AS PENAS ALTERNATIVAS SOMADAS ÀS PENAS DE PRISÃO
Sonia Mª Corrêa Cavassani - Assistente Social e Coordenadora do
Serviço Social e Psicológico da Vara de Execuções
de Penas e Medidas Alternativas do Espírito Santo Mestre em Psicologia
Rua José Ferreira dos Santos, 155, Tabuazeiro – Vitória – ES
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Falar do sistema penitenciário brasileiro é listar suas mazelas, e lembrar a
indignidade a que são submetidos todos aqueles que por ele passam.
De acordo com Souza, o levantamento realizado em 1998 sobre o Sistema
Penitenciário Brasileiro, sobre o qual foi
elaborado um documento, extra-
oficial, intitulado de “Brasil atrás das grades”, pela Human Rights Watch que
revela:
“A síntese das conclusões de todos estes estudos indica para a
falência das prisões e são pródigos em apontar as mazelas de que
sofre o sistema, como superlotação, falta de tratamento médico,
grande número de presos com AIDS e tuberculose, corrupção
generalizada entre agentes penitenciários, mercantilização da prisão
por parte dos presos, tortura, espancamentos e execução sumária.”
(SOUZA, 2004, p.13).
Diante deste quadro, as penas alternativas vêm sendo apontadas como a
solução para os casos de crimes e delitos que não ofereçam grave ameaça à
sociedade, cometidos por pessoas sem antecedentes criminais. Porém, o que
gostaríamos de discutir são os casos em que elas, ao invés de representarem
uma solução se apresentam como dupla penalização.
Estudos realizados pela Promotora de Justiça do Distrito Federal Fabiana
Costa, acusados de crime de furto chegam a ficar mais de um ano presos
antes mesmo de serem julgados. Muitos acabam sendo inocentados no final do
processo. Negros, pobres, pessoas de baixa escolaridade e aqueles que não
têm condições financeiras de contratar um advogado particular são os que
permanecem mais tempo sob a chamada prisão provisória, segundo pesquisa
realizada pela promotora Costa. O estudo envolveu quase 3 mil processos de
furto dos tribunais do Distrito Federal, Belém, Recife, São Paulo e Porto Alegre.
Em pesquisa por nós realizada junto aos beneficiários cumprindo pena na Vara
de Execuções de Penas e Medidas Alternativas em outubro de 2007, 32% dos
mesmos ficaram presos por um período de 01 dia à 02 anos e 07 meses.
Destes, 42% praticaram furto, 26% receptação, 11% lesões corporais, 09 %
estelionato e 12% outros delitos.
Dos que ficaram presos por um período superior a 06 meses, 62,5 %, tiveram
pena inferior a 18 meses, ou seja, cumpriram 1/3 de suas penas encarcerados,
e teriam direito, no período em que foram libertados, ao Livramento
Condicional, porém tiveram suas penas substituídas por penas alternativas, na
maioria das vezes, prestação de serviços à comunidade, e pena pecuniária.
Na prática, o recebimento da pena alternativa por estas pessoas, implica em
perdas e não em benefícios.
Vejamos o exemplo de um beneficiário cujo caso acompanhamos. O referido
foi condenado, pela prática de furto, a 02 anos de pena em regime aberto, que
foi convertida em prestação de serviço à comunidade (PSC) na proporção de
uma hora de prestação de serviços por dia de pena, o que equivale a 730
horas. Foi condenado ainda, a doar 04 salários mínimos a uma determinada
instituição.
Na data de sua condenação havia ficado preso por um período de 10 meses e
18 dias, ou seja, 318 dias, que foram convertidos em 318 horas de PSC.
Invertendo a conversão, é possível observar, que na realidade, o beneficiário
teve transformadas as 24 horas passadas no sistema penitenciário no prazo
de 10 meses e 18 dias que correspondem a 9620 horas, por 318 horas que
teria cumprido, sem o prolongamento da prisão provisória de forma indevida,
em liberdade, no convívio de
seus familiares, dando continuidade à suas
atividades laborais, e à sua vida social, e sem o estigma de ex presidiário, que
o acompanhará para o resto de sua vida.
Lemos (2007) alerta para o fato de que ao confrontarmos a linha norteadora
dos direitos do homem que consolidou a base constitucional brasileira, com
uma análise fria da situação do homem encarcerado nos deparamos com uma
imensa contradição, pois este homem encontra-se:
“(...) encarcerado em prisões insalubres, administradas por quem não
investe no tratamento social do preso, e este não podendo mais dispor
de seu corpo, e mais, sendo humilhado de maneira desumana e
reduzido física e mentalmente, tem sua dignidade atingida de maneira
irreparável.” (LEMOS, p. 30)
O período de encarceramento traz para o indivíduo uma ruptura com a família,
com a comunidade e a sociedade em geral, e cria ainda uma barreira para a
entrada no mercado de trabalho.
Este
beneficiário, em reunião de grupo focal objetivando discutir a
representação que beneficiários, no final do cumprimento da pena da PSC
falou sobre a sua saída da prisão:
“Quando saí, desabafei tudo que estava sentindo para o meu cachorro.
Sim por que depois que saí da prisão, não tinha mais casa, não tinha
mais família, não tinha mais emprego, não tinha mais amigos, só quem
me acompanhou foi o cachorro.” (CIC)
Este relato retrata bem o que o período de encarceramento pode causar na
vida das pessoas, que depois de sobreviverem às mazelas do cárcere, têm que
reconstruir suas vidas carregando o estigma da prisão, os traumas adquiridos,
e muitas vezes os problemas de saúde e o abandono.
Este beneficiário, caso não tivesse sua pena convertida em pena alternativa,
poderia ter saído da prisão em regime de Livramento Condicional, com as
restrições que lhe são inerentes no que diz respeito ao direito de ir e vir e ao
comparecimento mensal obrigatório ao /serviço social e Psicológico. Contudo,
não teria a obrigação de prestar serviços à comunidade, em uma situação de
total desestruturação emocional social e financeira.
Além da dificuldade em iniciar a PSC, num momento em que necessita
reestruturar sua vida e garantir a sua sobrevivência, este beneficiário depare-se
ainda a dificuldade de realizar as doações que também lhe foram
determinadas.
Situações como esta são comuns, e representam um grande desafio para o
para o juiz da execução, a equipe técnica, e principalmente para o beneficiário,
que neste momento necessitam buscar soluções que
viabilizem o
cumprimento da pena, dentro da legalidade, diante de um quadro que torna
este cumprimento quase impossível.
Quando estas soluções não são encontradas, o resultado são irregularidades,
conversões e até reincidências.
As Penas Alternativas vêm sendo muito pensadas no âmbito da execução,
porém situações como a mencionada acima nos remetem à necessidade de
pensar na necessidade de uma discussão mais ampla conforme
prega o
Manual de Monitoramento da Penas e Medidas Alternativas produzido pelo
Ministério da Justiça em 2002. Este manual estabelece como princípios
fundamentais
na
aplicação
interinstitucionalidade,
a
e
execução
interatividade
deste
tipo
e
interdisciplinaridade.
a
de
pena
a
A Interinstitucionalidade pode ser compreendida como a ação
integrada do Estado, onde o sistema de justiça abrange o Tribunal de
Justiça, o Ministério Público, a Secretaria de Justiça, Secretaria de
Segurança Pública e Defensoria. O grau de articulação entre estas
instituições revela o nível de sustentabilidade político-institucional das
alternativas penais. O princípio da Interatividade também assegura a
sustentabilidade político-institucional do processo de trabalho na
vertente da relação do Estado com a Sociedade Civil, tendo, como
insumo, o exercício do controle social. O Estado executa a política
criminal e a Sociedade Civil a consolida como política pública, através
da constituição da rede social de apoio à execução dos substitutivos
penais. [...]. A Interdisciplinaridade aborda o modo como os peritos em
comportamento interagem com os operadores do Direito. O processo é
psicossocial e ocorre na esfera microssocial. Nesse nível técnico-
operacional, os principais atores envolvidos são o Juízo da Execução,
o Ministério Público, a Equipe de Apoio Técnico e a Comunidade
(MANUAL
DE
MONITORAMENTO
DAS
PENAS
E
MEDIDAS
ALTERNATIVAS, 2002, p. 15-16).
O Manual prescreve que é necessária uma avaliação contínua das relações
entre “a dimensão político-Institucional e a dimensão técnico-operacional”,
enquanto garantia do bom andamento da execução das alternativas penais.
Esse monitoramento tem por base de sustentação “a visão ampliada de
temática da defesa de políticas públicas relacionadas com a questão do
controle social” (MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS
ALTERNATIVAS, 2002, p. 17).
Para Barreto (2007 a responsabilidade pela manutenção da prisão além do
tempo necessário é de todos que participam do processo: o promotor de
justiça, o juiz e o defensor público ou advogado.
É necessário ressaltar ainda, que no momento do sentenciamento do réu,
deve-se analisar seu histórico após o delito, pois em muitos casos por não tem
acesso a defesa, estes encontram-se presos ou já ficaram presos por um
período em que a pena alternativa ao ser aplicada traz prejuízos ao réu ao
invés de beneficiá-lo.
A dimensão político-institucional, o qual o Manual se refere, se relaciona à
responsabilização do Estado e da Sociedade Civil pelo compromisso aos
Direitos Sociais e Humanos, em nome do interesse público. A perspectiva
técnico-operacional requer que o monitoramento de Penas Alternativas seja o
da execução, vista a relação estabelecida entre o jurídico e o técnico no
período
de
cumprimento
da
pena
alternativa.
(MANUAL
DE
MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS, 2002).
Sem estes três pilares, as penas alternativas deixam de ser benéficas, àqueles
que não podem pagar por sua defesa, fazendo com que sejam duplamente
punidos.
Referencias:
BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Fragrante e Prisão Provisória em Casos
de Furto: da prisão provisória à antecipação da pena. Brasília: IBCCRM, 2007.
LEMOS, Carlos Eduardo Ribeiro.
MANUAL DE MONITORAMENTO DAS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS.
Ministrério da Justiça, 2002.
SOUZA, Amanda. A trajetória de institucionalização de uma geração de exmenores. Tese de doutorado. Faculdade Educação da Universidade de São
Paulo, 2004.
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