MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA
REF.: Processo nº 2005.81.00.014586-0
11ª Vara (ACR 5520 CE)
APELANTES: Marcos de França e Outros
APELADOS:
Ministério Público Federal
RELATOR:
Desembargador Federal Petrucio Ferreira – Segunda Turma
CONTRA-RAZÕES nº 90/2007
MM Desembargador Federal Relator,
Os réus (1) ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA, (2)
DAVI SILVANO DA SILVA, (3) DEUSIMAR NEVES QUEIROZ, (4) FLÁVIO
AUGUSTO MATTIOLI, (5) FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO LIMA, (6)
JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS, (7) MARCOS DE FRANÇA, (8)
MARCOS RIBEIRO SUPPI, (9) PEDRO JOSÉ DA CRUZ, (10) JOSÉ
ELIZOMARTE
FERNANDES
VIEIRA
e
(11)
FRANCISCO
DERMIVAL
FERNANDES VIEIRA recorrem da sentença prolatada pelo Juiz da 11ª Vara Federal
do Ceará (fls. 3803/3961), que os condenou pelos crimes de furto qualificado,
formação de quadrilha, ocultação de bens e valores, falsificação e uso de documento
falso.
Com exceção de José Elizomarte Fernandes Vieira e
Francisco Dermival Fernandes Vieira, os demais apelantes, com base no art. 600, § 4º,
do CPP, optaram pela apresentação das razões recursais em Segunda Instância (fls.
4255/4311; 4316/4349; 4352/4392, 4092/4136, 4394/4453, 4456/4463, 4466/4490;
4501/4514 e 4492/4499), as quais serão contra-arrazoadas nesta oportunidade, conforme
a seguir exposto:
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Os apelantes foram condenados pelo juiz da 11ª Vara
Federal do Ceará como responsáveis pelo furto ocorrido no Banco Central do Brasil, em
Fortaleza, em 06 de agosto de 2005 da quantia de R$ 164.755.150,00 (cento e sessenta e
quatro milhões, setecentos e cinqüenta e cinco mil, cento e cinqüenta de reais), por meio
de formação de quadrilha, cujas tarefas de planejar, financiar, informar, arregimentar
pessoal,
obter documentação falsa, alugar imóveis, constituir empresa de fachada,
partilhar, distribuir e ocultar o produto do furto, fuga, recuperação do produto e
“lavagem” do dinheiro, eram partilhadas entre seus diversos membros, configurando
organização criminosa, conforme provas colhidas em depoimentos, confissões,
interceptações telefônicas e perícias que instruem os autos.
Assim, Antônio Edimar Bezerra, Davi Silvano da Silva,
Marcos de França, Deusimar Neves de Queiroz e Pedro José da Cruz foram condenados
pelos delitos de furto qualificado, formação de quadrilha e ocultação de bens, direitos e
valores da Lei nº 9.613/98, sendo que Marcos de França ainda foi condenado pelos
crimes de falsificação e uso de documento falso e Antônio Edimar, também por
contrabando. Os apelantes Marcos Ribeiro Suppi e Flávio Augusto Mattioli, por seu
turno, foram condenados pelos delitos de quadrilha e ocultação de bens, direitos e
valores, sendo que esse último ainda foi condenado pelo uso de documento de terceiro.
Já o apelante José Charles Machado de Morais foi condenado por formação de quadrilha
e ocultação de bens e valores, enquanto que Francisco Álvaro de Carvalho Lima foi
condenado pelo delito de ocultação de bens e valores.
Os apelantes insurgem-se contra a decisão condenatória,
argüindo sua nulidade alegando haver o juiz condenado-os por fatos não descritos na
denúncia, além de não haver apreciado todas as teses da defesa, fixando pena-base além
do mínimo sem fundamentação adequada e, ainda, não haver considerado as atenuantes
que os beneficiam.
Alegam, em síntese, o seguinte:
1 - JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS (fls.
4394/4453) a inocorrência do delito de lavagem de dinheiro ao argumento de que o
delito de furto não integra o rol de crimes antecessores descritos na Lei nº 9.613/98.
Aduz também configurar a conduta descrita no art. 1º, V, da referida lei, crime próprio
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de funcionário público.
No mérito, ausência de dolo porquanto desconhecia a
origem do dinheiro que lhe fora entregue pela intermediação lícita na compra de
veículos. Requer sua absolvição ou, subsidiariamente, desclassificação do delito de
lavagem de dinheiro para o de receptação.
No que pertine à pena de multa, R$ 1.620.000,00 (um
milhão, seiscentos e vinte mil reais) afirma ser exacerbada, pois o juiz não considerou
sua situação econômica precária tendo em vista a apreensão do caminhão cegonha, fonte
de seu sustento.
2 - O apelante ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA (fls.
4092/4136) requer reforma da sentença ao argumento de não haver sido considerada a
atenuante pela confissão. Além disso, aduz erro material no cálculo da pena pelos dois
crimes de ocultação de capitais, que deveria, com a causa de aumento do §4º da Lei
9.613/98, ser fixada em 33 (trinta e três) anos e 2 (dois) meses e não em 36 (trinta e seis)
anos e 2 (dois) meses de reclusão como determinado na sentença.
Alega inexistência do crime de quadrilha por não haver
prova de associação entre os autores. Requer sua absolvição por esse delito, bem como
redução da pena de multa por ser excessiva, eis que aplicada em valor superior a quatro
milhões de reais.
3 - O apelante MARCOS DE FRANÇA (fls. 4255/4311),
requer a nulidade da sentença por estar fundada em provas obtidas ilicitamente, sem
mandado judicial; por cerceamento de defesa ao indeferir requerimento de perícia, além
de haver sido a pena fixada nos limites máximos previstos para cada delito, sem que
fossem considerados a confissão perante a autoridade policial, os seus antecedentes
criminais e sua primariedade.
No mérito, alega a inexistência de provas que comprovem
seu envolvimento nos delitos.
4 - O apelante FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO
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(4492/4499) alega ter participado do delito apenas como “laranja”, não sabendo da
origem do dinheiro que lhe foi entregue pelo apelante Deusimar. Também afirma ter
havido equívoco quanto à fixação da pena de multa. Requer sua fixação no mínimo
legal.
5 - FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI, às fls. 4501/4514,
alega haver, tão-só, transportado um automóvel adquirido licitamente de Belo Horizonte
até Fortaleza, sem que soubesse dos crimes cometidos pelos demais apelantes,
tampouco existe vínculo psicológico que o inclua como integrante da quadrilha.
Também ressalta não haver utilizado documento falso, apenas estava de posse da
carteira de documentos de seu irmão, a qual pegou por engano.
6 - MARCOS RIBEIRO SUPPI, às fls. 4352/4392, alega
não ter ciência da origem do dinheiro contido nas malas com destino à São Paulo, razão
pela qual não estaria configurado o delito de “lavagem”. Aduz equívoco da sentença de
não considerar sua primariedade e seus bons antecedentes, bem como por não aplicar a
atenuante oriunda da confissão. Também argumenta haver o juiz fixado pena de multa
sem considerar sua situação econômica.
7 - DAVI SILVANO DA SILVA (fls. 4466/4490) aduz
haver sua conduta se restringido à guarda do produto do crime, o que não caracteriza o
delito de “lavagem” de dinheiro. Alega a impropriedade da sentença por cumular o
crime de quadrilha com o concurso de agentes, qualificadora do delito de furto. Diz ser
aplicável o princípio da consunção, ao argumento de estarem os delitos de quadrilha e
uso de documento falso absorvidos pelo crime de furto.
Requer sua condenação
exclusivamente pelo furto qualificado.
8 - PEDRO JOSÉ DA CRUZ, nas razões de fls.
4466/4490, aponta a existência de erro material quando da soma das penas privativas de
liberdade, porquanto o total apresentado pelo juiz foi de 36 anos de reclusão em vez 33
anos. Também alega a nulidade da sentença por não ter considerado a atenuante pela
confissão.
9 - DEUSIMAR NEVES DE QUEIROZ, nas razões de fls.
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4316/4349, afirma ter havido erro na dosimetria das penas de reclusão e de multa,
porquanto foram fixadas além do mínimo sem fundamentação legal a embasá-las.
Ademais, não considerou sua primariedade nem a atenuante pela confissão. Contesta a
existência de quadrilha e de organização criminosa.
Os apelantes requerem a nulidade da sentença, pelos vícios
essenciais acima apontados. No mérito, requerem a absolvição total ou em relação a
alguns crimes, requerendo, alternativamente, a redução das penas privativas de liberdade
e de multas.
Razão alguma assiste aos apelantes, conforme será adiante
demonstrado:
DAS PRELIMINARES
Não procedem as alegações de estar a condenação
fundamentada apenas no Inquérito Policial, uma vez que os apelantes exerceram o
direito ao contraditório, sendo reproduzidos em Juízo os depoimentos e declarações.
Outrossim, tiveram oportunidade de produzir provas na
fase do art. 499, do CPP, bem como acesso às provas produzidas e juntadas aos autos,
podendo manifestar-se sobre todo o acervo probatório quando da apresentação das
alegações finais, o que afasta a alegação de cerceamento de defesa por ausência de
intimação para ciência de prova acrescida, formulada pelo apelante Marcos de França.
Também não se configura a ocorrência da
mutatio
libelli. Como se sabe, esse instituto tem aplicação quando se constata, no decorrer da
instrução criminal, novos elementos ou circunstâncias não contidos na denúncia. No
caso dos autos, o reconhecimento do delito de ocultação de bens, direitos e valores
previsto na Lei nº 9.613/98, decorreu de interpretação jurídica dada a fatos já descritos
na denúncia, dando margem à mudança na classificação do delito, configurando
emendatio libelli, com previsão no artigo 383 do CPP.
Ademais, tanto na denúncia como nos seus subsequentes
aditamentos, os apelantes José Charles Machado de Morais, Marcos Ribeiro Suppi,
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Flávio Augusto Mattioli, Deusimar Neves Queiroz e Francisco Álvaro de Carvalho
Lima foram textualmente incursos no delito da Lei nº 9613/98.
Desse modo, havendo correlação entre a descrição dos
fatos e a sentença, não há que se falar em cerceamento de defesa.
De igual modo, não assiste razão quanto à alegada omissão
do juiz na análise de todas as teses da defesa, pois não se exige do julgador referência a
todas as alegações das partes, já que o juiz valora as provas e adota a tese jurídica que
melhor se adeqüe ao seu convencimento, não significando, com isso, ausência de
fundamentação.
Nesse sentido são os julgados desse Tribunal:
CRIMINAL.
HC.
EXTORSÃO
MEDIANTE
SEQUESTRO.
OMISSÃO DA SENTENÇA QUANTOS ÀS TESES DA DEFESA.
INOCORRÊNCIA. DECRETO CONDENATÓRIO QUE REFUTOU
TODAS
AS
ALEGAÇÕES
DEFENSIVAS
PARA
FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO.
(...)
Não se tem como omissa a sentença condenatória que, embora não se
referindo, expressamente, às teses das defesa, fundamenta a
condenação com base nos elementos probatórios reputados válidos
para caracterizar os crimes narrados na denúncia e sua autoria. (...)
(HC 24.992/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA,
julgado em 20.02.2003, DJ 22.04.2003 p. 244)
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO
MEDIANTE SEQÜESTRO. CONDENAÇÃO.
NULIDADES.
OMISSÃO
NO
ALEGAÇÃO DE
EXAME
DE
QUESTÕES.IMPROCEDÊNCIA.
- Se na sentença condenatória o magistrado processante realizou
adequada decantação do quadro fático-probatório e reconheceu, no
final, a participação dos acusados no crime de extorsão mediante
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seqüestro, demonstrando a tipicidade penal das condutas a eles
imputadas, não procede a tese de cerceamento de defesa por ausência
de apreciação das razões deduzidas nas alegações finais.
- Recurso especial não conhecido.
(REsp 166.784/SP, Rel. Ministro
VICENTE LEAL, SEXTA
TURMA, julgado em 08.08.2000, DJ 27.11.2000 p. 190)
O cerceamento de defesa argüido por Marcos de França,
por conta do indeferimento de perícia para comprovar maus tratos durante sua prisão,
não enseja por si só nulidade da sentença, porquanto o juiz poderia ter considerado a
afirmativa para seu convencimento, ainda que sem perícia, entretanto assim não o fez
por não entender idônea.
Também não lhe assiste razão quanto à alegada ilicitude
da colheita de provas, pois a apreensão dos objetos encontrados em seu poder
decorreram de prisão em flagrante, não se fazendo necessário, portanto, a expedição de
mandado de busca e apreensão, já que, em casos como tais, a autoridade pode ingressar
no interior do domicílio, a qualquer hora do dia ou da noite, para fazer cessar a prática
criminosa. Além do que a descrição da diligência e a assinatura das testemunhas
constam do auto de prisão em flagrante, nas primeiras folhas do apenso 1, e nas fls.
1113/1117, do apenso 6, destes autos.
Confira-se, a respeito, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal:
“(...)Crime de quadrilha: crime permanente. Estado de flagrância.
Inocorrência de desrespeito à inviolabilidade do domicílio, já que
incide a exceção do art. 5º, XI, da Constituição. Dispensa, no caso,
do mandado judicial. III. - Eventuais irregularidades em peças que
integram o inquérito policial não contaminam o processo, nem
ensejam a sua anulação, dado que o inquérito é mera peça
informativa da denúncia ou da queixa. (...)”
(HC 74127/ RJ – Rel. Ministro Carlos Veloso - DJ 13-06-1997, pp
26693)
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No que pertine à dosimetria da pena, inexiste ilegalidade a
ser reparada na sentença. Vê-se que as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, foram
analisadas em relação a todos os réus, exasperando-se a pena-base fundamentadamente
em face de circunstâncias desfavoráveis a cada qual.
Ao contrário do afirmado pela acusação, o Juiz não
deixou de considerar as circunstâncias judiciais (motivos, circunstâncias e
conseqüências do crime), às quais cita nos seguintes trechos da sentença:
“Fixo, assim, com relação ao réu JOSÉ CHARLES MACHADO DE
MORAIS, (...) tendo em vista sua personalidade desvirtuada e
voltada ao crime, bem como sua conduta social reprovável, além
do único móvel ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio
público, com graves conseqüências sociais, entendo ser o mesmo
merecedor da pena máxima, tendo esta como pena base (...) (fl.
3954)
Fixo, com relação aos réus ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA (...),
MARCOS DE FRANÇA (...), DAVI SILVANO DA SILVA (...), tendo
em vista suas personalidades desvirtuadas e voltadas ao crime,
bem como suas condutas sociais reprováveis, além do único móvel
ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio público, com
graves
conseqüências
sociais,
entendo
serem
os
mesmos
merecedores da pena máxima (...) (fl. 3955).
Fixo, com relação aos réus FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI (...) e
MARCOS RIBEIRO SUPPI(...), tendo em vista suas personalidades
desvirtuadas e voltadas ao crime, bem como suas condutas sociais
reprováveis, além do único móvel ter sido o lucro ilícito em
detrimento do patrimônio público, com graves conseqüências
sociais, entendo serem os mesmos merecedores da pena máxima
(...) (fl. 3957).
Fixo, com relação ao réu DEUSIMAR NEVES QUEIROZ (...),
tendo em vista sua personalidade desvirtuada e voltada ao crime,
bem como suas condutas sociais reprováveis, além do único móvel
9
ter sido o lucro ilícito em detrimento do patrimônio público, com
graves conseqüências sociais, entendo ser o mesmo merecedor da
pena máxima, tendo esta como pena base (...) (fl. 3958).
Fixo, com relação ao réu FRANCISCO ÁLVARO DE CARVALHO
LIMA pelo crime previsto no artigo art. 1º, V e VII, §1º, I, §2º, I e
II da Lei 9.613/98, atendendo a sua baixa culpabilidade, bons
antecedentes, nada de negativo ser percebido com relação às suas
personalidades, a pena aplicável como a pena mínima (...) Tendo
em vista as circunstâncias favoráveis ao réu, nos termos do art.44
e seguintes do Código Penal, substituo a pena restritiva da
liberdade por prestações de serviços à comunidade a ser
especificado pelo juízo da execução(...) (fl. 3959)
Fixo, com relação ao réu PEDRO JOSÉ DA CRUZ (...), tendo em
vista
seus
antecedentes
desfavoráveis,
sua
personalidade
desvirtuada e voltada ao crime, bem como sua conduta social
reprovável, além do único móvel ter sido o lucro ilícito em
detrimento do patrimônio público, com graves conseqüências
sociais, entendo ser o mesmo merecedor da pena máxima, tendo
esta como pena base (...) (fl. 3959)”.
Sabe-se ser a fixação da pena-base matéria discricionária
do juiz ao analisar tais circunstâncias, podendo fixá-la dentro dos limites previstos
para o respectivo crime. Por outro lado, presente algum requisito negativo, a penabase não poderá ser aplicada no mínimo legal.
Guilherme de Souza Nucci assim expõe sobre o tema: “é
defeso ao magistrado deixar de levar em consideração as oito circunstâncias judiciais
existentes no art. 59, caput, para a fixação da pena-base. Apenas se todas forem
favoráveis, tem cabimento a aplicação da pena no mínimo. Não sendo, deve ela
situar-se acima da previsão mínima feita pelo legislador.(Código Penal Comentado,
6ª ed., Pg. 354).
No mesmo sentido é o julgado do Supremo Tribunal
Federal, a seguir transcrito:
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“O juiz tem poder discricionário para fixar a pena-base dentro
dos limites legais, mas este poder não é arbitrário, porque o caput
do art. 59 do Código Penal estabelece um rol de oito
circunstâncias judiciais que devem orientar a individualização da
pena-base, de sorte que, quando todos os critérios são favoráveis
ao réu, a pena deve ser aplicada no mínimo cominado; entretanto,
basta que um deles não seja favorável para que a pena não mais
possa ficar no patamar mínimo”. 1
Outrossim, não se pode alegar haver a administração do
BACEN contribuído para o cometimento da infração criminal. Tanto isso é verdadeiro
que, para o cometimento do crime, foi necessário montar-se uma organização com
sofisticado planejamento e vultosos investimentos.
Nada obstante, ainda que fosse possível considerar falhas
na segurança, tal fato somente poderia ser considerado em relação ao furto, e não quanto
aos demais delitos, como formação de quadrilha, ocultação de bens, direitos e valores,
uso de documento falso etc.
Quanto ao reconhecimento da confissão como atenuante,
resta impossibilitado, haja vista a retratação, parcial ou total, realizada em juízo. Assim
já admitiu o Supremo Tribunal Federal, conforme se vê da seguinte ementa:
“Não se beneficia da circunstância atenuante obrigatória da
confissão espontânea o acusado que desta se retrata em juízo. A
retratação judicial da anterior confissão efetuada perante a
Polícia Judiciária obsta a invocação e a aplicação da
circunstância atenuante referida no art. 65, III, d, do Código
Penal.” 2
Desse modo, inocorrendo violação dos princípios da ampla
defesa, do contraditório ou do devido processo legal, não há que se falar em nulidade de
1
HC 76.196-GO, 2ª T., Rel. Maurício Corrêa, 29.09.1998
2
HC 69.188-9, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 26/03/93.
11
sentença por esses títulos.
DO MÉRITO
DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA
Trata-se da apuração do furto praticado contra o Banco
Central do Brasil, em Fortaleza, entre os dias 5 e 6 de agosto de 2005, no valor de R$
164.755.150,00 (cento e sessenta e quatro milhões, setecentos e cinqüenta e cinco mil,
cento e cinqüenta de reais em cerca de 3.295.103 notas de cinqüenta reais), por
quadrilha composta de mais de trinta membros, dentre eles, os apelantes.
As
condutas
atribuídas
aos
apelantes
restaram
devidamente comprovadas, seja como autores propriamente ditos, seja pela participação
na consumação dos delitos. Alguns deles chegam, inclusive, a confessar a autoria ou a
participação, como Antônio Edmar Bezerra, Pedro José, Deusimar e Marcos Suppi, ao
requerem o reconhecimento da atenuante pela confissão, ou como Davi e José Charles,
que fundamentam o pedido de redução da pena alegando a prática apenas do crime de
furto; ou ainda Flávio Augusto e Francisco Álvaro, que sustentam haver sua
participação na conduta criminosa restringido-se a poucos atos, insuficientes para
caracterizar uma associação estável exigida para configuração do crime de quadrilha.
O laudo pericial nº 2471/05-INC/DITEC (fls.423/437- 3º
vol.) comprova que tal furto ocorreu com a utilização de um túnel escavado a partir da
casa nº 1071 da Rua 25 de março, região central de Fortaleza (fotos fls.192/298 e
863/866), alugada por um indivíduo que se identificou como sendo Paulo Sérgio de
Souza, apresentando-se como representante da empresa P.S de Souza Grama Sintética
(documentos de fls.46/72, 74/76, 88, 91/99, 103/146, 143, 406/423, 604, 651/653,
634/636 e depoimento de Rui Pinheiro Barbosa Júnior às fls.645/650).
O túnel
subterrâneo foi escavado até a casa forte do Banco Central, distante a mais de 75
(setenta e cinco) metros do imóvel, onde uma laje de concreto de 1,10m de espessura foi
rompida.
Os apelantes utilizaram o referido imóvel como sede de
fictícia empresa de grama sintética, mantendo em suas dependências, ocultadas em
paredes falsas de gesso, a terra retirada do túnel; observa-se, também que dito túnel
tinha entrada disfarçada com tampa de tacos, era equipado com sistema de refrigeração,
12
iluminação artificial e lanternas de segurança, além de contar com 900 (novecentos)
escoras de madeira com preenchimento de argamassa, ventiladores e segmentos de
tubos de cimento.
Os apelantes ainda utilizaram serra portátil circular
elétrica, com disco diamantado, devidamente adaptada para o serviço de corte de
concreto na vertical, além de furadeira elétrica manual e macaco hidráulico.
A perícia também constatou haverem os apelantes
realizado levantamento topográfico prévio, dispondo de informações relativas à
espessura da parede, posição dos objetos no interior da Caixa Forte e disposição do
sistema de segurança, contando com as plantas do edifício, em especial da Caixa Forte
do BACEN e de outras informações privilegiadas para a execução do túnel com
tamanha precisão, o que reforça a hipótese de participação de pessoas que trabalham ou
trabalharam no Banco Central ou na construção do edifício ou na instalação dos
sistemas de segurança (Laudo nº 652/05-SR/CE de fls.884/901, fotos fls.885/907 do IPL
2005.81.00.014586-0).
Também se verifica no laudo nº 652/05-SR/CE de
fls.881/901, 3º vol do IPL 2005.81.00.014586-0, que os assaltantes romperam
contendores de dinheiro e tiveram o cuidado de andar rente às paredes para evitar os
sensores de movimento, até chegarem aos contendores desejados. Utilizaram roldanas e
recipiente tipo tambor, cortado verticalmente em forma de pequena balsa, para conduzir
o numerário furtado, por dentro do túnel até a sede da empresa fictícia, consistente no
montante de R$ 164.755.150,00, exclusivamente em notas de cinqüenta reais que já
estiveram em circulação, o que também demonstra prévio conhecimento até mesmo da
disposição dos maços de cédulas. Ressalte-se haver sido deixado no interior da Caixa
Forte muitos milhões de reais em notas seriadas, evitadas pelos participantes do crime
porque possibilitariam o rastreamento do dinheiro.
DO APELANTE JOSÉ CHARLES MACHADO DE MORAIS
Iniciadas as investigações, descobriu-se que o apelante
José Charles Machado de Morais adquiriu, horas após o furto, nove veículos da empresa
Brilhe Car (empresa administrada e pertencente aos também acusados José Elizomarte
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Fernandes Vieira e Francisco Dermival Fernandes Vieira) havendo pago, em notas de
cinqüenta reais, R$ 980.000,00 (novecentos e oitenta mil reais). Três desses veículos
estavam sendo transportados pelo próprio apelante, em um caminhão cegonha de sua
empresa J.E Transportes. Saiu de Fortaleza/CE em 07 de agosto (domingo) com destino
a São Paulo, entretanto foi interceptado em Minas Gerais, ocasião em que foram
encontrados R$ 3.956.750 (três milhões, novecentos e cinqüenta e seis mil, setecentos e
cinqüenta reais - fls.509 - 3º vol. do IPL) ocultos em ditos veículos. Consta das fls.183
do IPL, a relação total dos onze automóveis referidos.
DO APELANTE EDIMAR BEZERRA
O apelante Antônio Edimar Bezerra foi convidado por
Marcos Rogério para participar do furto, tendo trabalhado em dias alternados na
escavação do túnel com outros cinco homens. Efetuou a escavação do buraco em sua
própria residência, na qual foram encontrados doze milhões de reais. Confessou estar
guardando o numerário para posterior divisão entre os demais integrantes, cabendo-lhe
apenas a quantia de dois milhões por sua participação no crime. Além da pistola Taurus
40 encontrada em sua residência, foram apreendidasas pistolas Taurus PT 100 AFS,
S&W, calibre 40, de uso restrito, contendo escudo da Polícia Militar do Estado de São
Paulo e uma pistola marca Glock 21, calibre 45, de fabricação australiana, bem como
munição para as duas últimas em um sítio de sua propriedade, no município de
Independência/CE (laudo de fls.110/122 do Inquérito nº 2005.81.00.018729-4). Já no
seu imóvel situado em Boa Viagem/CE, foram arrecadados outros R$ 5.900,00 (cinco
mil e novecentos reais) em cédulas de cinqüenta reais, bem como uma camioneta F-250,
placas HDG 1032, cujo documento está em nome do apelante JOSÉ CHARLES
MACHADO DE MORAIS e uma moto Honda NXA Falcon placas HWI 6990 (fotos
fls.100/104 do Inquérito nº 2005.81.00.018729-4), além de terem sido arrecadadas
escrituras, recibos de cartórios e imobiliárias que comprovam a aquisição recente de
imóveis (um apartamento localizado na Rua Emilio Lobo, 190, apt. 801, em nome
Rosângela do Nascimento Ferreira, esposa de Antônio Edimar, e extrato bancário da
conta 01300037451.2 da agência 2109 da Caixa Econômica Federal em Várzea
Paulista), bens cuja relação encontra-se nos autos do Processo 2005.18729-4 às
fls.468/470, 3º vol.
DO APELANTE MARCOS DE FRANÇA
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Marcos de França confessou haver trabalhado na
escavação do túnel a convite de Antônio Jussivan e ter deixado parte do dinheiro na casa
de Antônio Edimar, viajando em seguida com nome falso de Jesiel Francisco Araújo da
Conceição para São Paulo, de avião, sendo que no mesmo vôo também estavam Davi
Silvano da Silva, Moisés e “Fé”. Afirmou ter retornado a Fortaleza para pegar a sua
parte do dinheiro na casa de Antônio Edimar.
DO APELANTE DAVI SILVANO DA SILVA
Davi Silvano da Silva confessou ter acompanhado os
trabalhos da escavação do túnel por trinta dias e viajado para São Paulo com
documentos falsos em nome de José Paulo do Nascimento e Davi Araújo Pereira, em
companhia de Marcos de França, “Fê” e Jean.
DO APELANTE FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI
Flávio Augusto Mattioli trouxe a Fortaleza um veículo
Pajero, em nome de José de Sousa Lopes de Tamboré (fls.18 do IPL), recebido de Davi
em Belo Horizonte para ajudá-lo a buscar sua parte no delito na casa de Antônio
Edimar. Na ocasião, Flávio utilizou a habilitação de seu irmão Eduardo Luiz Mattioli.
DO APELANTE MARCOS RIBEIRO SUPPI
Marcos Ribeiro Suppi, viajou pela TAM com o nome falso
de Genilson Alves Feitosa; chegou à Fortaleza a convite de Marcos de França para
ajudar no transporte de valores. Foi levado por Antônio Edimar até a casa onde estava
Marcos de França e a quantia que lhe coube pela participação no crime, R$ 50.000,00,
separado em uma mala.
DOS APELANTES DEUSIMAR NEVES QUEIROZ E FRANCISCO ÁLVARO DE
CARVALHO LIMA
Deusimar Neves Queiroz, preso por força de mandado de
prisão preventiva, confessou sua participação no furto por meio de repasse de
informações sobre a caixa forte do Banco Central em Fortaleza, pois conhecia o local
15
por ter trabalhado como segurança das empresas que transportavam valores. Afirmou
ter recebido cerca de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para repassar tais informações,
montante entregue ao apelante Francisco Álvaro De Carvalho Lima para realizar
empréstimos a juros, além de ter adquirido imóveis e bens móveis (um apartamento para
sua cunhada Maria do Socorro Rodrigues Cunha, no valor de R$ 19.000,00, um Ford
Escort, placas HWD 2480, licenciado em nome de Daniel Wallace de Jesus Braga, uma
motocicleta Yamaha DT/180.2, licenciada em nome de Maria Marleide Nobre de Lima
e vários eletrodomésticos - fls.39 e 42 do IPL 2005.81.00.018960-6 que acompanhou o
aditamento). Foram arrecadados 19 cheques objeto da agiotagem praticada, no entanto,
Deusimar teria recebido cerca de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), por haver
participado do furto, e, juntamente com Francisco Álvaro, praticado o crime de
lavagem.
DO APELANTE PEDRO JOSÉ DA CRUZ
Esse apelante afirmou ter sido convidado por Davi Silvano
da Silva, Luiz Fernando Ribeiro e Moisés Teixeira da Silva para participar da escavação
do túnel por possuir experiência em escavações, uma vez que fugiu do Carandiru por
método semelhante, sob a promessa de ganhar R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de
reais). Participou das escavações por cerca de dois meses, quando conheceu Jussivan,
retornando a São Paulo devido a problemas de visão e nas articulações adquiridos
durante a escavação. Declarou, ainda, haver recebido R$ 2.500.000,00 (dois milhões e
meio de reais) de Davi, ficando o restante para quando DAVI trouxesse a outra parte da
casa de Edimar. Foram arrecadados em poder de Pedro um veículo pólo vermelho,
licenciado em nome de sua mulher Marlene Maria dos Santos Cruz, um veículo Saveiro,
adquirido em nome de Juscelino Rodrigues de Oliveira, um veículo Gol prata, placas
8566, registrado em nome de sua filha Márcia Maria dos Santos Cruz, bem como uma
loja de autopeças de nome Ribeiro & Farias Auto Peças Ltda, nome de fantasia Vasco
Autopeças, constituída em 07.10.2005 em nome de sua esposa, além de R$ 11.500,00,
em notas de cinqüenta reais.
Os depoimentos das testemunhas confirmam as condutas
confessadas pelos apelantes:
16
Joana D'arc Feitosa, nas declarações de fl.676, reconheceu
Pedro José da Cruz como sendo um dos indivíduo que freqüentava o bar da depoente,
em companhia de Paulo Sérgio (responsável pela locação do imóvel onde escavou-se o
túnel para a sede do Banco Central).
Francisco Ricardo Santos da Silva, no depoimento de
fl.749, bem como Maria Eliete Moreira Rodrigues (fl. 743) reconheceram Davi Silvano
da Silva como a pessoa que se identificava por “João”. Esse apelante também foi
identificado por Rosalina Moreira Lima, que o conhecia pelo nome "de Araújo”
(fls.734).
José Carlos Pagam também reconheceu o réu Davi Silvano
da Silva como a pessoa que se apresentava como sendo João, apontando, ainda, Marcos
de França como um dos rapazes que andava com "João" (fl.723).
No
depoimento de fls. 941/947, Francisco de Assis da
Silva Medeiros reconheceu Antônio Jussivan, Marcelo Marchini e Marcos Rogério
como freqüentadores da empresa Brilhe Car. Afirmou tê-los visto em companhia de
José Charles quatro dias antes do furto, na oportunidade em que esse apelante escolheu
os veículos que vieram a ser adquiridos daquela empresa.
Portanto a materialidade do delito de furto qualificado cometido
por organização criminosa, responsável ainda pela “lavagem” do montante furtado do
caixa-forte do Banco Central do Brasil, restou cabalmente comprovada.
DO CRIME DE QUADRILHA
Segundo o artigo 288, do CP, quadrilha ou bando é a reunião
estável ou permanente, de mais de três pessoas, com o fim de cometer crimes. O delito
resta fortemente caracterizado no caso em análise, a começar pela prisão em flagrante
dos apelantes ANTÔNIO EDIMAR BEZERRA, MARCOS DE FRANÇA, DAVI
SILVANO DA SILVA, FLÁVIO AUGUSTO MATTIOLI e MARCOS RIBEIRO
SUPPI, na casa pertencente ao primeiro, sendo com eles encontrados a importância de
R$ 12.266.200,00 em notas de cinqüenta reais (Laudo de fls.76/77 e auto de entrega de
fls.78/79 do IPL) acondicionados em sacos de nylon e fitas com carimbo do Banco
17
Central, além de armas, passagens rodoviárias e veículos destinados ao transporte dos
valores. Os acusados ali estavam para efetuarem a partilha do produto do crime
Ouvido em Juízo (fls. 156/290), ainda que tenha apresentado
versão reduzida de sua participação no ilícito, o apelante Antônio Edimar confirma o
vínculo com os apelantes Marcos de França, Davi, Flávio Mattioli, Marcos Suppi e José
Charles, e ainda, com outros co-autores do crime, como se vê das declarações a seguir:
“(..) o depoente ficou encarregado de guarnecer o dinheiro (...); que, por
iniciativa do próprio depoente, o buraco foi feito para guardar os sacos,
tendo o depoente iniciado a escavação por volta das onze horas de
sábado, terminando o serviço por volta da meia noite; que o depoente já
tinha uma pá, uma picareta e uma marreta (...) que o depoente
permaneceu na casa, fazendo pequenas viagens para Boa Viagem, até
que no dia 20 de setembro Carlos avisou ao depoente que algumas
pessoas iriam entrar em contato com o depoente para recuperarem o
dinheiro; que Paulo ligou para o depoente descrevendo Davi como sendo
uma dessas pessoas, sendo que Davi chegou de táxi na casa do depoente
no dia vinte e sete, não tendo o depoente pago o táxi nem conhecido o
taxista; que Davi chegou, por volta do meio dia, afirmando que era o
encarregado de receber a parte do dinheiro de Paulo; que Marcos de
França também chegou na casa do depoente no dia vinte e oito pela
manhã, tendo afirmado ao depoente que era necessário que fossem pegar
Marcos Ribeiro Suppi na rodoviária, defronte à agência Guanabara; que
o depoente foi para a rodoviária na Ford Montana, de propriedade do
depoente; que o depoente identificou Marcos Suppi, tendo conduzido-o a
sua residência; que, quando o depoente chegou em sua residência, Davi e
Marcos de França já tinham separado o dinheiro, colocando-o em duas
malas para Davi; que esclarece que Davi também informou que iria
chegar uma Pajero conduzida por Flávio para a condução do dinheiro;
que, em seguida, Flávio chegou com dito veículo; que Davi iria de ônibus
para Natal, levando uma parte do dinheiro, e a outra parte iria com Flávio
na Pajero; que Marcos de França iria com Davi até Natal, de ônibus,
onde pegariam um vôo para natal, enquanto Marcos Suppi iria de ônibus
para São Paulo, saindo de Fortaleza, conduzindo o que lhes coube de
dinheiro; que, na divisão entre Davi e Marcos França, sobrou dois
milhões, seiscentos e cinqüenta mil ao depoente, tendo o depoente
18
guardado tal quantia no guarda-roupa; que Carlos forneceu três armas
para o depoente para guarda; que, logo após a chegada de Flávio, a
Polícia Federal prendeu todos os presentes na casa; que os sacos de
dinheiro eram de quantias variando entre cento e cinqüenta e
quatrocentos mil reais; que foi essa a única vez que pessoas foram
apanhar dinheiro com o depoente (...) que não conhece José Elizomarte
nem Francisco Dermival, conhecendo José Charles Machado de Morais
por já ter comprado o veículo F 250 apreendido (...)”
De igual modo, DEUSIMAR NEVES DE QUEIROZ, tanto em
sede policial (fls.05/07 do Processo nº 2005.81.00.018960-6 - IPL 908/2005), como em
juízo (fls.259/263 - 2º volume), confirmou seu vínculo com o apelante Francisco
Álvaro:
"(...) foi procurado por duas pessoas que lancharam; QUE as duas
pessoas perguntaram ao interrogado se este tinha conhecimento do caixa
forte do Banco Central, tendo respondido que sim; QUE também
perguntaram se queria mudar de vida caso passasse as informações da
área interna do Banco Central; QUE no mesmo dia deram ao interrogado
a quantia de mil reais; (....)referidos indivíduos no outro dia deram ao
interrogado a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em espécie
(...)guardou os R$ 100.000,00 (cem mil reais) por alguns meses, e como
já emprestava dinheiro a juros, continuou a emprestar utilizando aquele
dinheiro; QUE sábado, dia 06 de agosto do ano em curso, recebeu mais
R$ 100.000,00 (cem mil reais) em notas de R$ 50,00, de um daqueles
indivíduos (....) há dois meses conheceu a pessoa de ÁLVARO, não
sabendo precisar seu nome, a quem confiou que guardasse todo o
dinheiro que havia recebido dos dois elementos anteriormente citados;
QUE não sabe informar onde ÁLVARO guardou o dinheiro; QUE quase
todo dia pegava dinheiro com ÁLVARO para empresar a juros; QUE
todos os cheques apreendidos com o interrogado são de clientes; QUE
ÁLVARO tinha autorização para também emprestar dinheiro a juro e
ficar como que apurasse (...) QUE os dois elementos que fizeram
perguntas sobre o interior do Banco Central (....) um daqueles elementos
chamava o seu companheiro,por sinal o de estatura de baixa, pelo nome
de DAVI (...)”
19
Já o apelante PEDRO JOSÉ DA CRUZ confirma seu vínculo
com o apelante Davi Silvano (fls. 532/536 3º volume):
"(...) que, em maio ou junho de 2005, o depoente foi convidado por Davi
Silvano da Silva, em um bar em São Paulo para vir a Fortaleza (...) que
após tal semana, Davi acabou anunciando ao depoente que pretendia
escavar um túnel do imóvel até o Banco Central, solicitando os trabalhos
do depoente, com a promessa de dar quatro milhões de reais ao depoente;
que o depoente começou então a participar da escavação do túnel junto
com Davi, Moisés e Paulo Sérgio, esclarecendo o depoente que o seu
turno era durante o dia e por turno de quatro horas; que o depoente
passava o resto do dia realizando pequenos trabalhos na própria casa (...)
Que, alguns dias após o início da escavação, chegaram outras pessoas
que se dedicavam á escavação no turno da noite; que a escavação durou
cerca de dois meses e meio a três meses; que a pessoa conhecida como
'alemão' comparecia á casa com as máquinas e realizava as medições; que
não existia nenhum mapa nem papel (...) que foi Paulo Sérgio quem
trouxe as novecentas escoras de madeira, sendo que várias pessoas,
inclusive o depoente, participaram da colocação de tais escoras (...) que
ao sabe ao certo quem cortou a laje de concreto do banco central; que
sabe dizer que a máquina de cortar concreto foi preparada em São Paulo,
tendo sido trazida pro Paulo Sérgio (...) que o depoente morava na casa
junto com Paulo Sérgio e um indivíduo chamado 'Piai'; que Davi e os
demais ficavam em locais desconhecidos pelo depoente, que de vinte em
vinte dias, um indivíduo chamado Fernando comparecia a casa na Rua 25
de março e efetuava pagamento de cerca de quinhentos reais para os
participantes; que, salvo engano, cerca de trinta pessoas participaram das
escavações; que, um dias antes do rompimento da laje do banco central, o
depoente voltou para São Paulo junto com 'Piauí' em uma Saveiro
conseguida por Fernandinho (...) que, cerca de quinze dias após, Davi
ligo para o depoente e marcou um encontro num bar, ocasião em que
entregou dois milhões e cem mil reais em notas de cinqüenta reais, que
estavam em uma caixa de cobertor; que Davi prometeu mais um milhão e
meio ao depoente após quinze dias; que Davi retornou a fortaleza para
pegar tal dinheiro, ocasião em que foi preso (...) que Davi comentava ter
adquirido uma casa para guardar o dinheiro (...)”
20
Depreende-se das declarações retro a existência de um
vínculo de confiança entre os agentes. As circunstâncias em que o delito foi cometido
com atos preparatórios desenvolvidos por mais de três meses, demonstram o caráter de
estabilidade essencial para a configuração do crime de quadrilha, como aduzido na
sentença:
“Frise-se que, como é cediço e foi comentado inicialmente, nenhum
integrante de um grupo capaz de furtar R$ 164.755.150 reais do caixaforte do Banco Central, mediante a perfuração de um túnel, após meses
de estudo e preparação, confia em qualquer outra pessoa que também não
seja membro de tal organização criminosa.” (fl. 3930).
Outrossim, a complexidade da quadrilha configura o que a
Lei nº 9.034/95 define como crime organizado, conforme reconhecido na sentença, em
trecho a seguir transcrito:
“Percebe-se, desde logo, que uma ação criminosa como a realizada não
poderia ter sido realizada por um mero ajuntamento esporádico de
indivíduos criminosos, denotando, na realidade, a existência de todas as
características do crime organizado, conforme exposto anteriormente, ou
seja, verificam-se presentes as características de unidade social,
comportamento social padronizado, arranjo pessoal, formação da unidade
social em uma estrutura descritível, compreendendo funções hierárquicas
e específicas dos membros, podendo ser móveis ou imóveis, bem como
divisão de tarefas, atribuição de funções e o preenchimento de cargos
específicos com o fim de obtenção do resultado comum, e recursos
materiais ( mão de obra dos membros da organização ou capital
arrecadado dos mesmos), sendo também perceptível suas atividades
intensas e ininterruptas, possuindo divisões de tarefas, participação de
colaboradores ou agentes inicialmente insuspeitos e sofisticação dos
métodos criminosos, tendo contado com informações privilegiadas,
apresentando um intrincado esquema de conexões com outros grupos
delinqüenciais e uma rede subterrânea de ligações, utilizando de
disfarces e simulações em sua mobilidade e atuação, sendo motivada com
o objetivo primário de obter lucros através de atividades ilegais, estando
baseada na associação de suas vontades livres e conscientes, além de seu
21
elevado grau de operacionalidade, com alta velocidade de realização,
concentrando esforços diuturnamente para a consecução de seus
objetivos.” (fl. 3887)
A alegação do apelante Davi Silvano, acerca da
impossibilidade de se cumular crime de quadrilha com concurso de agentes, não
encontra respaldo legal, doutrinário ou jurisprudencial. Como se sabe, o delito de
quadrilha é crime de perigo e possui como bem jurídico protegido a paz social, podendo,
portanto, ser cumulado com delito de furto qualificado, que é crime de dano, cujo bem
jurídico protegido é diverso – o patrimônio da vítima. Inexiste, pois, bis in idem, o que
somente ocorreria se ambos os crimes tivessem a mesma natureza e objetividade
jurídica.
Ademais, o crime de quadrilha é autônomo em relação aos
delitos cometidos por seus integrantes, subsistindo ainda que esses não sejam
consumados ou sequer tentados.
Nesse sentido é o julgado do STF, conforme ementa
abaixo:
“Cumulação da qualificadora do crime de roubo (uso de arma)
com a qualificadora de quadrilha armada. O crime de quadrilha é
um crime autônomo, que independe dos demais crimes que vierem
a ser cometidos pelo bando. É, também, um crime permanente que
se consuma com o fato da associação e cuja unidade perdura, não
obstante os diversos crimes-fim cometidos pelos integrantes do
grupo criminoso”3.
Também resta afastada a alegada consunção dos delitos de
quadrilha e uso de documento falso pelo furto.
O Princípio da Consunção é uma das formas de solução do
conflito aparente de normas, sendo aplicável nas seguintes hipóteses: (1) quando um
3
STF, HC 75.349-3, 2ª T, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 26.11.1999
22
crime é meio necessário ou constitui fase de preparação ou de execução de outro crime;
e (2) nos casos de antefato e pós-fato impuníveis.
Assim, verifica-se de plano a
inaplicabilidade desse princípio ao caso em análise, porquanto nem o crime de quadrilha
nem o de uso de documento falso constituem meios necessários à execução do furto,
tampouco funcionam como situações antecedentes impuníveis ou mero exaurimento do
crime principal.
Dessa forma, está plenamente caracterizado o delito de formação
de quadrilha.
DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
O crime de lavagem é definido, no art. 1º da Lei 9.34/95
como: “ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou
organizações ou associações criminosas de qualquer tipo."
Segundo José Laurindo de Souza Neto4, “o crime
organizado pode ser conceituado como o agrupamento de pessoas que procura operar
fora do controle do Estado, para extorquir proventos exorbitantes da sociedade, por
meios ilícitos. Para subsistir, impõe uma disciplina rígida aos subalternos que fazem o
chamado ‘trabalho sujo’.
Trata-se de um crime que implica uma coordenação
hierárquica de um determinado número de pessoas para o planejamento e execução de
atos ilegais ou para atingir um objetivo legítimo utilizando meios que são contrários à
lei”.
A Convenção de Palermo contra a Delinqüência
Organizada Transnacional, promulgada no Brasil pelo Decreto 5.015, de 12 de março de
2004, cujo caráter vinculativo compromete os países signatários, dispõe, em seu art. 6º
(2º, a), que cada Estado deverá estender o tipo da lavagem de dinheiro “à mais ampla
gama possível de infrações penais”, estabelecendo no art. 6º, 2º, b, que, no mínimo,
devem ser incluídas “todas as infrações graves”. O termo “infração grave” foi definido
pelo seu art. 2º (b) como o “ato que constitua infração punível com pena de privação de
liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos”. Assim, constituem crimes
antecedentes, nos termos daquela Convenção, todas infrações penais cuja pena máxima
23
seja igual ou superior a quatro anos, enquadrando-se nessa hipótese o furto qualificado e
o delito de ocultação de bens, direitos e valores.
Como se vê, a existência de conceito legal do que seja
“crime organizado” afasta, de plano, as alegações do apelante Deusimar e José Charles
quanto à impossibilidade de aplicação da referida lei. Além disso, vê-se que o emprego
de violência ou a atuação de agentes públicos, da polícia ou de detentores de mandatos
eletivos, ao contrário do alegado por José Charles, não integra o conceito de organização
criminosa.
Outrossim, o crime organizado, típico da criminalidade
sofisticada, na definição de Luiz Flávio Gomes5, não constitui delito em si, tanto que a
Lei nº 9.034 não prevê penas para a formação e manutenção de organização criminosa,
apenas a define e estabelece meios operacionais de investigação e prova, sendo
considerada, ademais, como causa de aumento de pena prevista na Lei nº 9.613/98.
Consideradas essas definições, bem como os fatos
relatados, constata-se que os apelantes constituíram uma quadrilha de estrutura
hierárquica e fortemente organizada do ponto de vista material, humano e logístico. As
conclusões dos laudos periciais, já descritas, revelam o requinte dos atos preparatórios,
desde a locação de residência localizada em frente a sede do Banco Central do Brasil, a
análise topográfica do terreno, a criação de uma empresa de fachada, a contratação de
pessoas especializadas em determinadas tarefas e de informantes, o emprego de
sofisticada tecnologia na construção do túnel, até a utilização das mais diversas formas
de ocultação do produto do ilícito.
As provas da associação entre os apelantes restam claras e
ressaem das confissões e dos depoimentos das diversas testemunhas, já relacionadas em
tópico anterior. Ademais, somente uma associação de vínculo permanente seria capaz
de perpetrar, com eficácia, delito desse vulto com tantos envolvidos.
Assim, insubsistentes são as alegações dos recorrentes
4
“Uma análise crítica da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro” – Conselho da Justiça Federal, Centro
de Estudos Judiciários – Brasília: CJF, 2002, v. 9, p. 92.
5
Crime Organizado, RT, 1995, pp. 68 e 76.
24
Antônio Edimar Bezerra, Flávio Augusto Mattioli, Deusimar Neves Queiroz e Marcos
de França de ausência de provas da existência de quadrilha caracterizada como
organização criminosa.
DO CRIME DE OCULTAÇÃO DE BENS E VALORES
O art. 1º da Lei nº 9.613/98 define o crime de “lavagem”
de capitais como a conduta de ocultar ou dissimular a origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime: (...) V- contra a Administração Pública, inclusive a exigência,
para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição
ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; (...);VII – praticado por
organização criminosa; (...).
A lei ainda estabelece as condutas equiparadas no §§ 1º e 2º,
assim redigidos:
§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a
utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer
dos crimes antecedentes referidos neste artigo:
I - os converte em ativos lícitos;
II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia,
guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;
III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos
verdadeiros.
§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem:
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou
valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes
antecedentes referidos neste artigo;
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo
conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é
dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.
A Lei nº 9.613/98 estabelece punição para aqueles que
praticam os atos definidos no caput do artigo 1º da citada Lei visando conferir aparência
25
lícita a dinheiro obtido ilicitamente. O bem juridicamente protegido é a normalidade do
sistema econômico-financeiro do País.
Caracteriza-se como crime comum, praticável por
qualquer pessoa, e de mera atividade, porquanto dispensa a ocorrência de dano para sua
configuração, exigindo, tão somente, a prática de pelo menos um dos atos tipificados no
caput do art. 1º da Lei. O tipo é alternativo, de forma que a prática de um ou mais dos
comportamentos proibidos tipifica o crime em análise.
As condutas descritas no tipo compreende as três etapas da
chamada “lavagem de dinheiro”: (1) a ocultação das rendas ilícitas, aproveitando-se o
agente de intermediários; (2) a dissimulação, caracterizada pela aparência de legalidade
dada pelo agente aos bens ou renda, o que se torna possível, por exemplo, pela remessa
a paraísos fiscais por meio de transações financeiras, comutando-se os bens obtidos
ilicitamente em outros, desvinculados da atividade ilícita; e (3) a integração, que se dá
pelo retorno do capital ao mercado “através da compra de bens, da aquisição ou
investimento em empresas e estabelecimentos lícitos, assim como através do
reinvestimento desse capital obtido em negócios lícitos na própria atividade delituosa,
criando-se um autêntico ciclo econômico”6.
O crime de “lavagem”, embora possua autonomia típica,
exige a comprovação da prática de delito antecedente. No entanto, não exige uma
efetiva participação do agente nos crimes anteriores, podendo ser autor da “lavagem” de
capitais um terceiro agente, distinta da pessoa responsável pelo delito precedente
“gerador das riquezas a serem convertidas em capitais lícitos”7.
Os apelantes obtiveram as quantias destinadas à “lavagem”
através do furto cometido contra o Banco Central do Brasil, na sede da cidade de
Fortaleza/CE, autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional, vinculado ao
Ministério da Fazenda do Brasil. Assim como os outros bancos centrais do mundo, o
brasileiro é a autoridade monetária principal do país, tendo recebido esta competência de
três instituições diferentes: a Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), o
6
“Uma análise crítica da Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro” – Conselho da Justiça Federal, Centro
de Estudos Judiciários – Brasília: CJF, 2002, v. 9, p. 33.
7
Gomes, Luiz Flávio. Cervini, Raul. “Lei de Lavagem de Capitais”, RT, 1998, p. 324.
26
Banco do Brasil e o Tesouro Nacional.
As condutas praticadas pelos apelantes
indicadas na sentença como antecedentes ao delito de “lavagem” são os crimes contra a
Administração Pública e os praticados por organização criminosa.
Frise-se que, ao contrário do alegado pelos apelantes José
Charles e Marcos de França, os crimes contra a administração pública não são
exclusivos de funcionários públicos. A conduta de prestar a criminoso auxílio destinado
a tornar seguro o proveito do crime, prevista no artigo 349 do Código Penal, constitui
crime daquela espécie, sendo, portanto, crime antecedente ao delito de “lavagem” de
capitais”.
No entanto, a necessidade de se enquadrar o crime na
enumeração legal existe apenas se ele não for cometido por meio da criminalidade
organizada, também precursor da lavagem de dinheiro, conforme art. 1°, VII, da Lei nº
9.613/98. Com efeito, característica marcante do crime organizado é a lavagem de
dinheiro, visando à obtenção de dinheiro e de poder, não se tendo notícia da existência
de organizações criminosas voltadas para a disseminação de ideologias políticas ou
sociais.
Embora a criminalidade organizada não se vincule,
necessariamente, à criminalidade econômica, os crimes econômicos de grande vulto
requerem uma estrutura para sua organização. Assim sendo, o crime organizado e o
crime de lavagem de dinheiro possuem uma estreita ligação, já que as características
desse delito requerem a presença de requisitos identificáveis na estrutura das
organizações criminosas.
De modo geral, qualquer conduta de ocultação de bens e
valores obtidos, por meio de conduta criminosa antecedente, praticada por organização
criminosa, hipótese essa verificada nos autos, conforme explicitado no tópico anterior,
caracteriza o crime de lavagem. Destarte, o delito de furto praticado pela organização
criminosa formada pelos apelantes caracteriza o antecedente necessário à configuração
do delito de “lavagem” de capitais.
O elemento subjetivo do crime de ocultação de bens,
27
direitos e valores admite tanto o dolo direto como o dolo eventual, porquanto não se
exige absoluta certeza sobre a comissão de um delito em concreto, sendo suficiente a
potencial consciência do ilícito, conforme entendimento de Raul Cervini8.
O mencionado autor ainda exemplifica os traços
característicos de condutas indicativas do delito de lavagem: aquisições por um preço vil
ou em circunstâncias pouco usuais, operações múltiplas e arrojadas, fracionamento de
depósitos bancários, falsidades documentais, concurso de interpostas pessoas, testas-deferro, movimentação de altas quantidades de dinheiro, movimentação de capitais sem
uma correspondente atividade comercial lícita etc.
Desses fatos característicos do crime de “lavagem”,
destaque-se a conduta de José Charles, ao agir como intermediário na aquisição e
transporte dos veículos destinados à ocultação do dinheiro furtado do Banco Central,
recebendo, para tanto, vultoso pagamento em dinheiro; a de Marcos de França e de
Marcos Suppi, ao aceitarem transportar malas de dinheiro para São Paulo, recebendo
esse último, como pagamento, a quantia de R$ 50.000,00; a de Francisco Álvaro, ao
admitir funcionar como “laranja” de Deusimar, aplicando em nome desse apelante a
vultosa quantia de duzentos mil reais em empréstimos a juros; a de Flávio Mattioli, ao
transportar vultosas quantias em dinheiro ocultas em veículo, levando o produto do
crime com destino a São Paulo.
A esse respeito, destaque-se o trecho da sentença a seguir
transcrito:
“Além disso, conclui-se pela ciência de ditos réus da procedência
do numerário pela percepção que as notícias do furto ao Banco
Central eram freqüentes e notórias em todo o Brasil, não tendo
nenhum deles, ou seus contratantes, estado em Fortaleza para
qualquer tipo de atividade lícita, bem como por toda as manobras
de despistamento executadas para chegarem a Fortaleza e as que
iriam ser adotadas para daqui saírem, além do fato de Flávio
Augusto Mattioli ter sido encarregado de trazer um veículo Pajero
8
Gomes, Luiz Flávio. Cervini, Raul. Lei de Lavagem de Capitais, RT, 1998, p. 327.
28
para, segundo Davi, levar parte do dinheiro. Recorde-se, ainda,
que nas organizações criminosas não existem funções dispensáveis
ou ociosas, sendo os motoristas pessoas de alta confiança da
cúpula vez que são eles motoristas que sabem de todos os detalhes
dos crimes, bem como localização de membros da organização,
têm ciência do produto dos ilícitos e conduzem pessoas e bens
relacionados com as atividades criminosas.” (fl. 3930).
Diante de tais circunstâncias, não se mostra razoável o
entendimento de que os apelantes desconheciam a origem ilícita do dinheiro que tão
fartamente os remunerou.
Ao aceitarem tais valores, nessas circunstâncias, sem
conhecimento da sua origem, demonstra que agiram, no mínimo, com dolo eventual.
Esclareça-se, por oportuno, em contrariedade ao alegado
pelo apelante José Charles, que determinadas atividades econômicas exigem a
identificação dos clientes. É que o art. 9º, XII, c/c arts. 10 e 11, todos da Lei 9.613,
dispõe sobre a imposição desse dever às pessoas físicas e jurídicas que comercializem
bens de luxo ou de alto valor, ou que exerçam atividades que envolvam grande volume
de recursos em espécie - caso da atividade desenvolvida por aquele apelante, recebendo,
em espécie, quase um milhão de reais na aquisição de veículos de alto valor agregado,
sem que cumprisse a obrigação legal. Ademais, se realmente acreditasse na licitude da
transação, teria declarado a operação na forma da lei.
A alegação do apelante Davi, concernente à atipicidade da
conduta de “somente furtar e guardar o produto do crime” não lhe favorece. A conduta
de “guardar” identifica-se com a de “ocultar a localização” de bens, direitos e valores,
tipificada no art. 1º da Lei de “Lavagem” de capitais, de forma que sua conduta amoldase ao referido tipo.
No julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 80.8166/SP, o Ministro Sepúlveda Pertence, ao abordar a modalidade “ocultar”, definiu-a da
seguinte forma:
“O verbo ocultar significa, no contexto da lei, o processo básico e
fundamental utilizado pelo autor para a conversão de proventos
29
ilicitamente obtidos. A ocultação é a idéia central que inspira o
artigo.
Ocultar
é
esconder,
disfarçar,
impossibilitar
conhecimento de sua situação jurídica e espacial.
o
Em essência,
quer exprimir o primeiro passo a caminho da ‘legalização’ de tais
valores, já que seu efeito imediato é causar uma absoluta (ou no
mínimo relativa) ignorância sobre alguns atributos fundamentais
dos bens e valores em questão: sua origem, sua natureza, sua
localização, sua propriedade e sua movimentação ou disposição.”
Esse entendimento está contido no voto do referido
Ministro, integrante do acórdão por ele relatado, assim ementado:
“Lavagem de dinheiro: L. 9.613/98: caracterização. O depósito de
cheques de terceiro recebidos pelo agente, como produto de
concussão, em contas-correntes de pessoas jurídicas, às quais
contava ele ter acesso, basta a caracterizar a figura de "lavagem
de capitais" mediante ocultação da origem, da localização e da
propriedade dos valores respectivos (L. 9.613, art. 1º, caput): o
tipo não reclama nem êxito definitivo da ocultação, visado pelo
agente, nem o vulto e a complexidade dos exemplos de requintada
"engenharia financeira" transnacional, com os quais se ocupa a
literatura.”9
Caracterizado o delito de “lavagem” de capitais, inviável
se mostra sua desclassificação para o crime de receptação, o qual tipifica as condutas de
“adquirir, receber, transportar, conduzir ou oculatar, em proveito próprio ou alheio,
coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira,
receba ou oculte”, nos termos do art. 180 do CP.
Embora se trate de normas
aparentemente aplicáveis ao caso, necessário observar ser o crime da Lei nº 9613/98
específico em relação ao delito de receptação, aplicando-se-lhe, por conseguinte, o
“princípio da especialidade”.
A análise da intenção dos agentes, manifestada por seus
atos, outrossim, afasta as dúvidas quanto à lei aplicável, porquanto verifica-se que os
9
STF – RHC 80816 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 18.06.2001, pp 13 .
30
apelantes não apenas adquiriram, em proveito próprio, o produto do furto, mas sim
buscaram conferir-lhe a aparência lícita, desvinculando-o de sua origem.
Conforme os fatos comprovados nos autos, os apelantes,
ao empregarem o dinheiro na compra de bens em nome de terceiros praticaram a
conduta típica, a exemplo do apelante Pedro José, que adquiriu três veículos, um em
nome de sua mulher, outro em nome de Juscelino Rodrigues de Oliveira, e ainda um
terceiro, em nome de sua filha Márcia Maria dos Santos Cruz, bem como uma loja de
autopeças também em nome de sua esposa. Da mesma forma agiu o apelante Deusimar,
ao adquirir imóvel em nome de sua cunhada, bem como proceder ao empréstimo do
capital a título de juros, utilizando-se de interposta pessoa, o apelante Francisco Álvaro.
Destaque-se que os apelantes José Charles e Francisco
Álvaro, ao servirem de intermediários na operação de ocultação da origem ilícita do
dinheiro furtado, também incidiram no delito específico do art. 1º, § 1º, II e § 2º, I e II,
da Lei 9.613/98.
Quanto à Teoria do Domínio do Fato, invocada pelo
recorrente Francisco Álvaro ao argumentar ter sido de menor grau sua participação no
delito por não ser mero executor, não lhe favorece.
Como se sabe, a referida teoria aplica-se quando o agente
possui domínio sobre o exercício das funções que lhe foram confiadas pelos outros
autores do ilícito, e não o poder de evitar a prática da infração penal no que concerne às
tarefas atribuídas aos demais. Ora, o apelante, ao receber o produto do delito das mãos
de Deusimar, procedeu à sua negociação, com conseqüente ocultação de sua origem
ilícita, praticando as condutas típicas do art. 1º, incs. V e VII, § 1º, II e § 2º, I e II. da Lei
9.613/98, tarefas sobre as quais tinha pleno domínio.
DO USO DE DOCUMENTO FALSO
Os apelantes Marcos de França, Flávio Mattioli, Marcos
Suppi e Davi Silvano insurgem-se também contra a condenação pelo uso de documento
falso.
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Os documentos falsificados consistem nas identidades
falsas utilizadas, tendo os apelantes Marcos de França e Davi Silvano viajado de
Fortaleza para São Paulo, levando parte do produto do crime, o primeiro portando
identidade em nome de Jesiel Francisco Araújo da Conceição, e o segundo utilizando
tanto identidade em nome de José Paulo do Nascimento Neto como de Davi de Araújo
Pereira. Já o apelante Marcos Suppi usou o documento em nome de Genilson Alves
Feitosa para adquirir passagem para viajar de São Paulo para Fortaleza.
Marcos de França e Marcos Suppi alegam a não
configuração desse delito porquanto, no ato de suas prisões, apresentaram os respectivos
documentos verdadeiros, e não os falsificados, não tendo esses, ademais, potencial de
enganar; Flávio Mattioli aduz não ter usado documento falso, mas sim portado a carteira
de documentos do irmão, a qual pegou por engano; e Davi Silvano alega estar o uso de
documento falso absorvido pelo delito de furto, pela incidência do Princípio da
Consunção.
O crime de uso de documento falso perfaz-se com o
emprego dos papeis falsificados ou alterados constantes dos arts. 297 a 302 do CP. Para
sua configuração, o tipo não exige a perfeição da falsificação, apenas aptidão para
enganar pessoas leigas, o que ocorreu na hipótese dos autos, já que os apelantes
conseguiram viajar sob as identidades falsas.
Quanto à não apresentação do documento falso às
autoridades, tal fato não elide a ocorrência dos delitos em questão. Conforme consta
dos autos, os apelantes apresentaram documentos falsos na aquisição de passagens,
viajando sob as identidades que não lhes pertenciam. Assim, quando da prisão em
flagrante, os crimes já tinham se consumado, sendo irrelevante, portanto, a não
apresentação de tais identidades também aos policiais que lhes dirigiram voz de prisão.
Quanto à alegada consunção pelo delito de furto, essa tese
também não pode ser admitida. Em sendo o furto delito contra o patrimônio, não é, por
conseqüência, elemento do falsum, cujo interesse juridicamente tutelado é a fé pública.
Ademais, o STF já decidiu pela “inexistência de
32
consunção quando os dois crimes subsistem independentemente um do outro”10. Com
efeito, o crime de uso de documento falso, no caso dos autos, é autônomo em relação ao
furto, subsistindo ainda que esse delito não tivesse se consumado.
DAS PENAS APLICADAS
Impugnam os recorrentes o quantum imposto para a pena de
prisão. No entanto, conforme se verifica no dispositivo da sentença, às fls. 3954/3960,
foi aplicado o método trifásico, fundamentando o juiz os critérios para aumento da pena
base além do mínimo, não demonstraram os recorrentes nenhum motivo legal que
justificasse a redução das penas cominadas.
Outrossim, não houve erro material na aplicação da pena em
relação aos apelantes José Charles, Antônio Edimar, Marcos de França e Davi Silvano
pelos delitos de “lavagem” de dinheiro. Como se vê na sentença, às penas pelo delito de
lavagem somam-se às penas pelo crime de quadrilha.
Assim, cada pena de 16
(dezesseis) anos e 7 (sete) meses pelo crime de lavagem resulta em 33 (trinta e três)
anos e 2 (dois) meses. Somada à pena de 3 (três) anos pelo delito de quadrilha, resulta
na pena de 36 (trinta e seis) anos e 2 (dois) meses de reclusão por ambos os crimes (fls.
3954 e 3956).
Insurgem-se alguns dos recorrentes também contra a pena de
multa, entretanto, razão também aqui não lhes assiste. Como é sabido, a aplicação da
pena de multa deve observar o critério bifásico: a fixação do número de dias-multa,
entre 10 e 360, e o valor do dia-multa, que varia de um trigésimo do salário mínimo até
cinco vezes o valor desse, devendo-se observar a situação econômica dos réus.
Com a prática do furto contra o Banco Central, os recorrentes
beneficiaram-se com substancial parte daquele montante, destacando-se que grande
parte dos mais de cento e sessenta milhões de reais ainda não foi recuperada. Assim, a
situação financeira dos recorrentes deve ser avaliada com base no proveito que
obtiveram com o crime, fato que confere respaldo às penas de multa aplicadas pelo juiz.
10
RTJ 78/104.
33
Perto do proveito obtido por cada recorrente – de dois a quatro
milhões de reais, em média – os valores da pena de multa aplicada a cada um deles
mostra-se compatível com o novo padrão de vida ilicitamente alcançado. Quanto ao
apelante Francisco Álvaro, participante apenas do delito de “lavagem”, veja-se haver
sido aplicada pena de multa fixada em apenas 100 dias-multa, aplicando-se o valor do
dia-multa em seu mínimo.
Verificando o magistrado que os recorrentes possuem condições
financeiras, justifica-se o quantum aplicado pela pena de multa.
Assim, nessa parte a sentença também não merece reparos,
devendo as penas serem mantidas.
Diante de todo o exposto, requer o Ministério Público o não
provimento dos recursos de apelação interpostos pelos réus.
Recife, 03 de dezembro de 2007
MARIA DO SOCORRO LEITE PAIVA
PROCURADORA REGIONAL DA REPÚBLICA
MSLP/Cláudia
CR-5520-CE
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Contra-razões nº 90/2007 - Procuradoria Regional da República da