ESTUDOS RELATIVOS ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E
RECURSOS HÍDRICOS PARA EMBASAR O PLANO
NACIONAL DE ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS
CLIMÁTICAS
Eixo 1 - CENÁRIOS DE MUDANÇAS PARA ESTUDOS DE
ADAPTAÇÃO NO SETOR DE RECURSOS HÍDRICOS
Fortaleza-CE
Setembro 2014
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© Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
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público, qualificada como Organização Social pelo executivo brasileiro, sob a supervisão do Ministério da
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atuação do Centro está concentrada das áreas de prospecção, avaliação estratégica, informação e difusão
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nesta publicação não poderão ser reproduzidos, transmitidos, ou citados a fonte.
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CENÁRIOS DE MUDANÇAS PARA ESTUDOS DE
ADAPTAÇÃO NO SETOR DE RECURSOS HÍDRICOS
Supervisão
Antonio Carlos Filgueira Galvão
Líder do CGEE
Antonio Rocha Magalhães
Eduardo Sávio Passos Rodrigues Martins (consultor)
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Sumário
1 Apresentação do Relatório sobre Diretrizes para a Elaboração de
Cenários................................................................................................
2. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 6
2.1 CENÁRIOS DOS EFEITOS DAS MUDANÇAS DE CLIMA NO BRASIL .................... 8
2.2 ANÁLISE DE AVALIAÇÃO DE IMPACTOS BASEADAS EM CENÁRIOS ............. 12
2.3 LACUNAS DE CONHECIMENTOS NA CENARIZAÇÃO DE MUDANÇAS DE
CLIMA NO BRASIL ............................................................................................................................ 14
2.4 DESENVOLVIMENTO DE CENÁRIOS ................................................................................ 19
2.4.1 A linha de base atual - o presente................................................................................... 22
2.4.2 Horizonte das projeções e recorte espacial ............................................................... 24
2.4.3 Projetando as tendências ambientais e sócio-econômicas na ausência de
mudanças climáticas - a linha de base futura ...................................................................... 26
2.4.4 Cenários climáticos e sua seleção - o clima futuro ................................................ 26
Cenários Climáticos Baseados em Emissões (SRES) e em Forçantes Radiativas
(RCPs) .................................................................................................................................................... 26
A Escolha dos Modelos Climáticos Globais para a Cenarização ................................ 31
Cenários Climáticos baseados em Modelos de Circulação Global............................. 34
Fator de Mudança ou Abordagem Delta de Variação ........................................................ 35
Normalização de Padrões (Pattern-Scaling) .......................................................................... 37
Regionalização Climática............................................................................................................... 38
2.5 Cenários de água no futuro ................................................................................................... 47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 55
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1 - Apresentação do Relatório sobre Diretrizes para a Elaboração de
Cenários
O presente relatório apresenta recomendações de critérios, métodos e técnicas
para a construção de cenários da mudança do clima com um olhar em particular
para estudos de impactos das mudanças de clima sobre o setor de recursos
hídricos. O objetivo maior é fornecer linhas mestras para estudos nessa temática
no que concerne à elaboração de cenários e, na medida do possível, alcançar um
nível de padronização desejável até certo ponto, na medida que permitirá uma
visão comparativa dos diferentes estudos em termos dos impactos sobre o setor
ao nível nacional (top-down approaches). Por outro lado, não se pretende aqui
advogar que esta seja a única abordagem a ser utilizada, existindo outras que
fornecem resultados adicionais que servem de base à elaboração de medidas de
adaptação,
como,
por
exemplo,
análise
de
vulnerabilidades
(bottom-up
approaches). Estes estudos subsidiarão o processo de escolha de um conjunto de
modelos climáticos a serem utilizados em um recorte espacial específico.
O relatório tentou cobrir minimamente os seguintes aspectos, seguindo as
orientações fornecidas nos termos de referência:
a) Levantamento do estado da arte do desenvolvimento de cenários dos
efeitos das mudanças do clima no Brasil;
b) Identificação de lacunas de conhecimento a respeito de cenários de
mudança do clima no Brasil;
c)
Indicação
de
impactos
de
mudança
do
clima
relacionados
à
disponibilidade hídrica, conforme previsto em modelo regionalizado
desenvolvido pelo INPE e a melhor evidência científica disponível. A
indicação de impactos deverá ser apresentada na menor escala territorial
disponível e, se possível, de acordo com a divisão setorial elaborada para o
Plano Nacional de Adaptação
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d) Proposta de metodologia para a elaboração de cenários de efeitos das
mudanças do clima sobre os recursos hídricos no país, de modo a estabelecer
padrões e critérios para, entre outros:
- Definição de horizonte temporal dos cenários;
- Definição de recorte espacial e escala;
- Indicação de modelos ou famílias de modelos adequados;
- Regionalização e downscaling de modelos climáticos;
- Recomendações.
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2. INTRODUÇÃO
O clima, como já mencionado no capítulo anterior, varia em múltiplas escalas
temporais, sejam estas sazonal, interanual, multidecadal, centenária, entre outras
maiores. Para escalas superiores à sazonal, não se tem hoje como prever o
futuro, mas pode-se usar outras estratégias em preparação para este futuro
incerto, como por exemplo, a construção de plausíveis cenários descritores do
clima futuro.
Não é possível saber ao certo como população, padrões de demanda de água,
condições ambientais, o clima, e muitos outros fatores que afetam o uso da água
e o suprimento hídrico podem mudar em um dado horizonte. Assim, planejar para
o futuro deve considerar as incertezas inerentes a este, e considerar que as
mudanças continuarão a ocorrer. Cenários futuros podem nos ajudar a melhor
entender as implicações das condições futuras sobre o gerenciamento dos
recursos hídricos. Para antecipar estas mudanças, nossa abordagem ao
gerenciamento e planejamento de recursos hídricos para necessidades futuras
precisa incorporar considerações de incerteza, risco e sustentabilidade.
Somente mais recentemente, a integração da informação do risco climático no
planejamento de adaptação foi considerada um prioridade para organismos de
empréstimo e ambientais (DFID, 2005; World Bank 2006; EEA, 2007; UNDP,
2007; WRI, 2007; Parry et al., 2009). A urgência deve-se ao fato que a
componente antropogênica das mudanças climáticas está comprometendo os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio já a partir de 2015. Os projetos de
desenvolvimento podem afetar a vulnerabilidade de pessoas e comunidades, e o
uso da informação do risco climático, mais especificamente na escala de
mudanças do clima, poderia reduzir a vulnerabilidade atual e futura (Klein et al.,
2007). Neste contexto, a triagem de portfólios de investimento em si, ainda que
baseada no risco climático, não é uma garantia à adaptação no escopo de
financiamento ou assistência a projetos/programas de desenvolvimento, mas
pode ajudar uma compreensão mais elaborada das complexas relações que
determinam a vulnerabilidade das pessoas às mudanças climáticas.
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Apesar disto, a informação climática pode responder a várias questões ligadas à
adaptação como mostra Smit et al. (2000) e apresenta Wilby et al. (2009) sob a
forma de uma tabela (Ver Tabela 2.1). Na tabela são apresentadas uma série de
exemplos de atividades ligadas à adaptação, não sendo estas mutuamente
exclusivas e havendo algum nível de sombreamento entre as mesmas.
Tabela 2.1. Exemplos de atividades que seguem informa do risco climático
(Adaptado de Wilby et al., 2009; baseado em Smit et al., 2000).
Exemplos de atividade que utiliza a informação
Adaptação
climática
Análise Custo/Benefício, Desempenho e projeto de
Infraestrutura nova
infraestrutura
Avaliação da disponibilidade de recursos naturais,
Gestão de recursos
de status e de alocação
Avaliações de medidas alternativas visando
Retrofit
identificar os riscos e reduzir a exposição a eventos
extremos
Medidas que otimizem a programação ou o
Comportamental
desempenho da infraestrutura existente
Regulamento, monitoramento e elaboração de
Institucional
relatórios
Planejamento econômico, a reestruturação do
Setorial
setor, a orientação e os padrões
Comunicando os riscos para as partes
Comunicação
interessadas, advocacia e planejamento de alto
nível
Serviços de transferência de risco, incentivos e
Financeira
seguro
Em função da necessidade de uma preparação urgente para os impactos das
mudanças climáticas através de diferentes setores e países, Wilby et al. (2009) e
Wilby & Dessai (2010) apontam a necessidade de abordagens complementares
baseada em três alternativas:
1. Avaliações de vulnerabilidade de estratégias sociais e econômicas para
conviver com as extremos climáticos presentes e variabilidade;
2. Desenvolvimento de ferramentas para previsão climática e cenários
visando a avaliação das mudanças em risco para um setor específico ao
longo de algumas décadas;
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3. Uma combinação das duas anteriores.
No caso da abordagem baseada em cenários, o olhar setorial específico requer a
tradução dos cenários de mudanças climáticas em termos de variáveis
importantes ao gerenciamento e planejamento, o que vai além dos cenários de
mudanças climáticas, necessitando da regionalização climática (downscaling) e
pós-processamento a partir de modelos/análises específicas de impactos,
adaptação e vulnerabilidades.
O presente capítulo pretende discutir os elementos básicos para elaboração de
cenários, em particular sob o olhar setorial de recursos hídricos. Primeiramente, é
realizada uma discussão do estado da arte na elaboração de cenários dos efeitos
de mudanças do clima no Brasil, identificando-se, a seguir, lacunas de
conhecimento a respeito destes. Posteriormente, são apresentados os resultados
dos impactos de mudança do clima sobre o setor de recursos hídricos, usando a
Divisão Nacional em Região Hidrográfica como base para esta avaliação.
Finalmente, considerações sobre a elaboração de cenários em termos de seu
horizonte, recorte espacial e escala, indicação de modelos ou famílias de modelos
adequados
e
regionalização
de
modelos
climáticos
são
discutidas
e
recomendações propostas para este fim.
2.1 CENÁRIOS DOS EFEITOS DAS MUDANÇAS DE CLIMA NO BRASIL
Nesta seção serão analisados brevemente os impactos das mudanças de clima
no Brasil para os cenários RCPs 4,5 e 8,5 em termos do comportamento médio
das variáveis: Precipitação (P, mm); Evapotranspiração Potencial (ETP, mm;
Hargreaves); P-ETP (mm) e Índice de Aridez (P/ETP). A partir dos resultados de
dois modelos, o MIROC5 e o HADGEN2ES, ambos integrantes do CMIP5 (IPCC,
2013). A Figura 2.1 apresenta a precipitação média anual (P), evapotranspiração
potencial média anual (ETP), a soma das diferenças mensais (P - ETP) para os
meses que esta diferença foi positiva e o índice de aridez; todos estes calculados
para o período 1971-2000 com base nos dados CRU TS2.1 e para o futuro (20412070), sob o cenário RCP 4,5, com base nos modelos MIROC5 e HADGEN2ES.
Os resultados dos modelos foram corrigidos com base nas suas performances em
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descrever o período histórico (1971-2000). As divisões das doze regiões
hidrográficas são incluídas nestas figuras.
A análise da figura revela para o modelo MIROC5 uma intensificação das
condições de aridez para o centro da região Nordeste, assim como para o sul da
Amazônia, a qual passa de clima úmido para sub-úmido. Nas demais regiões não
temos mudanças perceptíveis quanto a esta variável deste modelo. Quando
examinamos os resultados obtidos para o modelo HADGEN2ES, observa-se que
o padrão observado no sul da Amazônia intensifica-se mais ainda em termos de
área afetada, enquanto que para a região Nordeste o cenário futuro é mais
favorável que o presente, muito em função de um aumento da precipitação capaz
de compensar o aumento da evapotranspiração potencial segundo este modelo.
A Figura 2.2 apresenta os resultados correspondentes ao cenário RCP 8,5.
Segundo este cenário, resultados de ambos modelos revelam uma intensificação
das condições de aridez para o centro da região Nordeste, assim como para o sul
da Amazônia, a qual passa de clima úmido para sub-úmido. Deve-se ressaltar a
necessidade de uma análise mais rigorosa das respostas de outros modelos com
o intuito de melhor avaliar a "incerteza" destes resultados, em particular quanto à
precipitação. A Figura 2.3 pretende apresentar a média e dispersão das variáveis
analisadas (P, ETP, P - ETP e P/ETP) a partir de 25 modelos climáticos globais
utilizados em IPCC (2013).
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Figura Erro! Nenhum texto com o estilo especificado foi encontrado no documento..1. Precipitação Média Anual
(P), Evapotranspiração Potencial Média Anual (ETP) e Índice de Aridez (P/ETP) para os dados CRU
(período: 1971-2000) e modelos climáticos globais CSIRO-Mk3-6, MIROC5 e INCM4 (Cenário RCP4,5,
período: 2041-2070). Legenda:
P:
0 - 300;
300 - 600;
600 - 900;
900 - 1200;
1200 - 1500;
1500 - 1800;
1800 - 2100;
2100 - 2400;
> 2400.
ETP:
0 - 600;
600 - 900;
900 - 1100;
1100 - 1300;
1300 - 1500;
1500 - 1700;
1700 - 1900;
1900 - 2100;
> 2100.
P-ETP:
< 0;
0 - 25;
25 - 50;
50 - 75;
75 - 100;
100 - 125;
125 - 150;
150 - 300;
300 - 500;
500 - 800;
> 800
P/ETP:
Árido 0,05 - 0,20;
Semiárido 0,20 - 0,50;
Sub-úmido Seco 0,50 - 0,65;
Sub-úmido Úmido 0,65 - 1,00
e
Úmido > 1,00
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Figura Erro! Nenhum texto com o estilo especificado foi encontrado no documento..2. Precipitação Média Anual
(P), Evapotranspiração Potencial Média Anual (ETP) e Índice de Aridez (P/ETP) para os dados CRU
(período: 1971-2000) e modelos climáticos globais CSIRO-Mk3-6, MIROC5 e INCM4(Cenário RCP8,5,
período: 2041-2070). Legenda:
P:
0 - 300;
300 - 600;
600 - 900;
900 - 1200;
1200 - 1500;
1500 - 1800;
1800 - 2100;
2100 - 2400;
> 2400.
ETP:
0 - 600;
600 - 900;
900 - 1100;
1100 - 1300;
1300 - 1500;
1500 - 1700;
1700 - 1900;
1900 - 2100;
> 2100.
P-ETP:
< 0;
0 - 25;
25 - 50;
50 - 75;
75 - 100;
100 - 125;
125 - 150;
150 - 300;
300 - 500;
500 - 800;
> 800
P/ETP:
Árido 0,05 - 0,20;
Semiárido 0,20 - 0,50;
Sub-úmido Seco 0,50 - 0,65;
Sub-úmido Úmido 0,65 - 1,00
e
Úmido > 1,00
{ A INCLUIR }
Figura 2.3. Média e dispersão (desvio padrão) do conjunto de Precipitações Médias Anuais obtidas a partir
de 16 modelos climáticos globais utilizados em IPCC, 2007a (Cenários RCP 4,5 & 8,5, período: 2041-2070).
Legenda:
Média do Conjunto-Precipitação:
0 - 300 mm;
300 - 600 mm;
600 - 900 mm;
900 - 1200
mm;
1200 - 1500 mm;
1500 - 1800 mm;
1800 - 2100 mm;
2100 - 2400 mm.
Dispersão do Conjunto-Precipitação:
< 90 mm;
90 - 150 mm;
150 - 210 mm;
210 - 270
mm;
> 270 mm
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2.2 ANÁLISE DE AVALIAÇÃO DE IMPACTOS BASEADAS EM CENÁRIOS
Existe uma vasta literatura de metodologias para avaliação de impactos das
mudanças de clima, mas na sua grande maioria, em linhas gerais, estas
metodologias podem ser vistas como sendo uma mesma abordagem. Esta
abordagem vem sendo desenvolvida ao longo de décadas por vários cientistas e
foi examinada rigorosamente pelo Painel Intergovernamental em Mudanças
Climáticas (IPCC) - Abordagem IPCC. Esta é a abordagem padrão de avaliação
de impactos e tem sido a abordagem de impacto dirigida por cenários climáticos
adotada na grande maioria de estudos desta natureza. O objetivo desta
abordagem é avaliar impactos de mudanças climáticas sob certos cenários e
identificar a necessidade de adaptação e/ou mitigação visando reduzir qualquer
vulnerabilidade decorrente dos riscos climáticos. Basicamente, esta abordagem
apresenta 7 passos (Carter et al., 1994; IPCC, 2001), conforme Figura 2.4 a
seguir.
Figura Erro! Nenhum texto com o estilo especificado foi encontrado no documento..4. Método dos 7 passos
de avaliação de impactos. As setas de retorno indicam que os passos podem ser repetidos (Carter et
al., 1994; IPCC, 2001; Parry & Carter, 1998).
No contexto da abordagem acima, pode-se detectar que, de maneira geral, um
esforço razoável é dedicado na caracterização das projeções climáticas, a análise
de sua incerteza, na escolha de modelos climáticos que representem o clima de
uma região, mas pouca atenção ou nenhuma é dada às concepções de medidas
adaptativas robustas ao espectros de climas possíveis. Isto vem mudando
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lentamente nas últimas décadas. Esta abordagem é também conhecida na
literatura inglesa como abordagem Top-Down, pois a informação vai, em
sequência, de um nível a outro, com os cenários de emissão, modelo climático,
método de regionalização, modelo de impactos, e assim por diante, percorrendo
todos os níveis, conforme apresentado na Figura 2.4.
Embora esta abordagem seja a mais amplamente empregada pela comunidade
científica, poucos exemplos podem ser identificados de decisões ligadas à
adaptação planejada ou antecipada usando este caminho (Wilby & Dessai, 2010).
Isto pode ser explicado pela cascata de incerteza da Figura 2.5. A amplitude, ou
envelope, de incerteza se expande ao passarmos de um nível a outro, chegando
no último nível a ser tão amplo que pode não ajudar muito no planejamento de
longo prazo. Neste caso, maior esforço deve dedicado em identificar os cenários
mais importantes e as ferramentas disponíveis.
Figura 2.5. Uma cascata de incerteza provém de diferentes percursos sócio-econômicos e demográficos, a
sua tradução em concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera (GEE), expressa resultados
climáticos em modelos globais e regionais, a tradução para os impactos locais sobre os sistemas naturais e
humanos, e as respostas de adaptação implícitas . O aumento do número de triângulos em cada nível
simboliza o crescente número de permutações e, consequentemente, a expansão do envelope de incerteza.
Por exemplo, mesmo os modelos hidrológicos relativamente confiáveis podem produzir resultados muito
diferentes, dependendo dos métodos (e dados observados) utilizados para a sua calibração. (Wilby &
Dessai, 2010).
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Ao nível nacional, ou até mesmo regional, é desejável que estes estudos de
impactos sigam uma mesma linha mestre metodológica, com suposições e
procedimentos consistentes, permitindo assim a comparação entre os estudos, e
possibilitando a identificação de um elenco amplo de respostas ao nível nacional
e regionais. Entretanto, Wilby & Dessai (2010) enfatizam que já existem regiões
no planeta sob muito estresse devido à variabilidade climática atual e fatores
sócioeconômicos, o que coloca em questão o valor destes cenários de mudanças
climáticas de alta resolução para o planejamento de longo prazo, pois metas de
desenvolvimento para o curtíssimo prazo já estão comprometidas. Parece
evidente a necessidade de outras alternativas de como a informação de risco
climático deve ser incorporada no planejamento da adaptação e desenvolvimento
(Dessai et al., 2005). Wilby et al. (2009) e Wilby & Dessai (2010) apontam,
conforme já mencionado, a existência de abordagens complementares que
subsidiam o processo de preparação à adaptação. Assim, não se deve ser tão
rígido em estabelecer uma única via para se entender os passos necessários à
adaptação. Estas alternativas serão discutidas em uma seção posterior.
2.3 LACUNAS DE CONHECIMENTOS NA CENARIZAÇÃO DE MUDANÇAS DE
CLIMA NO BRASIL
As mudanças do clima afetarão a vida das pessoas e ecossistemas em todo o
planeta e que essas mudanças tem efeitos nos mais diversos setores - na saúde,
na economia, na biodiversidade, na disponibilidade de recursos naturais, energia,
entre outros. Vem daí a natureza interdisciplinar e transversal da temática
“mudanças climáticas”. Uma pesquisa inicial no diretório de grupo de pesquisas
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
censo de 2010, mostra que mais de 200 grupos de pesquisas atendem à busca
pelas palavras-chave “mudanças climáticas”. As áreas de conhecimento às quais
pertencem esses grupos de pesquisa encontrados são diversas e perpassam
estudos em ciências sociais, saúde e ciências exatas e da Terra, para citar os
mais frequentes. Essa pluralidade pode trazer uma vasta e abrangente produção
de conhecimento científico mas pode também deixar lacunas. Surge o
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questionamento sobre o alcance desse conhecimento produzido: Quais questões
ainda não são investigadas? Qual vertente dessa temática demanda mais
respostas? Um entendimento do estado da arte das pesquisas em mudanças
climáticas contribuiria para o preenchimento destas lacunas na compreensão
desse fenômeno e suas implicações e seria fundamental para auxiliar tomadas
de decisões e pautar pesquisas futuras.
Ainda há muito a ser explorado em termos da física desse fenômeno climático e
ainda mais sobre seus desdobramentos. Como mencionado anteriormente, de
maneira geral, a grande maioria dos estudos em mudança climática focam na
estimativa de impactos, seguidos de investigações referentes à adaptação, em
número bem inferior; e, em números mais tímidos, os estudos voltados à
mitigação desses impactos (Wilby & Dessay, 2010). No Brasil estes números são
ainda mais tímidos, ficando a grande maioria dos estudos na análise das
incertezas das projeções, ou, quando muito, na avaliação dos impactos, não
avançando nas propostas de adaptação e muito menos avaliando-as.
WILBY (2009) ilustra o fato de que também as incertezas precisam ser
consideradas quando falamos de cenários climáticos: 82% dos cenários indicam
diminuição nas vazões, resultando na possível diminuição da oferta de água na
ocasião do pico das demandas. Dessa forma, as opções por parte dos gestores
de recursos hídricos seriam obter novas fontes de água, economizar/armazenar
essa água, ou ambos. Entretanto, o que fazer a respeito dos 18% de chance de
aumento nessas vazões? Investimentos em infraestrutura feitos com base
somente um cenário de deficiência hídrica resultariam em custos elevados
resultado de uma adaptação ineficiente. A grande questão, nesse exemplo, é a
complexidade do processo de cenarização das mudanças climáticas e os
benefícios de testar a sensibilidade dos processos decisórios em adaptação a
essas mudanças.
A visão setorial dessa questão nos possibilita pensar cenários mais plausíveis e
traz a chance de obter respostas mais efetivas sobre a situação dos recursos
hídricos no Brasil frente aos desdobramentos das mudanças no clima. Em
recursos hídricos, boa parte dos esforços em identificar as mudanças no clima
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futuro se concentram nas análises do impacto da precipitação e temperatura
(UFCE, 2014; Willems & Vrac, 2011; Lázaro, 2011). Estudos focados nos
impactos sócio econômicos da mudança na disponibilidade hídrica (Pachauri &
Reisinger, 2007) e alternativas de mitigação são escassos, comparativamente, e
no Brasil praticamente inexistentes.
Há um consenso de que a temperatura aumentará em todo o século XXI,
sobretudo nos últimos 30 anos do século.
Se levarmos em consideração os
resultados dos modelos globais do Coupled Model Intercomparison Project 5
(CMIP5), utilizados pelo IPCC, essa concordância estará bem ilustrada,
especialmente para os cenários RCP 4.5 e RCP 8.5 (Figura 2.6). Essa
convergência de resultados, entretanto, não se aplica aos cenários climáticos de
precipitação. De forma geral, os estudos mostram que há grande variação nessa
estimativa: há tendência tanto de aumento quanto de diminuição, os modelos
apontam para todo tipo de possibilidade em termos de projeções da precipitação,
e essa variabilidade fica bem evidente em escalas regional e local (Figura 2.7).
Precipitação e temperatura são as forçantes mais relevantes à disponibilidade de
recursos hídricos. No Brasil, a disponibilidade de água tem relação muito
intrínseca com o setor energético, dadas as características da matriz energética
brasileira (baseada essencialmente na produção hidroelétrica) (EPE, 2013); com
os impactos socioeconômicos, sobretudo na região nordeste do Brasil,
historicamente vulnerável à escassez de água e degradação do solo; com a
biodiversidade e produção agrícola.
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Figura 2.6 Exemplo de anomalia percentual da temperatura média sobre a bacia do Rio São Francisco
para os cenários RCP4.5 e RCP8.5, respectivamente, de 2011 a 2100. Fonte: UFCE (2014)
Figura 2.7. Exemplo de anomalia de precipitação (em mm) sobre a bacia do Rio São Francisco para os
cenários RCP4.5 e RCP8.5, respectivamente, de 2011 a 2100. Fonte: UFCE (2014)
Considerando todas as incertezas inerentes às projeções de precipitação para o
século XXI, podemos concluir, como em Tundisi (2008) e IPCC (2007) que o
grande problema a ser enfrentado é de gerenciamento dos recursos hídricos,
mais do que a vulnerabilidade da disponibilidade hídrica. Esses cenários de
mudança trazem também a incerteza de que o planejamento e atual estrutura de
gestão da água será aplicável ao clima futuro. A título de ilustração, no Brasil, a
vazão média anual dos rios equivale a 12% (179.000 m 3 s-1) da disponibilidade
hídrica mundial (1,5 milhões de m3 s-1) (ANA, 2004).
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Um breve levantamento das publicações científicas no Brasil mostra que os
estudos em impactos de mudança climática nos recursos hídricos são
conduzidos, em sua maioria, sobre a questão das águas superficiais. No entanto,
mudanças na precipitação, temperatura e, consequentemente, evaporação
(Mitchell et al., 2002), afetarão também a recarga nos aquíferos, interferindo,
assim, na disponibilidade de águas subterrâneas (PBMC, 2013, Kundzewicz et al.,
2007 e Doll & Florke, 2005).
Da mesma forma, estudos relacionados à qualidade da água, como uma variável
que pode ser impactada pelas mudanças climáticas (Wilby et al., 2006; PBMC,
2013) parece ser pouco explorados. A água não é distribuída de maneira uniforme
ao longo do território nacional. Tanto a deficiência quanto a excedência de água
podem resultar dos impactos das mudanças no regime de precipitações e
impactos na qualidade da água são previsíveis nos dois casos.
Há muita incerteza associada à questão da distribuição espacial e temporal dos
recursos hídricos no continente, representando obstáculo ao planejamento e
gerenciamento da água (Marengo, 2008; Tundisi, 2008). Supõe-se geralmente
que as principais fontes de incerteza estão ligadas aos resultados dos Modelos de
Circulação Geral (MCGs) e aos Cenários de Emissões (GEE). Outras fontes de
incerteza, entretanto, como a escolha de um método de redução de escala, tem
recebido menos atenção. (Chen et al., 2011). Ainda deve ser considerada a
incompatibilidade da escala espacial e temporal entre as saídas dos modelos
climáticos e a pequena escala em que as investigações de impactos hidrológicos
são realizadas (Willems, 2011). A estratégia de regionalizar (downscaling), ou
seja, transformar as projeções na escala dos MCGs em cenários de resolução
mais fina vem sendo empregada no Brasil, sejam estes downscaling estatístico
(Banco Mundial, 2013) ou dinâmico.
Estas são questões que precisam ser aprofundadas na elaboração dos cenários
de clima futuro. Diretrizes para elaboração desses cenários em recursos hídricos
serão discutidas a seguir.
18
______________________________________________________________
2.4 DESENVOLVIMENTO DE CENÁRIOS
Nesta seção, são discutidos aspectos relativos a seleção e construção de
cenários para uso em estudos de avaliação de impactos ou adaptação. Na
construção destes cenários deve ficar claro que não é apenas o clima que muda
no futuro, mas também os sistemas socioeconômicos e ambientais, mudanças
estas que devem ocorrer mesmo na ausência de mudanças climáticas. Logo, fazse necessário identificar, em separado, as mudanças futuras nestes sistemas
relacionadas às mudanças climáticas e aquelas não relacionadas a estas, ou
seja, mudanças que ocorreriam nestes sistemas na ausência das mudanças
climáticas. Poderíamos assim estruturar o processo de desenvolvimento de
cenários em três etapas (Ver Figura 2.8 a seguir, adaptada de Parry & Carter,
1998):
i. Desenvolver linhas de base que descrevam as condições climatológicas,
sócioeconômicas e ambientais atuais;
ii. Projetar as mudanças futuras nos sistemas socioeconômicos e ambientais
para a região de estudo na ausência de mudanças climáticas;
iii. Construir cenários futuros para os sistemas socioeconômicos e ambientais
que sejam consistentes com os cenários de clima futuro. Esta etapa é um
desafio, principalmente quando os horizontes são muito distantes do
presente. Neste caso, é quase certo que as incertezas nos cenários futuros
destes dois sistemas, socioeconômicos e ambientais, dominem aquelas
associadas aos cenários futuros de clima.
Os impactos das mudanças climáticas podem então ser computados como a
diferença entre as condições futuras sob mudanças climáticas e as condições
futuras na ausência das mudanças de clima. Assim, o desenvolvimento das
Linhas de Base Corrente (ou Fixa) e Futura, esta última na ausência das
mudanças climáticas, são fundamentais à avaliação de impactos. A Figura 2.8
ilustra o processo de avaliação de impactos, o qual considera diferentes hipóteses
sobre as linha de base e os vários tipos de adaptação. Na Figura 2.8a os
impactos I1 correspondem aos efeitos cumulativos às mudanças de clima futuro
em um dado setor, assumindo-se uma linha de base fixa, ou seja, não se
19
______________________________________________________________
considera mudanças concomitantes nos sistemas socioeconômicos e ambientais,
ou mesmo, tecnológicas. Os impactos I2, por sua vez apresentados na Figura
2.8b, são avaliados tendo como referência a Linha de Base Futura, a qual
considera as mudanças nos sistemas socioeconômicos e ambientais, assim como
mudanças tecnológicas, na ausência das mudanças climáticas. Por último, a
Figura 2.8c que mostra como os impactos negativos I2 podem ser reduzidos,
chegando ao nível I3, em função das adaptações realizadas por aqueles sistemas
e os avanços tecnológicos que ocorrem na expectativa ou em resposta às
mudanças de clima (Parry & Carter, 1998).
(a) Impactos das mudanças climáticas
relativas à Linha de Base Fixa (LB
Fixa): I1.
(b) Impactos das mudanças climáticas
relativas à Linha de Base Futura (LB
Futura): I2.
20
______________________________________________________________
(c) Impactos das mudanças climáticas
relativos à Linha de Base Futura com
Adaptação (IFNM - Adaptação): I3.
Figura 2.8. Linhas de Base para Avaliação de Impactos às Mudanças de Clima (Adaptado de Parry & Carter,
1998).
Em estudos clássicos de projeções de demandas por água não são, em geral,
levados em consideração as mudanças de clima, ou seja, estes cenários futuros
de demanda podem ser considerados a Linha de Base Futura. Os impactos dos
cenários futuros de demanda (Linha de Base Futura) podem então ser
computados como a diferença entre indicadores obtidos a partir das simulações
do sistema hídrico, responsável pelo atendimento destas demandas, sob
condições futuras (Linha de Base Futura) e os correspondentes indicadores
obtidos a partir de simulações sob condições atuais (Linha de Base Fixa ou
Corrente): I4 (Ver Figura 2.8c).
Uma alternativa de cenarização neste contexto seria a combinação dos cenários
de clima e demanda conforme a Tabela 2.2 a seguir. Nesta tabela, o clima
presente é representado pelo símbolo
presente pelo símbolo
, o futuro por
e a futura por
, enquanto que a demanda
. Usando esta simbologia tem-se para
cada cenário de clima futuro: Linha de Base Presente ou Fixa (
Base Futura (
), Linha de
), Linha de Impactos Futuros Não Mitigados (IFNM) (
). Os
cenários de clima aqui utilizados são os cenários das forçantes radiativas, ou
Caminhos de Concentração Representativa (Representative Concentration
Pathways - RCPs). Estes cenários serão discutidos posteriormente.
21
______________________________________________________________
Tabela 2.2. Exemplo de Cenarização de Clima e Demanda (ou sócio-econômica) em Estudos de
Impactos das Mudanças de Clima sobre o Setor de Recursos Hídricos.
CLIMA
Demanda
(1971-2000)
C0
RCP 3,0
C1
RCP 4,5
C2
RCP 6,0
C3
RCP 8,5
C4
D0 ( )
D1 ( )
D2 ( )
Utilizando esta estratégia, os impactos tipo I1 seriam obtidos a partir das
diferenças entre algum indicador de performance sob condições de cenário futuro
com o efeito das mudanças climáticas (Linha de Impactos Futuros Não Mitigados
- IFNM:
Base Fixa:
) e o mesmo indicador sob condições de cenário presente (Linha de
). Os impactos tipo I2 seriam identificados, por sua vez, a partir das
diferenças entre algum indicador de performance sob condições de cenário futuro
(Linha de Impactos Futuros Não Mitigados - IFNM:
) e o mesmo indicador sob
condições de cenário futuro sem efeito das mudanças climáticas (Linha de Base
Futura:
). Uma vez que medidas adaptativas fossem identificadas, seria
possível o cálculo dos mesmos indicadores sob cenário futuro de clima/demanda,
mas agora com a implementação destas medidas. As diferenças entre os
indicadores sob condições de cenário futuro (Linha de Impactos Futuros Não
Mitigados - IFNM:
) e os correspondentes sob condições de cenário futuro
mais adaptação resultaria na impactos das mudanças climáticas relativos à Linha
de Base Futura com Adaptação (IFNM - Adaptação): I3.
2.4.1 A linha de base atual - o presente
Para podermos avaliar os impactos das mudanças climáticas futuras com relação
ao presente, precisa-se estabelecer as condições de Linhas de Base Atual para a
climatologia, sistemas socioeconômicos e meio ambiente.
A linha de base climatológica atual deve, entre outras características, ser
representativa do passado recente. Assim sendo, o período a ser utilizado não
pode ser tão distante do presente e de duração suficiente para caracterizar a
variabilidade do clima da região de estudo, incluindo um número de eventos
22
______________________________________________________________
significativos de tempo. Este último é de particular importância se estamos
interessados em estudar as mudanças em características sub-diárias ou diárias.
O período escolhido também deve levar em conta a disponibilidade de dados em
termos temporais e espaciais das principais variáveis meteorológicos. No caso do
Brasil um período com uma disponibilidade espaço-temporal adequada de dados
meteorológicos da rede convencional, combinada com a automática, é o período
de 1961 a 1990, mas este já se encontra a 24 anos do presente. Mais
recentemente o Sistema Meteorológico Nacional tem utilizado o período que vai
de 1979 a 2008. Grande atenção tem sido dada ao desenvolvimento de uma base
global de dados em grade de alta resolução para estudos de mudanças
climáticas. Entre estas bases pode-se citar a base CRU TS v. 3.22 (Harris et al.,
2014), a qual abrange todas a superfície terrestre do globo (excluindo Antártica)
com dados sob a forma de grade a uma resolução de 0,5o e com as seguintes
variáveis disponíveis para o período de 1901-2013 ao nível mensal: precipitação,
temperatura média, temperaturas mínima e máxima, amplitude diária de
temperatura, pressão de vapor, cobertura de nuvens, frequência de dias úmidos,
frequência de dias com geada e evaporação potencial.
A caracterização presente de como fatores não climáticos, sejam estes
ambientais ou socioeconômicos, afetam um dado setor, no caso em estudo o
setor de recursos hídricos, é também de suma importância à avaliação dos
impactos das mudanças climáticas sobre o referido setor. Assim, faz-se
necessário estabelecer as linhas de base ambientais e socioeconômicas
atuais para tal avaliação. Alguns exemplos de atributos utilizados nestas linhas de
base são fornecidos a seguir:
i. Linha de Base Ambiental: concentração atmosférica média de CO 2 em um
dado ano; características fisiográficas; pH médio do solo em uma estação ou
nível do mar médio. Pode ser necessário representar não somente a média,
mas também a variabilidade na linha de base visando considerar as
flutuações espaço-temporais dos fatores ambientais;
ii. Linha de Base Socioeconômica: geográficos (uso da terra, comunicações);
tecnológico (controle de poluição), gestão (uso de fertilizantes), legislação
23
______________________________________________________________
(padrões de qualidade do ar), econômico (níveis de renda), sociais
(população) ou político.
Mesmo que não utilizados, ou necessários, em um estudo de impacto específico,
é de interesse documentar estas condições ambientais e socioeconômicas, de
linhas de base.
2.4.2 Horizonte das projeções e recorte espacial
A seleção do horizonte temporal é crítica para qualquer estudo de avaliação de
impactos, e deve considerar a relevância do horizonte escolhido relativa aos
impactos e à adaptação, os limites das projeções e a compatibilidade das
projeções de clima, ambientais e socioeconômicas consideradas no estudo. Em
particular, para o setor de recursos hídricos, o horizonte em estudos de impactos
das mudanças climáticas sobre a alocação de água é altamente restrito ao
horizonte factível, ou realístico, das projeções de demanda, o que em geral é de
25-35 anos com alguns estudos chegando a 50 ou até mesmo 75 anos.
A maioria das simulações de MCGs foram realizadas para períodos até 100 anos,
devido principalmente às grandes incertezas associadas às projeções de clima
futuro de longo prazo, assim como limitações computacionais. Em alguns poucos
casos, estas simulações se estenderam a vários séculos. Por isso mesmo, os
estudos de impactos se limitam a este horizonte de tempo superior, em geral,
2100,
sendo
que,
uma
vez
que
pretende-se
manter
as
projeções
socioeconômicas e ambientais realísticas, trabalhar com horizontes além de 35
anos não parece factível. De outro lado, o horizonte não pode ser muito curto,
uma vez que não será possível detectar as mudanças variabilidade de processos
importantes do clima, bem como os seus impactos associados, o que torna
praticamente impossível identificar respostas em termos de políticas públicas. Ou
seja, a escolha do horizonte deve respeitar tanto os limites da abordagem de
impactos utilizada, como também ser relevante para o objetivo último que é a
elaboração de políticas públicas ligadas à adaptação de um dado setor. Um outro
ponto importante é a compatibilidade das projeções, tanto em termos espaciais
como temporais, uma vez que mudanças nos sistemas ambientais e
24
______________________________________________________________
socioeconômicos refletem no sistema climático e vice-versa. As projeções dos
sistemas climático, socioeconômico e ambientais estão, em algum nível,
relacionadas entre si.
Em termos espaciais, o recorte especial de interesse está fortemente relacionado
aos objetivos do estudo. Em estudos ao nível nacional os objetivos podem ser
diretamente ligados à identificação das bacias mais impactadas pelas mudanças
de clima em uma dada variável de interesse do setor (disponibilidade hídrica,
cheias, secas, ...) de modo a hierarquizar estudos específicos em bacias
hidrográficas estratégicas visando a posterior adoção de medidas adaptativas
nestas bacias. Neste caso, o interesse seriam as doze grandes regiões
hidrográficas como definidas pela Agência Nacional de Águas (ANA): Região
Hidrográfica Amazônica, Região Hidrográfica do Tocantins-Araguaia, Região
Hidrográfica Atlântico Nordeste Ocidental, Região Hidrográfica do Parnaíba,
Região Hidrográfica Atlântico Nordeste Oriental, Região Hidrográfica do São
Francisco, Região Hidrográfica Atlântico Leste, Região Hidrográfica do Paraguai,
Região Hidrográfica do Paraná, Região Hidrográfica do Sudeste, Região
Hidrográfica do Uruguai e Região Hidrográfica Atlântico Sul.
No caso de estudos visando à identificação de medidas em uma dada bacia, o
recorte espacial deve ser o da bacia em estudo, incorporando-se neste recorte
áreas conectadas ao mesmo, como por exemplo, bacias conectadas por projetos
de transposição. Dependendo do objeto do estudo, as análises dos sistemas
hídricos, com relação a uma dada variável de interesse do setor, devem ser
realizadas de forma integrada, levando-se em consideração as ligações entre
bacias via transposição.
25
______________________________________________________________
2.4.3 Projetando as tendências ambientais e sócio-econômicas na ausência
de mudanças climáticas - a linha de base futura
O desenvolvimento de uma Linha de Base Futura sem efeito de mudanças
climáticas é crucial para a identificação dos efeitos marginais relativos às
mudanças de clima sobre um dado setor, conforme já demonstrado no início
desta discussão. As mudanças nos sistemas ambientais e socioeconômicos
ocorrerão, mesmo na ausência de mudanças climáticas, sendo estas também
impactantes no setor de recursos hídricos.
Alguns exemplos de mudanças nos sistemas ambientais incluem desmatamento,
mudanças nos níveis de águas subterrâneas e mudanças em poluição do ar,
água e solo. Estas mudanças nos sistemas ambientais estão intimamente
relacionadas com as mudanças nos sistemas socioeconômicos, devendo, por
esta razão, os cenários de projeção destes sistemas serem consistentes entre si.
As projeções destas mudanças podem até existir, mas na grande maioria das
vezes são baseadas em pareceres de especialistas. Como estas projeções são
necessárias para planejamento, projeções oficiais existem, sejam estas ao nível
estadual ou federal. As projeções disponíveis têm horizontes variáveis em função
do fator sendo analisado, variando de vários anos até décadas, podendo em
alguns casos atingir um século (população).
2.4.4 Cenários climáticos e sua seleção - o clima futuro
Cenários Climáticos Baseados em Emissões (SRES) e em
Forçantes Radiativas (RCPs)
A tipologia de cenarização climática empregada no Relatório de Avaliação 4
(AR4) do Painel intergovernamental em Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) está
baseada no Relatório Especial sobre Cenários de Emissões (SRES), lançado em
2000 com base tanto em emissões idealizadas como também em hipóteses
concentração de CO2. Estes cenários caracterizam a forçante relacionada a
gases estufa das emissões e da sensibilidade, capacidade adaptativa e
26
______________________________________________________________
vulnerabilidade dos sistemas sociais e econômicos. Os cenários estão descritos
na seguinte forma de acordo IPCC (2000):
A1 - A família de cenários A1 descreve um mundo futuro de crescimento
econômico rápido, população global que atinge seu pico no meio do século
e diminui a partir dai, e introdução rápida de novas e mais eficientes
tecnologias. As principais questões subjacentes são uma convergência
entre as regiões, capacitação e o aumento das interações culturais e
sociais, com uma redução substancial das diferenças regionais na renda
per capita. A família de cenários A1 se desdobra em três grupos que
descrevem direções alternativas da mudança tecnológica no sistema
energético. Os três grupos de A1 são distinguíveis pela sua ênfase
tecnológica: intensivo uso de combustíveis fósseis (A1FI), fontes de
energia não fósseis (A1T), ou um balanço entre todas as fontes (A1B).
A2 - A família de cenários A2 são coerentes com um mundo mais dividido
economicamente,
com
economias
não
autosuficientes,
populações
crescentes continuamente e mais orientado para o desenvolvimento
econômico regional.
B1 - A família de cenários B1 são coerentes com um mundo convergente e
mais atento às questões ambientais. Esta família é caracterizada por:
1. Um rápido crescimento econômico como na família A1, mas com
mudanças rápidas no sentido de um serviço e economia da informação; 2.
Um aumento da população de 9 bilhões em 2050 e depois declinando; 3.
Reduções da intensidade material e a introdução de tecnologias limpas e
de recursos de tecnologias eficientes; e 4. ênfase em soluções globais para
a estabilidade econômica, social e ambiental.
B2 - Esta família de cenários descreve um mundo em que a ênfase está
em soluções locais para a sustentabilidade econômica, social e ambiental.
É um mundo com o aumento da população global continuamente a uma
taxa menor do que A2, níveis intermediários de desenvolvimento
econômico e mudança tecnológica menos rápida e mais diversa que nas
27
______________________________________________________________
famílias B1 e A1. Enquanto o cenário também é orientado para a proteção
ambiental e equidade social, centra-se em níveis locais e regionais.
Os cenários SRES foram empregados pelos Modelos de Circulação Geral com
Acoplamento entre Oceano-Atmosfera (MCGAOAs) integrantes da fase 3 do
Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados (CMIP3), os quais serviram de
base para o Relatório de Avaliação 4 do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC, 2007). Por simplicidade, os MCGAOAs serão referidos apenas
como MCGs. A Figura 2.9 apresenta os cenários SRES e as representações
diferentes de modelos de desenvolvimento.
Figura 2.9. Cenários SRES e diferentes representações de modelos de desenvolvimento
(Fonte: IPCC, 2007).
Já a tipologia empregada no Relatório de Avaliação 5 (AR5) do Painel
intergovernamental em Mudanças Climáticas (IPCC, 2013) mudou de uma
abordagem baseada em cenários de emissões (Cenários do Special Report on
Emission Scenarios - SRES) para os cenários das forçantes radiativas
(Representative Concentration Pathways - RCPs). No caso da nova tipologia de
cenários, os RCPs foram selecionados e definidos como forçante radiativa total, a
qual representa uma medida das emissões de gases estufa em Watts/m2.
28
______________________________________________________________
Tabela 2.3. Sumário dos Caminhos de Concentração Representativos (RCPs; Moss et al.,
2008).
CENÁRIO
RCP 8,5
RCP 6,0
RCP 4,5
RCP 3,0 PD2
Descrição
Caminho crescente da força radioativa levando a 8,5 W/m²
em 2100.
Estabilização em 6 W/m² após 2100
Estabilização em 4,5 W/m² após 2100
Pico na forçante radiativa em ~ 3 W / m² antes de 2100 e
declínio
Os RCPs são conjuntos consistentes de projeções apenas dos componentes da
forçante radiativa (a mudança no equilíbrio entre a radiação de entrada e saída
para a atmosfera causada principalmente por alterações na composição
atmosférica) que se destinam a servir como entrada para a modelagem climática.
Ou seja, não são cenários integrados que incluem projeções socioeconômicas, de
emissões e climáticas. O fato central nesta nova tipologia é que qualquer caminho
(RCP) pode resultar de um espectro amplo de cenários de desenvolvimento
socioeconômico e tecnológico. A Tabela 2.3 apresenta um sumário dos cenários
RCPs.
A vantagens dos RCPs, relativo aos SRES, é que os mesmos representam um
amplo espectro de realizações de clima, baseadas na revisão de literatura, não
sendo previsões ou resultantes de recomendações ligadas a políticas públicas.
Apesar de não existir uma correspondência direta entre as duas cenarizações, é
possível tentar uma aproximação a partir da comparação da variação de aumento
da temperatura no futuro, relativo ao presente, entre os dois cenários. Assim, para
o ano de 2100, o cenário B1/SRES seria correspondente ao RCP4.5, sendo este
a representação de um aumento na forçante radiativa em 4,5 W/m 2. Quanto ao
A2/SRES, ao compararmos com os cenários RCPs, verifica-se que a variação no
seu aumento de temperatura em 2100, relativo ao presente, engloba as variações
correspondentes dos RCPs 6 e 8,5 W/m2, não havendo assim uma
correspondência entre as duas tipologias de cenários. A Figura 2.10 ilustra esta
tentativa de correspondência entre os RCPs e SRES.
A Figura 2.11 tenta fornecer uma visualização da cascata de incerteza em
projeções da temperatura média de superfície global usando as simulações do
29
______________________________________________________________
CMIP5, cada cor representando um caminho de emissões futuras diferente (RCPs
na camada superior). Em um RCP em particular, ou seja, sob uma mesma
forçante pode-se visualizar diferentes respostas correspondentes a diferentes
modelos (camada intermediária). A camada inferior da pirâmide ilustra o papel da
variabilidade climática interna. Isto pode ser visto como incerteza adicional para
aqueles modelos que têm múltiplas rodadas para o mesmo caminho de forçante
(RCP), mas muitos modelos não possuem estas múltiplas rodadas.
Pode-se observar que a importância relativa dos RCPs em relação à incerteza da
resposta do modelo aumenta a medida que avançamos no horizonte temporal,
sendo
a incerteza na resposta dos modelos mais importante nas primeiras
décadas, enquanto que, ao final do século, a incerteza do RCP tende a dominar
mais. Se cada simulação (camada inferior) fosse utilizada para forçar um modelo
climático regional ou um modelo de impacto, então uma camada adicional poderia
ser adicionada para representar o próximo passo na cascata. Esta forma de
visualização é importante para fornecer a importância relativa das diferentes
fontes de incerteza nas projeções climáticas.
Figura 2.10. Correspondência entre os cenários RCPs, a esquerda, e os cenários SRES, a
direita. (Adaptado de Rogelj et al., 2012)
30
______________________________________________________________
Figura 2.11. A 'cascata de incerteza' na temperatura média da superfície global de
simulações CMIP5 para diferentes períodos de tempo. Os três níveis da pirâmide destacam
a incerteza devido à escolha de RCP, MCGs e variabilidade climática (rodadas ou
realizações). Infelizmente, nem todas as simulações têm várias rodadas, resultando em uma
linha vertical na camada mais baixa. A intersecção na linha superior para cada período de
tempo é a média multi-cenário, multi-modelo, multi-rodada. Fonte: Hawkins (2014).
A Escolha dos Modelos Climáticos Globais para a Cenarização
Existem 28 modelos de centros de pesquisa em modelagem climática global, com
variações dos mesmos que totalizam 61, disponíveis para análises de impactos
das mudanças de clima no projeto CMIP5 (Coupled Model Intercomparison
Project). Estas projeções são divergentes, em particular para o Nordeste do Brasil
e Amazônia (Wilby et al., 2009; Lázaro, 2011; Silveira et al., 2013), sendo assim
importante uma metodologia de seleção dos modelos disponíveis que são
capazes de apropriadamente representar a característica climática de interesse
no clima presente, seja esta o regime sazonal e interanual das chuvas da região,
características de chuvas máximas diárias ou sub-diárias, ou outra dependendo
31
______________________________________________________________
do objetivo do estudo de avaliação de impactos. A representação do regime
sazonal e interanual das chuvas, por exemplo, seria de interesse em estudos de
impactos das mudanças de clima sobre a alocação de água, enquanto
características de chuvas máximas diárias ou sub-diárias seriam de interesse em
estudos de impactos das mudanças de clima sobre as cheias. Também deve ser
considerado na escolha dos modelos, ao lado da representação do clima
presente, no contexto das previsões futuras, o espalhamento da precipitação e
temperatura projetadas sobre a região.
Esta seleção nos permite ao mesmo tempo identificar os mais adequados na
representação do clima presente, segundo a característica de interesse, bem
como eliminar aqueles que não conseguem representar o mesmo. Uma
abordagem multi-modelo pode, como alternativa, utilizar as médias ou medianas
do conjunto de modelos. Em literatura recente é demonstrado que esta
abordagem provavelmente fornece o melhor sinal de mudança climática. De fato,
o viés dos modelos individuais parecem compensar uns aos outros quando
consideramos todos os modelos juntos, representando assim melhor o clima no
período histórico. Entretanto, para fins de adaptação é mais interessante
identificar cenários possíveis aos quais os sistemas sócioeconômicos e
ambientais têm que se adaptar. Assim, usar a média, ou mediana, do conjunto
para representar o clima futuro não parece uma estratégia robusta para
adaptação.
O uso de múltiplos modelos nos permite pensar no desenvolvimento de cenários
probabilísticos (e.g. Stainforth et al., 2005), ainda que o termo “probabilístico” não
seja inteiramente justificado. A utilidade desta informação é questionável, a não
ser em se tratando de decisões de adaptação de altíssimo risco (Hall, 2007). O
contexto probabilístico acima é questionado porque os resultados, até mesmo dos
experimentos mais complexos, são dependentes de fatores como o conjunto de
modelos incluídos no mesmo, assim como, as suposições estatísticas realizadas,
ou seja o projeto do experimento de modelagem. O valor adicionado pelos
cenários
probabilísticos
ao
processo
de
tomada
de
decisão
não
foi
adequadamente testado, exceto por uns poucos estudos pilotos (New et al.,
32
______________________________________________________________
2007). Um outro aspecto a ser ressaltado é que a previsibilidade climática não é a
mesma para todos os locais e isto fica demonstrado pela falta de consenso entre
as projeções climáticas. Uma alternativa ao uso de todos os modelos como
cenários de clima futuros será apresentada no item a seguir (Fator de Mudança
ou Variação Delta).
Para exemplificar a análise da performance dos MCGs em representar as
características de interesse do clima presente, a seguir, é utilizado um estudo de
caso referente ao projeto, ora em andamento, "Adaptação do Planejamento e da
Operação dos Recursos Hídricos à Variabilidade e Mudanças Climáticas na Bacia
Estendida do São Francisco" (UFCE, 2014). Como o referido estudo de caso
refere-se à alocação de água e a escala temporal do mesmo é a mensal,
considerou-se um modelo adequado aquele que conseguisse representar o clima
presente em termos dos valores mensais, da variabilidade sazonal das variáveis
precipitação e temperatura, assim como as variações interanuais destas. Isto
indicaria que o modelo consegue representar os sistemas geradores de chuva e
sua ocorrência. Uma vez estabelecido a característica que os modelos devem
melhor representar, deve-se desenvolver métricas que possam avaliar esta
representação, métricas estas, em geral modificações de métricas estatísticas
clássicas ou combinações destas.
Para avaliação dos modelos faz-se necessário o cálculo da climatologia mensal
média sobre a região de estudo para todos os modelos do IPCC e para as
observações. Em seguida, é feita uma comparação dos modelos com base em
índices estatísticos visando definir os que conseguem melhor capturar a
característica de interesse para a região de estudo.
Neste caso, a raiz do erro médio quadrático percentual e a correlação da
contribuição das chuvas mensais (i = 1, ... n) em relação às anuais para cada
modelo (Pi) com relação às observações (Ai) (Silveira et al., 2011; Lázaro, 2011; e
Silva, 2013).
A raiz do erro quadrático médio percentual (RMSEP) é a raiz quadrada da média
das diferenças individuais quadráticas entre a contribuição percentual mensal das
chuvas modeladas nos totais anuais e a contribuição percentual mensal das
33
______________________________________________________________
chuvas observadas nos totais anuais conforme equação (01) acima. Valores altos
de RMSEP representam grandes erros nos campos previstos, e valores próximos
de zero indicam uma projeção quase perfeita. Elevando ao quadrado o termo da
diferença, o RMSEP tende a dar maior peso às grandes discrepâncias entre os
campos observados e previstos.
1
100.𝑃𝑖
𝑅𝑀𝑆𝐸𝑃 = √𝑛 ∑𝑛𝑖=1 (∑𝑛
𝑗=1 𝑃𝑗
−
100.𝐴𝑖
)
∑𝑛
𝑗=1 𝐴𝑗
2
(01)
Uma alternativa seria a correlação (equação 2), altamente correlacionada com o
RMSEP, e que assume valores entre -1 e 1, os quais representam perfeitas
anticorrelação e correlação, respectivamente, sendo o valor nulo quando a
correlação é inexistente. Esta métrica detecta a existência de algum grau de
relação linear entre duas variáveis, sendo, por construção, insensível a erros de
viés.
𝜌 =
̅
̅
∑𝑖=𝑛
𝑖=1 (𝐴𝑖 −𝐴).(𝑃𝑖 −𝑃 )
̅ 2 𝑖=𝑛
̅ 2
√∑𝑖=𝑛
𝑖=1 (𝐴𝑖 −𝐴) .∑𝑖=1 (𝑃𝑖 −𝑃 )
(02)
Cenários Climáticos baseados em Modelos de Circulação Global
Os Modelos de Circulação Global (MCGs) são a ferramenta primária para
representar o sistema climático global e quase todas as técnicas de cenarização
dependem nas saídas destes. A escolha da técnica de cenarização deve ser
correspondente à aplicação pretendida e levar em conta as restrições de tempo,
recursos, capacidade humana e infraestrutura de suporte. Muito esforço é
realizado na caracterização das projeções climáticas, mas relativamente pouco é
destinado a concepções de medidas adaptativas robustas ao espectros de climas
possíveis. A escolha da técnica deve levar isto em consideração, de modo a
destinar tempo adequado para concepção das respostas adaptativas para o
34
______________________________________________________________
sistema hídrico em análise. A seguir são descritos estes métodos e feitas
considerações sobre suas vantagens e desvantagens.
Fator de Mudança ou Abordagem Delta de Variação
O método de perturbação, fator de mudança ou abordagem delta de variação é
um dos métodos básicos para elaboração de cenários (Prudhomme et al., 2002).
Na sua versão mais simples, o método baseia-se em determinar as diferenças
entre o período de controle, o qual corresponde ao período histórico, e os
períodos de simulação futuros na forma de Fatores de Variação (FV). Uma vez
que estas diferenças são identificadas, elas são aplicadas ao período observado
apenas adicionando ou multiplicando o FV à média climática de cada dia.
Este método é muito simples para ser aplicado a vários MCGs e, como resultado,
vários cenários climáticos podem ser gerados. Contudo, Fowler et al. (2007) lista
algumas desvantagens do método. O método assume que:
i.
os MCGs simulam as mudanças relativas mais precisamente do que os
valores absolutos, ou em outras palavras, MCGs produzem viés constantes
ao longo do tempo;
ii. não existe mudanças nem na variabilidade, nem no padrão espacial do
clima. Os Fatores de Variação (FVs) somente padronizam a média,
máxima e mínima das variáveis climáticas (Diaz-Nieto & Wilby, 2005);
iii. a sequência temporal de dias úmidos permanece inalterada.
Prudhomme et al. (2002) distribui igualmente os aumentos em precipitação entre
os dias chuvosos, mas esta abordagem não foi apropriadamente avaliada. Uma
outra abordagem, atribuída a Harold & Jones (2003), é baseada no ranqueamento
das chuvas diárias dos MCGs para climas presente e futuros. Estes ranks são
então utilizados como fator de escala das séries de precipitação ranqueadas.
A aplicação desta técnica para Precipitação e Temperatura pode ser utilizada
para redução do número de cenários a serem utilizados na avaliação de impactos
em um dado setor. A Figura 2.12 abaixo apresenta FVs de Precipitação em
35
______________________________________________________________
função dos FVs de Temperatura médias anuais para o período 2041-2070 na
Bacia do Médio São Francisco para ambos cenários RCP 4,5 e 8,5. Com o auxílio
desta figura pode-se identificar o amplo espectro de variação das saídas do
conjunto de modelos que representam adequadamente o clima da região em
estudo em termos de precipitação e temperatura. Esta amplitude de saídas pode
ser conceitualizada baseada em quatro quadrantes de pares (precipitação,
temperatura), os quais dentro de um gráfico de dispersão permitem identificar
quatro condições distintas em relação à média da linha de base climatológica.
Estes
cenários
reduzidos
seriam
denominados
como:
+Quente/+Seco,
+Quente/+Úmido, +Frio/+Seco e +Frio/+Úmido. Adicionalmente, ainda seria
identificado um cenário médio/moderado. Observe que não foi tentado associar
aqui probabilidades ou chances a cada um dos cenários individuais representado
por cada modelo climático, mas sim reduzir o número de cenários climáticos de
modo a manter um número mais limitado associados a cenários extremos, de
particular importância em estudos de adaptação. Com um número mais reduzido
de cenário pode-se focar mais intensamente nas estratégias de adaptação, ao
invés da caracterização da incerteza dos cenários climáticos e impactos
associados..
36
______________________________________________________________
Figura 2.12. FVs de Precipitação em função dos FVs de Temperatura médias anuais para o
período 2041-2070 na Bacia do Médio São Francisco para ambos cenários RCP 4,5 e 8,5.
Normalização de Padrões (Pattern-Scaling)
O método de normalização de padrões tem similaridades com a abordagem do
Fato de Variação, anteriormente apresentada. Em ambos os casos, um
"campo"de mudanças ou padrão de variação é derivado tomando-se as
diferenças entre a linha de base climatológica (p.ex., 1971-2000) e o cenário
climático futuro (tipicamente 2071-2100). Os passos abaixo ilustram o método de
como gerar padrões de mudanças climáticas correspondentes a um conjunto de
cenários de emissões e horizontes temporais:
i. Definindo o padrão mestre - A fim de maximizar a relação sinal/ruído, o ideal é
identificar o padrão principal de mudanças em uma variável climática a partir
da média de um bom número de experimentos de multi-modelos climáticos
globais forçados com os mais altos cenários de emissões (p.ex. RCP 8,5) e
para um período remoto (p.ex., 2071-2100);
ii. Normalização do padrão mestre - As mudanças climáticas para cada
elemento de grade são normalizadas pelo aquecimento global médio nos
experimentos de referência a partir do qual o padrão mestre é derivado;
37
______________________________________________________________
iii. Obtenção de escalares - Isto visa determinar a magnitude do aquecimento
global por um período de tempo especificado no futuro para um determinado
cenário de emissões simulado por um modelo climático;
iv. Correção da escala do padrão normalizado - O padrão de mudanças em
variáveis climáticas para um período de tempo especificado no futuro e um
determinado cenário de emissões pode ser obtido multiplicando-se o padrão
normalizado do passo 2 pelo respectivo escalar obtido no passo 3.
Técnicas de normalização de padrões funcionam, em geral, melhor no caso de
temperatura do ar ao nível de superfície e em casos em que o padrão de resposta
possa ser construído de tal forma a maximizar a razão sinal/ruído. Deve-se
ressaltar que embora esta técnica consista de uma maneira conveniente de tratar
a incerteza, ela introduz uma incerteza, a ela inerente e de difícil quantificação,
nos cenários climáticos.
Regionalização Climática
Para uma região específica, as interações do escoamento de grande escala com
forçantes de mesoescala podem ser importantes para padrões climáticos em
escala local a regional. Atualmente, os modelos de circulação geral (MCGs) não
conseguem resolver explicitamente diversos processos físicos do sistema
climático, especificamente de meso e micro escala. Desta forma os MCGs, com
resoluções da ordem de centenas de quilômetros, são insuficientes.
De maneira geral estudos de avaliação de impactos requerem informação
climática em uma escala espacial muito mais fina do que aquela provida por
MCGs, ou até mesmo, do que aquela provida por Modelos Climáticos Regionais
(MCRs). Assim, em estudos de avaliação de impactos das mudanças de clima
sobre, por exemplo, o setor de recursos hídricos, a necessidade ou não de
regionalização depende da combinação resolução dos MCGs utilizados e a forma
e dimensão da bacia hidrográfica em análise. Em última análise, vai depender do
número de pontos dos MCGs escolhidos que estão no interior da bacia, o que
sendo razoável este número, é melhor evitar aumentar a "cascata de incerteza"
38
______________________________________________________________
pela introdução de um novo modelo, ainda que regional (Wilby & Dessai, 2010;
Ver discussão sobre a Figura 2.5 apresentada anteriormente). Deve-se ressaltar a
aparente limitação da regionalização climática, em particular em locais de dados
meteorológicos escassos ou de baixa qualidade, a qual resulta em um pobre
entendimento ou solução das relações entre o clima local e o regional.
Adicionalmente, a regionalização climática de alta resolução pode passar a falsa
impressão de maior precisão, o que não é necessariamente o caso (Dessai et al.,
2009).
Caso seja necessário transformar as projeções na escala dos MCGs, em gerais
grosseiras, em cenários de resolução mais finos, existem várias alternativas:
técnicas Adhocs e downscaling empírico ou dinâmico.
Regionalização Empírica (Downscaling Empírico) - O uso do downscaling
estatístico assume que o clima regional está condicionado pelo estado do clima
de grande escala e características fisiográficas regionais/locais (von Storch, 1999;
Wilby et al., 2004). Neste contexto, um modelo estatístico, relacionando as
variáveis de grande escala (preditores) à variáveis regionais ou locais
(preditandos), é empregado para determinar o clima regional. O downscaling
estatístico assume que:
1. as variáveis preditoras são reproduzidas bem pelos MCGs em uma amplitude
de escalas temporais;
2. a relação preditores-preditando é assumida ser estacionária, ou seja, válidas
tanto para o presente como para os cenários futuros. Hewitson & Crane (2006)
encontrou que o grau de não estacionariedade em mudanças climáticas
projetadas é relativamente pequena.
Um outro ponto importante a ser considerado é a escolha das variáveis
preditoras. Sob o clima presente um preditor pode não ser importante mas
mudanças futuras naquele preditor podem torná-lo muito importante no processo
de identificação de mudanças (Wilby, 1998). Os resultados do downscaling são
também dependentes do domínio do preditor, assim como no número de pontos
de grade utilizados.
39
______________________________________________________________
Existem basicamente três tipos de downscaling empírico utilizadas: modelos de
regressão, esquemas de tipificação de Tempo e geradores de Tempo. Cada
grupo destes cobre uma grande variedade de métodos, mas a hipótese do
downscaling empírico é a mesma, a saber: o clima regional é uma função do
clima de grande escala. Assim, variáveis atmosféricas de grande escala são
utilizadas como preditores e variáveis climáticas regionais são utilizadas como
preditandos. Wilby et al. (2004) apresenta um sumários das vantagens e
desvantagens de cada um destes grupos de técnicas (Ver Tabela 2.4 abaixo).
Vários métodos baseados em regressão têm sido usados para estabelecer
relações lineares ou não-lineares entre os preditandos e a forçante atmosférica de
grande escala, tais como: regressão múltipla (REG), análise de correlação
canônica (CCA) e redes neurais artificiais (RNA), a qual pode ser vista como um
tipo de regressão não-linear.
Esquemas de tipificação de Tempo (WT) basicamente agrupa dias em um número
finito de "estados", os quais são normalmente identificadas por uma análise de
agrupamento ou por algum esquema de classificação subjetiva.
Geradores de Meteorologia (WGs) são empregados para gerar sequências
sintéticas de variáveis climáticas locais preservando suas estatísticas (média,
variância). Em primeiro lugar, a ocorrência de precipitação é representada por um
processo markoviano, e por último, as variáveis de interesse, como a
precipitação, são modeladas condicionalmente à ocorrência de precipitação.
Tabela 2.4. Sumário das vantagens e desvantagens dos três grupos de métodos empíricos
de downscaling (Wilby et al., 2004).
Método
Vantagens
Desvantagens
Representação, em geral,
pobre
da
variância
Métodos de Regressão
De fácil aplicação
observada (necessita algum
(e.g.
regressão
linear,
Emprega amplo espectro de método de correção)
redes neurais artificiais,
variáveis preditoras
Pode assumir lineariedade
análise
de
correlação
Software disponível
e/ou Normalidade dos dados
canônica)
Poor
representation
of
extreme events
Tipificação do Tempo (e.g. Resulta
em
relações Requer atividade adicional
método
dos
análogos, físicamente
interpretáveis de classificação do Tempo
abordagens
híbridas, com o clima da superfície
Esquemas baseados em
classificação fuzzy, mapas Versátil
em
termo
de circulação
podem
ser
auto
organizáveis, preditores
sensíveis
a
forçantes
40
______________________________________________________________
métodos Monte Carlo)
Geradores de Tempo (e.g.
cadeias
de
Markov,
modelos
estocásticos,
métodos de duração de
períodos
secos/úmidos,
tempos de chegada de
tormenta, modelagem de
mistura)
Composição de técnicas
para análise de eventos
extremos
Produção
de
grandes
conjuntos para análise de
incerteza
ou
longa
simulações para extremos
Interpolação espacial dos
parâmetros
do
modelo
usando a pasiagem
Pode gerar informação subdiária
climáticas futuras
Ajuste
arbitrário
dos
parâmetros do clima futuro
Efeitos
não
antecipados
sobre
as
variáveis
secundárias
devido
às
mudanças nos parâmetros
de precipitação
A Tabela 2.5 a seguir apresenta alguns estudos de downscaling empírico que
mostram as diversidades de técnicas empíricas utilizadas nas mais variadas
regiões do globo.
41
______________________________________________________________
Tabela 2.5. Alguns estudos recentes de downscaling empírico. Métodos: ANN – redes neurais artificiais; CCA – análise de correlação canônica;
OTH – outros; REG – métodos baseados em regressão linear; SCA – métodos de escala; SVD – decomposição de valor singular; WG – geradores
de Tempo; WT – tipificação de Tempo. Preditandos: H – umidade; P – precipitação; PE – evaporação potencial; T – temperatura. (Adaptado de
Fowler et al., 2007).
Autores
Banco
Mundial
(2013)
Cañón et al.
(2011)
Abaurrea and
Asín (2005)
Bergant and
KajfezBogataj
(2005)
Diaz-Nieto
and
Wilby
(2005)
Enke et al.
(2005a,b)
Técnica
Localização
Preditando
Autores
Técnica
Localização
Preditando
REG
Northeast of
Brazil
P,T
Cawley et al.
(2003)
ANN
North-west,
UK
P
REG
Sweden
P
REG, WG
Central
Europe
T
SCA, OTH
Washington
and Oregon,
UK
P
SCA, SVD
NW, USA
P
WT
Germany,
Greece
P, T
REG
Netherlands
and Germany
P
MSSA, WG
REG
Southwest,
USA
Ebro Valley,
Spain
P, T
P
Hellström and
Chen (2003)
Huth et al.
(2003)
Salathe
(2003)
REG
Slovenia
P, T
WG
Thames
Valley
P
WT
Germany
P, T
Huth (2005)
REG
Czech Rep.
H
Matulla (2005)
CCA
Austria
P, T
WG
Canada
P, T
REG
Switzerland
P, T
Kysely (2002)
REG
REG
Europe
T
Schoof
and
Pryor (2001)
ANN, REG
Qian et al.
(2005)
Jasper et al.
(2004)
Kettle
and
Thompson
(2004)
Widmann
al. (2003)
et
Bárdossy et
al. (2002)
Beckmann
and Buishand
(2002)
Goodess and
Jones (2002)
Huth
(1999,
2002)
WT
CCA, SVD, REG
Iberian
Penisula
Central
Europe
Central
Europe
Indianapolis,
USA
P
T
T
T, P
42
______________________________________________________________
Tatli et
(2004)
al.
Wood et
(2004)
al.
Penlap et al.
(2004)
REG
Turkey
P
OTH
Pacific North
West, USA
P, T
CCA
Cameroon
P
Goodess and
Palutikof
(1998)
Kidson and
Thompson
(1998)
Widmann and
Schär (1997)
Automated LWT
– Markov
Process
Guadalentin
Basin, SE
Spain
P
REG
New Zeland
P, T
SCA, SVD
NW USA
P
43
______________________________________________________________
Regionalização Dinâmica (Downscaling Dinâmico) - O downscaling dinâmico
utiliza um modelo climático regional (MCR), geralmente com resolução
espacial de dezenas de quilômetros (ou mais fina), com um domínio espacial
focado na região de interesse. Para cada MCG e cenário de emissão, o clima
simulado por este é utilizado para definir o clima na fronteira da região, e
portanto, serve como condição de fronteira lateral para o MCR. Como os
MCRs possuem uma melhor resolução espacial que os MCGs, eles podem
resolver processos locais mais adequadamente, contribuindo para as
projeções de mudanças climáticas sobre aquela região.
Essa abordagem tem a vantagem de reduzir a escala e capturar certos
processos
físicos,
mas
as
simulações
dos
MCRs
são
intensivas
computacionalmente. Dependendo do MCR escolhido, dias de computação
são necessários para anos de simulação, implicando na necessidade de se
reduzir a quantidade de MCGs e cenários de emissão para análise. Neste
caso, torna-se necessário estabelecer algum critério para a escolha dos
MCGs e cenários a partir dos quais será feito o downscaling, levando em
conta aspectos que vão desde a capacidade do modelo em representar o
clima atual até a necessidade de se manter, pelo menos em parte, o
espalhamento do conjunto original de modelos globais e cenários, conforme
já discutido anteriormente.
Neste capítulo, foi apresentado em item anterior, para o presente e cenários
futuros RCPs 4,5 e 8,5, os resultados do downscaling dinâmico com o
modelo regional ETA/CPTEC forçado por três Modelos de Circulação Global:
HadGEM2-ES, MIROC5, ambos do CMIP5/AR5, e o BESM/INPE. O modelo
regional ETA/CPTEC é a seguir brevemente descrito.
Modelo Regional ETA/CPTEC
O modelo atmosférico, nos quais os cenários de mudanças regionais de
clima previamente apresentados foram obtidos, é o ETA/CPTEC, um modelo
em ponto de grade originalmente do National Centers for Environmental
Prediction (NCEP) (Mesinger et al., 1988; Black, 1994). Na horizontal, é
44
______________________________________________________________
utilizada a grade E de Arakawa, e a coordenada vertical é a coordenada h
(Mesinger, 1984), definida por:
(𝑝 − 𝑝𝑡 ) (𝑝𝑟 (𝑍𝑠 ) − 𝑝𝑡 )
𝜂 = [
].[
]
(𝑝𝑠 − 𝑝𝑡 )
(𝑝𝑟 (0) − 𝑝𝑡 )
em que p é a pressão atmosférica, os índices s e t se referem à superfície e
ao topo da atmosfera, respectivamente, o índice r se refere ao valor da
pressão de uma atmosfera de referência e Zs é a altitude da superfície. A
topografia é resolvida na forma de degraus discretos. A coordenada é
baseada em pressão, com o topo a aproximadamente 25 hPa, sendo
aproximadamente horizontal. Isto reduz consideravelmente os problemas nos
cálculos
das
derivadas
horizontais
montanhosas,
problemas
estes,
nas
comuns
proximidades
na
coordenada
de
regiões
sigma,
e
consequentemente os problemas relacionados com o termo importante da
força do gradiente horizontal de pressão.
A integração é feita diariamente utilizando o esquema de particionamento
explícito (‘split-explicit’), sendo a temperatura de superfície do mar atualizado
neste mesmo passo temporal. Os termos de ajuste devido às ondas de
gravidade são tratados pelo esquema ‘forward-backward’, e os termos de
advecção pelo ‘Euler-backward’. As variáveis prognósticas são: temperatura,
umidade, vento horizontal, pressão à superfície, energia cinética turbulenta,
umidade e temperatura do solo e hidrômetros das nuvens.
O modelo inclui como parametrizações a troca vertical turbulenta pelo
esquema de Mellor & Yamada (1982); a radiação de onda longa, segundo o
esquema de Lacis & Hansen (1974) e a radiação de onda curta pelo
esquema de Fels & Schwarztkopf (1975); a água no solo segue o esquema
de Chen; e as chuvas convectivas a partir do esquema Betts-Miller-Janjic
(Janjic, 1994). Modelo de microfísica de nuvens é também incluído no
ETA/CPTEC. O domínio do modelo abrange boa parte da América do Sul.
45
______________________________________________________________
Regionalização
Estatística
vs
Dinâmica
(Downscaling
Dinâmico)
-
Comparação das vantagens relativas de ambas técnicas de downscaling,
estatística e dinâmica, foi sumarizada por Wilby & Wigley (1997) e,
posteriormente, reorganizada por Fowler et al. (2007), como pode-se
observar na Tabela 2.6 abaixo.
Tabela 2.6. Comparação entre o Downscaling Estatístico e o Dinâmico. Adaptado de
Fowler et al. (2007).
Downscaling
Estatístico
Dinâmico
Respostas baseadas em
processos
consistentes
fisicamente
Respostas em resolução mais fina que os MCGs
Pode derivar variáveis climáticas não
disponíveis em MCRs
Facilmente transferíveis a outras
regiões
Baseado em procedimentos estatísticos
padrões e amplamente aceitos
Incorpora observação no método
Requer séries de dados históricas Intensivo
longas e confiáveis para calibração
computacionalmente
Número limitado de conjunto
Dependente da escolha dos preditores
de cenários disponíveis
Dependente das forçantes de contorno
Dependência fortes das
dos MCGs e afetados por viés no MCG
forçantes de contorno dos
utilizado
MCGs
Barato e eficiente computacionalmente
Vantagens
Desvantagens
Embora os métodos empíricos sejam mais fáceis do que os dinâmicos, eles
tendem a subestimar a variância e a representar pobremente os eventos
extremos. Existem estratégias para evitar tal problema: inflação de variância
(Karl et al., 1990), downscaling expandido (Bürger, 1996; Huth, 1999; Dehn et
al., 2000 & Müller-Wohlfeil et al., 2000) e randomização (von Storch, 1999).
Bürger & Chen (2005) mostram, por outro lado, que a inflação de variância
representa pobremente a correlação espacial, que o downscaling expandido
é sensível à escolha do método estatístico usado e que a randomização não
consegue reproduzir as mudanças em variabilidade.
46
______________________________________________________________
2.5 Cenários de água no futuro
O desenvolvimento de novos cenários deve considerar as necessidades dos
usuários (Parson, 2008), sejam estes os: 1. tomadores de decisão que
utilizam os resultados decorrentes dos cenários como informação no
processo de decisão; e 2. pesquisadores que utilizam os cenários de
pesquisadores de outros segmentos como entrada de suas pesquisas. Os
tomadores de decisão estariam interessados em identificar decisões robustas
que levariam a resultados aceitáveis em um amplo espectro do futuro, como
por exemplo: um gestor de recursos hídricos tendo que decidir sobre o
projeto de uma importante infraestrutura face à incerteza do clima e da
demanda futuros. Neste caso, um pequeno conjunto de cenários, variando
em características para as quais o tipo de decisão a ser tomada poderia ser
sensível, é de maior utilidade (Groves and Lempert, 2007). Este pequeno
conjunto de cenários seria derivado de um grande numero de rodadas de
simulações, sendo sua escolha muito particular às condições enfrentadas
pela agência e as políticas sob consideração.
O planejamento de recursos hídricos, tradicionalmente, utiliza projeções nas
principais forçantes da oferta e demanda por água (e.g., população, demanda
d'água per carpita, desenvolvimento tecnológico, produção agrícola, níveis de
produtividade econômica, fatores climáticos, entre outras) visando identificar
possíveis cenários para as demandas futuras por água. A partir das
projeções futuras de demandas é possível identificar os tipos de
infraestruturas que deveriam ser construídas para satisfação destas
demandas. Algumas destas forçantes são totalmente independentes da
política de recursos hídricos, assumindo-se, em geral, que as relações
passadas entre estas forçantes e o uso da água permanecem as mesmas no
futuro. Mais a frente discutiremos as consequências destas suposições.
Este planejamento clássico de recursos hídricos não considera os efeitos das
mudanças de clima, assim como sua interação com as forçantes do uso da
água, nestas projeções, algo que somente mais recentemente vem
despertando o interesse dos tomadores de decisão no Brasil. As mudanças
47
______________________________________________________________
de clima, conforme já mencionado, são projetadas em períodos muito longos
em termos sócioeconômicos, sendo certo que, neste período, tanto economia
como sociedade irão mudar, mesmo na ausência das mudanças climáticas.
Uma das tarefas mais difíceis, por exemplo, é estabelecer projeções futuras
consistentes de demandas por recursos de interesse, e isto é particularmente
verdade em se tratando de demanda por água. Estas não podem ser
pensadas como simples extrapolações ou tendências, pois não levariam em
conta mudanças em preço, tecnologias ou população, e resultará em uma
Linha de Base Futura imprecisa sobre a qual os impactos serão avaliados. A
Figura 2.13 abaixo ilustra as retiradas de água globais históricas (1900-1999)
e cenários futuros de retirada realizados ao longo do tempo (pré-1980 até
1999). Nesta figura as linhas vermelhas mostram as projeções realizadas
antes de 1980, enquanto que as linhas azuis e verdes mostram projeções
realizadas entre 1980 e 1999. As linhas tracejadas pretas mostram três
cenários recentes (Cosgrove & Rijsberman, 2000; Rosegrant et al., 2002; e
UNEP/RIVM, 2004).
Figura 2.13. Retiradas de Água Globais Históricas e cenários futuros de retirada
realizados ao longo do tempo (Fonte: Gulbekian Think Tank, 2014; Adaptado de
Cosgrove, 2013).
48
______________________________________________________________
Os primeiros cenários (linhas vermelhas) tendem a ser baseados em
extrapolações das tendências históricas recentes (ou suposições businessas-usual), enquanto que os mais recentes cenários tipicamente incluem um
espectro mais amplo de suposições que consistem de ações positivas.
Apesar das diferentes abordagens utilizadas nas primeiras projeções (linhas
vermelhas), as estimativas destas erraram as demandas eventualmente
observadas por uma grande margem, pois assumiam que o mundo
continuava a crescer, ou até mesmo, a taxas de crescimento exponenciais
históricas. Muitas destas estimativas eram realizadas independentes da
disponibilidade hídrica regional e, por isto mesmo, os resultados não tinham
lastro na realidade hidrológica das bacias hidrográficas em estudo. As
retiradas de água globais na virada do milênio eram aproximadamente
metade das projeções feitas poucos anos antes. Gleick (2000) sugere que
isto
é
um
indicativo
que
estes
métodos
tradicionais
usados
por
desenvolvedores de cenários não consideram aspectos importantes da
dinâmica do mundo real. Somente as projeções realizadas no período mais
recente (1995-2000) apresentaram taxas de crescimento menores ou até
mesmo reduções em demandas de água. É preciso um melhor entendimento
das forçantes destas mudanças e das interações entre as mesmas para um
melhor estabelecimento dos cenários futuros.
Como discutido anteriormente, os cenários mais recentes incluem um
espectro mais amplo de suposições que consistem de ações positivas, como
por exemplo: potencial na melhoria na eficiência do uso da água, padrões e
tipos de plantio modificados, entre outras. Estes cenários são conhecidos
como Cenários de Água Positivos. Para gerar este tipo de cenarização
pode-se modificar: 1. As suposições das principais forçantes; ou 2. Os
coeficientes de uso da água referentes à produção de bens e serviços,
especialmente na indústria e agricultura, por unidade de água.
Um outra abordagem de cenário para o setor surgiu do interesse pelo
desenvolvimento sustentável e o planejamento integrado de recursos
hídricos, o backcasting. Neste contexto, futuros desejados são descritos e
49
______________________________________________________________
os caminhos de volta do futuro ao presente são explorados (Phdungsilp
2011). Os passos padrões do backcasting são: 1. análise e definição do
problema; 2. desenvolvimento de uma normativa (visão desejável do futuro);
3. criação de um processo para determinar o que é necessário para alcançar
a visão desejada de futuro; 4. elaboração e análise de uma agenda de ação;
5. implementação e revisão da efetividade das ações; 6. avaliação se através
destas ações o futuro desejado é provável de ser alcançado; 7. se
necessário, ajuste um ou outro, ou ambos, a visão e a agenda de ação até
que o resultado desejado seja obtido. Uma das vantagens desta abordagem
é se afastar de forçantes não relacionadas à água, e focar naqueles que são
diretamente influenciados por decisões explícitas da política de recursos
hídricos.
As análises referentes a mudanças do clima, sejam estas de impactos,
adaptação ou de vulnerabilidades, dependem fortemente das suposições
relativas
aos
sócioeconômicos
desenvolvimentos
não
têm
sido
sócioeconômicos
frequentemente
mas
utilizados
cenários
devido
principalmente à variedade de contextos e escalas de tais análises. No
contexto do AR5 (IPCC, 2013) estão sendo desenvolvidos Caminhos
Socioeconômicos Compartilhados (Shared Socio-economic Pathways SSPs; Kriegler et al., 2010) conjuntamente com as simulações climáticas. O
objetivo é gerar caminhos integrados úteis para a avaliação de estratégias de
mitigação, de opções de adaptação e de impactos residuais.
2.7 Oportunidades para avanços na ciência, tecnologia e
informação
O uso de cenários para avaliação de impactos tem crescido sustentadamente
desde a década de 90, mas podemos constatar na literatura pesquisada uma
defasagem de aproximadamente uma década na sua aplicação à adaptação.
Até hoje o esforço científico maior está direcionado na caracterização da
incerteza das projeções climáticas, ao invés das respostas adaptativas
robustas ao espectro de climas possíveis (Wilby & Dessai, 2010). Existe uma
50
______________________________________________________________
desconecção clara entre os provedores e os usuários de informação, e
alguns autores (McNie, 2007) acreditam que isto deve-se principalmente ao
fato dos pesquisadores estarem produzindo muito sobre o tipo errado de
informação. É fato que o uso de modelos climáticos globais não é útil em
informar como adaptar em escalas locais e regionais, necessitando-se de
pesquisas sobre o seu uso na avaliação de impactos, em adaptação, e outros
estudos.
Existe, assim, uma lacuna significativa de conhecimento entre os impactos
das projeções de clima sobre os recursos hídricos e estratégias
governamentais que visam o controle da demanda e a sustentabilidade dos
sistemas hídricos. Esta lacuna é evidente também em escalas temporais
menores, sejam estas sazonal, interanual ou decenal. As oportunidades em
pesquisas que visam melhorar o uso desta informação para o processo de
adaptação vão desde pesquisas nos sistemas de observação, modelagem,
cenarização integrada, sistemas de suporte à decisão que incorporem esta
informação, entre outras temáticas. Como em capítulo posterior serão
discutidos em detalhes muitos destes tópicos, apresenta-se a seguir alguns
dos temas de pesquisa prioritários conforme BASE (2013) e NAP (2010ab,
2012):
Observações de longo período para subsidiar o monitoramento e a
previsão das mudanças hidrológicas e planejar as respostas de gestão - A melhoria no sistema de monitoramento servem tanto aos estudos de
impactos da variabilidade e mudanças climáticas sobre os recursos hídricos,
ao desenvolvimento de modelos e ao planejamento de adaptação. Existe a
necessidade de novas tecnologias para avaliação das componentes do ciclo
hidrológico, assim como a formação de séries temporais em demografia
humana, tendências econômicas, vulnerabilidades às mudanças em
quantidade e qualidade, entre outros aspectos, de tal forma a permitir uma
análise integrada dos impactos das mudanças do clima sobre o sistema
terrestre.
51
______________________________________________________________
Cenários regionais de mudança em componentes do ciclo da água nas
escalas sazonal a multidecenal -- Necessidade de melhoria em pesquisa
para avaliação das mudanças regionais, grandes regiões hidrográficas ou
bacias hidrográficas de interesse estratégico, em precipitação, umidade do
solo, escoamento superficial e disponibilidade subterrânea nas escalas
sazonal e multidecenal.
Ferramentas e abordagens de suporte à decisão sob incerteza -Decisões complexas e sob razoável grau de incerteza fazem parte do
trabalho dos gestores de recursos hídricos. Estas decisões podem ser mais
robustas se investíssemos em modelagens integradas e por conjunto, na
construção de cenários, assim como ferramentas de suporte à decisão na
escolha de alternativas sob incerteza.
Impactos das mudanças de clima sobre os diversos usos da água -- Os
usos da água serão afetados direta ou indiretamente pelas mudanças de
clima, seja, p.ex., pelo aumento da demanda para irrigação, resultante do
aumento da evaporação, ou pela mudança no comportamento do
consumidor, o qual pode apresentar a tendência de usar mais água diante
temperaturas mais altas. Pesquisas voltadas para compreensão de como as
mudanças de clima modificam os diversos usos da água, a economia da
água e os custos de adaptação são necessárias no contexto dos setores
dependentes de água.
Estudos de vulnerabilidade e abordagens integradas de gerenciamento
para efetivamente responder às mudanças nos recursos hídricos -- Os
sistemas antrópico-ambientais são afetados de várias maneiras pelas
mudanças nos recursos hídricos, sendo também afetados por outros
estresses ambientais. Identificar aquelas ofertas hídricas e aqueles sistemas
antrópico-ambientais mais vulneráveis às mudanças climáticas necessita do
desenvolvimento e teste de uma estrutura metodológica, assim como novas
52
______________________________________________________________
abordagens integradoras de gestão dos recursos hídricos e de adaptação.
Adicionalmente, as ações resultantes das decisões tomadas para limitar os
efeitos das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos precisam ser
melhores avaliadas, o que também requer pesquisa específica.
Instituições do setor hídrico e governança, e projeto de modelos
institucionais para o futuro -- Os estresses no futuro que as instituições do
setor hídrico serão confrontadas são múltiplos e interagem entre si, o que
aumenta a complexidade da solução. Visando melhorar a nossa habilidade
de conceber instituições do setor hídrico, pesquisa é necessária em
mecanismos de governança, como p.ex. mercado de águas, parcerias
público-privada, e gestão com foco na comunidade.
Engenharia de recursos hídricos e tecnologias -- Alguns sistemas de
gerenciamento hídricos estão limitados pelas infraestruturas existentes, as
quais são, na maioria, velhas e precisam substituição ou grandes obras de
recuperação.
Assim
deve-se
dar
prioridade
ao
desenvolvimento
e
implementação de: 1. sistemas de distribuição de água mais eficientes; 2.
novas tecnologias para armazenamento de água, oferta, tratamento, e reuso;
3. novas tecnologias voltadas ao usuário final, seja este industrial, agrícola ou
residencial.
Avaliação dos efeitos do uso dos recursos hídricos sobre o clima -- O
clima regional ou local é afetado, a partir das interações superfície terrestreatmosfera, pelas mudanças no uso da terra e água, o que se reflete em
mudanças em evapotranspiração. A melhoria da compreensão da relação
entre o clima local/regional e as mudanças no uso da terra e água é
necessária para o desenvolvimento das respostas de adaptação integradas
ao níveis local e regional.
53
______________________________________________________________
Tendências e processos sócioeconômicos -- Incerteza relativa a
tendências sócioeconômicas pode limitar nossa habilidade em planejar
estratégias de adaptação. Pesquisa deve focar em como levar em
consideração as interações entre ambiente, sociedade e adaptação.
Enquanto
crescimento
pode
ter
efeito
negativo
sobre
variáves
sócioeconômicas, adaptação, por sua vez, pode ter efeitos positivos sobre
estas. Ambos os lados desta relação, assim como a relação em si, são
pobremente investigadas (Bowen et al., 2012).
54
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