Elaboração e
Planejamento de
Projetos Sociais
2008
// Samira Kauchakje
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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito
dos autores e do detentor dos direitos autorais.
K21
Kauchakje, Samira. / Elaboração e Planejamento de Projetos
Sociais. / Samira Kauchakje. — Curitiba : IESDE Brasil
S.A. , 2008.
220 p.
ISBN: 978-85-387-0137-8
1. Pesquisa de avaliação (Programas de ação social). 2. Ação
social. 3. Projeto social. I. Título.
CDD 330.015195
Capa: IESDE Brasil S.A.
Crédito da imagem: IESDE Brasil S.A.
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Samira Kauchakje
Pós-Doutora pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Ciências Sociais aplicadas à Educação e Doutora em Educação pela Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp). Especialista em Ecologia Humana
pela Unicamp, em Supervisão em Serviço Social e em Metodologia do Serviço Social pela PUC-Campinas. Graduada
em Serviço Social pela PUC-Campinas.
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Sumário
Planejamento: aspectos teóricos e históricos...............................................9
Aspectos teóricos........................................................................................................................................ 9
Aspectos históricos...................................................................................................................................14
Questão social: expressões históricas e atuais............................................25
Questão social............................................................................................................................................25
Questão social e planejamento no Brasil..........................................................................................31
Direitos humanos, econômicos, sociais
e culturais e o desenvolvimento......................................................................39
Direitos humanos, econômicos, sociais e culturais.......................................................................39
Desenvolvimento humano....................................................................................................................43
Atores sociais e o planejamento
de políticas e projetos sociais............................................................................57
Atores sociais..............................................................................................................................................57
Os direitos sociais e a responsabilidade dos atores sociais........................................................61
Políticas públicas....................................................................................................71
Políticas públicas: noções gerais..........................................................................................................71
Áreas e setores das políticas públicas................................................................................................77
Ciclo das políticas públicas....................................................................................................................78
Políticas sociais.......................................................................................................85
Políticas sociais: noções gerais.............................................................................................................85
Objetivos e população destinatária e políticas sociais no Brasil..............................................87
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Sistema Brasileiro de Proteção Social.............................................................97
Proteção social: uma prática social e política..................................................................................97
Sistema Brasileiro de Proteção Social..............................................................................................101
Políticas sociais e princípios constitucionais.................................................................................106
Projetos sociais: aspectos teóricos e metodológicos............................. 115
Projetos sociais.........................................................................................................................................115
Etapas e processos..................................................................................................................................122
Rede de parceiros e o planejamento de projetos sociais..................... 129
Identificação dos responsáveis pelo projeto
e a articulação de parceiros em rede...............................................................................................130
Rede de parcerias: Estado e organizações
da sociedade civil local e internacional...........................................................................................136
Análise da situação social e objetivos......................................................... 145
Análises da situação social: localidade e população-alvo........................................................145
Definição dos objetivos e metas........................................................................................................150
Recursos e gestão de projetos sociais......................................................... 161
Recursos de projetos sociais...............................................................................................................161
Modos de gestão de projetos sociais...............................................................................................165
Avaliação e o processo de planejamento.................................................. 177
Avaliação de projetos sociais..............................................................................................................177
Cronograma de atividades..................................................................................................................183
Roteiro de projeto social.......................................................................................................................185
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Apresentação
Nos acostumamos a ouvir a palavra “projeto” nas mais
variadas utilizações: seja no que se refere a um “projeto de
vida”, um “projeto empresarial”, um “projeto de pesquisa”
ou mesmo um “projeto social”. A ampla utilização da palavra “projeto” no nosso cotidiano, muitas vezes equivocada
ou leviana, por si só justificaria a importância da presente
disciplina se esta se limitasse a tratar da gestão de ações
planejadas.
Porém, Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais adota um viés muito mais promissor. Em vez de se
constituir em um roteiro de procedimentos para o bom
andamento dos projetos sociais, busca trazer à tona uma
discussão de princípios e temas fundamentais àquilo que
se considerou “questão social”.
Ao tomar como ponto de partida a constatação das
desigualdades e injustiças sociais (mesmo nas variadas sociedades de democracia representativa), o presente livro
parte do princípio de que as leis, regras e acordos não são
muitas vezes efetivados por obstáculos históricos, políticos, econômicos, gerenciais ou socioculturais, visando
contribuir para a sua superação.
Por isso, a disciplina busca articular toda a dimensão
das políticas sociais para construir seus temas, tratando de
direitos humanos, da discussão das implicações das políticas públicas, e portanto, envolvendo-se em uma discussão
acerca da democracia e cidadania, sempre tendo como pano
de fundo exemplos derivados de contextos históricos, leis,
emendas ou declarações internacionais acerca do tema.
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A autora, através da utilização de uma ampla e atual
bibliografia, trata do processo de elaboração de um projeto (englobando as metas, objetivos, planejamento e avaliação); das relações entre os diversos atores sociais (Estado,
empresas, sociedade civil organizada, movimentos sociais
e ONGs); das políticas sociais e suas conexões com os programas e projetos específicos, sem deixar de dar atenção
às implicações dos diferentes modos de gestão das ações
específicas.
Desta forma, o presente livro se constitui como uma
importante referência não apenas para os estudantes dedicados às questões sociais, mas também para os cidadãos
comprometidos em reivindicar seus direitos e tomar parte
ativa na direção da sociedade em que vivem, contribuindo
para consolidação e ampliação da democracia.
Boa leitura!
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Atores sociais e o planejamento
de políticas e projetos sociais
No planejamento de políticas públicas, programas e projetos sociais há diferentes
atores envolvidos. Segundo Oliveira (2006) pode-se considerar o planejamento e elaboração de políticas e projetos como: a) de responsabilidade das autoridades e dos gestores
públicos (planejamento centralizado ou não democrático); b) de responsabilidade maior
dos atores sociais que implementam as políticas e projetos e, também, da população-alvo dos mesmos; ou c) de responsabilidade tanto dos gestores públicos, implementadores e população (participativo ou democrático). Baumgarten (2002), por sua vez, destaca
o planejamento participativo no sentido da parceria com a sociedade civil (em especial
com o Terceiro Setor) ou, principalmente no sentido da participação da população diretamente envolvida nas políticas e nos projetos, e por meio de conselhos e movimentos,
no sentido do fortalecimento da autonomia como decisão de seus próprios destinos.
Observa-se que o planejamento e a implementação de políticas e projetos sociais
podem ser centralizados ou podem ser participativos.
Atores sociais
Os principais atores sociais1 envolvidos no planejamento e implementação de
políticas e projetos sociais são: 1. Estado; 2. empresas com responsabilidade social; 3.
organizações não governamentais (ONGs); 4. conselhos gestores de políticas e 5. movimentos sociais.
1. O Estado é composto por órgãos e atividades públicas-estatais, denominados
do Primeiro Setor por serem, no geral, de direito público e que realizam ações
de interesse exclusivamente público.
2. As empresas de direito privado, no geral possuem fins lucrativos, mas mesmo
quando isto não ocorre desenvolvem atividades de interesse privado e com1
Por ator social compreende-se organizações, grupos de pessoas ou indivíduos que estão envolvidos de alguma forma no processo de planejamento. Em
termos gerais, ator social aqui tem um sentido similar à agente social em Giddens (1989) que esclarece que as ações sociais envolvem poder e, desta forma,
supõe agentes com capacidade transformadora – agentes sociais na produção e reprodução da vida social. Mas também, o termo tem o sentido próximo a de
sujeitos sociais, compreendidos como partícipes da construção da experiência pessoal e social, conforme Touraine (1994).
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57
põem o Segundo Setor. Segundo Simões, fazem parte do campo da implementação de programas e projetos sociais as empresas que se comprometem “não
apenas pela qualidade física do produto, mas agora por meio da incorporação
de um valor ético (por meio da atuação pró-ativa pela cidadania, causas sociais,
meio ambiente e outras) às marcas empresariais”. Estas empresas passaram a
compreender “responsabilidade social como conduta ética, com atitudes socialmente responsáveis na deliberação e execução de suas ações, incluindo
relações com a comunidade, empregados, fornecedores, meio ambiente, governo, consumidores, mercado e acionistas”. (SIMÕES, 2007, p. 418-425)
3. As ONGs2, associações e fundações de direito privado, que realizam ações de interesse público, sem fins lucrativos compondo o denominado Terceiro Setor. As
ONGs podem ser classificadas3 em:
ativistas – que participam e fomentam as lutas por direitos e realizam projetos de educação e assessoria para os grupos populares e aos movimentos
sociais. As ONGs IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional),
Terra de Direitos, Greenpeace, entre outras são exemplos;
58
Divulgação: SOS Mata Atlântica.
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
de produção de conhecimento – que organizam e divulgam conhecimento sobre temas socioambientais e políticos principalmente. A FASE é um
exemplo, apoiando inclusive publicações e organizações como o Observatório das Metrópoles4;
2
3
4
Para aprofundar o conhecimento sobre as Organizações Não Governamentais (ONGs) e Terceiro Setor ver Lei n. 9.637 de 15 de maio de 1998.
Sobre classificações e diferenciações entre as Organizações Não Governamentais ver Gohn (2000); Scherer-Warren (2006); e Kauchakje (2007).
Ver<www.fase.org.br/_fase/pagina.php?id=4>.
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Tora Mârtens.
de prestação de serviços – que realizam ações
destinadas à oferta de serviços e de bens materiais e educacionais, por exemplo, que têm à
seguinte subdivisão geral:
ONGs cuja motivação é a ajuda e solidariedade humanitária;
ONGs confessionais que são ligadas a Igrejas e norteadas por princípios religiosos.
São exemplos destas instituições, respectivamente, as APAES e a Pastoral da Criança.
Alexandre Silva.
empresariais – que são ligadas a empresas para o desenvolvimento de atividades na maioria de caráter socioambiental, como a Fundação O Boticário, a Fundação Bradesco e a Fundação Roberto Marinho.
Importante observar com Scherer-Warren (2006) que, na realidade, as ONGs ativistas e prestadoras de serviços têm mesclado cada vez mais seus perfis e objetivos,
havendo aquelas que conjugam a defesa ativa de direitos, o envolvimento com movimentos sociais e a prestação de serviços à população, como é o caso do CEFURIA
(Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo) em Curitiba-PR que participa e ativa
movimentos populares e presta serviços como o de disponibilizar a venda de produtos
artesanais criados por participantes de clubes de troca e economia solidária.
3.1 No universo do Terceiro Setor há também as OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público5, que podem ter acesso aos recursos pú5
Lei 9.790/99.
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Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais
Fundação O Boticário.
59
blicos federais, estaduais e municipais por meio do termo de parceria. Para
firmar a parceria é necessário o concurso de projetos, dispensando o processo de licitação. Assim,
[...] as OSCIPs são organizações privadas, cujas atividades o Poder Público reconhece serem
de interesse público [...] na execução de projetos, programas, planos de ações correlatas, por
meio de doação de recursos físicos, humanos e financeiros ou ainda na prestação de serviços
intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor estatal
que atuem em áreas afins. (SIMÕES, 2006, p. 386)
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
4. Os conselhos gestores de políticas são instâncias de participação social no planejamento, na elaboração e no controle das políticas públicas. Existem conselhos que são deliberativos e outros apenas consultivos. Para algumas políticas
como de assistência social, saúde e educação os conselhos são paritários (possuindo iguais representantes, em termos do número de membros da sociedade
civil e governamental) e deliberativos. A existência dos conselhos, nestas políticas, condiciona inclusive o repasse das verbas orçamentárias. Existem outros
tipos de conselhos que influenciam a condução das políticas como os Conselhos Tutelares, que atuam junto à rede de proteção da criança e do adolescente;
os Conselhos Populares, formados em torno de temas que mobilizam setores
da população (como saúde, segurança) e os Conselhos Comunitários, geralmente formados por associações de bairro e movimentos populares dedicados
a ações reivindicatórias.6 O Conselhos Popular de Saúde da Zona Leste de São
Paulo ou de Diadema7 ilustram a conjunção de características de conselhos popular e comunitário e ao mesmo tempo de influência nas políticas, pois, a própria Lei Orgânica da Saúde (LOS) estabelece a obrigatoriedade de haver conselhos nacionais, estaduais e municipais da Política de Saúde, e possivelmente
os conselhos gestores da política de saúde no município e estado de São Paulo
têm ações em conjunto ou debates com os conselhos populares citados.
60
5. Os movimentos sociais são uma forma de ação coletiva cujo objetivo é organizar
e expressar demandas sociais e políticas para a defesa de interesses de grupos e
coletividades e, também, para apresentar propostas de sociedade e direcionar a
vida social. Desde pelo menos o século XIX, os movimentos sociais têm sido um
dos protagonistas que demandam a legislação e elaboração de políticas sociais,
tais como as leis trabalhistas que estipularam as horas de trabalho, férias e bases
salariais; à políticas de saúde, previdência social e educação. No Brasil as greves
de trabalhadores de 1917 e dos anos 1950 causaram mudanças na legislação e
nas condições oferecidas ao trabalho, sendo que as greves de 1978/1980 durante o Regime Militar tiveram impacto no movimento pela redemocratização do
Brasil. Além dos movimentos dos trabalhadores, outros exemplos são os movimentos feministas, ecológicos, dos negros, pela moradia, pela paz etc.
6
Sobre tipos de conselhos ver Gohn (2001), Tatagiba (2002) e Kauchakje (2002).
7
Algumas informações no site <www.cmdiadema.sp.gov.br/blogs/index. php?blog=5&title=conselho_popular_de_saude_toma_posse_hoj_28&more=1&c
=1&tb=1&pb=1>.
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Os direitos sociais e a responsabilidade
dos atores sociais
Ao longo dos principais marcos históricos das sociedades que adotaram alguma
forma de planejamento social, observa-se que no final do século XIX e, sobretudo,
entre 1940 e 1970, o ator principal no processo de planejamento, elaboração e implementação de políticas e projetos sociais foi o Estado; nas décadas de 1980 e 1990
houve um ambiente de descrédito quanto à regulação e intervenção social do Estado,
sendo que a ênfase recaiu sobre as ações sociais da sociedade civil (especialmente nas
ONGs e nas ações de responsabilidade social de empresas) ou em parceria com esta;
e nos primeiros anos de 2000 há uma tendência para legitimar as políticas e projetos
sociais estatais com a participação da sociedade civil, isto é, nos quais
[...] os atores sociais/sujeitos coletivos presentes na arena política são corresponsáveis na
implementação de decisões e respostas às necessidades sociais. Não é que o Estado perca a
centralidade na gestão social, ou deixe de ser o responsável na garantia de oferta de bens e serviços
de direito dos cidadãos; o que altera é o modo de processar esta responsabilidade. A descentralização,
a participação, o fortalecimento da sociedade civil pressionam por decisões negociadas, por
políticas e programas controlados por fóruns públicos não-estatais, por uma execução em parceria
e, portanto, publicizada. (CARVALHO, 1999, p. 25)
Por isso, é importante frisar, Estado e sociedade civil não se confundem em competências e atribuições na direção política, pois ao Estado cabe a legislação, a regulamentação e os recursos financeiros e administrativos das políticas públicas às quais os projetos
sociais estão atrelados. E a sociedade civil tem potenciais de mecanismos de participação e controle8 das ações do Estado, para incluir novas demandas que modificam as
legislações e políticas, bem como, para implementar e executar as políticas e projetos.
Pode ser observada, inclusive, uma espécie de divisão de tarefas entre o Estado e
as organizações da sociedade civil da seguinte forma:
legislar é próprio do Estado com influência de movimentos sociais, fóruns e
ONGs ativistas e prestadoras de serviço;
o mesmo ocorre quando da formulação das políticas, sendo que para algumas
(por exemplo, saúde, assistência social, educação, criança e adolescente) os
conselhos de políticas públicas e de direitos são uma exigência da lei;
8
A sociedade civil possui mecanismos e espaços de participação e controle das ações do Estado como: conselhos, audiência pública, orçamento participativo,
plebiscito, referendo, iniciativa popular, ONGs, além dos movimentos sociais (GOHN, 2001; AVRITZER & NAVARRO, 2003; KAUCHAKJE, 2005a e 2005b).
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Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais
Quer dizer, nos dias de hoje o Estado figura como um dos componentes do planejamento, elaboração e implementação de política, ainda que um componente privilegiado em termos dos recursos e competências no âmbito da legislação e do próprio
planejamento, ou seja, ao Estado compete, ainda quando de forma participativa, legislar e planejar as políticas públicas.
61
na implementação das políticas, programas e projetos sociais comparecem o
Estado e ONGs de prestação de serviços, principalmente;
no controle mútuo das ações desenvolvidas são predominantes o Estado,
ONGs ativistas, conselhos e fóruns de políticas. Além destes, o Ministério Público é outro ator importante;
na fiscalização, conforme suas competências, estão o Estado e conselhos de
políticas e de direitos e o Ministério Público; e
com relação ao financiamento há a concentração de meios e recursos do Estado
seja porque transfere os recursos para os atores da sociedade civil ou porque
realiza incentivos fiscais para que estes atores participem de ações sociais.
Nesta divisão de tarefas os seus atores principais, todavia, se entrecruzam, chocam
e compartilham atividades e influências. Isto pode ocorrer quando o Estado interfere com sua força institucional nas decisões dos conselhos, enquanto estes também
podem alterar as decisões tomadas nos gabinetes sobre as políticas públicas; as ONGs
ativistas colocam novos temas para as decisões na formulação de leis e das políticas e
ao mesmo tempo buscam recursos e apoios públicos para suas atividades. Neste sentido, Simões (2006, p. 404) chama a atenção que
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
[...] na concepção do Estado Democrático de Direito, instituído pelo Art. 1 da Constituição de 1988
[...] o interesse público não se restringe ao mínimo estatal, sendo reconhecido também em inúmeras
atividades [...]. A democracia exige o reconhecimento público de um amplo setor de atividades
privadas, porém consideradas de interesse social. Além disso, implica a ampla participação das
classes e dos grupos sociais, socialmente organizados, nas decisões políticas. [...] o Estado assume
inúmeras atividades, consideradas de interesse social e, por outro lado, a sociedade civil participa
ativamente das atividades estatais, tanto no Legislativo, quanto no Executivo.
62
Mesmo as ações sociais executadas pelas associações e fundações do Terceiro
Setor têm o sentido de assegurar os direitos de cidadania, pois estas organizações,
mesmo que privadas, realizam atividades de interesse público e recebem recursos públicos e incentivos fiscais para isto.
O Terceiro Setor, embora sem fins lucrativos, não deixa de ser uma atividade econômica pela qual
o desenvolvimento social é concebido como resultado de investimento na área social e cultural.
[...] o Poder Público investe capital para impulsionar as entidades e organizações que se dedicam
à prestação de serviços nas áreas de saúde, educação e assistência social, defesa de direitos de
grupos específicos da população, trabalho voluntário, proteção ao meio ambiente, concessão de
microcréditos e outros [...]
É uma economia de investimentos sociais, subordinados às políticas públicas e, portanto, adstritos
aos princípios públicos da legalidade [...] com práticas de gestão administrativas proibitivas de
obtenção individual ou coletiva, de quaisquer benefícios ou vantagens pessoais dos dirigentes.
(SIMÕES, 2006, p. 433)
Di Pietro observa que há o risco de que os direitos sociais sejam fragilizados e os
recursos públicos mal utilizados devido à
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[...] transferência de serviços públicos sociais para entidades privadas, acompanhada da transferência
da res pública, para ser administrada sob regime jurídico próprio da empresa privada. O sucesso
dessa forma de parceria dependerá em grande parte da eficiência do controle. Se este não for
estruturado de forma adequada, os direitos do cidadão e a proteção da res pública poderão ficar
seriamente comprometidos. (DI PIETRO, 1998, p. 4)
Mais explicitamente, a autora preocupa-se com o risco de que o repasse de recursos financeiros e de responsabilidades com os serviços públicos para as organizações
e entidades da sociedade possa significar uma forma de privatização do que é público.
Para ela este risco
[...] decorre exatamente do surgimento de entidades paraestatais, pelo fato de o Estado a elas
transferir atividades, bens públicos, móveis e imóveis, e mesmo parcelas do orçamento do Estado,
que ficam sob a gestão de tais entidades. Várias ideias norteiam o surgimento dessas entidades: a
de que elas ficarão livres das amarras do direito administrativo, especialmente licitação e concurso
público; ficarão livres dos controles formais que hoje incidem sobre as entidades públicas e sujeitarse-ão apenas a controle de resultados, com a participação da própria sociedade; e a ideia de que o
seu relacionamento com a Administração Pública se dará normalmente por meio de contratos de
gestão, nos quais se estabelecem as exigências mínimas a serem atendidas e a forma de controle.
Resultado: é a res pública que está sendo privatizada, porque está sendo posta nas mãos do particular
para ser administrada, pretensamente, no interesse público. (DI PIETRO, 1998, p. 3)
Apesar das atividades do Terceiro Setor estarem inseridas legalmente nas políticas públicas, quer dizer, nos direitos dos cidadãos, o repasse de recursos e serviços públicos para entidades e organizações da sociedade civil pode colocar em risco a base
do Estado de Direito Social e Democrático, ou seja, “de um Estado em que os direitos
fundamentais do homem constituem a própria razão de ser do Estado” (DI PIETRO,
1998, p. 3). Em outras palavras, um Estado que se justifica, em parte, pela proteção de
direitos, inclusive pela oferta pública de serviços sociais à população.
Se isto não fica claro nem para os membros das entidades e organizações sociais,
nem para a população, então a despeito do aspecto legal, na prática das relações sociais os programas e projetos sociais são deslocados para fora do campo dos direitos, e
são interpretados e executados como ajuda e benesse destinadas às pessoas a quem
se nega a cidadania e são tratados como excluídos, marginalizados, necessitados ou
carentes. Como lembra Telles (2000), ajuda é passível de agradecimento, mas direito
pode ser exigido.
Entretanto, apesar do risco de que recursos e incentivos públicos sejam confundidos e utilizados como privados, é possível também observar as potencialidades dos
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Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais
Mas há ainda outro risco que requer atenção para que, de fato, direitos possam
ser assegurados: as ações realizadas devem não apenas ser fiscalizadas e controladas
como públicas, mas também precisam ser divulgadas e consideradas pelas próprias
pessoas que a realizam e para a população como sendo uma atividade com caráter
público de direito e não como caridade ou boa vontade daqueles que fazem parte das
ONGs, por exemplo.
63
projetos sociais participativos, haja visto que organismos estatais e entidades, organizações e empresas nacionais e internacionais9 têm catalisado investimentos para projetos sociais participativos em localidades, incentivando e potencializando de recursos as comunidades locais em atividades tais como: promoção dos direitos humanos,
prevenção à violência, alimentação solidária, economia solidária e ajuda humanitária
(SANTOS, 2001).
Estes arranjos em alianças e redes sociais podem ser vistos como forma de enfrentamento da questão social local (fome, pobreza, migração forçada por perseguições étnicas
ou políticas, desemprego, entre outras) que é gerada pelas políticas e economias locais e
também pela economia e conflitos mundializados.
O planejamento de políticas e projetos sociais compartilhados com a sociedade
civil nacional e internacional ganha, assim, o caráter de solidariedade política diante da
questão social. Entretanto, tais iniciativas, cabe repetir, para contribuir com o desenvolvimento de capacidades e liberdades humanas devem, necessariamente, ser reafirmadas como direitos das pessoas seja em termos dos direitos de cidadãos em seus países
ou em termos dos direitos humanos (SANTOS, 2001).
TEXTO COMPLEMENTAR
Pessoas jurídicas podem ser de Direito
Privado ou de Direito Público
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
(SIMÕES, 2007, p.341-430)
64
São de Direito Privado todas as que são criadas por particulares, a saber: as
associações, as sociedades (simples ou empresariais), as fundações, as organizações
religiosas e os partidos políticos. Observe-se que também são de Direito Privado
aquelas [...] em que o Estado participe em sociedade com empresas privadas ou
mesmo como único proprietário, sob a forma de empresa pública ou sociedade de
economia mista; e ainda as fundações, mesmo quando por ele instituídas. [...]
São de Direito Público todos os entes instituídos pelo Estado, em nível federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. [...] O conjunto das atividades desenvolvidas
por estes entes constitui o que se denomina do setor público ou estatal [...]. A lei pode
declarar que as atividades de uma pessoa jurídica de Direito Privado sejam de interesse público e, por isso, devam ficar subordinadas ao controle do Poder Público. [...]
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Deve ficar claro, portanto, que determinadas pessoas jurídicas, de natureza privada, podem ter atividades ou finalidades que o Estado declare de interesse público,
mas não se tornam entidades estatais.
Tecnicamente, por isso, a denominação correta, em nossa opinião, é setor estatal,
em vez de setor público, quando quisermos nos referir às pessoas jurídicas de Direito
Público. A denominação de setor público é mais ampla, pois engloba tanto o setor
estatal, quanto as pessoas jurídicas de Direito Privado, cujas atividades sejam declaradas de interesse público. [...] no setor privado, as pessoas jurídicas dividem-se em duas
categorias: as que têm finalidades de lucro e as que não têm fins lucrativos. [...].
As entidades e organizações sem fins lucrativos apresentam grande variedade de nomes, como centros, instituto, ação, associação, sociedade, fundação, movimento, educação e outros. [...]
As sociedades com fins lucrativos têm atividades econômicas do tipo empresarial e por objetivos a partilha dos resultados entre os sócios. [...]
As sociedades sem fins lucrativos são aquelas cujo objetivo social, expresso em
seus atos constitutivos, é a prática de atos civis não empresariais, sem visar lucro.
[...] Para que assim se configurem [há] uma série de exigências, dentre elas, as mais
importantes, a de não remunerarem, de qualquer forma, direta ou indiretamente, os
seus dirigentes, pelos serviços prestados; e aplicarem integralmente os seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais e outros. [...]
As associações, em seu conceito amplo, são [...] organizadas segundo seus estatutos, com a finalidade de atingirem a satisfação de certos interesses sociais não
lucrativos, sejam eles sindicais, religiosos, cooperativistas, políticos, partidários, filantrópicos, assistenciais, esportivos, artísticos, científicos, habitacionais, de pesquisa ou outros. [...]
A fundação [...] é uma entidade de Direito Privado, sem fins lucrativos, instituída por pessoa particular ou pelo Estado, denominado de instituidor, mediante uma
dotação especial de bens livres, que ficam vinculados a uma determinada finalidade
[...]. Esta finalidade somente poderá ser religiosa, moral, cultural ou de assistência.
[...] costuma-se denominar de pública quando o Estado é seu instituidor; e de privada quando seu instituidor ou fundador é uma pessoa física ou jurídica privada. [...]
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Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais
As sociedades sem fins lucrativos, embora possam apresentar uma grande diversidade de nomes e por estes serem conhecidas, em última análise, reduzem-se a
duas categorias: as associações e as fundações [...].
65
Conceituação de atividades sociais em setores
O Primeiro Setor [...] é o conjunto das atividades do Estado consideradas essenciais ao interesse público e de sua exclusiva responsabilidade, como a administração
da justiça, a elaboração e aprovação das leis e o poder de polícia. [...]
O Segundo Setor é o da sociedade civil, concebido pelo conjunto das atividades privadas, com finalidades estritamente particulares, da indústria, comércio,
bancos, agronegócios, clubes, escolas, sindicatos, cooperativas, associações e uma
infinidade de serviços em geral [...] inclusive sem fins lucrativos, mas cuja natureza
não afeta, necessariamente, ao interesse público. [...]
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
Passou-se a denominar de Terceiro Setor o conjunto de atividades não estatais
ou governamentais constituídas de pessoas jurídicas de Direito Privado, sem fins
lucrativos, que se dedicam ao fornecimento de serviços de assistência, saúde e educação, pesquisa, construção de moradias, hospitais, clubes, creches, meio ambiente,
museus, bibliotecas, filantropia, idosos, crianças carentes, portadores de deficiência
e outros, considerados de interesse público. [...] a Constituição adota diversas denominações acerca das entidades e organizações sem fins lucrativos [...] No conjunto,
denomina-se de entidades e organizações sociais o universo de instituições de Direito Privado, sem fins lucrativos, autônomas em relação ao Estado, mas cujas atividades são de interesse público.
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[...] os recursos do Terceiro Setor advêm de três fontes: da própria sociedade
civil (nacional ou estrangeira) ou de financiamentos diretos ou indiretos do Poder
Público. Os diretos formulam-se sob diversas modalidades de convênios, contratos
ou termos de parceria, com vistas a implementar ações de interesse social; os indiretos mediante incentivos tributários, por meio de imunidade ou isenção tributária
(privilégios fiscais).
Uma outra tendência manifesta-se nos setores empresariais [...]
A responsabilidade social configura-se, assim, como o exercício sistemático de
ações e estratégias, visando à implementação de canais de relacionamento entre a
empresa, seu público e o próprio futuro da sociedade. [...] (por meio da atuação próativa pela cidadania, causas sociais, meio ambiente e outras)
Esta atividade, como se vê, não integra as atividades do Terceiro Setor, porque
efetivada por empresas privadas, com fins lucrativos e cujas atividades não são reconhecidas pelo Estado, em regra, como tendo fins públicos.
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ATIVIDADES
1. Quais são os principais atores sociais envolvidos no planejamento e implementação de políticas e projetos sociais? Quais deles compõem o Primeiro, o Segundo e o Terceiro Setor?
2. Quais são os tipos de ONGs e suas características?
Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais
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3. Pesquise em equipe os projetos sociais que estão sendo implementados em
seu município. Escolha um projeto e entregue um trabalho de até duas páginas
contendo:
a. nome e local do projeto;
b. quem são os atores sociais (não se trata aqui de pessoas, mas sim dos nomes das organizações e entidades envolvidas no projeto);
c. neste projeto escolhido classifique os atores que você identificou no item
(b). Isto é, quais atores são do Primeiro, Segundo e Terceiro Setor. Faça uma
lista dos atores sociais por setor. Quando houver um órgão que não se encaixe em nenhum setor coloque num item separado (outros).
Lembre-se: não copie textos de sites da internet ou dos documentos dos projetos sociais, escreva as informações com suas próprias palavras.
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
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Gabarito
Atores sociais e o planejamento de políticas e projetos sociais
1. Os principais atores sociais envolvidos no planejamento e implementação de
políticas e projetos sociais podem ser dispostos em cinco classes: 1. Estado, 2.
empresas com responsabilidade social, 3. organizações não governamentais
(ONGs), 4. conselhos gestores de políticas e 5. movimentos sociais. Destes, os
órgãos do Estado compõem o Primeiro Setor, as empresas o Segundo Setor
sendo que o Terceiro Setor é constituído pelas organizações não governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).
2. Os tipos de ONGs são:
a. as ONGs ativistas – que participam e fomentam as lutas por direitos e realizam projetos de educação e assessoria para os grupos populares e aos
movimentos sociais.
b. as ONGs produtoras de conhecimento – que organizam e divulgam conhecimento sobre temas socioambientais e políticos principalmente.
c. as ONGs de prestação de serviços – que realizam ações destinadas à oferta
de serviços e de bens materiais e educacionais, podendo estas ser divididas em 1) ONGs cuja motivação é a ajuda e solidariedade humanitária e
2) ONGs confessionais que são ligadas a Igrejas e norteadas por princípios
religiosos.
d. as ONGs empresariais – que são ligadas a empresas para o desenvolvimento de atividades na maioria de caráter socioambiental, como a Fundação O
Boticário, a Fundação Bradesco e a Fundação Roberto Marinho.
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3. Duas páginas contendo um texto dos próprios alunos (não serão aceitas cópias
de sites ou de documentos) com as seguintes informações:
a. nome e local do projeto;
b. nomes das organizações e entidades envolvidas no projeto;
Elaboração e Planejamento de Projetos Sociais
c. separação nos itens Primeiro, Segundo, Terceiro Setor e outros. Cada organização ou entidade deverá ser colocada em um dos itens. Quando houver
um órgão que não se encaixe em nenhum setor coloque num item separado (outros).
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