Pró-Reitoria de Graduação Curso de Psicologia Trabalho de Conclusão de Curso CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME A PARTIR DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA E DO TEXTO FREUDIANO MALESTAR NA CIVILIZAÇÃO Autor: Lorena Vieira e Silva Orientador: Msc. Flávia Bascunñan Timm Brasília - DF 2012 1 LORENA VIEIRA E SILVA CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME A PARTIR DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA E DO TEXTO FREUDIANO OBRA MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO Artigo apresentado ao curso de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Msc Flávia Bascunñan Timm Brasília – DF 2012 2 Trabalho de conclusão de curso de autoria de Lorena Vieira e Silva, intitulado Considerações acerca do crime a partir da Criminologia Crítica e do texto freudiano Mal-Estar na Civilização, apresentada como requisito parcial para conclusão da graduação em Psicologia, defendida e aprovada, em 22/06/2012, pela banca examinadora assinada por: _______________________________________ Professora Msc Flávia Bascunñan Timm Orientadora Curso de Psicologia - UCB ____________________________________ Professora Dra Thaís Sarmanho Paulo Examinadora Curso de Psicologia - UCB Brasília 2012 3 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família, pois sem a certeza do amor de cada um deles eu não poderia ter chegado até aqui. 4 AGRADECIMENTOS Este momento me faz voltar à memória o ano de 2006. Decidida a fazer o curso de Psicologia numa instituição que me oferecesse boas condições de desenvolvimento, decido sair de Ipatinga – MG, minha cidade natal e vir para Brasília. Dentro de mim eu tinha a certeza que seria um bom caminho. Não foi fácil sair do meu ninho...deixar para trás meus pais e irmãos, minha avó, e os familiares tão presentes. Foi doloroso fazer o corte, e caminhar com as próprias pernas, ainda mais porque eu estava em um ambiente diferente, e não sabia direito por onde andar. Cheguei nesta cidade com a cara, coragem, e vontade de escrever uma boa história de vida e agora, diante do fim da caminhada que deu origem à minha saída, percebo que meu objetivo foi alcançado. Brasília me deu coisas boas que jamais me esquecerei. A começar pela possibilidade de estudar na instituição da qual hoje me despeço. A Universidade Católica de Brasília, através do corpo docente que possui, me fez ter acesso ao conhecimento em Psicologia de forma ímpar. Muito obrigada aos professores que marcaram a minha graduação; cada um com o seu jeito, seu estilo contribuíram para a minha busca por saber fazendo cumprir a tarefa do professor. Um agradecimento muito especial a: Prof.ª Viviane Legnani, Prof.ª Sandra Francesca, Prof.ª Edna Melo, Prof. Eduardo Pandossio, Prof. Luciano Oliveira, Prof.ª Maristela Gusmão, Prof.ª Cida Penso, e Prof. Alexandre Galvão: com cada um deles pude escrever um parágrafo da minha formação em Psicologia, muito obrigada! Volto-me agora às amigas e amigos fundamentais para a minha sobrevivência cujos laços foram formados aqui, especialmente às minhas “Gatinhas Miau” – Bárbara Melo, Dauana Sales, Juliana Nunes e Tamara Coelho...como é boa a nossa amizade!!! Agradeço aos amigos gestados na fé: Angélica Souza, Rafael Antônio, Cairo Vitor, Taynã Gonçalves, e meu querido, Danilo Medrado. E por fim, não me esqueço das amizades nascidas nos longos anos de curso; são pessoas que além de partilhar angústias de provas, partilharam também vidas: Elaine Marques, Esther Melo, Fabiana Porfírio, Gracy Nakakura, Isabela Souza, Laianny Bueno, Lídia Magalhães, Neimar Sérgio, Sílvia Roboredo, Stéfany Langamer e Teresa Nery. Valeu gente! Agora aos meus fundamentos de amor: papai e mamãe! Vocês são os melhores que podem ser e me deram a certeza de que eu podia caminhar sozinha, e isso é devido ao amor livre que experencio com vocês. O exemplo de força que vem da história de cada um somada à força de vocês enquanto um casal me fez ser a pessoa que sou hoje. O muito obrigada que digo a vocês vai muito além dessas duas palavras e talvez faça sentido na palavra AMOR! Agradeço também a dois homens que me fazem ter a experiência do amor, diariamente: meus irmãos Leonardo Vieira e Lucas Vieira. Tantas coisas vivemos juntos...tanto sonhos compartilhamos...Muitas histórias nós temos juntos, e é muito bom lembrar delas com uma paz no coração. Obrigada pelo apoio de sempre!Amo muito vocês dois! Às amizades nascidas na adolescência e permanentes, mesmo com a distância atual: Adriano Santos e Aline Sérgio, e Sílvia Emmanuele. Influências decisivas no meu processo de crescimento nesta vida!Amo vocês! Obrigada às amizades do trabalho, especialmente à Iara Soares, Camila Mendes, Ivani Souza, Amanda Dall’Ora, Alexandre Santana, Talita Ramos, Caroline Cavalcante. Vocês me ajudaram cursar essa reta final com muita alegria! Agradeço imensamente agora a duas pessoas fundamentais no meu processo de formação: minha orientadora Prof.ª Flávia Timm pela forma nova de olhar as relações humanas que me instigaram a querer estudar esse tema, e não só por isso, mas pela paciência e acolhimento durante a escrita deste trabalho; e minha examinadora, Prof.ª Thaís Sarmanho, 5 por me fazer apaixonar pela psicanálise a cada aula dada com um jeito único e irreverente, e também por inaugurar a minha postura como aluna diante da sua forma de ensinar. Ela se tornou referência na minha formação acadêmica e pessoal. Muitíssimo obrigada! Por fim e porque o melhor fica para o final, agradeço ao meu bom Deus!Como é bom olhar para todo esse trajeto e perceber Sua presença sempre ao meu lado. Ele foi presente durante essa história, desde a saída de MG até o dia de hoje, de forma concreta não me deixando faltar nada, principalmente o Seu amor. Deus, obrigada! Hoje eu olho para trás e vejo que todo o esforço valeu à pena! 6 “A maioria das pessoas não querem realmente a liberdade, pois liberdade envolve responsabilidade, e a maioria tem medo de responsabilidade”. “A Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é o senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida psíquica”... Sigmund Freud 7 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO CRIME A PARTIR DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA E DO TEXTO FREUDIANO MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO LORENA VIEIRA E SILVA Resumo Este estudo é uma proposta qualitativa que aborda a temática da criminologia crítica e da psicanálise em relação ao crime e aos aspectos históricos relacionados na produção de criminalidade. A Criminologia Crítica se apresenta como possibilidade de leitura das condições sociais desconsideradas diante da legislação penal no momento da aplicação da pena, ao ver o crime como resultado das desigualdades e estigmas. A psicanálise é uma ferramenta de releitura do caos social em que os crimes têm crescido e levado ao enrijecimento da legislação quando considera a subjetividade humana desde a entrada da Lei na infância. O crime nesse sentido pode ser o resultado do mal-estar sentido a partir da repressão que a vida na civilização impõe. A justificativa psicanalítica será feita com base nos principais aspectos do texto Mal-Estar na Civilização. O estudo teórico permite identificar as construções ideológicas no processo de definição do criminoso a partir das teorias biológicas defendidas pela criminologia positivista, e rever os conteúdos racionais acerca das escolhas humanas defendido pela criminologia clássica, e que apesar de ultrapassados ainda são base para discursos jurídicos dogmáticos. Verificou-se que o crime pode ser uma resposta humana ao deparar com a realidade social que não oferece condições de realização a todos. Palavras Chave: Criminologia Crítica, Mal-Estar, Crime, Criminalidade. 8 CONSIDERATIONS ABOUT THE CRIME FROM THE CRITICAL CRIMINOLOGY AND TEXT FREUDIAN CIVILIZATION AND ITS DISCONTENTS LORENA VIEIRA E SILVA Abstract This qualitative study is a proposal that addresses the issue of critical criminology and psychoanalysis in relation to crime and historical aspects in the production of crime. The Critical Criminology presents itself as a possible reading of the social conditions disregarded in the face of criminal law at the time of application of the penalty, to see crime as a result of inequalities and stigma. Psychoanalysis is a replay tool of social chaos in which the crime have grow and taken to the tightening of legislation when considering human subjectivity from the entrance of Law in childhood. The crime in this sense can be the result of malaise sense from the repression that imposes life in civilization. The psychoanalytic explanation will be made based on the key aspects of the text Civilizations and its Discontents. The theoretical study identifies the ideological constructs in the definition process of the criminal from biological theories advocated by positivist criminology, and review the content about the rational human choices advocated by classical criminology, and that while still exceeded legal basis for dogmatic speeches. It was found that the crime can be a human response when confronted with the social reality that does not provide conditions for realization at all. Key-words: Critical Criminology, Discontents, Crime, Criminality. 9 SUMÁRIO Dedicatória............................................................................................................................. 4 Agradecimentos..................................................................................................................... 5 Epígrafe.................................................................................................................................. 7 Resumo................................................................................................................................... 8 Abstract.................................................................................................................................... 9 1. APRESENTAÇÃO............................................................................................................. 11 2. INTRODUÇÃO................................................................................................................ 11 3. PERCURSO HISTÓRICO DA CRIMINOLOGIA.......................................................... 13 3.1. A Escola Clássica de direito penal e a noção de liberdade............................................ 15 3.2. A Escola Positiva de Direito Penal e a noção de anormalidade..................................... 17 4. CRIMINOLOGIA CRÍTICA............................................................................................ 19 4.1. Breves considerações sobre Direito Penal..................................................................... 20 4.2. Sistema penal e Direito Penal........................................................................................ 20 5. PSICANÁLISE E SOCIAL.............................................................................................. 21 5.1 .Mal-Estar na Civilização................................................................................................ 22 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 27 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.......................................................................... 30 10 1 – APRESENTAÇÃO O presente trabalho propõe uma revisão bibliográfica acerca da linearidade do racionalismo positivista e sua influência na compreensão das práticas delituosas, a partir da intersecção dos estudos em criminologia crítica e da perspectiva teórica da psicanálise. O interesse em pesquisar sobre esta temática nasceu quando, em debate na sala de aula, me deparei com a fragilidade do rijo discurso do Direito Penal em relação ao livrearbítrio do sujeito diante da lei, e a justificação para a punição apoiada nessa afirmativa. Para mim, tal fragilidade se apóia ao se considerar que no humano, a razão por muitas vezes não é o que orienta sua conduta, ou seja, há espaços, falhas no agir humano que o Direito Penal não alcança, e é ao se considerar os pressupostos psicanalíticos que se abre uma nova possibilidade de compreensão sobre as condutas humanas versus a Lei e a lei. Para ampliar meu estudo, me proponho traçar um caminho de compreensão do tema a partir da perspectiva crítica em criminologia, pois a mesma não se coloca dogmática e reducionista e também, por que foi a partir dela que surgiu o interesse em estudar o fenômeno da criminalidade. A proposta do curso de Psicologia desta Universidade é formar profissionais capazes de atuar em diversas áreas de forma crítica e interdisciplinar. Por isso, eu, enquanto psicóloga em formação, tomando posse desse princípio, me lanço a investigar esse tema dessa forma, para que minhas futuras intervenções estejam inseridas na realidade, considerando as diversas setas que apontam caminhos de promoção de saúde e bem-estar dos humanos aos quais me proponho a cuidar. Desejo também que esse trabalho enseje novas discussões sobre as tristes condições em que muitas mulheres e muitos homens se encontram no ambiente prisional, sobre os olhares estigmatizadores que são lançados sobre elas (es) e sobre a falta de equidade judicial. Que a discussão não pare na descoberta dos erros, mas construa novas possibilidades de atuação profissional. 2- INTRODUÇÃO A criminalidade na sociedade tem sido um fenômeno em ascensão e tem despertado a busca por soluções contra este mal que se apresenta. Diante da violência entre os humanos, no qual se tem admirado espécies de crime cada vez mais refinados e cruéis, muitas vezes parecidos com as torturas da Idade Média, emergem muitas perguntas. Uma das explicações recai sobre os discursos jurídico-penais, que na tentativa de consolidar sua legitimidade punitiva, propõem o enrijecimento das leis como proteção e prevenção contra o crime. O que se observa é um fortalecimento de respostas jurídico-penais que justificam a suposta eficácia das punições sobre os humanos diante da “opção” pelo crime. Contudo, essa linha de pensamento não contempla as infinidades dos efeitos sociais na subjetividade, no mundo interno do sujeito e o que o levaria à prática delituosa. Segue-se uma linha de compreensão racional de causa e efeito que não abarca as implicações psíquicas em jogo e sua relação com o mundo; se haveria ou não outra forma de solução do problema do crime e da criminalidade que não a punitiva. Dados do DEPEN1 revelam a escalada ascendente da população criminal nos últimos dez anos. Em 2000 havia 235 mil pessoas no sistema carcerário e em 2010 o número cresceu para 496 mil pessoas no sistema penitenciário considerando o regime aberto, semiaberto e o 1 Departamento Penitenciário Nacional. 11 fechado; são quase meio milhão de pessoas presas. Outro dado pontual é o aumento da população penitenciária feminina, indicando novas proposições para estudos detalhados. O fato estatístico evidencia a contradição entre a proposta jurídica punitiva de tornar a lei um meio de prevenção ao delito, e a realidade carcerária. A concepção de crime e criminalidade atuais desconsideram os atravessamentos históricos que denunciam os interesses econômicos e políticos em torno da definição das condutas desviantes, e mascaram o efeito das mesmas sobre a manutenção do exercício de poder de uns sobre os outros. A Criminologia Crítica é uma nova proposta de leitura sobre esse fato social e se diferencia das Escolas Clássica e Positivista do Direito Penal porque não foca no criminoso, mas no fenômeno criminalidade como uma construção social moldada por estruturas de controle e de poder, e nos processos de criminalização de determinadas pessoas e condutas sociais. A partir do diálogo com a psicanálise uma releitura do ato criminoso se apresenta ao falar sobre um modo de funcionamento não observável, interno ao sujeito e que no encontro com a criminologia crítica, possibilita ver o crime como uma saída diante das condições desiguais impostas pela civilização atrelando o sujeito ao social. O encontro entre Psicanálise2 e Criminologia talvez se faça audacioso visto a diferença epistemológica das duas correntes de pensamento. A primeira porque se interessa pelo sujeito e manifestações sintomáticas de sua subjetividade, a segunda porque surge do Direito, que é da ordem do universal, do que é manifesto numa lei formal concordada no social. Então como o singular e o universal podem se encontrar no mundo jurídico? (BARROS-BRISSET, 2009). Um caminho de resposta à pergunta é a sugestão, neste trabalho, da leitura do texto freudiano Mal-Estar na Civilização, pois nesta obra primorosa Freud considera a questão do sujeito no social. Apesar da criminologia se inscrever como uma perspectiva jurídica, não se coloca no mesmo plano que o Direito, pois não se faz rígida, e sim interdisciplinar revelando um lugar de discussão e não de definição de novos saberes acerca dos fenômenos criminais. Enfim, a resposta à questão poderá ser dada ao considerar que este encontro interdisciplinar não pretende construir uma nova teoria sobre a criminalidade ou sobre o crime, mas permitirá acolher ambos como um fenômeno humano diante das desigualdades sociais construídas ao longo da história e que permanecem atuantes. Todo esse edifício será analisado a partir de um estudo teórico em Criminologia Crítica e Psicanálise com base nos escritos de Alessandro Baratta, Nilo Batista e Eugênio Raúl Zaffaroni que se configuram como os principais criminólogos críticos da atualidade, e a base de análise em psicanálise será feita a partir do texto Mal-Estar na Civilização, de Sigmund Freud. A obra escrita em 1930 revela a capacidade do autor de pensar além de seu tempo com uma qualidade ímpar demonstrando a atualidade do seu pensamento. A pesquisa teórica como afirma Demo (2000), é “dedicada a reconstruir teoria, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos”. Nesse sentido, ao propor uma pesquisa teórica, ainda que imediatamente não se objetive uma intervenção na realidade pesquisada, novas condições de intervenção a partir do debate entre teorias e teses restam fundamentais para transformar as práticas a partir do aprofundamento sobre os efeitos sociais nos processos subjetivos na atualidade. Diante dessa perspectiva, considero importante aprofundar na temática do crime e sua relação com o social visto a influência do mesmo na produção do crime que extrapolam o discurso racional presente no Direito Penal tal como se estrutura atualmente. Para tanto se define como objetivo geral deste trabalho intersectar os estudos em criminologia crítica e psicanálise para complexificar o fenômeno do crime promovendo um novo olhar sobre o 2 O termo Psicanálise sempre fará referência ao texto Mal-Estar na Civilização durante todo o trabalho. 12 sujeito em relação à lei. Este objetivo geral foi desmembrado nos seguintes objetivos específicos: investigar historicamente as ideologias que estruturaram o Direito Penal e compreender como a Psicanálise contribui para uma releitura do ato delituoso a partir do MalEstar na Civilização. 3 - PERCURSO HISTÓRICO DA CRIMINOLOGIA A execução deste trabalho nos moldes a que se propõe impõe, necessariamente, a revisão da construção do saber em criminologia e suas aplicações. A afirmativa decorre do pressuposto de que a forma como o Direito Penal é aplicado na atualidade estrutura-se em ideologias cuja data de nascimento é antiga, mas que se mantém num mecanismo de repetição por corresponder a interesses políticos, sociais, econômicos e religiosos que visam à minimização das ameaças por meio da regulação das massas. Esta seção pretende traçar uma linha histórica que demonstre o caminho percorrido pela criminologia, até chegar aos dias atuais, promovendo a desnaturalização do fenômeno da criminalidade e do criminoso. Serão consideradas as duas principais escolas de direito penal determinantes para o pensamento criminológico no ocidente, a saber: escola clássica e positivista. Desde sempre o homem3 procura adquirir bens, frutos de seu trabalho. Aquilo que era adquirido não poderia ser furtado, uma vez que refletia uma conquista. A vida em comunidade tornava o respeito ao bem do outro, imprescindível para evitar possíveis conflitos e o respeito ao outro, àquilo que pertencia ao outro se tornou uma regra. Contudo, na história da humanidade, o conhecimento deste princípio nunca garantiu que os homens vivessem em paz com seus bens. No momento em que o homem se via lesado, soava sempre um eco por punição para aquele que feria a regra, e neste momento, não se importava o seu grau. (BATISTA, 2003). A ideia de punição para atos que lesassem a outrem é antiga, e antes de serem definidas regras para sua aplicação, geralmente os atos reparadores eram sem parâmetro, ficando à mercê da vontade humana. Mais do que punição, o propósito era vingar aquele que lesou em favor de quem foi lesado, pública ou privadamente. O estabelecimento de códigos punitivos definiu tipos de punição de acordo com o tipo de crime cometido. Tais códigos datam de muito tempo, podendo ser encontrados em vários momentos da história, e a cada tempo definiram a relação causal entre crime e punição. A lei de talião “olho por olho, dente por dente” descrita no Código de Hamurabi (escrito em 1700 a.C), as leis descritas no livro bíblico de Êxodo e a Lei das XII Tábuas, são exemplos de códigos criados para regular o convívio social a partir da punição àquele que transgredisse a regra no plano individual ou estatal (BATISTA, 2003). A Idade Média foi o período marcado pelo forte domínio da Igreja sobre a sociedade e pelo sistema econômico feudal. A ideologia cristã da época estabelecia que o poder de penalizar era reservado à Igreja e ao rei. Os julgamentos ocorriam em nome de Deus, limitando questionamentos de defesa. A pena era um modo de reparar a autoridade do rei sobre o povo e também servia como exemplo para os demais, sendo comumente aplicada com crueldade em meio à população gerando medo e pavor (BATISTA, 2003). O sistema econômico feudal tinha como base a produção de bens, nos campos. A terra constituía a grande riqueza a ser explorada e conquistada, porém poucos detinham poder suficiente para ser senhor feudal. Como havia muita terra, a demanda por mão-de-obra era 3 O genérico homem será mantido durante o trabalho por representar o pensamento da época refletindo a cultura patriarcal predominante. 13 grande, e para que não houvesse conflitos e pudesse ser mantida a lucratividade, os senhores feudais mantinham um esquema de disciplina entre os trabalhadores, com penas severas a quem se colocasse contra seus interesses. Ao invés de penas pecuniárias, penas privadas executadas sem lei e medida ficavam à vontade do senhor feudal (BATISTA, 2003). Quando o feudalismo começou a não garantir a subsistência da população, pelo desenvolvimento de novas técnicas de cultivo, uso de animais, e expansão dos mercados consumidores, novas formas de produção começaram a ser implantadas e a mão-de-obra antes aproveitada foi deixada de lado. Muitos conflitos surgiram levando à expulsão da população do campo para as cidades. O mercado de trabalho da época não oferecia oportunidades a todos, o que levou a muitos a uma situação de pobreza e miséria favorecendo a prática de crimes. A chegada da população campal nas cidades acabou gerando normas para proteção da propriedade, bem que a burguesia possuía e defendia (BATISTA, 2003). Segundo Batista (2003) nesta época houve a criação de um direito, de base romana, que se diferenciava conforme a classe social, sendo as penas mais severas – como mutilações e torturas - às classes mais empobrecidas. Uma das poucas alternativas de sobrevivência que restou a essa população pobre, foi a prática da mendicância. O que era uma saída diante de situações difíceis se tornou destino certo e tão logo objeto de combate, pois poderia incitar comportamentos de desordem social. Essa foi uma das preocupações dos Estados: controlar a mão-de-obra disponível inutilizada. Juntamente com práticas punitivas, a internação e a reclusão tornaram-se neste momento, uma saída para a população que crescia; não só eram destinadas a mendigos que vagavam, mas também àqueles que se recusavam a trabalhar. Um grande número de casas de trabalho, casas de detenção e hospitais foram criados para transformar pessoas tidas como perigosas, em força de trabalho (KOLKER, 2004). Nestes estabelecimentos, a expropriação da força de trabalho dos internos acabou se tornando algo lucrativo para os administradores levando a uma valorização do confinamento que influenciou na consolidação do sistema capitalista. Apesar do depósito humano em tais locais, a população miserável crescia juntamente com as riquezas e propriedades, que cada vez mais se concentravam nas mãos de poucos; tudo isso influenciado pelo desenvolvimento da produção e expansão de mercado (KOLKER, 2004). A preocupação com a arbitrariedade das penas e sua indeterminação culminou com o surgimento de um movimento que levou à elaboração de uma teoria sobre o crime e o direito penal. Influenciada pelas ideias Iluministas, onde a valorização da razão sobrepunha qualquer crença, a Escola Clássica mantinha um foco no crime e acreditava ser a prática criminosa, fruto da escolha humana. Ainda que diante de uma situação econômica desfavorável, mas que criava um ambiente favorável para a prática ilícita por grande parte da população, era posto ao homem o livre-arbítrio para agir ou não conforme a lei. Caso optasse pela infração, a aplicação das leis se tornaria justificada por parte do Estado. A noção de proporcionalidade também se desenvolve criando graus de penalidade conforme o grau do delito. A diminuição da severidade das punições para atos resultantes da situação da pobreza se tornou um mecanismo de contenção social, incutindo a ideia de um direito penal igualitário entre ricos e pobres (BATISTA, 2003). Apesar da nova legislação acerca de crimes resultantes da pobreza que tornavam as penas menos severas, a onda de criminalidade não diminuiu. A era industrial trouxe mais problemas ao mercado de trabalho, promovendo o aumento da pobreza. A pressão da classe dominante levou a uma retomada dos métodos punitivos severos como forma de proteção e defesa social. Consequentemente, a privação de liberdade se tornou solução do conflito e a detenção, a ter moldes mais rígidos sob condução militar. Anteriormente, o trabalho na prisão era visto como meio de enriquecimento, pois muitas vezes era “emprestado” a setores 14 privados, contudo, neste momento, o trabalho se transformou em meio de tortura e privação (BATISTA, 2003). Devido à ineficiência da concepção Clássica em explicar o aumento da criminalidade, a filosofia positivista ganhou espaço. Fortalecida pelo discurso científico, pautado na observação e experiência, a Escola Positivista levou muitos teóricos às prisões para que, a partir de observações do criminoso, se pudesse chegar a uma explicação. E a explicação dada era a de que a criminalidade era fruto de um tipo humano cuja carga genética o predispunha ao crime, diferenciando-o da outra parte da sociedade. Em oposição ao livre-arbítrio, a infração a lei é consequência da anormalidade biológica observável sobrando à sociedade defender-se desses seres. Além de contemplar características físicas, características comportamentais também fizeram parte do rol de observação dos cientistas que tão logo à descoberta atribuíram as últimas às camadas populares. Esta concepção muito contribuiu para a criação de estigmas até hoje reforçadores de atitudes preconceituosas (RAUTER, 2003). O pensamento positivista provocou a adesão de muitos pensadores, e aos poucos se tornou objeto de discussão em toda a Europa. O discurso de defesa social em relação ao tipo criminal definido como patológico, se intensificou ao nascer o conceito de periculosidade que abarcaria a todos os criminosos efetivos ou potenciais. Com base nisto, a intervenção na parcela patológica independeria da ocorrência de delito (RAUTER, 2003). O pensamento positivista perdurou ainda por muito tempo, até meados do século XX quando novas ideias acerca da criminalidade foram concebidas. As seções seguintes apresentarão mais detalhadamente as características de cada escola para depois aprofundar nessa vertente. 3.1 – A Escola Clássica de Direito Penal e a noção de liberdade A Escola Clássica foi o primeiro movimento, nascido na Europa em meados do século XVIII, a sistematizar o Direito Penal com o objetivo de humanizar práticas penais até então executadas no Antigo Regime (Idade Média). Influenciada pelas ideias iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade, a escola clássica acreditava que a liberdade e o Direito eram indissolúveis. A noção de Direito defendida pelos autores desta escola, encontrava lugar no jusnaturalismo, que é uma corrente filosófica, cujo entendimento sobre o Direito se baseia numa noção de liberdade do homem diante das escolhas e do direito natural. O direito natural concebia a sociedade regida por leis naturais que determinavam as ações humanas, e a aplicação do direito sobre os humanos (BARATTA, 2002). Tais leis, entendidas como divinas, seriam conhecidas por todos e, portanto, incutiam no homem a noção de agir legalmente. A racionalidade humana daria ao mesmo, a noção de justo e injusto, uma vez que também o levaria ao conhecimento de leis naturais de fins justos e bons. Portanto, o direito só poderia ser pautado nessas ideias inatas ao humano, que sempre os conduziriam a práticas de justiça sob tutela da razão cuja indicação seria sempre a de justiça (STEUDEL, 2007 apud ANDRADE, 2003). Essas acepções sobre a eternidade de tais leis tinham um fundamento religioso e até o início do século XVII, estavam bem acomodadas na sociedade. Contudo, o século das luzes que se aproximava, trazia um esforço em fazer com que o conhecimento não mais tivesse base teológica. A convivência em sociedade de forma justa, não mais se pautaria segundo as normas de um Criador, tornando as leis que a regeriam um produto da racionalidade humana; essa sim o balizador do senso de justiça entre os homens. Seguindo esse entendimento o direito natural abandonaria um caráter metafísico, intocável, encontrando um lugar na natureza racional do homem em sociedade (STEUDEL, 2007 apud ANDRADE, 2003). 15 A valorização da liberdade levou a construção de uma dogmática penal onde a liberdade era o ponto principal, e justificativa para correções. Se a razão humana é o ditame das condutas, e se por ela os homens deveriam decidir sempre para a justiça comum, então a transgressão à lei, o crime, seria um ato da vontade, consciente e livre. Sendo assim, de acordo com Andrade (2003, p.47): “[...] além de ser uma violação, o crime é, para o classicismo, uma violação ‘consciente e voluntária’ da norma penal e, pois, dos seus elementos constitutivos conferem especial relevância à ‘vontade culpável’ – àquele elemento subjetivo que, contemporaneamente, é denominado ‘culpabilidade’. É mister que o crime seja animado por uma vontade culpável entendida mais como vontade de violar a norma do que como voluntariedade do fato constitutivo do crime. Enfim, é necessário que a vontade seja livre para que seja culpável. O livre-arbítrio constitui, assim, o sustentáculo do Direito Penal clássico”. A obra prima que caracteriza o estilo de pensamento filosófico desta fase foi escrita por Cesare Beccaria (1738-1793); Dei delitti e delle pene4 é o marco da influência das idéias iluministas sobre o estudo do crime e na construção de uma teoria jurídica do delito e da pena. O entendimento de um Estado liberal e do usufruto do bem comum pela maioria, baseado na idéia de contrato social é outra característica do pensamento da época (BARATTA, 2002). Segundo Beccaria (2011 apud Baratta, 2002) a justiça entre os homens é o que define o usufruto do bem comum, desde que os interesses particulares se mantenham unidos sem haver divergências, ou nas palavras do próprio autor, sem que haja “usurpações particulares” (BECCARIA, p.32, 2011). O contrato social mantido pelos homens com o Estado é o que o autoriza a aplicação das leis, pois é ele que legitima a defesa do bem individual na sociedade em vista do limite que cada homem tem no exercício de sua liberdade; é essa liberdade que daria ao homem a possibilidade de escolha para agir ou não contra a lei. “Foi, portanto, a necessidade, que impeliu os homens a ceder parte da própria liberdade. É certa que cada um só quer colocar no repositório público a mínima porção possível, apenas a suficiente para induzir os outros a defendê-lo. O agregado dessas mínimas porções possíveis é que forma o direito de punir” (BECCARIA, 2011, p.33). No momento em que o homem cede parte de sua liberdade em prol da convivência comunitária pacífica, cria-se condições para que o senso de defesa e de proteção dos membros seja exercido, juntamente com o direito de punir aquele (a) que se opõe a esse princípio. Pelo fato de todos os membros serem impelidos a abrir mão de uma fatia de liberdade por um, logo todas as ações contrárias a essa doação, ou seja, as atitudes pessoais baseadas numa escolha racional que visassem o bem próprio poderiam sofrer sanções, porque se opunham ao senso de coletividade (BECCARIA, 2001). Beccaria ainda defendeu a ideia de proporcionalidade penal. As penas deveriam ser aplicadas de acordo com os crimes cometidos, cabendo ao jurista a adequação entre o caso concreto e o dano causado pelo criminoso. Embora o esforço da Escola Clássica fosse o de humanizar as práticas penais ao considerar a liberdade de escolha nas ações humanas em sociedade, e romper com medidas arbitrárias do Antigo Regime, o discurso de liberdade apesar de conter uma noção de busca de bem comum e de respeito igualitário entre os indivíduos, não promoveu mudanças suficientes entre as classes. Pelo contrário, manteve o status quo de poder político e econômico que pertenciam ao Estado e a nobreza, uma vez que o entendimento sobre a livre violação do 4 Dos delitos e das penas. 16 contrato social fora defendido para a proteção de bens de uma camada burguesa, que ascendia juntamente com o ideal iluminista (BATISTA, 2003). 3.2– A Escola Positiva de Direito Penal e a noção de anormalidade A oposição à crença da livre vontade do sujeito na escolha pelo crime para a compreensão de um determinismo biológico para o crime é o que leva ao nascimento da Escola Positiva, com Cesare Lombroso (1835-1909). Ele é o nome mais citado quando se pensa na construção da Criminologia como ciência. Pretendeu construir um modelo científico para o estudo do crime a partir de suas causas, tomando como base para isso a observação dos criminosos em ambiente prisional. Dessa forma, pretendia determinar como seria o homem criminoso para definir o modelo de tratamento mais adequado para garantir a eficácia do discurso de defesa social. Para Lombroso, o criminoso seria reconhecível por características físicas que o diferenciariam da maioria da população; ele seria uma parte mal-sucedida, uma involução da espécie humana que tenderia a reproduzir suas imperfeições nas próximas gerações. “O criminoso é um ser atávico. É o exemplo acabado de um evolucionismo às avessas, repetindo em épocas modernas o homem primitivo, em seus caracteres somáticos, instintos bárbaros e ausência de sensibilidade física e moral”. (RAUTER, 2003, p. 33). A influência do pensamento positivista da época impulsionou Lombroso a uma busca pelas causas do crime, mas tendo como foco o indivíduo criminoso e não mais a prática do delito, do crime. Essa construção foi chamada de etiologia do crime. A criminologia lombrosiana “tem por objeto não propriamente o delito, considerado como conceito jurídico, mas o homem delinquente, considerado como um indivíduo diferente e, como tal, clinicamente observável”. (BARATTA, 2002, p.29). O resultado dessa ideia levaria o criminoso a ser visto como: “[...] um homem causalmente determinado e, como tal erigido no principal objeto criminológico. Estabelece-se dessa forma uma linha divisória entre o mundo da criminalidade, composto por uma minoria de sujeitos potencialmente perigosos e anormais - e o mundo da normalidade - representado pela 'maioria' na sociedade” (ANDRADE, 1997, p. 67, apud XAVIER, 2008, p. 2). A ideia de anormalidade presente no pensamento lombrosiano, expressa no seu livro L’uomo delinquente5 publicado em 1871, é o que definiu as bases da criminologia positivista. A anormalidade do homem criminoso descrita pela observação de características de seu corpo o tornava passível de observação, diferenciando-o dos demais. Vale lembrar que nessa época, era do industrialismo, da forte corrente capitalista, já dividia a sociedade em classes, demarcado lugares para uns e outros. O industrialismo marcou a mudança do sistema monetário no século XVII, antes regido por trocas e por um senhor feudal. A Revolução Industrial na Inglaterra, fez com que o trabalho não mais fosse para o lucro daquele que trabalha, mas para o capitalista. O lucro passa a estar nas mãos de um só, propiciando a acumulação de capital, cabendo ao trabalhador apenas o seu salário. Fomentada pelas ideias lombrosianas, a classe burguesa do final do século XIX, que detinha o capital, justificava a necessidade de proteção contra os criminosos acirrando o discurso de proteção e ordem social. 5 O homem deliquente. 17 À anormalidade só restava uma via de solução, o combate. Mais do que combater o crime, a ideia da época era combater o criminoso. Ele, incapaz de preservar os valores morais vigentes optava pelo mal, e por isso deveria incidir sobre si, a pena (RAUTER, 2003). Dando continuidade e ampliando a visão antropológica de criminalidade em Lombroso, Enrico Ferri (1856-1929) constituiu outro pilar importante da Escola Positivista. Para ele, o criminoso era um anormal moral hereditariamente definido cujos instintos excessivos impediriam um controle das suas ações (RAUTER, 2003). Segundo Rauter (2003) a insensibilidade, incapacidade de amar, apetite sexual exagerado, tendência à homossexualidade e promiscuidade seriam alguns dos fatores que caracterizariam os criminosos. O mal que em Lombroso se localizava no corpo, agora também poderia ser localizado nos hábitos de vida, em comportamentos definidos como anti-sociais. A possibilidade de localizar na sociedade os criminosos pela observação de atitudes, fez com que Ferri chegasse à seguinte conclusão: “Podemos dividir as camadas sociais em três categorias: a classe moralmente mais elevada que não comete delitos porque é honesta por sua constituição orgânica, pelo efeito do senso moral, do hábito adquirido e hereditariamente transmitido, mantido pelas condições favoráveis de existência social. Outra classe mais baixa é composta por indivíduos refratários a todo sentimento de honestidade, porque privados de toda educação e impregnados... da miséria material e moral... herdam de seus antepassados... uma organização anormal que une a condição patológica e degenerativa a uma verdadeira volta atávica às raças selvagens... é nesta classe que se recruta o maior número de delinquentes natos. A terceira classe [é a dos que] não nasceram para o delito, mas não são completamente honestos” (ARAGÃO, 1963, p. 286-287 apud RAUTER, 2003, p. 35-36). Ora, se o criminoso era um ser biológico e agora socialmente inferior, o combate a ele no meio da sociedade deveria ser mais intenso, uma vez que a grande maioria da população era pobre e vivia em condições desfavoráveis. A estratégia era impedir a disseminação da criminalidade por meio do aniquilamento de qualquer conduta que estivesse relacionada ao crime, através da vigilância policial. A Escola Clássica e Positivista não se diferenciaram quanto ao foco, o criminoso, ambas concordam que a ação contra o crime era importante para que as pessoas ditas “de bem” pudessem estar protegidas contra os danos causados por esses indivíduos anormais (BARATTA, 2002). Segundo Baratta (2002), esse ponto em comum entre as escolas se denomina como ideologia de defesa social, e era o que justificava as ações repressivas do Estado sobre o crime. O deslocamento desse discurso para a sociedade promoveu a crença na necessidade urgente de defesa legitimando ações do Estado contra o indivíduo. A ideologia de defesa social foi bem arquitetada para convencer a sociedade da luta contra aquilo que fosse contrário à ordem. Nesse sentido, considerar defesa social como uma ideologia faz sentido, pois é através dessas justificativas que o poder de controle sobre a sociedade por meio das práticas judiciárias se legitimou ao mesmo tempo em que o exercício de poder de uma parcela social foi mascarado (BARATTA, 2002). A resposta ao apelo social de controle e de proteção de seus bons indivíduos, ou seja, aqueles em conformidade com a camada burguesa e que visava a preservação de seus bens e de seu monopólio, apoiado no raciocínio de defesa da sociedade, contribuiu largamente para a exclusão do anormal do convívio. Ao anormal caberia a prisão, acreditando que lá seria o local para repensar suas condutas e regenerar-se, para depois voltar para o social (RAUTER, 2003). 18 4 – CRIMINOLOGIA CRÍTICA O início do século XX trouxe novas concepções sobre o crime quando o aumento da delinquência juvenil nos Estados Unidos promoveu o aparecimento da Escola Sociológica de Chicago. Esta considerava que o crime é fruto da lei, uma vez que abre espaço para condutas ilícitas por causa das decisões do Estado, que age violentamente sobre o homem. A nova concepção sobre o crime, que então passa a considerar o meio social, passa a oferecer novos caminhos para a compreensão da criminalidade de forma crítica. A Criminologia Crítica se consolida como o movimento questionador dos estigmas relacionados à criminalidade, indagando a perspectiva biológica de aptidão ao crime, como também a localização social para o mesmo. As práticas penais se somam ao debate no intuito de compreender a ineficácia das práticas punitivas na prevenção ao crime ao lado do aumento da criminalidade, e da seletividade do sistema penal. Segundo Batista (2011, p. 32) a Criminologia Crítica: “ao contrário da criminologia tradicional não aceita qual a priori inquestionável, o código penal, mas investiga como, por quê e para quem (em ambas as direções: contra quem, e em favor de quem) se elaborou este código e não outro. (...) não se delimita pelas definições legais de crime (comportamentos delituosos), interessandose igualmente por comportamentos que implicam forte desaprovação social (desviantes). (...) procura verificar o desempenho prático dos sistema penal, a missão que efetivamente lhe corresponde, em cotejo funcional e estrutural com outros instrumentos de controle social. Como toda teoria crítica cabe-lhe a tarefa de “fazer aparecer o invisível”6. Superar paradigmas nem sempre é tarefa fácil e imediata, ainda mais quando a mudança se opõe a interesses particulares, sobre coletivos. Ao longo da história o crime e a criminalidade possuíram diversas interpretações acerca da sua origem, e formas de combate. A criminologia crítica surge com o interesse de descortinar as realidades inseridas na concepção atual sobre os fenômenos do crime; envolvendo também as pessoas envolvidas neste processo e os saberes que se aplicam sobre eles. Diferente de muitos discursos dogmáticos e verticais, a Criminologia Crítica, por não se fazer uma teoria ou ciência, se horizontaliza e convida outros saberes para o debate: “A Criminologia (...) possui natureza interdisciplinar, logo inegável a facilidade em promover diálogos não ortodoxos, distantes da rigidez formal do discurso jurídico. (...) Passa a ser percebida como lócus de fala e de escuta no qual se encontram inúmeros e distintos saberes acerca do crime, da violência, do criminoso, da vítima, da criminalidade, dos processos de criminalização e das formas de controle social” (CARVALHO, 2008, p. 108). O movimento crítico ao abrir espaço para outras áreas do saber permite a desconstrução de olhares mantidos ao longo dos anos que tanto influenciaram na forma como a cultura lida com a criminalidade. Segundo Baratta (2002, p. 161) a criminologia crítica se consolida como releitura do fenômeno criminalidade quando retira o olhar do criminoso ou 6 MIAILLE (1979, p. 17 apud BATISTA, p. 32, 2011). 19 do comportamento desviante para o social, para as formas de controle social e dos processos de criminalização. Ainda assevera que o direito penal a partir desta nova escola não é mais considerado como um sistema estático de normas, mas como um sistema dinâmico que altera funções de acordo com a população em questão. 4.1 – Breves considerações sobre Direito Penal A pergunta inicial que se pode fazer para o desdobramento desta seção é: para quê serve o Direito Penal? A questão, sendo respondida segundo um viés crítico, permitirá ao leitor compreender a serviço de quê esta parte do Direito pode cumprir na sociedade, no indivíduo, e os efeitos de sua aplicabilidade. A delimitação de seu objeto permite visualizar o seu alcance. Quando se pensa em Direito Penal logo se atribui à ideia uma relação com crime, como se um estivesse implicado ao outro, e vice-versa. O Direito Penal faz referência à existência de um sujeito, uma violação, uma norma que a proíba e, por conseguinte, uma punição justificada. Faz parte de um conjunto elaborado de leis do ordenamento jurídico cuja finalidade é preventiva, como afirma Toledo (2011). Essa função preventiva visa basicamente e proteção contra o que subverte a ordem, seja ela ordem social ou jurídica. O Direito Penal tal como é conhecido atualmente na sociedade brasileira é resultado de um processo histórico iniciado desde o momento em que a vida em comunidade precisou ser preservada. Barreto (1892, p. 36 apud Batista, 2011, p. 18) afirma que “não existe um direito natural, mas há uma lei natural do direito”. A partir da citação pode-se tomar o direito enquanto um produto social de determinada condição, feito por grupos humanos com uma finalidade. Em suma a consideração leva a crer que o direito não é um dado anterior à sociedade, mas se desenvolve a medida das necessidades contextuais desta mesma sociedade. Pensar em direito penal exige associá-lo a uma legislação, ou seja, num conjunto de normas que definem comportamentos, asseguram direitos, e mantém a ordem. O Direito Penal dessa forma intermedeia a relação entre o indivíduo e a punição cabível diante do crime, ou seja, ele deverá cumprir uma função de penalizar. Mais ainda o direito cumprirá a função de manter a sociedade coesa, afastando dela os indivíduos que praticam o mal. Para Castro (1987 apud Batista, 2011), a última consideração acima se refere ao mecanismo de controle social que designa: “(...) predisposição de táticas, estratégias e forças para a construção da hegemonia, ou seja, a busca da legitimação ou para assegurar o consenso; em sua falta, para a submissão forçada daqueles que não se integram à ideologia dominante” (CASTRO, 1987, p. 119 apud BATISTA, 2011, p.21). A função de controle social se coloca como forma de manutenção de um status por meio de práticas e justificativas reconhecidamente legais de uma categoria sobre outra em que legislação penal adotada é criada de acordo com as necessidades observadas pelas categorias detentoras de poder. Segundo Batista (2011) reconhecer o controle social como uma estratégia política favorece a compreensão de como determinadas condutas são encontradas “apenas” em determinadas pessoas; como há crimes com punição diferenciada e como isso deflagra uma onda de medidas jurídicas em reação à criminalidade. 4.2 – Sistema Penal e Direito Penal 20 Define-se sistema penal como um “controle social punitivo institucionalizado” 7 que se incumbe de concretizar o direito penal desde a suspeita ou efetividade de um delito até a condução do indivíduo ao estabelecimento penitenciário perpassando à submissão do crime ao código processual penal, e à aplicação da pena pelo juiz. Toda essa cadeia pressupõe a normatização de uma lei que definirá os procedimentos a serem adotados por três instâncias, sendo elas a policial, a judiciária, e a penitenciária (BATISTA, 2011). Parece ser o sistema penal um todo organizado cujas ações são bem definidas e aplicadas conforme a lei, recaindo igualmente sobre todos os indivíduos sem diferenciação. Uma das premissas do Direito Penal é a garantia de igualdade perante a lei, no entanto, esse discurso é contraditório, uma vez que a aplicação desta não recai sobre todos os segmentos da sociedade. Não há equidade no tratamento de determinados crimes, como por exemplo, os crimes de colarinho branco, usualmente atribuídos a camada social, não sofrem da mesma rigidez que os crimes localizados em camadas populares. Percebe-se um tratamento diferenciado quanto a aplicação da legislação penal quando os crimes punidos são praticados por pessoas marginalizadas socialmente (CFP, 2008). Para Zaffaroni (2001) o exercício de poder dos sistemas penais – pois o autor considera os sistemas da América Latina - se reforça por meio da seletividade, através da corrupção institucionalizada, da destruição das relações comunitárias e da criação de condições para o surgimento de condutas lesivas, e da concentração de poder nas mãos do judiciário; todas essas características são estruturais. Tais evidências deslegitimam as ações do sistema pela incoerência entre o que é definido em lei, e a realidade. Segundo o autor: “A dor e a morte de que nossos sistemas penais semeiam estão tão perdidas que o discurso jurídico-penal não pode ocultar seu desbaratamento valendo-se de seu antiquado arsenal de racionalizações reiterativas: achamo-nos, em verdade, frente a um discurso que se desarma ao mais leve toque com a realidade” (ZAFFARONI, 2001, p.12). Dessa forma, conceber o direito penal como igual para todos não condiz com a realidade, pois o que se observa é um sistema penal seletivo cujas definições foram construídas historicamente a partir de interesses políticos e econômicos em que ações repressoras são destinadas a uma população já estigmatizada, o que contribui para a degradação das pessoas envolvidas neste processo de separação. 5 – PSICANÁLISE E O SOCIAL Poderá a psicanálise oferecer condições de releitura das atitudes criminosas? A questão se coloca como fio condutor deste capítulo. A teoria psicanalítica se propõe a mergulhar em uma parte humana não observável, com um funcionamento obscuro e inesperado cujas regras de funcionamento, geralmente, não se revelam tão facilmente. Em alguns momentos o funcionamento não encontra justificativa no real observável, mas na realidade aparente no jogo psíquico de cada indivíduo; e para a psicanálise este é o objeto de interesse. Freud compôs sua teoria em meio a grandes reformulações. Aos poucos foi construindo a estrutura da psicanálise a partir da observação dos fenômenos sociais de sua época e clínica com seus pacientes. Compreendeu que o aparelho psíquico é formado por três instâncias (inconsciente, pré-consciente e consciente), mas a que deteve mais esforço do 7 Zaffaroni, 2007, p. 65. 21 teórico foi o inconsciente8. Este é o lugar onde se esconde a parte não observável do humano que desemboca em ações contrárias ao real. A incongruência entre o real e a realidade demonstra que nem sempre a razão será o juiz das ações humanas. Barros-Brisset (2008) em ocasião do II Seminário Brasileiro sobre o Sistema Prisional, afirma “a razão não é a força motriz que anima o agir humano. Frequentemente é de se observar ocasiões em que o homem age, e depois pensa nas consequências”. Nesse ponto cabe inserir o crime nessas ações “impensadas” pelo homem. O crime pode surgir diante de uma falha da razão. Apesar de a psicanálise não se debruçar sobre o real, e sim sobre a realidade que diz respeito ao que é interno, ela não exclui a possibilidade de analisá-lo enquanto produtor de novas realidades psíquicas devido à forma como se estrutura; por isso seu fundador se interessou em analisar a cultura. A cultura é o lugar onde nascem as normas reguladoras dos convívios sociais afastando o homem de sua condição primitiva. Embora aja o objetivo de regular as ações humanas por meio da cultura, ela não se constitui suficiente para conter o mal que habita o ser. Assim, afirma Barros-Brisset (2008) “O mal está na civilização, apesar de sua tarefa de civilizá-lo”. O conhecimento das normas somente não tem dado uma resposta satisfatória quando o assunto é a convivência social por isso não se trata de questionar a lei, e sim a Lei. Não raro são as ocasiões em que a Psicanálise é convidada a dar explicações sobre os “desvios”, e muitas vezes o faz, por meio de seus especialistas, de modo a reforçar condutas já estigmatizadas no meio social. A questão da transgressão à norma convida a psicanálise a se posicionar de forma ética; não uma ética baseada na moral dos sistemas religiosos, e sim da ética de responsabilização do sujeito diante de seus atos, reconhecendo o mesmo como um ser faltante. As condutas humanas como encaradas pelo direito penal podem ser compreendidas de maneira racional ao desconsiderar o inconsciente. Como afirma Barros-Brisset (2008), se a razão é o que está no centro do discurso penal, “na vida real, ao contrário, afirmamos que a razão não é o senhor que orquestra o comportamento humano”. A proposta da seção seguinte é demonstrar como no humano há um modo de funcionamento com outro tipo de lei não identificada nos discursos jurídico-penais, que no encontro com o crime, demonstra como o mesmo pode ser uma saída na relação com o mundo e as pessoas. Não há uma Psicanálise, e sim, Psicanálises; optou-se por uma das Psicanálises deixadas por Freud. A escolha do texto Mal-Estar na Civilização se justifica na razão de que nesta obra, Freud insere o sujeito no social correlacionando os processos psíquicos à vida em sociedade. 5.1 – Mal-Estar na Civilização e o crime Felicidade!Esta talvez seja a maior busca do homem imerso no social. Ser feliz, ser pleno, ter a sensação de que tudo está bem, que nada lhe falta. Tudo parece uma promessa tangível, principalmente quando se tem à mão diversos caminhos para atingir esse utópico fim. A indústria e a mídia, com olhos sempre atentos às necessidades do social, a cada dia laçam ao mercado pseudo soluções para a conquista da felicidade. É um bem novo, ou um livro, ou um eletrodoméstico, um fármaco que cure a tristeza. O intuito é acabar com qualquer sensação de desconforto que o homem possa sentir, e nessa busca vale qualquer coisa, a qualquer tempo e a qualquer troca. Ao homem cabe a busca, e se não for bem-sucedido em 8 Esta divisão de inconsciente, pré-consciente e consciente foi no primeiro momento da teoria, chamada de primeira tópica. Após reformulações Freud definiu a segunda tópica em que prevaleceram as definições de id, ego e superego. 22 sua escolha, lhe resta continuar buscando, ou esperando que de repente uma solução lhe venha à mão sem esforço. A busca pela felicidade é um dos temas discutidos por Freud em Mal-Estar na Civilização. Segundo o autor (2011) os homens se posicionam na vida com o intuito de se tornar e permanecerem felizes, tornando a felicidade uma finalidade da vida, e não como possibilidade. Do ponto de vista psicanalítico, felicidade designa a satisfação irrestrita das pulsões humanas, que se coloca como um projeto de vida alimentado pelo princípio do prazer podendo ter dois vieses de acordo com a meta quista, “uma meta positiva e uma negativa; quer a ausência de dor e desprazer e, por outro lado, a vivência de fortes prazeres” (FREUD, 2011, p. 19), contudo corresponderá certamente à segunda proposição. O programa do princípio do prazer pode ser definido como predominante no aparelho psíquico, e apesar de sua regência incisiva, sua realização está em desacordo com os objetivos da Criação, pelo fato da repressão religiosa sobre a sexualidade se opor à satisfação irrestrita da mesma, e por não passar de meros momentos. A felicidade tomada como a satisfação de necessidades represadas encontrando um escoamento poderia ser resumida a apenas sensações efêmeras de bem-estar, nesse sentido a felicidade jamais poderá ser uma constante. Do ponto de vista econômico, a finalidade do princípio do prazer é fazer diminuir ao máximo o nível de tensão no aparelho psíquico, repulsando o que lhe gera desprazer (FREUD, 2006, p. 4). A tendência em afastar do eu o que causa desprazer remonta ha épocas primitivas de cada ser humano. Um mecanismo aprendido ainda quando a linguagem não está instalada, quando o mundo é dominado apenas por sensações e imagens. O bebê não separa o seu eu do outro, desconsiderando a existência de um mundo exterior a ele de forma imediata, mas vai aprendendo aos poucos a se diferenciar a partir de estímulos desprazerosos dos quais luta contra, pois até então é todo prazer (FREUD, 2011), e esta condição permanecerá pulsante independente deste aprendizado na vida adulta; o organismo tenderá sempre a buscar prazer, e não somente evitar desprazer. O propósito é de satisfação, logo, prazer. O impedimento de satisfação plena é o que põe o sujeito diante do princípio de realidade. Este designa um modo de vida no qual há uma restrição das satisfações no mundo externo de forma contraditória ao mundo psíquico, em que “(...) a satisfação irrestrita de todas as necessidades se apresenta como a maneira mais tentadora de conduzir a vida (...)” 9. A felicidade, aqui entendida como satisfação sonhada pela psique, infelizmente se coloca como uma meta inalcançável imposta pelo princípio de realidade uma vez que por ele o sujeito é enlaçado à cultura, definitivamente. A experiência de desprazer se colocou como consequência das exigências da cultura, o que permitiu a adequação do princípio de prazer também às exigências culturais. As condições de vida por meio da cultura e suas proibições necessariamente irão produzir insatisfação no sujeito. O princípio de realidade, apesar de assumir uma veste monstruosa diante da satisfação, entretanto permitiu que seu antecessor – o princípio do prazer – pudesse aos poucos ser alcançado: “(...) o propósito da satisfação não é absolutamente abandonado” (FREUD, 2011, p. 23). Ele afirma que a satisfação continua a ser buscada, mas não mais de forma imediata passando a ser postergada junto com uma tolerância a sensações de desprazer antes evitadas fortemente (FREUD, 2006) 10. 9 FREUD (1930), 2011, p. 21. FREUD (1920), 2006. 10 23 Para Freud, os sofrimentos são parte da condição humana e se refere a três fontes de sofrer: a predominância da natureza, a fragilidade do corpo humano e os sofrimentos que nascem das relações humanas. Quanto às duas primeiras fontes, concorda que apesar de todos os esforços, resta ao homem apenas submeter-se e buscar caminhos para diminuir riscos e prolongar a vida humana. Já quanto ao terceiro fator, ele aponta a dificuldade que o homem tem em admitir “por que os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam, ao contrário, proteção e benefício para cada um de nós” 11. Mas qual o impedimento que a civilização criou, e que se opõe ao princípio do prazer? Para responder à questão é preciso lançar mão da explicação freudiana sobre a origem da cultura. Em Totem e Tabu (1913) Freud, partindo de uma análise antropológica de vasta pesquisa bibliográfica sobre o incesto em diferentes povos antigos, constrói sua teoria sobre o nascimento da cultura em razão da lei do incesto. Freud elegeu a tribo de aborígenes australianos como ponto de referência para suas análises pelo fato não manterem nenhuma relação com povos de territórios vizinhos, e por considerar que tais povos ilustrariam uma parte primitiva do desenvolvimento presente em todos os homens (FREUD, 2006). O ponto alto da obra consiste na narrativa do mito da horda primeva. Num estado primitivo social, um pai tirano possuía todas as fêmeas do grupo e expulsava os filhos da tribo à medida que cresciam para preservar seu controle sobre todas as mulheres. Em dado momento, os filhos expulsos retornam e matam o pai em conjunto, visto que individualmente isto seria impossível. Não só o mataram como também o devoraram, identificando-se com ele e adquirindo, cada um, uma parte de sua força. A morte do pai não garantiu a nenhum dos filhos tomarem o seu lugar. Sua morte o tornou mais forte. O ato em si tonou-se inválido, pois os filhos não puderam tornar concreto o desejo de posse das mulheres; nenhum deles detinha poder suficiente para ocupar o lugar do pai. Em prol da vida comunitária, os irmãos decidiram instituir a proibição que dera início a toda batalha renunciando a consumação do desejo inicial: a de posse das mulheres. Nascia aí lei do incesto concomitante à proibição de matar o animal totêmico, aqui substituto do pai. A proibição ao incesto presente nas tribos pesquisadas e parricídio são tomados como os tabus decisivos na constituição das civilizações, e a transgressão a eles desde o primeiro momento constitui permanente governando as ações humanas. A trama produtora dos tabus fundamentais não só definiram a cultura como marcaram o início da civilização diferenciando o homem atual do homem primitivo. Foi no momento em que cada um cedeu parte do seu ser ao mundo, onde todos passaram a compartilhar regras postergando a satisfação individual que os homens se ligaram uns aos outros através do laço social dando sustento a civilização (FREUD, 2011). Para Freud o tabu se fez necessário na civilização porque expressa o permanente desejo pulsante no homem de satisfazer-se por uma via não civilizada, e que permanece sendo evitada devido ao caos que uma possível transgressão poderia causar. Ele afirma que “(...) essas proibições devem ter estado relacionadas com atividades para as quais havia forte inclinação” (FREUD, 2011, p.48). A lei do incesto que nasce na civilização após o mito se constituiu como um regulamento necessário para a vida em comunidade, contudo é fonte do sofrer o que leva muitos homens a adotarem uma postura hostil frente à civilização (FREUD, 2011). 11 FREUD (1930), 2011, p. 30 24 Ele define civilização como “a inteira soma das realizações e instituições que afastam a nossa vida daquela de nossos antepassados animais, e que servem para dois fins: a proteção do homem contra a natureza e a regulamentação dos vínculos dos homens entre si” 12, mas não afirma que a civilização garantiu ao homem mais felicidade apesar das grandes conquistas que pode alcançar por meio dela. A proibição surgida na origem da civilização marca tão fortemente a história da humanidade que se reedita no desenvolvimento do indivíduo através do Complexo de Édipo; para o autor as duas proibições são sua base. Uma trama estabelecida pela ambivalência da criança quanto ao pai – ora hostil, ora amorosa - em detrimento da posse do mesmo objeto: a mãe. A criança deseja aniquilar o pai dando lugar ao primitivo hospedado. O desejo de transgredir a regra permanece, porém é freado diante do limite imposto pelo pai. O pai neste momento se configura como a representação da lei simbólica do mundo, (MARTINS, 2002); “o pai é o 'sustentador da lei', ele está na posição de representá-la para o sujeito: ele não é a lei, não a faz, ele é o seu representante” (ARAÚJO, 2005). A lei simbólica, universal e necessária para inscrever os sujeitos nas posteriores relações sociais diante das proibições do mundo apresentada pelo pai, retira a criança do lugar de onipotência diante dos seus desejos permitindo o reconhecimento do outro e do limite; tanto nas relações quanto diante dos próprios desejos. Para Araújo (2005) “a obediência à lei é um ato de filiação”, é a forma pela qual a criança após introjetar o interdito paterno, entra no mundo humano garantindo a manutenção dos laços sociais construindo assim o seu superego, que é o herdeiro do complexo de Édipo. É sob essa condição que nasce a civilização; a condição de ao se impedir a relação fusional entre mãe e filho que aos poucos a criança desarma sua onipotência, pela entrada do Outro. O Complexo de Édipo se estabelece como condição estrutural para a civilização dando à sociedade condições de sair de um estado primitivo, regido por forças, para um mundo organizado regido por leis. É uma proibição que resguarda a ascensão da sexualidade, pela repressão de desejos considerados infantis, uma vez que a criança elege, na infância, um objeto de amor inalcançável: a mãe. O repúdio e combate severo ao incesto e ao desejo que suscita, são reflexos da dificuldade humana em lidar com suas formas primitivas de amor, cujo destino só poderá ser o de esconder-se no inconsciente, ficando lá reprimido (FREUD, 2011, p. 35). Tanto o homem primitivo quanto o homem civilizado lutam contra o desejo inconsciente que, se expresso totalmente, poderia por em perigo toda a organização social. O esforço em aplacar a força interior que habita o humano por meio de normas é a tarefa da civilização, e apesar de ser causa de sofrimento é o que garante a sua sobrevivência impedindo o retorno às condições de barbárie. O conhecimento da lei que incita o respeito à norma, contudo, apesar de constituir base para o estabelecimento da civilização, não tem sido elemento suficiente para explicar as situações de subversão à lei. Diante deste curto-circuito a psicanálise é frequentemente convidada a se posicionar quanto às motivações que levam os indivíduos ditos “monstros”, “perversos”, “bárbaros” a cometerem desvios da norma vezes contribuindo para o reforçamento de estigmas pejorativos já atribuídos a sujeitos supostamente criminosos através de rasas leituras sobre infância, de caráter determinista acerca das condições que o levaram ao desvio (CIRINO, HOENISCH & PACHECO, 2009). Se o conhecimento da lei não o é suficiente para evitar o crime, como a teoria pode contribuir para ler o fenômeno crime? A partir da ética; não a ética que nasce da concordância 12 _________(1930), 2011, p. 34. 25 social, mas de uma ética do sujeito em que: “[...] o que estabelece um limite entre as relações é o que se define como uma ‘ética do privado’, se assim se pode dizer, em que o limite do desejo do sujeito é o desejo do outro. Enfim, trata-se de uma leitura não moralista das condutas, mas da proposição de que existe um limite dado ao sujeito e esse limite é da ordem do respeito a uma modalidade de laço social [...]” (CIRINO, HOENISCH & PACHECO, 2009). O limite é constituinte para a civilização e coloca o sujeito numa posição de responsabilizar-se pelo desejo, e mais ainda de criticar como o social tem produzido discursos de desejos incapazes de alcançar igualmente a todos e seus efeitos sobre as subjetividades. Opondo-se a uma concepção moralista a psicanálise contribuirá como afirma Cirino, Hoenisch e Pacheco (2009) para desestigmatizar sujeitos infratores e rever os efeitos dos discursos e ordenamentos sociais na produção do crime. A questão de como a Psicanálise se relaciona com a criminologia propõe que a primeira considere a dimensão social que envolve o indivíduo e sua influência nas respostas criminais, deixando de lado concepções só egocêntricas ou sociocêntricas, partindo para uma análise mais dialética do conflito permanente entre sujeito e cultura; desse encontro poderá se promover a abolição quanto aos discursos de culpabilização e punição aclamada social e midiaticamente (CIRINO, HOENISCH & PACHECO, 2009). É tentadora a iniciativa de abandonar essa regulação para se entregar ao mundo de puro prazer, contudo afirma Freud “é por o gozo à frente da cautela trazendo logo o seu próprio castigo13”. A entrega ao mundo da satisfação ilimitada poderá ser uma saída para o sujeito, mas o castigo será o rompimento com o laço. A convivência em sociedade implica em ceder um tanto de si ao mundo diante da impossibilidade de se viver sozinho. As possibilidades de gratificação dentro da comunidade são restringidas devido às exigências culturais opondo-se ao projeto individual, contudo é justamente a partir da cessão de cada um que se desenvolve um caminho de justiça em que todos possam se gratificar. No encontro com o outro, com o laço que se estabelece socialmente, diante de uma situação de sofrimento, é aí que o sujeito poderá encontrar uma saída civilizada para sua pulsão. A vida em comunidade se torna possível desde que as possibilidades de gratificação sejam dadas a todos de forma justa, impedindo a realização do indivíduo mais forte; o contrário dessa situação seria um retorno às condições iniciais. Assim Freud (2011) afirma: “A vida humana em comum se torna possível apenas quando há uma maioria que é mais forte que qualquer indivíduo e se conserva diante de qualquer indivíduo. Então o poder dessa comunidade se estabelece como ‘direito’, em oposição ao poder do indivíduo, condenado como ‘força bruta’” 14. Se o princípio de realidade conseguiu amenizar a busca por satisfação ao postergar a satisfação, esta realidade – civilização – deverá oferecer condições de efetivar essa proposta. Ou seja, para que os homens possam “conviver em paz” recursos de realização devem existir na civilização para a realização do projeto de vida de cada um, impedindo que o real acorde o mal combatido (BARROS-BRISSET, 2008). O crime poderá ser entendido como uma resposta individual diante da oferta civilizada 13 14 __________ (1930), 2011, p. 21. _________ (1930), 2011, p. 40. 26 contrária, à lei estabelecida pela civilização. Se o respeito a essa lei não oferece um mínimo de satisfação, de nada adiantará ao sujeito recorrer a ela. Agir de acordo com as soluções da civilização nem sempre garante igualdade de condições para que cada ser realize seu projeto de vida. A lei criada para todos nem sempre se coloca como a melhor saída; se o problema vivenciado pelo sujeito não encontra solução conforme a lei, em alguns momentos agir conforme a lei não será a sua escolha racional. E quanto ao estatuto da razão, a psicanálise já avisou que “o eu não é senhor em sua própria casa” (CIRINO, HOENISCH & PACHECHO, 2009). As saídas civilizadas com respeito à ordem, às leis jurídicas, às leis de convivência não tem sido creditadas atualmente. No momento que perde a credibilidade, a resposta via crime se apresenta diante das desigualdades presentes nos territórios sociais aumentando o contingente de pessoas insatisfeitas, então o agir contra a lei se torna saída. A míngua à qual as pessoas são submetidas colocam os sujeitos de frente para o mal que lutam contra. Nessa hora a resposta violenta o faz retornar à condição inicial de barbárie, se não encontra nenhum caminho de satisfação no mundo exterior. Esta é a dinâmica social não conduzida pela razão, mas pelas possibilidades de satisfação (BARROS-BRISSET, 2008). O destino da satisfação não precisa ser único, ela pode se direcionar para diversos objetos e isto a cultura se encarregou, também ao produzir meios simbólicos para solucionar o problema da satisfação. Um exemplo dado por Freud como possibilidade de satisfação é pela via da sublimação em que o prazer é obtido através do desvio da meta sexual contida na pulsão sexual, para outros objetos socialmente reconhecidos, como por exemplo, a produção intelectual e artística; os objetos de arte, as conquistas em pesquisas, e o trabalho. A via sublimatória não garante a plenitude de satisfação ficando sempre um resto a ser investido no fim sexual, porém acorda com a civilização. Esta é uma saída, mas para Freud “cada um tem que descobrir a sua maneira de ser feliz” 15. O reconhecimento de objetos no social implica a sublimação na cultura, como um processo que reúne os indivíduos em torno de um objeto promovendo o vínculo social (METZGER, 2008). A civilização se fez como possibilidade de apaziguar a parte dos humanos que o levariam à barbárie, e se constitui como um projeto permanente a ser buscado. Civilizar impôs o convívio com o outro, com a diferença e nem sempre será fácil, porém é inevitável para dar tratamento à busca imediata por satisfação, por felicidade, mas não afasta o sofrimento; ele será permanente enquanto os homens estiverem ligados uns aos outros. Contudo, a civilização com suas normas devem apresentar de forma justa, condições de tratar o real sem recorrer aos recursos anteriores; os limites estabelecidos não podem aplacar o desejo, e sim devem sorvêlo em pequenas doses. Mas se não há recursos, se no laço que se estabelece com o outro o sujeito não encontrar um pouco de satisfação, poderá acordar o avesso do acordo vindo de forma violenta sobre quem estiver em frente, e nessa hora a razão não se coloca como fio condutor da escolha (BARROS-BRISSET, 2008). 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho se propôs a intersectar criminologia crítica com a psicanálise. Dividido em três partes onde cada capítulo versou sobre um tema, buscando construir uma linha de raciocínio para ao final, neste momento, apresentar a rede que prende os temas principais: criminologia crítica, direito penal e psicanálise, a partir do Mal-Estar na Civilização. 15 _________ (1930), 2011, p. 28. 27 A análise em questão tem por escopo compreender como, no momento do conflito entre sujeito e a lei, o crime pode se inscrever na ordem do não racional, e como essa perspectiva se opõe ao discurso racional sustentado pelo Direito Penal. Para compreender o porquê da punição ao indivíduo que pratica o crime, foi necessário recorrer à história do pensamento criminológico que constituiu a base para o Direito Penal se fundar como ciência. A Criminologia se configurou como o espaço para discussões acerca do crime; inicialmente concebendo-o como uma escolha racional, ou seja, a opção pelo crime se fazia por uma livre decisão apesar da crença de que a razão levaria os homens a praticar sempre a justiça. Diante disto, o exercício punitivo do Direito se tornava legítimo, pois a escolha pelo crime implicava no bom uso da razão, conhecedora do bem e do mal; seria uma escolha consciente, certa pelo crime. Cabe também citar a crença na existência de um acordo social que se opunha a qualquer prática individual – o que deu fundamento para a ideologia de defesa social. Contudo tal concepção sustentada pela Escola Clássica não deu conta de explicar o fenômeno da criminalidade, e por isso, a concepção positivista acerca do crime conquistou o seu espaço dando nova explicação ao crime. Nesta escola, o crime não partia de uma escolha, mas de uma anormalidade biológica que predispunha o homem a uma ação criminosa. O avanço do pensamento positivista implicou no estabelecimento de características que definiam os tipos humanos propensos ao crime, e que, portanto, deveriam ser combatidos. Tanto a escola Clássica quanto a Positiva, ainda hoje influenciam a forma como o Direito Penal atua diante do crime. No momento da aplicação da pena, o Direito se posiciona contra aquele que feriu as regras do contrato, ou seja, a pessoa que pratica o crime optou pelo bem individual livremente, e uma vez reconhecida poderá ser objeto de expiação social. A forma objetiva com que se trata quem comete o crime, entretanto, revela parcialmente os elementos subjacentes às condições de julgamento no âmbito penal. Em ambos os momentos – clássico e positivista – estiveram por trás das formulações, interesses econômicos que se opunham à camada social que detinha menos poder de conquista. Isso ainda permanece obscuro no julgamento dos crimes, comumente combatidos mais severamente, aqueles ligados a população marginalizada socialmente. A Criminologia Crítica é o inverso destas escolas fundamentais para o Direito. É um movimento questionador que se opõe as formas de interpretação do crime, e do criminoso voltando o seu interesse sobre a influência do social no desenvolvimento desses fenômenos, nos mecanismos de controle social e nos processos de criminalização que implicam na seleção de algumas pessoas para integrarem o sistema penal. Não se define como teoria, mas como lugar de encontro de saberes para contribuir e complexificar a leitura da criminalidade. É por meio da visão crítica em criminologia que a psicanálise, pôde ser incluída para o debate. O título do trabalho é “Considerações acerca do crime a partir da Criminologia Crítica e do texto freudiano Mal-Estar na Civilização”, a proposta é de ao encontrar as duas correntes promover uma nova concepção sobre o crime, e também sobre a criminalidade. O encontro entre Criminologia e o texto freudiano, Mal-Estar..., apesar da diferença epistemológica e do foco de análise, permitiu concluir que as práticas delituosas longe de serem tomadas como escolhas racionais dos homens no mundo, são fruto de conflitos interiores nascidos na constituição da civilização que impõem ao homem a restrição do projeto de satisfação atuante. A satisfação – felicidade – seria a realização dos desejos humanos a qualquer tempo, sem considerar o outro. Mas a história da civilização demonstra que para sua existência é necessário esse limite impedindo que os homens retornem às condições da barbárie, quando se deixavam guiar pela força em prol da satisfação. Diante da escassez de recursos, o respeito à lei que regula o convívio de uns com os outros, e que perpassa a história de cada ser ao ser 28 reeditada no Complexo de Édipo, nem sempre poderá ser respeitada se não há algum recurso que conduza o desejo para algum caminho de satisfação. Esse jogo de forças não se faz aparente; permanece numa parte não observável do ser não se colocando como um produto racional, consciente, como se o sujeito tivesse controle sobre suas ações a todo o tempo. A busca pelo crime não pode ser vista como racional, pois as forças que empurram o sujeito no mundo são da ordem do inconsciente, quero dizer, essa busca por satisfação no mundo nem sempre escolherá saídas racionais se o sujeito não tiver condições de se realizar, nem que seja minimamente. Há de haver alguma satisfação no mundo. A cultura enquanto produtora de processos psíquicos se encarregou de construir objetos para satisfação, contudo, a grande maioria não consegue acessá-los. Aqui a leitura Crítica da Criminologia acerca das estruturas sociais de poder na manutenção da coesão social, poderá encontrar a psicanálise incitando um debate sobre qual o efeito deste abismo da satisfação que separa a população. Mais ainda juntas poderão questionar porque a cultura indica caminhos de satisfação inviáveis a todos? Freud aponta que uma das saídas para o sujeito se satisfazer é a via sublimatória. Nesse sentido, ela poderá ser considerada como meio de promover o reconhecimento desses sujeitos ainda no sistema prisional. E de que forma? Através do implemento de possibilidades de formação para o trabalho, para que o sujeito ao sair do sistema prisional possa recorrer a essa forma de satisfazer-se, tendo acesso a outros recursos materiais e simbólicos. Se levarmos em conta que grande parte da população carcerária é pobre sem acesso a recursos mínimos de participação no mundo, pela via do trabalho ou da arte - como demonstram os resultados dos trabalhos realizados em CAPS voltados para pessoas também em sofrimento mental – poderiam se inscrever de forma diferenciada no mundo, que não pelo crime. Assim resgataria a noção ética de reconhecimento do limite do desejo em relação ao outro, mantendo a comunidade. A leitura do Mal-Estar e Criminologia também pode indicar um novo caminho de releitura do crime adotando, ambas, uma postura crítica frente ao mundo, e aos processos sociais relacionados à produção da subjetividade. A primeira ao se opor a leitura determinista sobre o comportamento desviante, referindo o “criminoso” o fracasso em algum processo de seu desenvolvimento, fazendo uma leitura simplificada e individualista sem abarcar os processos sociais contribuindo para o reforçamento de rotulações. Dessa forma encontra a criminologia, pois justamente é sua tarefa reler as condições históricas e políticas em que se desenvolvem as concepções sobre o fenômeno crime e os saberes que se aplicam sobre eles; a psicanálise aqui deverá ser contra a maré não fazendo uso do saber freudiano para criar mais estigmas que invocam tratamentos curativos pela via da prisão. Este trabalho não finda as possibilidades de leitura do social. É preciso ainda aprofundar nos temas relacionados à crise social que tem levado à prática criminosa e ao aumento da criminalidade. Tanto a Criminologia Crítica, versão contrária às Criminologias tradicionalistas e individualistas, quanto uma Psicanálise também crítica, se posso assim dizer, podem juntas promover outros encontros. A postura crítica permitirá a atuação profissional não só no campo acadêmico, quanto no prisional de forma política diante do sofrimento humano, assim contribuindo para a confirmação da Psicologia como uma ciência comprometida a pessoa nos diversos espaços que seu ser no mundo ocupa. 29 7 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ANDRADE, V. R. P. de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência a violência do controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. 336 p. ARAUJO, S. M. B A ausência da função paterna no contexto da violência juvenil.. In: SIMPOSIO INTERNACIONAL DO ADOLESCENTE, 2., 2005, São Paulo. Proceedings online. Disponível em: <http://www.proceedings.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000082005000200006&lng=en&nrm=abn>. Acesso em: 17 Jun. 2012. BARATTA, A. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 3º Ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002. BARROS-BRISSET, F. 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