O que resta?
Da consolidação de um imaginário monumental de Brasília à construção de novas
representações da capital pela fotografia.
Luciana Jobim Navarro Trindade (1)
(1) Laboratório de Estudos da Urbe – LabeUrbe do Programa de Pós-Graduação da FAU, UnB,
Brasília, Brasil. E-mail: [email protected]
“Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.” 1
Resumo: A partir da homogeneização de um imaginário histórico de Brasília consolidado por uma
narrativa fotográfica baseada na monumentalidade, traçam-se aqui alguns questionamentos acerca
desse imaginário urbano da capital e da possibilidade da criação de novas representações baseadas
nos espaços residuais monumentais. Investigam-se as sobras da escala monumental que junto com a
imagem fotográfica da cidade narram novas histórias e questiona-se o que resta da história de
Brasília quando colocam-se as imagens dessa escala monumental em segundo plano.
Palavras-chave: fotografia; Brasília; imaginário; monumental.
Abstract: From the homogenization of a collective recollection of images and ideas that represents
the history of Brasília, consolidated by a photographic narrative based on the monumentality, some
questions are put out about those urban representations of the capital and about the possibility of the
creation of new representations based on the residual monumental spaces. Those monumental
residues are investigated, and together with the photographic imagery of the city reveal new stories,
and what is left of the history of Brasília is questioned when the images of those monumental scale
are put on the background.
Key-words: photography; Brasília; images; monumental scale.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho acadêmico busca investigar como a produção das imagens monumentais de Brasília cria
uma representação da cidade que não é capaz de captar toda a essência da capital e como novos
olhares sobre espaços outros, relacionados à monumentalidade sem que tenham em si o significado
monumental, podem incitar novos imaginários, novas imagens da capital. Pensando assim a relação
entre fotografia e arquitetura como ferramenta historiográfica, contrapõe-se uma série de conceitos,
como entre-espaços, espaços vazios, imagem, imaginário, escalas e sentidos ao analisar a imagem da
cidade, a fim de entender como estes espaços podem ser explorados pela fotografia como forma
transformar o imaginário urbano, ampliando os significados da escala monumental de Brasília.
1
O Haver – Vinicius de Moraes, extraida do livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos", Companhia das Letras São Paulo, 1993, pág. 17.
1 | 10
2. OBJETIVO
Esse artigo tem como objetivo compor parte de dissertação acadêmica complementando uma narrativa
que transita entre visual e textual, de forma a entender como as imagens criadas sobre a cidade
colaboram para criar um imaginário baseado em sua escala monumental, ignorando elementos da
própria escala capazes de criar uma imagem outra de uma Brasília desconhecida do coletivo social.
3. JUSTIFICATIVA
O trabalho se justifica pela necessidade de entender e verificiar novas possibilidades de criar uma
imagem de Brasília que vá além de seu caráter político e monumental e seja capaz de mostrar a capital
por meio de um olhar próximo e diferenciado de suas representações.
4. MÉTODO EMPREGADO
Essa pesquisa se baseia em método histórico e comparativo onde são analisados aspectos relacionados
à história da cidade e da fotografia, por meio de aprofundamento teórico no tema, análise das imagens
da cidade a partir de uma linha temporal das imagens de sua construção, elaborando assim um
referencial teórico e imagético que embase uma análise da capital a partir da observação, onde a
fotografia possa ser utilizada como ferramenta para a criação de novos imaginários e construção de
novos significados sobre Brasília.
5. RESULTADOS OBTIDOS
Uma vez que esse artigo surge como ponto inicial para uma pesquisa acadêmica mais ampla, os
resultados aqui obtidos se encontram ainda no campo do referencial teórico, buscando criar uma
conexão conceitual com as imagens trabalhadas a fim de embasar a contrução de uma narrativa
imagética capaz de contar uma pequena parte da história da cidade que saia do lugar-comum
monumental modernista de Brasília.
5.1. FOTOGRAFIA E ARQUITETURA COMO FERRAMENTAS HISTORIOGRÁFICAS
“More than any of the material traces left behind the last two hundred years
of profound historical change, architecture and photography contribute both
to our contemporary skyline and to our image of the past” 2
Com o surgimento e difusão da fotografia na metade do séc. XIX, inicia-se uma nova forma de contar
histórias, que afeta em grande escala a forma de contar a história das cidades. Procura-se então
demonstrar a importância da imagem na construção das narrativas contemporâneas sobre a cidade.
A fotografia surge aproximadamente no mesmo periodo da História da Arte enquanto matéria
curricular, e acompanha o desenrolar da modernidade arquitetônica e urbanística. Com isso a história
da cidade modernista surge a partir de uma saturação do sentido da visão, inundando o imaginário
coletivo de imagens muito mais do que de palavras. Aqui percebe-se o fim das grandes narrativas
onde a imagem e a visão se tornam-se predominantes3 como forma de narrar a cidade.
2
Architecture, Photography and the Contemporany Past, pg 11.
3
Diferente do que alguns leitores imaginam, não é a supremacia da visão mas sim a saturação dela, que cria
uma história baseada preponderantemente imagética da cidade.
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“The modern city, built for motor traffic and segmented into functional
zones, is mankind’s largest artifact that we cannot avoid to take into account
in a future transformation of society. In analogy, the photographic image
(…) constitutes a “micromodernity” on the small scale, where the underside
of modern society has been registered, identified, classified, an archived.
The refiguration os space through photography is one of modernity’s most
central aspects.”4
Para Maria Stella Brescianni, em História e Hitoriografia das cidades, um percurso, as cidades
são“antes de tudo uma experiência visual”, onde a própria representação da cidade muda de acordo
com o sujeito que a percebe. Nesse sentido a autora coloca como necessária a atenção ao tratamento
da narrativa do espaço como produtora de imagens que contribuem para a compreensão da cidade,
uma vez que essa narrativa “traduz o olhar do viajante e dos trausentes mais atentos”5, e contribui
como representação estética do espaço.
Nesse sentido a fotografia mudou o jeito de se ensinar história da arte, como expõe Anders Dahlgren,
ao mesmo tempo que criou a oportunidade de documentar o movimento da sociedade em um período
de mudanças dramáticas. Para o autor, a fotografia muitas vezes conta uma história própria, distinta
da própria narrativa literária.6 Assim temos a fotografia como poderosa ferramenta de contar a história
coletiva e principalmente urbana, em conjunto com a arquitetura moderna.
“Architecture is perhaps more than anything an art of continuity, making
connections in time and space and between different fields of knowledge,
connections that can be both smooth and adversarial, re-using, sensemaking and re-designing, always downstream in the flow of time” 7
Em uma historiografia da arquitetura e da cidade baseada na imagem fotográfica são traçados dois
caminhos dentro do campo acadêmico, o primeiro daqueles que acreditam que a fotografia é uma
mera ferramenta de registro e o segundo concentra o grupo que a enxergam como algo além disso.
Para Sigfried Giedion8, historiador e critico da arte e da arquitetura, a utilização da camera no registro
do espaço vai além da mera documentação. Para fins desse artigo, parte-se do pressuposto de que a
produção fotográfica é parte do processo de, além de documentar, interpretar e escrever a história do
arquitetura e da cidade, criando imaginários coletivos e individuais sobre esses espaços. Para
Armando Silva9, “é bem possível aceitar que na percepção da cidade há um processo de seleção e
reconhecimento que vai construindo esse objeto simbólico chamado cidade; e que em todo símbolo
ou simbolismo subsite um componente imaginário.”
Com base nesses estudos, parte-se para a análise da história da imagem e das representações do plano
piloto consolidadas pela narrativa imagética baseada na monumentalidade. Dentre as escalas
4
5
Architecture, Photography and the Contemporany Past, editors introduction,pg 12.
(BRESCIANNI, 1998, p. 237)
6
“Photography changed the way of lecturing about art, but it also gave the opportunity to document change in
a time of dramatic developments.”Architecture, Photography and the Contemporany Past, pg 14.
7
Claes Caldenby em Architecture, Photography and the Contemporany Past, pg 29
8
Architecture, Photography and the Contemporany Past, pg 41.
9
(SILVA, Imaginários Urbanos, 1997, pg 47)
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colocadas por Lúcio Costa10, a escala monumental se destaca no imaginário coletivo sobre a capital
brasileira. Esse imaginário é construído por uma história imagética marcada e delimitada por
fotógrafos que retratam a cidade, desde sua construção aos dias atuais, em uma narrativa comum e
predominantemente marcada pelos grandes edifícios localizados ao longo do eixo monumental da
cidade. Destacam-se aqui Alguns como Marcel Gautherot, René Burri, Peter Scheier e Thomaz Farkas
na década de 50 e 60, Joana França e Nelson Kon contemporaneamente, bem como imagens oficiais
do governo da capital.
De acordo com Eduardo Rossetti11, “Pensar em Brasília é pensar na cidade que se definiu como
imagem, como lugar e como símbolo através da arquitetura.” Para o autor, “As fotografias da
construção, as filmagens dos canteiros de obras, as memórias dos candangos, o ritmo frenético da
construção, a inauguração mítica, os palácios cristalinos e o imenso horizonte do cerrado, tudo isso
se amalgama e funde uma percepção complexa do que a cidade-capital representa hoje através de
sua arquitetura.” Assim, a “ missão latente” da arquitetura é “transmitir, trans-geracionalmente, a
potência simbólica de Brasília está representada em sua escala monumental, com seus palácios,
sedes governamentais e espaços cívicos.”
Desde as fotografias da década de 60, que acompanharam a própria construção da cidade, às imagens
contemporâneas da capital, percebemos uma predominância do retrato das construções monumentais
que constroem o imaginário da cidade a partir a fixação de edifícios monumentais numa forma urbana
forte, baseado em relações entre interior/exterior e relações de poder, extremamente delimitadas pela
percepção de uma cidade construída para atender a função específica de capital do país, local do
governo e símbolo do poder. Essa predominância é presente inclusive nos canais oficiais do governo e
turismo, reforçando tal conceito.
Para Rossetti, no Eixo Monumental, “encontra-se a produção arquitetônica mais notória e
reconhecida, justamente por tratarem de edifícios com grande carga simbólica de representação dos
poderes, cujas imagens são amplamente difundidas pelos meios de comunicação.” Dentre estes
edfícios podemos destacar “o Congresso Nacional, Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal,
além da perspectiva da Esplanada dos Ministérios.”12
10
Lúcio Costa, 1957, p. 20.
11
ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília-patrimônio. Cidade e arquitetura moderna encarando o
presente. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 149.07, Vitruvius, out. 2012
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.149/4547>.
12
ROSSETTI, Eduardo Pierrotti. Brasília-patrimônio. Cidade e arquitetura moderna encarando o
presente. Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 149.07, Vitruvius, out. 2012
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.149/4547>.
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Figura 1-4: Marcel Gautherot, René Burri, Peter Scheier e Thomaz Farkas, década 50 e 60, construção e inauguração de
Brasília.
Figura 5 e 6: Joana França e Nelson Kon, imagens contemporâneas de Brasília.
Figura 7-9: Websites Embratur, GDF e Wikipédia. Imagens de divulgação da cidade.
Figura 10-12: Acervo Pessoal
5.2. LUGAR MONUMENTAL VS. ESPAÇO MONUMENTAL
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Além da narrativa imagética baseada nos grandes edifícios construídos de Brasília, temos ainda,
dentro dessa escala monumental e do próprio simbolismo do poder, os espaços monumentais.
Diferente das sobras espaciais que se verá que surge do contraponto com a construção, esses espaços
foram também construídos, projetados para complementar a relação de poder da monumentalidade do
eixo, integrando parte do imaginário monumental já consolidado da capital. “É um espaço
monumental. É um lugar onde o vazio determina e transforma as percepções.” 13
Do gramado entre a plataforma rodoviária e o Congresso Nacional, à Praça dos Três Poderes, Praça
do Buriti, bem como o espaço compreendido entre plataforma rodoviária e Torre de Tv, entre outros,
os vazios monumentais pensados pelo urbanista na intenção de refletir a relação de poder que a capital
necessitava. Para Sérgio Jatobá, essa escala “propositalmente ressalta os grandes espaços vazios e os
edifícios isolados” apesar de suas referências se irem além das teorias modernistas, mas se inspirarem no
“Plano de Versalhes de 1671, o movimento City Beautiful do século XIX e os milenares terraplenos chineses.”14
Figura 12-14: Joana França, Nelson Kon e Acervo Pessoal
Sob o olhar de Michel de Certeau15 tem-se o contraponto entre os conceitos de lugar e espaço, sendo o
primeiro o lugar propriamente construido, no caso os edificios monumentais, e o espaço, em seu
sentido mais puro, aquilo que sobra do lugar, o próprio vazio, porém com sentido de fazer dentro da
narrativa da cidade. Sendo assim, “em suma, o espaço é um lugar praticado16”
Aqui se questiona se esses espaços monumentais seriamde fato os espaços praticados de Certeau.
Uma vez que os mesmos foram planejados e projetados com função especifica, história própria, ainda
que constituam grandes espaços de passagens, estão mais próximos do conceito do lugar construído
do que do espaço vazio, ou como posteriormente coloca marc Augé, do não-lugar.
“Augé defende a hipótese que a supermodernidade é produtora de nãolugares, e que eles “são diametralmente opostos ao lar, à residência, ao
espaço personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida
circulação(...)Lugares que induzam a um rápido movimento associado a uma
não personalização do espaço e do indivíduo seriam para o antropólogo um
não-lugar.”17
13
http://mdc.arq.br/2009/01/20/pela-soberania-do-vazio/, Carlos Henrique Magalhães
14
JATOBÁ, Sérgio Ulisses. A síndrome de Brasília. Reflexões acerca de um rótulo questionável. Resenhas Online, São
Paulo, ano 13, n. 146.02, Vitruvius, fev. 2014 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/13.146/5065>.
15
A invenção do cotidiano, Michel de Certeau, pg 200.
16
A invenção do cotidiano, Michel de Certeau, pg 202.
17
REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 087.10, Vitruvius,
ago. 2007 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/225>.
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Para o próprio Augé, o conceito de não-lugar nunca existe nunca por completo, uma vez que relações,
ainda que transitórias, ocorrem nesse espaço. Assim “O lugar e o não-lugar são, antes, polaridades
fugidia: o primeiro nunca pe completamente apagado e o segundo nunca se realiza totalmente.”18
Assim temos que as imagens desse espaço vazio dessa escala monumental da capital, no lugar de
contrapor o imaginário já formado da cidade, baseado nas relações de poder gerados pela arquitetura
monumental, apenas a reforça, sendo incapaz de, pelas perspectivas imagéticas até então trabalhadas,
exercitar novas representações da cidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6.1 ENTRE O VAZIO PROJETADO E AS SOBRAS ESPACIAIS – EXERCITANDO
NOVOS IMAGINÁRIOS DA CAPITAL
Ao planejar a escala monumental de Brasília o urbanista pensou tanto sua arquitetura a ser construída
quanto seus grandes espaços vazios. Ainda assim, a produção dessa arquitetura e desse urbanismo
planejado geraram uma série de espaços residuais que contrapõem as imagens tradicionais da capital,
um espaço vazio que foi além da intenção primordial do urbanista, advindo das sobras espacias, os
espaços-entre da escala monumental. Nesse ponto surgem possibilidades de exercitar novas
configurações imagéticas da cidade. Parte-se desse espaço informal e do conceito do lugar praticado
de Certeau para descobrir e explorar esses espaços colaterais.
Assim, coloca-se no tensionamento entre os espaços vazios e os espaços construídos, espaços do devir
e espaços de estar, o espaço que abre possibilidades de reinterpretações imagéticas da urbe.19 Assim, o
próprio olhar estético do fotógrafo sobre esse espaço se apresenta como forma de novas leituras da
cidade por meio dos contra-usos das cidades, da arquitetura dos não-lugares, ou, como coloca Careri,
dos espaços intermediários, do “meio-lugar”.20 O meio-lugar tem aqui o sentido do lugar praticado de
Certeau, um espaço entre o lugar e o não-lugar explorado por Marc Augé21. Dessa maneira o meio
lugar é um espaço-entre, é a própria apropriação e o uso do espaço, onde “Estar “entre” não quer
dizer nem uma coisa ou outra, quer dizer ser temporariamente uma coisa e outra.”22
Explora-se aqui não o vazio monumental planejado, que como foi visto não representa esse espaço
das trocas, da alteridade, mas sim as sobras desses espaços, seus resíduos, que são interpretados a
partir de experiências dos fotografos que buscam construir esse novo imaginário da cidade e, porque
não, descostruir aquele já consolidado. Esses espaços são descobertos por meio de experimentações,
da relação íntima do artista com a cidade, do caminhar, do estar, do olhar diferenciado sobre a escala
monumental.
18
Pg 74 Marc Augé Não-Lugares introdução a uma antropologia da supermodernidade
19
(CARERI, 2013)
20
JOBIM NAVARRO, Luciana. Deambulações narrativas de Francesco Careri na construção estética do
espaço. Resenhas Online, São Paulo, ano 14, n. 161.03, Vitruvius, maio 2015
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/14.161/5525>.
21
Marc Augé em Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade
22
Walkscapes, prefácio, citação de citação (“Trialogue: lieu/mi-lieu/non-lieu.” In Lieux Contemporains. Paris,
descartes&Cie,1997.)
7 | 10
O que resta da história de Brasília quando se coloca sua história monumental imagética em segundo
plano? Busca-se então identificar possíveis formas de representação do espaço urbano a partir dos
olhares individuais dos fotógrafos, procurando perceber as potencialidades estéticas desse espaço
residual, dessas sobras monumentais.
A fotografia resurge como criadora de novos imaginários, estimuladora de novas histórias e
representações do que pode ser a cidade moderna e o que podem ser essas sobras espaciais. Na
desconstrução da tradicional imagem de Brasília, retiram-se os monumentos construídos e os espaços
monumentais tradicionais, já conhecidos, e é nos residuos destes que se buscam novas possibilidades
de explorar o imaginário da cidade dentro da própria escala monumental da cidade. Além da própria
experimentação autoral do espaço, estudam-se ensaios de artistas visuais contemporâneos que
possuem projetos no intento de transformar a imagem de Brasília e criar novos imaginários que vão
além do tradicional monumental-Brasília.
O ensaio do fotógrafo Emmanuel Pinard é o primeiro dessa lista, onde o artista busca a essência da
“cidade-mato: seus campos largados, os solos avermelhados, a aridez quase desértica de sua
vegetação, a arquitetura em segundo plano que luta para aparecer.” 23 - ou desaparecer. A cidade
monumental some na liquidez das imagens. Pinard trabalha as imagens de forma a abstrair o
monumento, e o que resta é o vazio.
Figura 15-17: Emmanuel Pinard, Liquefazendo Brasília
Indo além da fotografia em sua obra Narrativas Cotidianas, o artista Bruno Baptistelli, investigou e
contrapôs relações do seu imaginário sobre a cidade com sua experiência real durante seu tempo em
Brasília. “A exposição alimenta-se do repertório do artista para confrontar o imaginário de Brasília
com a experiência real de vivenciar o local. Dessa forma, abre-se espaço para criação de novas
perspectivas imagéticas, que dialogam, ao mesmo tempo, com a história da iconografia da capital
brasileira e com a situação atual da cidade.”24
23
http://www.vazio.com.br/ensaio/liquefazendo-brasilia/
24
http://www.funarte.gov.br/evento/mostra-narrativas-cotidianas-bruno-baptistelli/
8 | 10
Figura 20-23: Bruno Baptistelli, Narrativas Cotidianas.
De maneira autoral dentro desse projeto, busca-se construir uma narrativa a partir do vazio imagético,
onde a imagem reflita mais do que construções, uma fotografia onde o vazio espacial se torna o
verdadeiro conteúdo da imagem onde na“(...)recordação petrificada, (...) não faltava nada, nem
mesmo e principalmente o nada, verdadeiro fixador da cena.”25 Exploram-se imagens do espaço que
possibilitem novas representações da escala monumental da capital, o nada se transforma em espaçoentre, entre ministérios, entre pessoas, entre estacionamentos. As sobras espaciais tornam-se
protagonistas da imagem tanto quanto do espaço. Esse espaço-entre aparece como espaço de trocas,
de prática de alteridades, onde as relações tornam-se mais importantes, onde os monumentos se
tornam o nada e o nada e as relações sociais se tornam símbolo de uma nova imagem da capital.
Assim dentro de uma produção imagética investigativa ainda em andamento, já é possível perceber
uma série de possibilidades para a configuração de novos imaginários e novas leituras dentro da
própria escala monumental de Brasília, onde o arquiteto-fotógrafo é o principal leitor das
potencialidades do espaço.
Figura 24-26: Algumas proposições investigativas. Acervo Pessoal.
O resto é silêncio.
-- William Shakespeare
25
Do conto “As babas do diabo” de Julio Cortázar
9 | 10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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do Século. Campinas, Papirus, 1994.
BAPTISTELLI, Bruno. Narrativas cotidianas. In: http://www.funarte.gov.br/evento/mostranarrativas-cotidianas-bruno-baptistelli/
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JATOBÁ, Sérgio Ulisses. A síndrome de Brasília. Reflexões acerca de um rótulo questionável.
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JOBIM NAVARRO, Luciana. Deambulações narrativas de Francesco Careri na construção estética do
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