decisão possível dentro de sua margem de atuação. Dentro dessa perspectiva o trabalho dos legisladores é fundamental, uma vez que, serão eles os responsáveis por disciplinar com a maior precisão possível o maior número de condutas sociais juridicamente relevantes, buscando reduzir decisões judiciais arbitrárias baseadas em convicções pessoais dos próprios magistrados. Aos juízes e demais operadores do direito restará, dentro da margem normativa estabelecida pelo legislador, delimitar o sentido e alcance do texto normativo elaborado. Dada a importância dessas duas esferas de poder (legislativo e judiciário), faz-se mister que todos envolvidos tenham plena consciência dos elementos que possam de alguma forma ludibriar sua autonomia no exercício de suas funções. Nesse sentido, a filosofia experimental tem desempenhado um importante papel, colocando à disposição dos atuantes da área jurídica, ou que nela interfiram de alguma forma, informações e instrumentos que até então eram desconhecidos e passavam despercebidos pelos tramites judiciais. Em casos, por exemplo, em que se lida com comportamentos que podem ser vistos como violadores do conceito da pureza moral, o nojo pode ser bastante relevante. Indivíduos que são altamente sensíveis ao nojo tendem a enxergar esses tipos de comportamentos como imorais e buscarem com maior veemência punição para seus transgressores. Em um julgamento hipotético em que o réu é comerciante de produtos eróticos, por exemplo, muito provavelmente a situação dele seria agravada caso seu julgador fosse especialmente sensível ao nojo e inclinado a considerar violações de pureza moral como ofensivas - um magistrado conservador, diga-se de passagem. Casos como esses quando julgados por jurados e não por um juiz monocrático são ainda mais interessantes, tendo em vista que nosso ordenamento autoriza no âmbito do direito penal que a defesa e a acusação recusem um dos jurados sorteados – nesse caso é feito um novo sorteio para se eleger um novo jurado, que por sua vez, suprirá aquele negado [11]. Vale dizer que, atualmente, já se desenvolveu no âmbito da filosofia experimental, uma escala para se aferir a sensibilidade que o sujeito possui para o nojo apenas submetendo-o a um pequeno questionário [12]. Dessa forma, tanto o advogado, quanto a procuradoria, cientes desse método, poderiam através de um processo seletivo, influenciar na composição do júri de modo a anular alguma predisposição aos efeitos do nojo que algum jurado eventualmente possa ter. Em relação ao processo legislativo, essa dinâmica que circunda o conceito de pureza moral pode produzir resultados ainda mais contundentes. Sabe-se, por exemplo, que no Direito Penal os responsáveis por traçar o perfil do sujeito dito “criminoso” são os próprios legisladores: a decisão de que determinada conduta será tipificada como um crime ou não é uma opção legislativa. O adultério que até pouco tempo era considerado crime por exemplo, hoje não é mais. Se um legislador tem forte predisposição ao nojo e tende a ser mais severo em seus julgamentos morais buscando coibir determinadas condutas que escapem do núcleo do conceito de pureza moral, ele irá transpor, inconscientemente, isso para o conteúdo das leis por ele elaboradas. Especialistas argumentam ainda que o conceito de pureza moral envolve mais do que apenas uma transgressão física ou sexual: implica também uma obrigação de atuar de forma que não seja gananciosa, cobiçosa e corrupta. Tais atitudes também evocariam o nojo e a Departamento de Direito condenação moral por parte observador[13]. Imaginemos um caso hipotético em que um sujeito promete verbalmente uma bonificação de 2 milhões de dólares a sua empregada pelo fato dela ter exercido um papel fundamental no aumento do patrimônio da empresa, avaliado em 100 milhões de dólares (logo 50 vezes maior que a bonificação prometida). Entretanto, na data ajustada para o pagamento do bônus o sujeito demite essa funcionária sem que ela receba um centavo. Essa atitude, notadamente gananciosa, certamente não será vista com bons olhos pelo julgador. Em uma disputa judicial desse tipo, seria interessante que os advogados dos dois lados construíssem teses destacando ou omitindo o caráter ganancioso da atitude do empregador, visando a obtenção de aprovação ou desaprovação do magistrado, por sua vez, já inclinado a punir com maior rigidez aquela atitude. No Brasil, por exemplo, casos de corrupção em nosso cenário político são recorrentes e podemos especular que o nojo, por vezes, pode veladamente exercer um papel fundamental em certas decisões. Recentemente, a Corte Suprema do nosso país foi provocada a manifestarse sobre a lei que ficou popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, que em linhas gerais visa ao combate da corrupção eleitoral. No ano de eleição para Governador (2010), o candidato Joaquim Roriz, que já havia renunciado ao seu mandato de Senador para fugir de um processo de cassação política, teve sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral com base nessa lei. Até a Ficha Limpa existir, o político eleito que renunciasse ao mandato para fugir de condenação inerente a ato eleitoral não teria punição, no entanto, esta nova lei mudou tal disposição expressamente. Indignados com essa situação, os advogados de Roriz entraram com um recurso no STF para tentar reverter esse quadro. No julgamento, a grande discussão girou em torno da seguinte pergunta: “valeria ou não aquela lei já para aquele ano de eleição?”. Basicamente os ministros debruçaram-se sobre o artigo 16 da Constituição Federal para responder a tal pergunta. In verbis: Art.16, CF: A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. A lei, aparentemente clara, levou a um impressionante e inesperado resultado de 5x5 no Supremo. Será que a carreira política de Roriz, manchada por inúmeras denúncias de corrupção, poderia ter evocado o nojo em alguns dos ministros e desviado de alguma forma o resultado desse julgado? Uma extensão da função originária do nojo (aquela visão de que o nojo seria um mecanismo que nos preveniria de determinados comportamentos capazes de nos colocar em risco) desempenha ainda um importante papel em nossos comportamentos na medida em que nos motiva a evitar pessoas e grupos vistos como portadores de “risco de contaminação”. Membros de grupos percebidos como estrangeiros, estranhos ou violadores de normas – violação essa, especialmente em relação ao seu comportamento sexual, sua vestimenta, modo de preparo da comida – podem provocar no observador o sentimento de nojo e uma motivação para evitar contato com aquela determinada pessoa[14]. Em um caso hipotético em que se encontre no banco dos réus um casal homoafetivo, por exemplo, existe o risco de o magistrado mostrar-se menos simpático a causa deles, pelo simples fato de associá-los a um grupo estranho, violador de normas na medida em que possuem hábitos pouco usuais, vestem-se de maneira extravagante e possuem um comportamento sexual distinto do padrão. Caberá nesse caso ao advogado dos réus manejar seus argumentos de uma maneira tal, capaz de aproximar o julgador do julgado, de modo a pontuar semelhanças entre eles, descaracterizando o pertencimento a um grupo “contaminador” ou “estranho”. Departamento de Direito O que a filosofia experimental e a psicologia moral têm constatado é que um dos mais freqüentes alvos do nojo tem sido em particular os homossexuais. O nojo pode desempenhar um importante papel em julgamentos morais intuitivos, que diferentemente do processo de raciocínio moral baseado em deliberações conscientes e geralmente derivado da aplicação de normas ou princípios morais, são mais rápidos, automáticos e geralmente motivados por respostas emocionais, a exemplo do nojo, afetando efetivamente avaliações feitas sobre pessoas e eventos[15]. Isso explicaria por que mesmo pessoas que relatam conscientemente não possuírem aversão alguma a um beijo entre dois homens ou duas mulheres podem julgar intuitivamente atos homossexuais como sendo imorais e sentirem-se de algum modo “agredidos” diante de uma situação em que um casal homoafetivo demonstre carinho em público. Fato é que, em praticamente todo o mundo, não existem regras que proíbam indivíduos do mesmo sexo de se abraçarem ou se beijarem de maneira afetuosa. O que se percebe, no entanto, é que mesmo em lugares em que casais heteros relacionam-se de uma forma um tanto quanto promíscua em público é raro encontrarmos casais homossexuais fazendo o mesmo. Isso evidencia que o problema em questão não é legal, e sim psicológico. Em um experimento que ilustra essa dinâmica, pesquisadores escolheram aleatoriamente 44 estudantes da “University of Califórnia”. Para metade dos participantes foi pedido que eles analisassem um cenário em que um Diretor produzia um clipe musical que tinha o efeito de incentivar que homossexuais se beijassem em público. A outra metade dos participantes analisaram um cenário “controle” que descrevia a mesma situação só que nesta versão o clipe musical produzido incentivava casais heteros a se beijarem em público. Em ambas situações foi frisado aos participantes que o diretor sabia que o clipe induzia casais a se beijarem em público, mas que esse não era o objetivo principal do vídeo. Dito isso, os participantes foram submetidos às seguintes perguntas: 1) O diretor intencionalmente encorajou casais homossexuais ou heterossexuais a se beijarem em público? 2) Há alguma coisa de errado em casais homossexuais ou heterossexuais se beijarem em público? 3) Foi errado o diretor fazer um vídeo que ele sabia que iria encorajar casais homossexuais ou heterossexuais beijarem-se em público? As perguntas de número 2 e 3, segundo os investigadores, iriam ao encontro das crenças conscientes explícitas dos participantes. Como já era previsto, os estudantes, em seus julgamentos morais conscientes, acabaram concordando que não havia nada de errado no fato de casais gays e heteros se beijarem em público. Quando os participantes foram questionados sobre a atitude do diretor em fazer um clipe que incentivasse esse comportamento (tanto no caso dos homossexuais quanto dos heterossexuais), também acordaram que não havia nada de errado em ambos os casos. Em relação a primeira pergunta, entretanto, intrigantemente os participantes consideraram a ação do diretor mais "intencional" quando ele encorajou pessoas gays a se beijarem em público [16]. Os pesquisadores interpretaram essa resposta de acordo com o fenômeno conhecido como "Knobe Effect". Segundo esse fenômeno, as pessoas em seus julgamentos morais intuitivos estão inclinadas a dizer que um comportamento foi intencional quando elas o consideram moralmente errado. Assim é que se pode concluir que nesse experimento as pessoas intuitivamente desaprovaram o beijo público entre os casais homossexuais, por julgarem essa atitude como moralmente errada. Vale dizer que, em seu trabalho original, buscando associar "intencionalidade" a "desaprovação moral", Joshua Knobe apresentava duas situações diferentes a dois grupos de pessoas. Ambas as situações descreviam um diretor executivo de uma empresa que possuía uma oportunidade única para fazer sua empresa ganhar muito dinheiro. Em uma das situações, esse aumento no capital da empresa causou desastrosos danos ambientais. Na outra situação esse aumento de capital trouxe benefícios ao meio-ambiente. As pessoas que avaliaram a situação em que houve dano ambiental consideraram que o diretor executivo danificou o meio-ambiente propositalmente, enquanto Departamento de Direito aqueles que avaliaram a situação em que o aumento de capital trouxe benefícios para natureza consideraram que esse benefício foi acidental [17]. Discussões sobre homoafeição estão em voga no cenário nacional e merecem uma atenção especial. Esses estudos que demonstram uma possível associação entre o nojo e a desaprovação intuitiva de casais gays podem ter reflexos significativos em nosso sistema legal, a começar pelo processo legislativo. No Brasil, por exemplo, a elaboração de normas fica a cargo do Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Como se sabe, o texto normativo, em sua gênese, acaba de alguma forma recepcionando muitas das convicções morais dos legisladores (senadores e deputados) que em tese, por terem sido eleitos pelo povo, teriam legitimidade para isso, visto que estariam representando o anseio da nação como um todo. Agora imaginemos que muitos desses senadores e deputados eleitos, ainda que convictos de apoiarem a causa gay possuam uma alta predisposição ao nojo e, inconscientemente, acabem redigindo leis que em nada contempla os homossexuais ou que até descrimine-os, deixando-os a margem do processo legislativo. Ainda que seja meramente uma especulação, com os dados acima apresentados, essa possibilidade é real. As decisões judiciais também não escapam desse quadro. Nas varas de família, por exemplo, não raro aparecem litígios envolvendo casais homossexuais. Recentemente no Estado de Goiás, um juiz mandou anular a união estável de um casal gay na cidade de Goiânia, mesmo após o pronunciamento da instância máxima do nosso judiciário reconhecendo efeitos da união civil para casais gays. O Juiz de direito Jeronymo Villas Boas, responsável por essa controversa sentença, fez questão de declarar na mídia que não descrimina os casais homoafetivos, mas argumenta que a união estável de pessoas de mesmo sexo contraria o conceito de entidade familiar firmado pela Constituição Federal conforme seu artigo 226, §3º, in verbis: Art. 226, §3º, CF: Para efeito da proteção é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. A posição do Supremo já consolidada, entretanto, é que a Constituição apenas silencia e, portanto, não proíbe a união homoafetiva. Ainda assim Villas Boas parece irredutível em seu posicionamento. Existe a possibilidade de o nojo estar de alguma forma condicionando este tipo de comportamento? Pode-se especular que sim. Um dado a mais que poderia corroborar com essa especulação é o fato de que Villas Boas é também pastor da igreja Assembléia de Deus cujos membros tendem a ser em sua maioria conservadores, seguindo uma linha de pensamento menos contemporânea, em que não se enxerga com bons olhos, por exemplo, a união de dois indivíduos do mesmo sexo. Como já foi visto, conservadores tendem a ser mais sensíveis ao nojo e considerar imorais determinadas atitudes que fogem do núcleo do conceito de pureza moral. Além do mais, por mais que Villas Boas ressalte conscientemente que não possui qualquer tipo de aversão a homossexuais, as investigações empíricas já nos mostraram que o nojo pode influenciar efetivamente o julgamento moral intuitivo que, por sua vez, é uma deliberação inconsciente e pode, eventualmente, fugir da própria reflexão do juiz nesse caso. Buscando outras relações entre o nojo e o direito, podemos ainda apontar situações em que o nojo amplifica a imoralidade de um determinado ato em avaliação, fazendo com que um juiz na hora de decidir um caso, ou mesmo um deputado no momento de votar para vigência de determinada lei seja mais severo em seu julgamento. Assim é que se um juiz vai analisar um processo em uma mesa suja ou um deputado/senador vai votar uma determinada lei sentindo um odor desagradável, as chances de haver, respectivamente, um desvio na decisão a Departamento de Direito ser tomada e na votação a ser feita são grandes. Ainda que pareça insuportável conceber que fatores inusitados desempenhem um papel tão importante na dinâmica de nosso sistema legal é necessário darmos importância a eles. Um réu maltrapilho e fedorento na frente de um magistrado, ou mesmo um Congresso Nacional em que os responsáveis pela limpeza estejam em greve pode fazer toda a diferença. Conclusões O direito é uma área de conhecimento que preza pelo tecnicismo a fim de favorecer uma preponderância efetiva de parâmetros decisórios que assegurem as expectativas de um legítimo Estado de Direito. Tendo em vista sua importância na regulamentação das relações sociais, é necessário que fiquemos atentos e sejamos capazes de mapear elementos indesejados que de alguma forma interfiram na dinâmica da ciência jurídica tornando-a uma espécie de loteria. É nesse sentido que o presente estudo sobre o nojo pode desempenhar um papel fundamental, funcionando como um instrumental para que melhores leis sejam feitas e decisões mais conscientes sejam tomadas. Os legisladores e juízes de posse dessa informação podem evitar serem ludibriados por eventuais contextos em que o nojo esteja inserido e seja imperceptível aos olhos da maioria. Os demais operadores do direito, por sua vez, estando de posse desses estudos, podem, percebendo que os tomadores de decisão estão sendo persuadidos pelo nojo, manejar argumentos para neutralizar essa predisposição. Referências [1] INBAR, Y. PIZARRO, D.A. Grime and Punishment: How Disgust Influences Moral, Social and Legal judgments. Net, Rio de Janeiro, Jul. 2011. The Jury Expert. Disponível em: <http://www.thejuryexpert.com/2009/03/grime-and-punishment-how-disgust-influencesmoral-social-and-legal-judgments/.>. Acesso em: 20 jul. 2011. [2] KELLY, D. The Ethics of Disgust. Net, Rio de Janeiro, jul. 2011. Disponível em: <http://www.colorado.edu/philosophy/center/rome/RoME_2009_full_papers/Daniel_Kelly_T heEthicsOfDisgust.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2011. [3] PIZARRO, D.A.; INBAR, Y.; HELION, C. On disgust and moral judgment. Emotion Review, 3 , 267-268, 2011. [4] PIZARRO, D.A.; INBAR, Y.; HELION, C. On disgust and moral judgment. Emotion Review, 3 , 267-268, 2011. [5] INBAR, Y. 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