A QUESTÃO DA IDENTIDADE NO MUNDO ATUAL
A PRODUÇÃO SOCIAL DA IDENTIDADE E DA DIFERENÇA
IDENTIDADE E DIFERENÇA
Atualmente fala-se muito em “identidade” e “crise de identidade”. Ora só existirá crise de
identidade se ela, a identidade se tornar um problema, se de uma posição considerada coerente e
estabilizada se desloca pela experiência da dúvida e da incerteza. Parece que o estudioso da
sociedade a coloca como uma característica da vida contemporânea ou modernidade tardia. A
globalização, por exemplo, pode levar tanto ao distanciamento da identidade relativamente à
cultura local e à comunidade como a uma resistência que, ao invés de afastar, reforça ainda mais as
identidades nacionais e locais. Além da globalização muitos outros fatores podem gerar e geram
crises de identidade. Veja-se o caso das migrações de pessoas em todo o globo. Esse movimento
produz identidades que são estruturadas em locais diferentes e por diferentes locais onde se fixam.
Elas tanto podem se desestabilizar como às outras com as quais convive1.
O multiculturalismo apoia-se num apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e
a diferença. Identidade é aquilo que se é. Assim parece ser uma positividade (sou isso, sou assim
etc) é auto- contida e auto- suficiente.
Também a diferença nesta linha de raciocínio é uma entidade independente. Em oposição a
identidade, neste caso é “aquele que o outro é” – ela é assim, ela é...A diferença tal qual a
identidade, simplesmente existe.
Se todos com os quais convivemos são humanos, não é necessário que eu afirme a todo
instante a minha identidade de humano. Só em circunstancia muito raras afirmo: “Eu sou humana”.
“Quando digo” “Sou brasileira” estão por trás muitas negações “não sou portuguesa, não sou
inglesa etc”. Ficaria muito complicado afirmar minha identidade brasileira por negativas.
A gramática ajuda: - Eu sou... Mas também esconde: - Eu não sou...
A identidade depende da diferença e vice-versa. São, pois inseparáveis.
Na perspectiva de diferença como produto derivado da identidade esta é o ponto original, a
referência... Elas são mutuamente, determinadas.
Numa visão mais radical, contudo, a diferença vem em primeiro lugar. Na origem está a
diferença como processo. Ambas são produzidas, de acordo com a perspectiva que se toma.
1
- Kathryn WOODWARD. Identidade e diferença, p. 21 e 22.
IDENTIDADE E DIFERENÇA: CRIATURAS DA LINGUAGEM
A identidade e a diferença são resultados, atos de criação lingüística. Elas têm que ser
ativamente produzidas pelo mundo cultural e social. Somos nós que as fabricamos.
Segundo Ferdinand de Saussure “a linguagem é fundamentalmente um sistema de diferenças” (ser
isto significa “não ser aquilo” e “não ser mais aquilo etc”).
Os elementos os signos não tem qualquer valor absoluto. Por ex.: Cão só tem sentido numa
cadeia infinita de conceitos que são diferentes que não são cão. A palavra “cão” é uma forma
abreviada de dizer “isto não é porco, não é boi, não é ave etc”
A linguagem não passa de um sistema de diferenças e por extensão, a identidade, também;
ambas se instituirão cultural e socialmente. Tanto a linguagem como a identidade são estruturas
instáveis, e como diz Derrida. “A linguagem vacila”. Ou como bem disse Edward Sapir “todas as
linguagens vazam”.
O texto de Kathrin Woodward aqui em referência, apresenta uma analogia interessante da
linguagem com a identidade e a diferença.
O signo, característica fundamental da linguagem, não é uma presença, ou seja, a coisa ou o
conceito, mas ele dá a ilusão “metafísica da presença” ainda citando Derrida. Essa “ilusão” é
necessária para que o signo funcione. Como tal o signo, afinal, está no lugar de alguma outra
coisa. O signo carrega não apenas o traço daquilo que é como o traço daquilo que não é. “A
mesmidade (identidade) carrega sempre o traço da outridade (diferença)”.
Somos dependentes da estrutura lingüística, cujas características são a indeterminação e a
instabilidade, logo, estas características terão efeitos importantes na identidade e diferença
culturais, uma vez que são identidade e diferença definidas pela linguagem.
A IDENTIDADE E DIFERENÇA – O PODER DE DEFINIR
-
A identidade tal como a diferença é uma relação social e como tal é imposta. As duas não
estão em convivência harmoniosa, elas são disputadas.
-
Quando se afirma a identidade e se enuncia a diferença está-se colocando em tela a vontade
de se impor de um grupo social.
Há uma ligação muito próxima entre elas e as relações de poder. Pode-se mesmo dizer que
onde há diferenciação – ai está o poder. A identidade traduz “inclusão” e a diferença “exclusão” do
ponto de vista da identidade e o contrário do ponto de vista da diferença.
Quando estabelecemos uma identidade demarcamos limites, fronteiras. Indico quem fica
dentro e quem fica fora. Divido, “as classificações são sempre feitas a partir do ponto de vista da
identidade”.
Segundo o autor francês Jacques Derrida. As relações de identidade e diferença são todas
ordenadas em oposições binárias onde o primeiro termo é sempre de valor positivo e
Ao
colocar determinada identidade como parâmetro, modelo, como norma está-se hierarquizando,
elegendo arbitrariamente uma identidade em detrimento de outras, que a partir dessa forma de
identidade são avaliadas, tal é a sua força homogeneizadora.
Dessa forma ao se definir uma identidade depende-se da diferença, tal como a definição de
anormal depende da definição de anormal, ou seja, de algo que é definido como “diferente” de
normal. Todas as pessoas são dependentes de uma estrutura “que balança”, da linguagem, instável
e caracterizada pela indeterminação.
Também a questão da diferença e da identidade sofre as conseqüências dessa qualidade
distintiva fundamental da linguagem. A identidade hegemônica está sempre acossada pelo seu
“Outro”, do qual depende para ter sentido. Podemos dizer, enfim, que a identidade e a diferença
são tão imprecisas e variáveis como o é a linguagem, de que dependem.
A FIXAÇÃO DA IDENTIDADE: TENDÊNCIA E IMPOSSIBILIDADE
O processo de produção da identidade se desloca entre duas direções: a primeira que tende
a fixar, determinar a identidade; a segunda com a disposição para subversão e desestabilização.
A tendência da identidade tal como a da linguagem é para fixação, que é ao mesmo tempo
uma tendência e uma impossibilidade, dada as características similares de ambas.
A REPRESENTAÇÃO OBRIGATÓRIA DA IDENTIDADE E DA DIFERENÇA
Ambas estão estreitamente ligadas a sistemas de representação. Há duas dimensões de
representação – externa - através de sistemas de signos, pintura, escrita, linguagem e a interna ou
mental, a representação do real na consciência isso na história da Filosofia ocidental. No contexto
do pós-estruturalista a representação é externa, uma marca visível, exterior e nunca mental ou
interior. (pintura, um filme, uma foto, uma expressão oral etc.). Nessa concepção a representação é
sempre uma marca ou traço que se pode ver, não é algo interior, mental, é pura marca material. É
sob o ponto de vista pós-naturalista, que a representação se liga à identidade e à diferença. A
representação aqui é como qualquer sistema de significação é uma maneira de se atribuir sentido.
E é neste enfoque que identidade e diferença são dependentes da representação. É a representação
que lhes dá sentido, que as faz existirem e que as conectam ao poder. Ao representar adquire-se o
poder de definir e determinar a identidade e levantar questões sobre identidade e diferença e,
portanto questionar os sistemas de representação.
Daí vão surgir as implicações pedagógicas e curriculares, de preparar o educando para a
crítica e o questionamento dos sistemas e formas dominantes de representação da identidade e da
diferença.
A LINGUAGEM PERFORMÁTICA E A IDENTIDADE E DIFERENÇA
O conceito de “performatividade” se deve a J.A. Austin (1998) para ele
A linguagem não se limita a proposições que simplesmente descrevem uma ação,
uma situação ou estado de coisas. Assim, se nos pedirem para dar um exemplo
de proposição típica, provavelmente diríamos” o livro está sobre a mesa”. Tratase de uma proposição que Austin chama de “constatativa” ou “descritiva”.2
Mas há proposições que não só descrevem, mas fazem o que foi descrito acontecer. Por
exemplo: “Eu vos declaro marido e mulher”. São as proposições performativas.
Em sentido estrito performativa é a proposição cuja enunciação é absolutamente necessária
para que o fato anunciado se realize. Mas muitas proposições descritivas acabam por funcionar
como performativas num sentido amplo: Por exemplo: João não vai aprender este cálculo. Se
repetirmos muito essa simples descrição do fato produzir-se-á de fato a falta de aprendizagem real.
É nesse sentido que Judith Butler analisa a produção da identidade como uma questão de
performatividade. Advindo deste fato a preocupação pedagógica com a performatividade na
formação e no reforço da identidade e consequentemente da diferença.
A força da linguagem está exatamente na repetição e, sobretudo na possibilidade de sua
repetição. Uma característica essencial do signo é ser repetível (daí as punições do racismo).
2
-TOMAZ Tadeu Silva (Org.) A identidade e diferença, p. 93.
Assim também na linguagem é a repetição do signo e o ser repetível que o faz ser a
representação que é.
Derrida chama a repetibilidade da escrita e da linguagem oral de “citacionalidade”. Quando
falo eu estou recortando e colando. Recortando de um contexto e colando num novo contexto,
não é minha opinião, por exemplo: Negão, é apenas mais uma ocorrência de citação que tem
sua origem em um sistema mais amplo de operações de citação, de performatividade e,
finalmente, de definição, produção e reforço da identidade cultural que reforça o aspecto
negativo atribuído à identidade negra do exemplo. Não é a minha simples opinião, na verdade
estou apenas citando, recortando e colando num novo contexto, sob o disfarce de ser a “minha
opinião”.
Segundo Judith Buther 1999 (Corpos que pensam) A repetição pode ser interrompida,
contestada. É nesta interrupção que residem as possibilidades de instauração de identidades que
não represente simplesmente reprodução das relações de poder existentes. É o interromper o
“recorte e colagem” e parar o processo de “citacionalidade” característica dos atos
performativos que reforçam as diferenças instauradas e pensar na produção de novas e
renovadas identidades.
FAZENDO DIFERENÇA NA PEDAGOGIA
Não basta educar para que se tenha tolerância e respeito para com a diversidade cultural.
Esses sentimentos, por mais edificantes que sejam impedem-nos de ver a identidade e diferença
como processos de produção social que envolvem relações de poder. A identidade e diferença não
são identidades pré-existentes, não são elementos passivos da cultura. Elas têm que ser
continuamente criadas e recriadas.
Assim o que se tem a descrever é o que a identidade é e o que não é. E do mesmo modo o
que a diferença é e o que não é. A identidade não é uma essência, não é um dado ou um fato (da
natureza da cultura). Não fixa, não é estável nem coerente, nem unificada ou permanente. Não é
homogenia, não é definida, acabada, idêntica transcendental. A identidade é uma construção, um
efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo, é instável, contraditória etc. A
identidade está ligada a sistemas de representação tem estreitas conexões com relação de poder.
É problema pedagógico na escola a interage com o outro e também paga o outro e a
diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação na escola. Mesmo se ignorado e
reprimido a volta do outro, do diferente e inevitável, é reforçada e multiplicada. E numa sociedade
onde a identidade é cada vez mais descentrada e difusa este outro tem muitas dimensões, cor
diferente, gênero diferente, raça diferente, sexualidade diferente, religião diferente. Etc.
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Cultivar e estimular bons sentimentos para com o outro
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Tratar terapeuticamente para os que rejeitam a diferença dinâmica de grupo, teatro etc.
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Estudo superficial das diferentes culturas;
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Adotar uma teoria que descreva e explique o processo da produção da identidade e da
diferença, e questioná-la;
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Estimular em matéria de identidade, o impensado, o erro, o inexplorado e o ambíguo.
Pode-se dizer da pedagogia o que Maurice Blanchot (1969, p.115) disse da palavra e da fala:
Procurar acolher o outro como outro e o estrangeiro como estrangeiro; acolher a
outrem, pois, em sua irredutível diferença, em sua estrangeiridade infinita, uma
estrangeiridade tal que apenas uma descontinuidade essencial pode conservar a
afirmação que lhe é própria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUSTIN, J.L. Como hacer cosas com palabras. Barcelona: Paidós, 1998.
BLANCHOT, Maurice. L’entretien infini. Paris: Gallimard, 1969.
BUTLER, Judith. Corpos que pesam, in: LOPES LOURO, Guacira(Org.). O corpo educado.
Pedagogia da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999:151-172.
DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Campinas: Papirus, 1991.
SAPIR, Edward. Language. Nova York: Harcourt Brace, 1921.
SILVA, Thomaz Tadeu (Org.) A identidade e Diferença. Petrópolis: Vozes, 2005.
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