AS PENAS ALTERNATIVAS SOMADAS ÀS PENAS DE PRISÃO Sonia Mª Corrêa Cavassani - Assistente Social e Coordenadora do Serviço Social e Psicológico da Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas do Espírito Santo Mestre em Psicologia Rua José Ferreira dos Santos, 155, Tabuazeiro – Vitória – ES CEP: 29043-665 Tel: 027- 32335666 Email: [email protected] Falar do sistema penitenciário brasileiro é listar suas mazelas, e lembrar a indignidade a que são submetidos todos aqueles que por ele passam. De acordo com Souza, o levantamento realizado em 1998 sobre o Sistema Penitenciário Brasileiro, sobre o qual foi elaborado um documento, extra- oficial, intitulado de “Brasil atrás das grades”, pela Human Rights Watch que revela: “A síntese das conclusões de todos estes estudos indica para a falência das prisões e são pródigos em apontar as mazelas de que sofre o sistema, como superlotação, falta de tratamento médico, grande número de presos com AIDS e tuberculose, corrupção generalizada entre agentes penitenciários, mercantilização da prisão por parte dos presos, tortura, espancamentos e execução sumária.” (SOUZA, 2004, p.13). Diante deste quadro, as penas alternativas vêm sendo apontadas como a solução para os casos de crimes e delitos que não ofereçam grave ameaça à sociedade, cometidos por pessoas sem antecedentes criminais. Porém, o que gostaríamos de discutir são os casos em que elas, ao invés de representarem uma solução se apresentam como dupla penalização. Estudos realizados pela Promotora de Justiça do Distrito Federal Fabiana Costa, acusados de crime de furto chegam a ficar mais de um ano presos antes mesmo de serem julgados. Muitos acabam sendo inocentados no final do processo. Negros, pobres, pessoas de baixa escolaridade e aqueles que não têm condições financeiras de contratar um advogado particular são os que permanecem mais tempo sob a chamada prisão provisória, segundo pesquisa realizada pela promotora Costa. O estudo envolveu quase 3 mil processos de furto dos tribunais do Distrito Federal, Belém, Recife, São Paulo e Porto Alegre. Em pesquisa por nós realizada junto aos beneficiários cumprindo pena na Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas em outubro de 2007, 32% dos mesmos ficaram presos por um período de 01 dia à 02 anos e 07 meses. Destes, 42% praticaram furto, 26% receptação, 11% lesões corporais, 09 % estelionato e 12% outros delitos. Dos que ficaram presos por um período superior a 06 meses, 62,5 %, tiveram pena inferior a 18 meses, ou seja, cumpriram 1/3 de suas penas encarcerados, e teriam direito, no período em que foram libertados, ao Livramento Condicional, porém tiveram suas penas substituídas por penas alternativas, na maioria das vezes, prestação de serviços à comunidade, e pena pecuniária. Na prática, o recebimento da pena alternativa por estas pessoas, implica em perdas e não em benefícios. Vejamos o exemplo de um beneficiário cujo caso acompanhamos. O referido foi condenado, pela prática de furto, a 02 anos de pena em regime aberto, que foi convertida em prestação de serviço à comunidade (PSC) na proporção de uma hora de prestação de serviços por dia de pena, o que equivale a 730 horas. Foi condenado ainda, a doar 04 salários mínimos a uma determinada instituição. Na data de sua condenação havia ficado preso por um período de 10 meses e 18 dias, ou seja, 318 dias, que foram convertidos em 318 horas de PSC. Invertendo a conversão, é possível observar, que na realidade, o beneficiário teve transformadas as 24 horas passadas no sistema penitenciário no prazo de 10 meses e 18 dias que correspondem a 9620 horas, por 318 horas que teria cumprido, sem o prolongamento da prisão provisória de forma indevida, em liberdade, no convívio de seus familiares, dando continuidade à suas atividades laborais, e à sua vida social, e sem o estigma de ex presidiário, que o acompanhará para o resto de sua vida. Lemos (2007) alerta para o fato de que ao confrontarmos a linha norteadora dos direitos do homem que consolidou a base constitucional brasileira, com uma análise fria da situação do homem encarcerado nos deparamos com uma imensa contradição, pois este homem encontra-se: “(...) encarcerado em prisões insalubres, administradas por quem não investe no tratamento social do preso, e este não podendo mais dispor de seu corpo, e mais, sendo humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, tem sua dignidade atingida de maneira irreparável.” (LEMOS, p. 30) O período de encarceramento traz para o indivíduo uma ruptura com a família, com a comunidade e a sociedade em geral, e cria ainda uma barreira para a entrada no mercado de trabalho. Este beneficiário, em reunião de grupo focal objetivando discutir a representação que beneficiários, no final do cumprimento da pena da PSC falou sobre a sua saída da prisão: “Quando saí, desabafei tudo que estava sentindo para o meu cachorro. Sim por que depois que saí da prisão, não tinha mais casa, não tinha mais família, não tinha mais emprego, não tinha mais amigos, só quem me acompanhou foi o cachorro.” (CIC) Este relato retrata bem o que o período de encarceramento pode causar na vida das pessoas, que depois de sobreviverem às mazelas do cárcere, têm que reconstruir suas vidas carregando o estigma da prisão, os traumas adquiridos, e muitas vezes os problemas de saúde e o abandono. Este beneficiário, caso não tivesse sua pena convertida em pena alternativa, poderia ter saído da prisão em regime de Livramento Condicional, com as restrições que lhe são inerentes no que diz respeito ao direito de ir e vir e ao comparecimento mensal obrigatório ao /serviço social e Psicológico. Contudo, não teria a obrigação de prestar serviços à comunidade, em uma situação de total desestruturação emocional social e financeira. Além da dificuldade em iniciar a PSC, num momento em que necessita reestruturar sua vida e garantir a sua sobrevivência, este beneficiário depare-se ainda a dificuldade de realizar as doações que também lhe foram determinadas. Situações como esta são comuns, e representam um grande desafio para o para o juiz da execução, a equipe técnica, e principalmente para o beneficiário, que neste momento necessitam buscar soluções que viabilizem o cumprimento da pena, dentro da legalidade, diante de um quadro que torna este cumprimento quase impossível. Quando estas soluções não são encontradas, o resultado são irregularidades, conversões e até reincidências. As Penas Alternativas vêm sendo muito pensadas no âmbito da execução, porém situações como a mencionada acima nos remetem à necessidade de pensar na necessidade de uma discussão mais ampla conforme prega o Manual de Monitoramento da Penas e Medidas Alternativas produzido pelo Ministério da Justiça em 2002. Este manual estabelece como princípios fundamentais na aplicação interinstitucionalidade, a e execução interatividade deste tipo e interdisciplinaridade. a de pena a A Interinstitucionalidade pode ser compreendida como a ação integrada do Estado, onde o sistema de justiça abrange o Tribunal de Justiça, o Ministério Público, a Secretaria de Justiça, Secretaria de Segurança Pública e Defensoria. O grau de articulação entre estas instituições revela o nível de sustentabilidade político-institucional das alternativas penais. O princípio da Interatividade também assegura a sustentabilidade político-institucional do processo de trabalho na vertente da relação do Estado com a Sociedade Civil, tendo, como insumo, o exercício do controle social. O Estado executa a política criminal e a Sociedade Civil a consolida como política pública, através da constituição da rede social de apoio à execução dos substitutivos penais. [...]. A Interdisciplinaridade aborda o modo como os peritos em comportamento interagem com os operadores do Direito. O processo é psicossocial e ocorre na esfera microssocial. Nesse nível técnico- operacional, os principais atores envolvidos são o Juízo da Execução, o Ministério Público, a Equipe de Apoio Técnico e a Comunidade (MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS, 2002, p. 15-16). O Manual prescreve que é necessária uma avaliação contínua das relações entre “a dimensão político-Institucional e a dimensão técnico-operacional”, enquanto garantia do bom andamento da execução das alternativas penais. Esse monitoramento tem por base de sustentação “a visão ampliada de temática da defesa de políticas públicas relacionadas com a questão do controle social” (MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS, 2002, p. 17). Para Barreto (2007 a responsabilidade pela manutenção da prisão além do tempo necessário é de todos que participam do processo: o promotor de justiça, o juiz e o defensor público ou advogado. É necessário ressaltar ainda, que no momento do sentenciamento do réu, deve-se analisar seu histórico após o delito, pois em muitos casos por não tem acesso a defesa, estes encontram-se presos ou já ficaram presos por um período em que a pena alternativa ao ser aplicada traz prejuízos ao réu ao invés de beneficiá-lo. A dimensão político-institucional, o qual o Manual se refere, se relaciona à responsabilização do Estado e da Sociedade Civil pelo compromisso aos Direitos Sociais e Humanos, em nome do interesse público. A perspectiva técnico-operacional requer que o monitoramento de Penas Alternativas seja o da execução, vista a relação estabelecida entre o jurídico e o técnico no período de cumprimento da pena alternativa. (MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS, 2002). Sem estes três pilares, as penas alternativas deixam de ser benéficas, àqueles que não podem pagar por sua defesa, fazendo com que sejam duplamente punidos. Referencias: BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Fragrante e Prisão Provisória em Casos de Furto: da prisão provisória à antecipação da pena. Brasília: IBCCRM, 2007. LEMOS, Carlos Eduardo Ribeiro. MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS. Ministrério da Justiça, 2002. SOUZA, Amanda. A trajetória de institucionalização de uma geração de exmenores. Tese de doutorado. Faculdade Educação da Universidade de São Paulo, 2004.