Capa recursos humanos Procura-se Mercado de trabalho aquecido gera apagão de mão de obra que atinge em cheio os supermercados [ Por Natalie Catuogno 36 SuperVarejo julho 2011 [email protected] ] shutterstock funcionário julho 2011 SuperVarejo 37 J á não é de hoje que o Supermercado Yamato, com uma loja em São Paulo (SP) e integrante da Rede SuperVizinho, enfrenta dificuldades na contratação de funcionários. Mas de uns três anos para cá a situação vem piorando. “Já são poucos os disponíveis. Desses, uma parte não vem à entrevista, outra só quer saber do salário e alguns outros desistem logo nos primeiros dias”, lamenta a executiva Márcia Nagaoka. A psicóloga da rede Hippo, Karin Moreira Saqueti, empresa com duas lojas em Florianópolis (SC), ressalta que os desafios enfrentados pelo segmento em relação à atração de mão de obra aumentaram muito. Se antes a principal reclamação era a falta de mão de obra qualificada, hoje sumiram os candidatos, qualificados ou não. A rede anuncia em jornais, no próprio site, distribui panfletos em pontos de ônibus e locais de grande movimento, e ressalta vantagens como carga horária de sete horas diárias e não abrir aos domingos. Mesmo assim, não tem conseguido 38 SuperVarejo julho 2011 Paulo pepe/nau Capa recursos humanos preencher a contento as vagas abertas em áreas como limpeza e auxiliar de produção (lavador de pratos, zelador etc.). Os relatos são semelhantes aos que a reportagem ouviu de todos os supermercadistas e associações do setor consultadas por SuperVarejo. Sem nenhuma exceção, os empresários reclamam das mesmas dificuldades. Os problemas mais comuns são demora na contratação, poucos interessados pelas vagas, baixa qualificação, contratados que permanecem no cargo apenas pelo período de experiência, pressão por aumento de salários. Padaria, açougue, confeitaria, frente de caixa e serviços gerais são as seções mais afetadas com o apagão no setor. O fenômeno não é exclusividade do autosserviço e vem solapando praticamente todos os setores da economia e é fruto da geração de empregos que vem batendo recordes e que derrubou a 6,4% o índice de desemprego no País (medido em abril pelo IBGE). Há regiões em que a taxa é ainda menor, como Porto Alegre, com 4,6% de desempregados. “Não podemos falar em julho 2011 SuperVarejo 39 Capa recursos humanos Para Costa, da MG Contécnica, a demanda não é atendida porque, quem não está trabalhando, em geral são candidatos que têm baixa empregabilidade em qualquer área 40 SuperVarejo julho 2011 Calcanhar de Aquiles Apesar de a escassez de mão de obra ser um fenômeno generalizado, há setores que sofrem mais que outros e cada um tem seu ponto fraco, seu calcanhar de Aquiles. Na construção civil, por exemplo, pesa muito a informalidade. Com mais ofertas de trabalho, os trabalhadores tendem a ficar longe de opções em que não haja registro em carteira. Já no caso do varejo, apontam especialistas, o problema é o salário, mais baixo que a média paga por outros setores para o mesmo nível de escolaridade. Com mais opções, possíveis interessados acabam buscando vagas mais bem remuneradas. Desde meados da década de 1990, com a estabilização da moeda, houve significativo aumento do salário mínimo, que era 80 dólares em 1994 e hoje chegou a 300 dólares, lembra o professor do MBA em Varejo da FIA e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), Eduardo Terra. Com isso, o custo dos salários aumentou, e o varejo não conseguiu acompanhar essa majoração, pois é um setor de margens muito apertadas. Resultado: até a construção civil remunera Divulgação pleno emprego, pois os números nos desautorizam, mas é certo que existem mais postos de trabalho que candidatos para essas vagas, o que pode explicar a dificuldade de alguns setores em atrair colaboradores”, explica o técnico do Dieese especializado em mercado de trabalho, Sérgio Mendonça. Trata-se também de um problema estrutural de longa data e que se agrava à medida que escasseiam os trabalhadores disponíveis, sem emprego: falta mão de obra qualificada tecnicamente em diversas áreas, incluindo varejo e construção civil, duas das que mais têm se beneficiado do bom momento da economia brasileira. Segundo o professor do Insper, Guilherme Tiezzi, essa é uma falha conjuntural que ainda não foi resolvida. Há diversos cursos disponíveis para capacitar interessados, mas, por alguma razão, eles não atraem número suficiente de pessoas para dar conta da demanda. “Em geral, quem não está trabalhando está inapto para o trabalho. São candidatos com pouquíssima condição de empregabilidade em qualquer área”, explica o supervisor de RH da MG Contécnica, Renato Costa, empresa que intermedeia contratações para companhias de diversos segmentos, inclusive varejo. São dois desafios com os quais as empresas vêm lidando, portanto: qualidade (que não é necessariamente novo) e quantidade (que se agrava com o mercado de trabalho aquecido e, ao mesmo tempo, torna o desafio da qualidade ainda mais crítico). julho 2011 SuperVarejo 41 Capa recursos humanos passagem: candidatos só param no varejo até arrumar outra área de maior interesse 42 SuperVarejo julho 2011 autosserviço, que aumentaram muito nos anos recentes por causa do crescimento e da profissionalização no setor, também explicam o desinteresse dos candidatos, que preferem um trabalho de segunda a sexta-feira. De passagem Outro detalhe apontado pelos especialistas: o varejo ainda é visto como uma atividade de passagem. Ou seja, em geral, o candidato ou colaborador vai ficando até arranjar outra vaga que lhe interesse mais. “Ninguém tem sonho de trabalhar em supermercado, as pessoas preferem ser funcionárias em lojas do shopping, mesmo também trabalhando aos domingos, porque dá mais status”, avalia Karin, do Hippo. Isso ajuda a explicar por que, além da dificuldade para contratar, os varejistas reclamam de não conseguir manter os funcionários. Todos os especialistas ouvidos pela reportagem relatam que o mercado de trabalho aquecido está gerando também um aumento de rotatividade no setor. Paulo pepe/nau melhor seus funcionários, e a indústria paga em média 50% mais que os varejistas. “Nas grandes redes, 90% dos colaboradores ganham menos de R$ 1 mil por mês”, exemplifica Terra. Em um levantamento informal feito por SuperVarejo, constatou-se que um trabalhador recebe entre 600 e 800 reais mensais para ser operador de caixa ou auxiliar de padaria, confeitaria ou açougue. Se ele for trabalhar como servente de pedreiro, é possível que chegue a receber mais que isso. Quando se tornar pedreiro, pode dobrar os rendimentos. Em relação à mão de obra, indústria e varejo entraram em rota de colisão porque a indústria passou a aceitar colaboradores com menos conhecimento técnico, a fim de treiná-los depois de contratados. Se, há alguns anos, a melhor opção para o iniciante sem formação específica era mesmo o comércio, agora a indústria também intenta absorver esse pessoal, e tem mais recursos para isso. Para o diretor da GS&MD – Gouvêa de Souza, Guilherme Baldacci, a carga horária e as exigências de desempenho no Divulgação Supermercadistas respondem ao desafio Os consultores ouvidos por SuperVarejo são unânimes: o caminho mais seguro para enfrentar o desafio da escassez de mão de obra é garantir perspectiva aos colaboradores e incentivar o crescimento daqueles que já estão na casa, em vez de buscar talentos no mercado. Essa estratégia dá certo por dois motivos: funciona como plano de carreira e como integração para os funcionários, o que diminui a rotatividade; e reduz a dependência das empresas em relação ao mercado. Pois é exatamente isso o que vem fazendo alguns supermercadistas ouvidos pela reportagem. Marta, do Supermercado Yamato, concentra esforços na contratação de jovens com pouca experiência para assumir a função de empacotador. baldacci, da GSMD: plano de carreira e oportunidade de crescimento para reter talentos Em geral, assim que passa o período de experiência, os funcionários deixam o emprego. É o que tem acontecido, por exemplo, nas lojas da Lapa e de Santo Amaro da rede Futurama, nove lojas em São Paulo (SP). O gerente das duas unidades, Antônio Ferreira de Souza, diz que, muitas vezes, os novatos chegam até a forçar a demissão. Para Terra, da FIA, desde 2008 tem acontecido uma explosão de rotatividade, cujo índice, calcula ele, deve estar acima dos 50% ao ano. “Isso é uma loucura. Imagine trocar metade dos funcionários a cada ano. Isso acarreta muitos custos e é um dos pontos mais sensíveis da gestão”, diz ele. Perspectivas de carreira Karin, do Hippo, vem tentando enfrentar a questão com criatividade, oferecendo um prêmio em dinheiro aos funcionários antigos toda vez que novatos indicados por eles realmente ficarem nas lojas. Ela também assumiu uma postura mais agressiva na hora de selecionar, ao sair do supermercado para panfletar em pontos de ônibus, escolas e associações oferecendo vagas na rede aos interessados. “Não dá para ficar na loja esperando”, diz. Além disso, a rede faz pesquisas constantes de salários para se equiparar ao mercado e ter margem para negociar. É claro A ideia é treinar esses meninos e meninas para que depois possam ocupar outros cargos. “Os supermercadistas clientes nossos que têm feito isso alcançam bons resultados”, explica Costa, da MG Contécnica. “Vale a pena investir no funcionário que está indo bem para que, lá na frente, ele tenha qualificação para desempenhar funções-chave com pouca oferta de mão de obra no mercado, como padeiro e confeiteiro”, completa. A psicóloga Karin, do Hippo, também envolve os funcionários, premiando aqueles que indicam colegas para trabalhar na rede. Já Souza, do Futurama, tenta estimular os colaboradores mostrando as perspectivas de crescimento para aqueles que se dedicam. Para isso, o gestor usa o próprio exemplo: ele começou a trabalhar no ramo bem jovem, como empacotador, e foi crescendo e conquistando mais espaço, até chegar à gerência e se transformar em referência no setor. “É preciso mostrar que o varejo supermercadista é um dos setores que mais crescem e que, portanto, oferece possibilidades de avanço na carreira”, diz Baldacci, da GS&MD. Outra dica que vem sendo seguida com sucesso pelos supermercadistas: analisar o perfil dos funcionários que, geralmente, deixam o emprego rapidamente para buscar novas opções no mercado, para evitar contratar quem tenha mais chances de abandonar a vaga em alguns meses. que não negociam salários em qualquer situação. Apenas quando se trata de profissional especializado, como padeiro, açougueiro e confeiteiro, é que a psicóloga do Hippo acha que vale a pena sentar para negociar. julho 2011 SuperVarejo 43 Capa recursos humanos De fato, já que o salário é um dos pontos fracos do setor, aumentá-lo é a saída mais óbvia para tentar atrair e reter talentos. Em casos específicos, como os citados por Karin, pode ser a única saída viável. Mas os consultores explicam que é preciso cautela para lançar mão dessa estratégia. Primeiro, porque pode nem resolver: quem não quer trabalhar nos fins de semana dificilmente será seduzido pelo salário e vai abandonar o posto no autosserviço assim que possível. Segundo: uma pequena majoração de 20% no pagamento (elevaria um salário de 600 reais para 720 reais, por exemplo), que talvez nem fosse empolgar tanto assim, pode representar queda de 1,5 ponto porcentual no lucro da empresa, cujas margens, não é segredo, são apertadas, em torno de 3% ou 4%. A conta é do professor Terra, da FIA, que não recomenda ao varejista centrar estratégias na questão salarial. O que fazer, então? Perspectiva de carreira é uma das respostas. Há três anos, Terra participou de uma pesquisa em que foram ouvidos ex-funcionários varejistas. O objetivo era entender por que eles haviam deixado o setor. Resposta: falta de perspectiva. Iniciativas para atrair e reter talentos A questão financeira é importante quando se busca reter um funcionário, mas não se deve esquecer o lado comportamental. O reconhecimento é importante, bem como mostrar os valores da empresa, despertando no colaborador o sentimento de fazer parte do todo. √ Não esperar o talento ir até a loja. Procurar por ele por meio de parcerias com escolas e associações para oferecer o primeiro emprego √ Procurar manter o salário de acordo com o mercado e reservar uma verba para aumentos e premiações, de acordo com a importância e destaque na empresa √ Realizar campanhas com premiação em dinheiro ou benefícios √ Dar autonomia para que o funcionário seja responsável por seu setor e perceba que pode crescer pessoalmente e profissionalmente na empresa √ Criar vínculos do colaborador com a empresa 44 SuperVarejo julho 2011 Paulo pepe/nau √ Ajudar o colaborador a dar sentido para o trabalho que realiza Divulgação Terra, da FIA: colaboradoress tem que se sentir parte da empresa Claro que isso inclui a questão financeira, mas, para Terra, a questão é outra: o varejo tem de ajudar seus colaboradores a darem sentido ao trabalho que executam, a se sentirem parte da empresa para que se comprometam com ela. É essencial, por exemplo, que os colaboradores tenham alguma autonomia, que sejam efetivamente responsáveis pelas áreas em que trabalham e que percebam que podem crescer, ganhar mais importância, avançar na hierarquia da empresa. “As pessoas precisam se sentir influentes. Isso ajuda a criar vínculos, as faz ficar. E, nesse sentido, o caminho é dar mais autonomia, ressignificar o trabalho. Com isso, desloca-se o eixo de avaliação para longe dos salários, área na qual o varejo não consegue competir”, avalia Tiezzi, do Insper. O que afasta os jovens do caminho do varejo é a falta de perspectivas de carreira Fontes desta matéria Apras: www.apras.org.br Dieese: www.dieese.org.br ESPM: www.espm.br FIA: (11) 3732-3535 Futurama: (11) 3673-8026 GS&MD – Gouvêa de Souza: (11) 3405-6666 Hippo: www.hippo.com.br Insper: (11) 4504-2400 MG Contécnica: www.mgcontecnica.com.br Supermercado Yamato: (11) 5588-2011 julho 2011 SuperVarejo 45 Capa recursos humanos 46 SuperVarejo julho 2011 julho 2011 SuperVarejo 47