UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA GRADUAÇÃO EM DIREITO A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS E O TRABALHO COMO MEIO DE REABILITAÇÃO DO PRESO TÁSSIA BARREIRA RODRIGUES ALVES JOSÉ DE LIMA SOARES BRASÍLIA, 2005 2 TÁSSIA BARREIRA RODRIGUES ALVES A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS E O TRABALHO COMO MEIO DE REABILITAÇÃO DO PRESO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Doutor José de Lima Soares. Brasília 2005 3 TÁSSIA BARREIRA RODRIGUES ALVES A RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS E O TRABALHO COMO MEIO DE REABILITAÇÃO DO PRESO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor Doutor José de Lima Soares. Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com (__________________________________________). Banca Examinadora: ______________________________ Presidente: Prof. Dr. José de Lima Soares Universidade Católica de Brasília ______________________________ Integrante: Prof. Dr. Universidade Católica de Brasília ______________________________ Integrante: Prof. Dr. Universidade Católica de Brasília menção_____ 4 Dedico o presente trabalho aos meus pais, os quais possibilitaram que eu cumprisse essa jornada, aos meus irmãos e demais familiares pelo apoio e incentivo, e aos amigos que sempre tiveram uma palavra de carinho. 5 Agradeço primeiramente à Deus, o qual me abençoou e permitiu minha chegada até aqui, a minha mãe pelo seu imenso amor e incentivo e ao meu pai pelo apoio incondicional, sem estes não realizaria o sonho da conclusão do Curso de Direito. Aos meus irmãos pela compreensão. Aos meus verdadeiros amigos que sempre estiveram comigo nesta caminhada. E finalmente ao professor José de Lima Soares pela valiosa orientação. 6 “Ainda que eu falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria” (Corintios 13) 7 RESUMO ALVES, Tássia Barreira Rodrigues. A Responsabilidade Social das Empresas e o Trabalho Como Meio de Reabilitação do Preso. 2005. 70 f. Trabalho de conclusão de Curso (graduação) – Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2005. Este trabalho consiste num breve estudo sobre as dificuldades do egresso do Sistema Penitenciário em inserir-se no mercado de trabalho. Para tanto, faz um resgate histórico da pena e da sua finalidade, sua utilização como pena propriamente dita e a realidade atual dos presídios. Focalizando a teoria do crime, pena e punição, buscando, a partir dessa teoria, definir a ressocialização e os meios mais eficientes para alcançá-la. Por conseguinte foram apresentados os direitos constitucionais dos presos, sua jornada de trabalho, a remição, os órgãos responsáveis pela execução penal, a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso, e o alcance do trabalho prisional. Por fim, procura tratar da importância do trabalho para a reabilitação do preso, a questão penitenciária como problema de todos e a responsabilidade social da empresa, que pode atuar na reintegração do egresso à sociedade. Ademais, são apontados dados obtidos na pesquisa de campo acerca do perfil e do trabalho do preso. Conclui que se as empresas utilizarem a mão-de-obra carcerária e lhes derem a devida capacitação, o trabalho pode ser um dos meios de reintegração do apenado e de evitar a reincidência. Palavras-chave: pena, prisão, trabalho, responsabilidade social, preso, ressocialização. 8 ABSTRACT ALVES, Tássia Barreira Rodrigues. The social responsability of the Enterprises and Work as Means of Rehabilitation of the Convict. 2005. 70 f. Work of course conclusion – (graduation)College of Laws, University Catholic of Brasília, Brasília, 2005. This paper consists of a brief study on the difficulties of the ex-convict from the Penitentiary System in reinserting himself/herself into the work market. For that, it makes a historical rescue of penalty and its goals, its use as punishment stricto sensu and the current reality of the penitentiaries. Focusing on the theory of crime, penalty and punishment, seeking to, starting from that theory, defining the resocialization and the most eficient means to reach it. As a result, the constitutional rights of the convicts have been presented, his/her work journey, remission, the responsible institutes for the criminal execution, the Fund for Assistance to the Working Convict, and the extent of imprisioned work. At last, it searches do deal with the importance of work for the reabilitation of the convict, the penitentiary matter as everyone´s problem and the social responsability of the enterprise, acting in the reintegration of the ex-convict into the society. Furthermore, it´s appointed data obtained in field search onthe work of the convict. It concludes that if the enterprises use the imprisoned workforce and give them proper capacitation, work may be one of the means of reintegration of the convict and avoiding the recurrence. Key-words: penalty, prison, work, social responsability, convict, resocialization. 9 LISTA DE ILUSTRAÇÕES GRÁFICOS Gráfico 1 – Faixa Etária ............................................................................................67 Gráfico 2 – Grau de Escolaridade ............................................................................67 Gráfico 3 – Situação Processual ...............................................................................68 Gráfico 4 – Emprego fixo antes da prisão .................................................................68 Gráfico 5 – Trabalho antes da prisão ........................................................................69 Gráfico 6 – Tempo desempregado ...........................................................................69 Gráfico 7 – Aprendeu nova profissão na prisão ........................................................70 Gráfico 8 – Trabalhos realizados dentro da prisão .................................................. 70 Gráfico 9 – Motivo de trabalhar na prisão .................................................................71 Gráfico 10- Acredita ser mais fácil encontrar novo trabalho ao sair da prisão se estiver trabalhando enquanto preso .......................................................................................71 Gráfico 11- Trabalho prisional ajuda na reabilitação do preso ..................................71 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABREVIATURAS Art. por artigo Id por idem Ibid por ibidem SIGLAS LEP- Lei de Execuções Penais OIT- Organização Internacional do Trabalho FUNAP- Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso CPP- Centro de Progressão Penitenciária 11 LISTA DE SÍMBOLOS § parágrafo 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ______________________________________________________ 13 Capítulo 1 - A pena e a sua finalidade __________________________________ 18 1.1 Conceito de Pena____________________________________________________18 1.2 Espécie de Pena ____________________________________________________ 22 1.3 Finalidade da Pena ___________________________________________________23 1.3.1 Teoria Absoluta ou Retribucionista __________________________________________________ 25 1.3.2 Teorias Relativas (Preventivas da Pena) _______________________________________________25 1.3.2.1 Teoria Preventiva Geral _______________________________________________________ 27 1.3.2.2 Teoria Preventiva Especial _____________________________________________________28 1.3.3 Teoria Mista ou Unificadora da Pena _________________________________________________30 1.3.4 Panoptismo ____________________________________________________________________ 31 Capítulo 2 - Direitos Constitucionais e o Trabalho do condenado __________ 33 2.1 Direitos e Garantias constitucionais do Preso e Lei 7.210/84 _______________ 33 2.2 Jornada de Trabalho e Remuneração ___________________________________ 36 2.3 Remição ___________________________________________________________38 2.4 Orgãos responsáveis pela execução penal ______________________________ 40 2.5 A Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso/FUNAP ____________________ 42 2.6 Trabalho forçado para o preso e o alcance do trabalho prisional ____________ 44 Capítulo 3 - Trabalho do encarcerado e Responsabilidade Social da Empresa 48 3.1 Importância do trabalho na recuperação do preso ________________________ 48 3.2 Questão penitenciária: problema de todos ______________________________ 51 3.3 Responsabilidade Social da Empresa __________________________________ 53 3.4 Ajudando a transformar o egresso em cidadão __________________________ 56 3.5 Projetos de Empresas _______________________________________________ 57 CONCLUSÃO ______________________________________________________ 60 REFERÊNCIAS _____________________________________________________ 62 APENDICE A - Questionário __________________________________________ 65 ANEXO A - Representações gráficas dos dados obtidos através da pesquisa de campo no Centro de Progressão Penitenciária/CPP ______________________ 67 13 INTRODUÇÃO O homem ao organizar sua vida em sociedade sentiu a necessidade de que normas disciplinadoras regessem as relações que advieram dessa nova condição social. Essas normas constituíram o direito positivo, o qual deverá ser cumprido pelos integrantes do grupo social. Desta forma, surgiu o Direito Penal como a reunião das regras em que o Estado proibia ao cidadão determinada conduta, e a sua desobediência resultava na pena de prisão. Assim o instituto da pena sempre foi um elemento de fundamental importância para o controle social do Estado. Na Roma Antiga, a prisão era desprovida de caráter de castigo, e os prisioneiros ficavam retidos até o julgamento ou a execução, pois as penas normalmente eram corporais ou capitais. Na Grécia, os devedores eram presos para que pagassem suas dívidas. Entretanto, a Igreja, na Idade Média, inovou castigando os rebeldes, colocando-os em celas numa área reservada do mosteiro para que em oração se reconciliassem com Deus. No século XVI, prisões leigas, na Europa, eram onde os mendigos, prostitutas e jovens delinqüentes ficavam recolhidos. Ainda assim não era possível falar em sistema penitenciário, o qual começou a tomar forma nos Estados Unidos e na Europa, graças a trabalhos de estudiosos, os quais criticavam o excesso de rigor e recomendavam a oferta de trabalho e a regulamentação dos passeios e visitas. Então o conceito de pena que somente segregavam o apenado, foi dando espaço ao conceito de que a prisão era um tratamento que visava à reeducação do delinqüente, para que retornasse a sociedade regenerado. 14 Todavia, o que se constata é que a pena de prisão, perdeu seu caráter intimidativo, preventivo e de ressocialização. Na verdade, o Sistema Penal aprofunda as diferenças dos apenados, pois estes não se adequaram às normas ajustadas pelo direito positivado. A oposição entre mundo do crime e trabalho é de suma importância. Neste antagonismo, discute-se a possibilidade, ou não, de retorno à sociedade. O trabalho assume, portanto, caráter fundamental, à medida que aparece ligado a noção de recuperação. Esta oposição entre mundo do crime e trabalho aparece ligada até na localização dos presos dentro do presídio, a qual indica o posicionamento dos presidiários ante a escolha entre o mundo do crime ou a sua ressocialização. Assim, os apenados que se encontram realizando atividades laborais, aparecem mais afastados dos valores do mundo do crime. O trabalho é uma forma de recuperar os presos e reintegrá-los a comunidade. O trabalho do preso é um dever social, tratando-se de uma condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e produtiva (art. 28, LEP). Nesse sentido, Reale Junior afirma que: O trabalho não vale tão-só por criar bens econômicos, pois tem maior relevo sua importância existencial e social, como meio que viabiliza tanto a auto-afirmação do homem como a estruturação da sociedade. 1 Contudo, o Brasil não possui uma política voltada para o trabalho prisional, ainda que vários projetos, que visem à modificação da Lei Penal, insistam no trabalho como finalidade produtiva e educativa. É neste sentido que o presente trabalho tem por objetivo o estudo dos efeitos das penas, o trabalho como meio de devolver o apenado à sociedade e delinear a responsabilidade social, em especial das Empresas, na reabilitação e na qualificação do 1 JUNIOR, Reale, in Mirabete, 1990, p. 2 15 preso. Desta forma, a questão penitenciária não pode ser vista apenas como um problema do Estado. A complexidade desta tarefa é tamanha que apenas uma ação integrada permitirá que a função da pena seja efetivada. O presente trabalho tem, assim, por escopo demonstrar que a efetiva reabilitação implica em criar alternativas para que os presos sejam reinseridos na sociedade e no mundo do trabalho. Para tanto este estudo mostrará que os empresários devem conceber a prisão e o preso como alvos da cidadania empresarial, e que as ações nesse sentido trazem retorno financeiro e possibilitam o exercício da responsabilidade social, Já o Mestre João Batista Herkenhoff, em sua obra “Crime: Tratamento sem prisão”, afirma : “A prisão, em si, é uma violência à sombra da lei, um anacronismo em face do estágio atual das mais diversas Ciências Humanas. O pretendido tratamento, a ressocialização é incompatível com o encarceramento.” Assim, o trabalho do preso deve ser visto como uma forma de correção e adição ao regime prisional. Assevera Michel Foucalt: O trabalho deve ser uma das peças essenciais da transformação e da socialização progressiva dos detentos. O trabalho penal não deve ser considerado como o complemento e, por assim dizer, como agravação da pena, mas sim como uma suavização cuja privação seria totalmente possível. Deve permitir aprender ou praticar 2 um ofício, e dar recursos ao detento e a sua família. Por ser uma alternativa para o caos e o estado de falência em que se encontra o Sistema Prisional Brasileiro, este tema é de grande importância na atualidade, onde sempre se discute a questão do sistema prisional falido no qual vivemos. O interesse surgiu ante a necessidade de não isentar a sociedade empresarial de sua responsabilidade ante a reabilitação do apenado. 16 Serão analisados os aspectos concernentes ao Direito Penal, as espécies de pena e sua finalidade, o perfil do condenado, o trabalho e a responsabilidade social das empresas, abordando a Lei 7.210/84, a Lei de Execuções Fiscais Penais, onde esta regulamentado o trabalho do preso. Será realizada uma pesquisa de campo para saber o perfil do condenado do Distrito Federal, sua idade, faixa etária, se estava desempregado ou não antes da pena, quais atividades laborais pratica na penitenciária. Para a consecução deste trabalho será utilizado o método indutivo, procurando os problemas e apontando as possíveis soluções. Também haverá o uso da metodologia de procedimento estatístico-qualitativo, onde será realizada a coleta de dados estatísticos. Após essa coleta, os dados serão analisados, visando encontrar a correlação entre o trabalho dos condenados e os projetos das empresas, e como eles podem ajudar efetivamente na reabilitação do egresso, ajudando-o a tornar-se cidadão. Considerando o número de obras citadas optou-se pela remissão nas notas de rodapé e a utilização do sistema numérico de chamada. As citações serão feitas com aspas no próprio corpo do parágrafo. Os recursos gráficos serão utilizados com os seguintes objetivos: negrito para títulos de obras, e para destacar ou enfatizar o texto; itálico, para palavras em língua estrangeira. O presente trabalho é composto por introdução, três capítulos, conclusão e anexo contendo a pesquisa de campo. realizada no Centro de Progressão Penitenciária. O primeiro capítulo trata do conceito de pena e a sua finalidade. O segundo tratará o trabalho na prisão 2 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 224. 17 e os direitos constitucionais do condenado. O terceiro capítulo irá dispor sobre o trabalhador preso e a responsabilidade social da empresa. Por conseguinte, serão apresentadas as conclusões obtidas pelo estudo realizado. E finalmente, estarão expostos os dados obtidos através da pesquisa de campo realizada no Centro de Progressão Penitenciária/CPP. 18 Capítulo 1 A PENA E A SUA FINALIDADE 1.1 Conceito de Pena O homem, conforme organizou-se em sociedade, sentiu a necessidade de regular suas relações sociais, para que fosse possível o convívio harmônico entre seus membros. A pena aplicada aos povos primitivos era inteiramente irracional, consistia tão somente na descarga de tensão emocional, uma contra reação ao agressor. A lei de Talião (“Olho por olho e dente por dente”) misturava a vingança com a pena, colocando uma limitação da reação do ofendido a proporção do dano ou ofensa. Na Antiguidade, a administração da pena foi transferida aos poucos do particular para o poder central. Mas a punição não perdeu o seu caráter de vingança, quer no aspecto divino ou público. Para Platão, a lei possuía uma origem divina e justiça seria a força da harmonia entre as virtudes da alma. Ele defendia o caráter expiatório da pena e a função intimidativa, como forma de proteção da comunidade. 19 [...] Platão dedica algumas páginas ao problema de leis penais. Reconhece que “a pena deve ter a finalidade de tornar melhor”; mas aduz que, “se se demonstrar que o 3 delinqüente é incurável, a morte será para ele o menor dos males” Aristóteles, ainda que fosse discípulo de Platão, acreditava que o objetivo da pena era a igualdade entre os indivíduos, violada pelo ato delitivo, dentro da proporção entre o justo e injusto. A filosofia Cristã foi marcada por Santo Agostinho. O seu entendimento era que existiam três tipos de penalidade: a condenação, a purgação e a correção do delinqüente. A condenação seria pelo pecado original que seria o castigo por toda a eternidade. Já a purgação estaria baseada nesta vida ou na outra após a morte, e a correção teria como fim à emenda do transgressor. A Era Medieval ficou marcada pelas penas físicas. As penas corporais deveriam produzir sofrimento. A morte não apenas privava a liberdade, como colocava um fim ao sofrimento e a manifestação da arte de punir. A Igreja também influenciou o conceito de pena. Santo Thomas de Aquino considerava a pena como uma justa retribuição para a promoção da moral. Ele propunha que a justiça penal seria retributiva e comutativa, ou seja, devendo haver proporção entre a falta e a pena imposta. Argumentava que cada pessoa isolada é colocada em relação à comunidade com um todo, deste modo é louvável a conservação do bem comum e condenálo a morte, caso se torne perigoso para esta comunidade. De tal modo, assere que: “[...] Cada parte está ordenada ao todo como o imperfeito ao perfeito [...] Por causa disso, vemos que, se a extirpação de um membro é benéfica à saúde do corpo humano em seu todo [...], é louvável e salutar suprimi-lo. Ora, cada pessoa 3 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Campus, 1992, p. 161 20 considerada isoladamente coloca-se em relação à comunidade, (...) é louvável e 4 salutar matá-lo para salvar o bem comum.” Destarte, existe uma contradição acerca da pena capital, sendo esta incompatível com a recuperação do ofensor. Na Era Moderna, a pena continuou fundada por características religiosas, o castigo salvava a alma. Como o absolutismo, a punição reafirmava o poder do soberano. Segundo Foucault5, as penas variavam de acordo com os costumes, a natureza dos crimes, e especialmente pelo status do condenado. A proporcionalidade existente entre crime e castigo atendia menos à gravidade do delito do que à condição social. Era possível aos mais abastados pagar seus crimes com bens e moedas, sem contar que as penas atribuídas a um mesmo delito eram menos rigorosas se o ofensor fosse da classe referida, assim como seria mais rigorosa se o ofendido fosse um nobre e o ofensor uma pessoa do povo. A pena caracterizava-se em um espetáculo, onde o corpo do condenado era esquartejado, amputado, marcado a ferro quente e queimado. A visão de Cesare Beccaria está baseada na concepção humanista, onde a pena tem a função de impedir, ou prevenir, novos delitos contra a sociedade por meio da intimidação do delinqüente. É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males 6 da vida. 4 Idem. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 181. 5 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes. 1987. p.33. 6 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999, p. 121 21 Entretanto, uma vez praticado o ato delitivo, e havendo conflito social, a pena é logo aplicada, visando assegurar o interesse e a finalidade social, bem como atingir um fundamento político, que é a garantia da paz e o equilíbrio da sociedade. A pena caracteriza-se então pela perda de algum dos bens jurídicos tutelados, conforme ensina o mestre Heleno Fragoso, seja a vida, seja a liberdade, seja o patrimônio, imposto pelo órgão competente da Justiça. Já Damásio de Jesus, conceitua "pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos". Entre os penalistas há a menção a duas finalidades principais. A primeira seria a função retributiva. Por ela a pena é o combate do mal com o mal. Prega-se que o infrator deve expiar suas faltas pelo sofrimento de um mal equivalente àquele que causou a terceiro. Já pela finalidade preventiva pode ser subdividida em duas outras mais específicas. A primeira, de prevenção especial, faz com que o agente não volte a cometer outros delitos (corrige o corrigível, intimida o intimidável e neutraliza o incorrigível ou o inintimidável). A segunda, de prevenção geral, faz com que a coletividade evite a prática delituosa. Para atender a estas duas finalidades (retributiva e preventiva) é essencial, portanto, que a pena varie de acordo com o dolo, a culpa e culpabilidade do agente. Entretanto, para a restrição de tal direito, devem ser respeitados certos regramentos jurídicos, para que possa ser efetivamente aplicada à pena. O Estado recorre às penas para reforçar as proibições e mostrar à sociedade que a observância aos preceitos legais é absolutamente necessária para evitar comportamentos que ataquem a ordem social. 22 Por fim, cumpre-se necessário dizer que a pena não é simplesmente a retribuição do mal imposto pelo Estado, mas traz em si o objetivo maior que é a preservação da sociedade. Tende-se assim a conservação da humanidade e a proteção de seus direitos. 1.2 Espécies de pena O Código Penal brasileiro, em seu artigo 32, define três espécies de pena: privativas de liberdade (reclusão e detenção), restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana) e de multa. As restritivas de direitos são autônomas, substitutivas das penas privativas de liberdade (art. 44 e incisos) e conversíveis nestas — art. 45. A multa penal é a sanção pecuniária apta à penalização de condutas criminais que revelem cobiça ou avidez financeira. O emprego da multa com outra finalidade caracteriza violação ao princípio da instrumentalidade da pena, revelando-se, por sua inadequação e insuficiência, como medida ilegítima. São duas as penas privativas de liberdade: pena de reclusão e pena de detenção. A primeira é a forma mais grave e compreende três formas de cumprimento: regime fechado, 23 regime semi-aberto e regime aberto; a segunda compreende duas formas: regime semiaberto e aberto, salvo casos em que há necessidade de transferência ao regime fechado. A pena privativa de liberdade é cumprida em regime progressivo. É um programa gradual de cumprimento da privação da liberdade, por fase ou etapas. A fase inicial caracteriza-se pelo intenso controle do interno, assim como pelo seu regime muito estrito em relação a condições materiais e liberdade de movimentos. A última etapa é o regime aberto. Passa-se de uma fase para outra conforme as condutas e as respostas mais socializadas do recluso. 1.3 Finalidade da Pena Uma vez que a pena é aplicada para que se possa devolver o condenado à sociedade, deve-se falar no caráter reeducador da pena. Existem três teorias para a finalidade da pena. A primeira é a teoria absoluta (retribucionista ou de retribuição). Para a teoria absoluta a pena é a retaliação e a expiação, uma exigência absoluta de justiça, com fins aflitivos e retributivos, opondo-se a qualquer finalidade utilitária. A segunda é a teoria relativa (utilitária ou utilitarista) dava-se à pena um 24 fim exclusivamente prático, em especial o de prevenção geral, intimidação de todos os membros da comunidade jurídica pela ameaça da pena, ou o especial, cuida-se da prevenção do delito por atuação sobre o autor (dirige-se exclusivamente ao delinqüente, para que este não volte a delinqüir). E finalmente em terceiro, a teoria mista, sem desprezar os principais aspectos das teorias absolutas e relativas, como é intuitivo, as teorias mistas ou unificadoras buscam reunir em um conceito único os fins da pena. A doutrina unificadora defende que a retribuição e a prevenção, geral e especial, são distintos aspectos de um mesmo fenômeno que é a pena. Em resumo, as teorias unificadoras acolhem a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena. A preocupação em conhecer a finalidades das penas é demonstrada desde o século XVII. Na clássica obra “Dos Delitos e das Penas” de Cesare Beccaria, afirma-se que “o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer o delito já cometido, o fim da pena é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.” Desta forma, evidencia-se que a preocupação, desde o século XVII era a de atribuição de valores e fins as penas impostas aos indivíduos que cometem crimes. Assim é que foram desenvolvidas teorias a respeito das principais finalidades da pena as quais serão apresentadas a seguir. 25 1.3.1 Teoria absoluta ou retribucionista A Teoria retributiva considera que a pena se esgota na idéia de pura retribuição, tem como fim a reação punitiva, ou seja, responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do delito. Esta teoria somente pretende que o ato injusto cometido pelo sujeito culpável deste, seja retribuído através do mal que constitui a pena. Esta teoria tem como fundamento básico, conforme Mirabete, da sanção penal a exigência da justiça, punindo-se o agente porque cometeu o crime. Inclui-se nesta teoria apenas a idéia de retaliação pelo dano provocado. Assim, à pena compensa a culpa do autor através de uma mal. Enfim, a pena retributiva esgota o seu sentido no mal que se faz sofrer ao delinqüente como compensação ou expiação do mal do crime; nesta medida é uma doutrina puramente social-negativa que acaba por se revelar estranha e inimiga de qualquer tentativa de socialização do delinqüente e de restauração da paz jurídica da comunidade afetada pelo crime. Em suma, inimiga de qualquer atuação preventiva e, assim, da pretensão de controle e domínio do fenômeno da criminalidade. Possui finalidade unicamente retributiva. 1.3.2 Teorias relativas (preventivas da pena) Essas teorias possuem uma finalidade prática, atribuindo à pena a capacidade e a missão de evitar que no futuro se cometam delitos. Podem subdividir-se, quanto ao sujeito a 26 qual se dirige, em prevenção geral, com relação a todos erga omnes, e prevenção especial, que é somente com relação ao preso. Desta forma, outros fins, além do pagamento do mal pelo mal (conforme a teoria retribucionista), são visados. Na prevenção geral, o finalidade é desencorajar outros membros da comunidade para a prática da conduta lesiva, e na prevenção especial, o desestímulo ao infrator para que não volte a cometer crimes. As teorias preventivas também reconhecem que, segundo sua essência, a pena se traduz num mal para quem a sofre. Mas, como instrumento político-criminal destinado a atuar no mundo, não pode a pena bastar-se com essa característica, em si mesma destituída de sentido social-positivo. Para como tal se justificar, a pena tem de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, precisamente, a prevenção ou a profilaxia criminal. Beccaria afirma “Entre as penas, e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado.” A crítica geral proveniente dos adeptos das teorias absolutas, que ao longo dos tempos mas se tem feito ouvir às teorias relativas é a de que, aplicando-se as penas a seres humanos em nome de fins utilitários ou pragmáticos que pretendem alcançar no contexto social, elas transformariam a pessoa humana em objeto, dela se serviriam para a realização de finalidades heterônimas e, nesta medida, violariam a sua eminente dignidade. A teoria preventiva, a pena não visa retribuir o fato delitivo cometido e sim prevenir sua realização. 27 1.3.2.1 Teoria Preventiva Geral A teoria preventiva geral está direcionada à generalidade dos cidadãos, esperando que a ameaça de uma pena, e sua imposição e execução, por um lado, sirva para intimidar aos delinqüentes potenciais (concepção estrita o negativa da prevenção geral), e, por outro lado, sirva para robustecer a consciência jurídica dos cidadãos e sua confiança e fé no Direito (concepção ampla ou positiva da prevenção geral). A intimidação de todos os membros da comunidade jurídica ocorre pela ameaça da pena, devendo esta atuar social e pedagogicamente sobre a coletividade. Esta teoria foi a adotada, por Beccaria e pela maior parte da doutrina clássica alemã. O temor da punição é imposto não somente por intermédio da previsão legal da sanção para os tipos de crime, como também pelo exemplo conferido com a aplicação e execução desta sanção aos que praticam tais condutas. Assim, não deve ser a finalidade vista apenas como prevenção de crimes, mas também como o objetivo de prevenir as reações informais ao ato criminoso e outras relacionadas com a descrença na força controladora do Estado e valores presentes na sociedade. Enfim, trata-se de buscar diminuir e prevenir a violência. Por outra parte, a pena pode ser concebida, como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como 28 instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, apesar de todas as violações que tenham tido lugar (prevenção geral positiva ou de integração). Sustenta Claus Roxin, “essa teoria baseada na intimidação, constitui, fundamentalmente, uma teoria da ameaça penal, uma teoria que exige, para atingir o seu efeito, a imposição e execução da pena, pois disto depende a eficácia da ameaça.” Esta teoria é criticada no tocante à permanecer em aberto a questão de saber face a que comportamentos possui o Estado a faculdade de intimidar. Esta doutrina compartilha com as doutrinas da retribuição e da correção, a falha de permanecer por esclarecer o âmbito do criminalmente punível. Questiona-se ainda qual a justificativa para que seja o indivíduo castigado não em consideração a ele próprio mas em consideração aos outros. Ademais, ameaça de impor a pena, não é suficiente para impedir o verdadeiro criminoso de praticar o ato delitivo, pois este o praticará independente de sanção, uma vez que acreditará na sua impunidade. 1.3.2.2 Teoria Preventiva Especial A teoria preventiva especial está direcionada ao delinqüente concreto castigado com uma pena. Têm por denominador comum a idéia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do delinqüente, com o fim de evitar que, no futuro ele cometa 29 novos crimes. Deste modo, deve-se falar de uma finalidade de prevenção da reincidência. Vê-se que a atuação sobre o delinqüente é o principal norte da pena. A origem dessa concepção de pena vem com a ascensão da concepção naturalista na filosofia, e com sua influência no âmbito das ciências humanas, do Direito e especificamente do Direito Penal. Essa teoria não busca retribuir o fato passado, senão justificar a pena com o fim de prevenir novos delitos do autor. Portanto, diferencia-se, basicamente, da prevenção geral, em virtude de que o fato não se dirige a coletividade. Ou seja, o fato se dirige a uma pessoa determinada que é o sujeito delinqüente. Deste modo, a pretensão desta teoria é evitar que aquele que delinqüiu volte a delinqüir. Esta teoria consiste então em evitar a probabilidade de reincidência demonstrada pelo autor em face o crime cometido. Assim, a pena deve ser uma forma de dissuadir o apenado, para que este não venha a incorrer em nova incidência criminal. A prevenção especial está orientada a desenvolver uma influência inibitória do delito do autor. À sua vez, esta finalidade se subdivide-se em três fins da pena: intimidação (preventivo individual), reeducação (correção) e asseguramento (não voltar a delinqüir).Esta teoria possui caráter humanista, permitindo uma melhor individualização do remédio penal. Esta teoria tem totalmente a idéia de prevenir para que o infrator não volte a delinqüir, não tendo por escopo a retribuição do fato praticado nem a intimidação da sociedade. 30 Esta teoria, também é alvo de críticas. A crítica feita a esta teoria consiste no fato de que, nos crimes mais graves, não teria de impor-se uma pena caso não exista perigo de repetição. 1.3.3 Teoria mista ou unificadora da pena As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Essa corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas. A doutrina unificadora defende a retribuição e a prevenção, geral e especial, são aspectos de um mesmo fenômeno que é a pena (Marcão). As teorias unificadoras partem da crítica às soluções monistas (teorias absolutas e teorias relativas). Sustentam que essa unidimensionalidade, em um ou outro sentido, mostrase formalista e incapaz de abranger a complexidade dos fenômenos sociais que interessam ao Direito Penal, com conseqüências graves para a segurança e os direitos fundamentais do homem. Esse é um dos argumentos básicos que ressaltam a necessidade de adotar uma teoria que abranja a pluralidade funcional da pena. Desta forma, a pena possui as características da teoria retributiva e da teoria preventiva, ou seja, tem caráter retributivo (mal pago com outro mal), e finalidade de correção do condenado e intimidação de possíveis delinqüentes. Em suma, a teoria unificadora aceita a retribuição e o principio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A pena não pode ir 31 além da responsabilidade decorrente do ato praticado, além de buscar a realização dos fins de prevenção geral e especial. 1.3.4 Panoptismo Jeremy Bentham apresentou em sua obra “Teoria das Penas e das Recompensas” um novo conceito de penitenciária, a prisão celular, o panóptico, um estabelecimento circular, na qual uma só pessoa controla os presos. Assim, o panóptico é um símbolo de uma visão totalitária do direito carcerário, pois pode ser considerado como uma forma de obtenção de poder. O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor do que a sombra, que 7 finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha. 7 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 165 e 166. 32 Assim, o efeito mais importante do panóptico é causar no preso um estado consciente e permanente de visibilidade, assegurando desta forma o funcionamento automático do poder. O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as 8 superfícies onde este se exerça. Benthan considerava que o trabalho tinha o poder de reabilitação e achava desaconselhável a condenação a trabalhos forçados e inúteis, devendo ser produtivo e atrativo. Sendo o único meio do recluso levar uma existência honrada quando ele recuperasse a sua liberdade. 8 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987, p. 169. 33 Capítulo 2 TRABALHO NA PRISÃO E OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DO CONDENADO 2.1 Direitos e Garantias Constitucionais do Preso e a Lei 7.210/84 A Carta Magna de 1988 explicita os direitos individuais, entre eles os que concernem especificamente aos presos. O capítulo I da Constituição Federal concebe os princípios fundamentais, sendo um destes fundamentos à cidadania, conceito muito mais ampliado pelas lutas e conquistas em prol de uma sociedade mais humanizada, democrática e justa, apesar, de todas as imperfeições existentes. A cidadania remota além dos direitos políticos, os direitos sociais, onde os pressupostos do iluminismo, como a igualdade, liberdade e fraternidade, ligadas ao direitos humanos, a justiça social, a qual, deve ser tratada como questão de primeira ordem quando se refere à cidadania no mundo contemporâneo. Na palavra de Julio Fabbrini Mirabete, em seus Comentários à Lei de Execução Penal, o mestre define com precisão a situação do preso: 34 A doutrina penitenciária moderna, com acertado critério, proclama a tese de que o preso, mesmo após a condenação, continua titula de todos os direitos que não foram atingidos pelo internamento prisional decorrente da sentença condenatória em que se impôs uma pena privativa de liberdade. Cria-se, com a condenação, especial relação de sujeição que se traduz em complexa relação jurídica entre o Estado e o condenado em que, ao lado dos direitos daquele, que constituem os deveres do preso, se encontram os direitos deste, a serem respeitados pela Administração. Por estar privado de liberdade, o preso encontra-se em uma situação especial que condiciona uma limitação dos direitos previstos na Constituição Federal e nas leis, mas isso não quer dizer que perde, além da liberdade, sua condição de pessoa humana e a 9 titularidade dos direitos não atingidos pela condenação. Desta forma, o preso é um cidadão, apesar de não exercer os direitos políticos, o convívio familiar, a liberdade de ir e vir, participação da vida social em geral, a comunicação com o ambiente externo à carceragem, e, como não poderia deixar de ser, vê-se privado das atividades laborais extra-instituição prisional. Verifica-se ainda que a Constituição assegura em seu artigo 5º, inciso XIII, “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” A lei 7.210/84 é a chamada Lei de Execuções Penais, LEP, a qual dispõe sobre a aplicação da pena e sua disposição ao preso. O trabalho nas instituições carcerárias e seu benefício na ressocialização do detento é obrigatório, conforme disposto no art. 31 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). Assim, no capítulo III, seção II, sob o título “Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal”, a lei trata sobre o trabalho interno nas instituições prisionais e fixa normas no tocante às 9 MIRABETE, Fabbrine Julio. Execução Penal: Comentários à Lei 7.210/84, 9 ed.São Paulo: Atlas,2000. 35 obrigações, os direitos,as aptidões, capacidade, condições físicas dos detentos para exercerem determinadas atividades com objetivos específicos. Os objetivos são, resumidamente: • habilitação do detento; • sua condição pessoal; • suas necessidades futuras bem como as oportunidades oferecidas. O art. 31 da LEP (Lei de Execuções Penais), observa que o trabalho para o condenado à pena privativa de liberdade não é facultativo, mas sim obrigatório. Já o § 1º, delimita o universo de ocupações e atividades sem expressão econômica excetuando-se nas regiões do turismo, sendo que no § 2º, encontra-se a prescrição quanto as ocupações adequadas a idade de cada detento. O Código Penal Brasileiro, no art. 39, dispõe dobre a impossibilidade do trabalho do preso não ser remunerado, o caracterizaria “trabalho escravo”, o que é expressamente proibido pela Carta Magna de 1988. Diz o referido artigo, in verbis: “O trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantidos os benefícios da Previdência Social.” Ainda que pareça haver contradição entre a Carta Magna e a Lei de Execuções Penais, ao que concerne a obrigatoriedade do trabalho do preso, Assim, verifica-se, que a intenção maior da lei, são os benefícios que a sociedade e o próprio preso alcançarão com o trabalho no âmbito da carceragem, não se verificando em comento, nenhum vício de inconstitucionalidade da lei que esta vigorando. 36 2.2 Jornada de Trabalho e Remuneração De acordo coma LEP a jornada de trabalho não poderá se inferior a seis, nem superior a oito horas diárias, com descanso aos domingo e feriados, conforme estabelecido no artigo 33. O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: à indenização dos danos causados pelo crime (desde que determinada judicialmente); à assistência da família do preso; às pequenas despesas sociais; ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação acima prevista. A quantia restante será depositada para a constituição do pecúlio, em caderneta de poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade. Em relação à remuneração, existe uma grande contradição no que se refere à diferença salarial entre o cidadão preso e o cidadão e o cidadão livre. A Constituição Federal dispõe em seu art. 7º, inc. IV e VII, que ninguém pode ganhar menos de um salário mínimo ao trabalhar jornada integral. A Lei de Execução Penal, enumera, em seu art. 29, caput,que os presos recebam três quartos do salário mínimo. Sendo o preso também cidadão, apenas com o direito de ir e vir restrito, não há motivo para diferenciação relacionada à remuneração. Ademais, algumas vezes a burocracia para a retirada do dinheiro recebido é tamanha que os presos aceitam o pagamento em maço de cigarro, usualmente usados como moeda de câmbio. Algumas empresas empregam mão-de-obra local para costurar bolas, chinelos, colocar espiral em cadernos, caretas em guarda-chuvas, parafusos nas dobradiças e trabalhos similares. Teoricamente, os presos deveriam receber pelos serviços 37 prestados, o que poderia ajudar a família desamparada ou servir de poupança quando fossem liberados. Na prática, porém, a burocracia para retirar o dinheiro recebido é 10 tanta que muito aceitam o pagamento em maço de cigarro, a moeda tradicional. O trabalho do preso, conforme artigo 28, parágrafo 2º da Lei de Execução Penal, não esta sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, estabelecem as Regras Mínimas da ONU a necessidade de providências para indenizar os presos pelo acidente de trabalho ou em enfermidades profissionais em condições similares àquelas que a lei dispõe para o trabalhador livre. A legislação brasileira protege essa orientação ao incluir, entre os direitos do preso, os da “Previdência Social” (arts. 39 do Código Penal e 41, inciso III, da Lei de Execução Penal. 10 VARELA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Cia das Letras, 1999. p. 142. 38 2.3 Remição A remição é um instituto que permite, através do trabalho dar como cumprida parte da pena, abreviando o tempo de duração da sentença. Dispõe, in verbis, o artigo 126 da Lei 7.210/84: Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. § 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho. § 2º O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho, por acidente, continuará a beneficiar-se com a remição. § 3º A remição será declarada pelo Juiz da execução, ouvido o Ministério Público. O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi-aberto poderá diminuir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena. A remição é um meio legal para diminuição do tempo de prisão do detento, trata-se, portanto de um direito. Como ensina ALVIM, a remição: Trata-se de mais um meio jurídico-penal de abreviação do regime prisional, sem as comuns recorrências aos processos condenatórios (tais a revisão criminal, a unificação de penas e a adequação de pena), ao lado dos tradicionais indulto natalino e petição de graça (art. 734 do CPP). Entretanto, enquanto estes qualificam como 11 uma benesse presencial, a remição enquadra-se como um direito do presidiário. A contagem do tempo para o fim de remição será feita em razão de um dia de pena por três de trabalho. Desta forma, trabalhando três dias, terá antecipada a duração de sua pena em um dia. A remição, portanto, diminui o tempo de duração da pena imposta ao condenado, devendo ser tida como pena cumprida, para outros efeitos, tais como, 11 ALVIM, Rui Carlos Machado. O trabalho Penitenciário e os Direitos Sociais. São Paulo: Atlas 1991. p. 79/80 39 progressão de regime (artigo 111 da LEP) e livramento condicional e indulto (artigo 128 da LEP). A remição continuará como benefício do preso até se este acidentar-se durante a atividade laboral, conforme o § 2º do artigo 126 da LEP. Não é interrompido, portanto, durante o período de atestamento a remição. Porém, a contagem somente se refere aos dias em que realmente o acidentado estiver impossibilitado de trabalhar. O artigo 127 da Lei de Execução Penal estabelece que o condenado punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar. Este é o entendimento majoritário do Egrégio Supremo Tribunal Federal, conforme, por exemplo, Habeas Corpus 78178/SP, Segunda Turma, Relator: Ministro Carlos Velloso, unânime, julgado em 09/02/1999 e publicado no Diário da Justiça de 09/04/1999; Habeas Corpus 78037/SP, Segunda Turma, Relator: Ministro Marco Aurélio, por maioria (vencido o relator), julgado em 27/11/1998 e publicado no Diário da Justiça de 17/11/2000; Habeas Corpus 84627/SP, Primeira Turma, Relator: Ministro Eros Grau, unânime, julgado em 19/04/2004 e publicado no Diário da Justiça de 22/10/2004, este último com a seguinte ementa: EMENTA: HABEAS-CORPUS. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM HABEASCORPUS. NÃO-CABIMENTO. PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PENA. REMIÇÃO. FALTA GRAVE. PERDA. 1. O acórdão proferido em habeas-corpus não é impugnável por embargos de divergência, ante a falta de previsão legal, ao contrário do que sucede com o recurso especial. É improcedente a alegação fundada em ofensa ao princípio da isonomia, ao argumento de que ao paciente é negada a oposição dos embargos de divergência contra aresto proferido em habeas-corpus e ao Ministério Público é conferida esta via recursal contra acórdão proferido em recurso especial que impugnou decisão denegatória de writ julgado pela Justiça estadual. 2. O entendimento majoritário desta Corte é de que a prática de falta grave implica a perda dos dias remidos. Ordem denegada. O descumprimento do dever de trabalhar é previsto como falta grave (art. 50, VI, da LEP), impondo sanções disciplinares. 40 Ademais, tem-se admitido, àqueles condenados que trabalharam determinado período e não conseguiram obter a remição, em razão da ocorrência do vencimento da pena, a extinção da multa. Dessa forma, para cada três dias trabalhados (ainda não remidos) será permitida a extinção de um dia-multa. Assim, por exemplo, se o sentenciado trabalhou 30 (trinta) dias e não conseguiu, a tempo, diminuir de sua pena corporal os 10 (dez) dias a quem teria direito, por que a pena venceu antes, poderá, (por analogia à detração), requerer que seja declarada extinta a pena de 10 (dez) dias-multa. 2.4- Órgãos responsáveis pela execução penal A própria Lei de Execução Penal (art. 61) designa os órgãos responsáveis pela fiscalização do Sistema Penitenciário Brasileiro. Neste artigo estão indicadas as atribuições pertinentes a cada órgão. São eles: I – o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP; II – o Juízo da Execução; III – o Ministério Público; 41 IV – o Conselho Penitenciário Estadual; V – os Departamentos Penitenciários; VI – o Patronato; VII – o Conselho da Comunidade. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, conforme o disposto no art. 62 da LEP, é um órgão de execução penal subordinado ao Ministério da Justiça, cuja sede é em Brasília, objetivando primariamente pela prevenção da criminalidade. O Juízo da Execução e o Ministério Público garantem os direitos humanos e a proteção da sociedade. O Conselho Penitenciário, o Patronato e o conselho da Comunidade, visam alternativas a prisão, com a participação e co-responsabilidade da sociedade preocupada com a vida do preso e do egresso. O Departamento Penitenciário Nacional assegura o cumprimento e a aplicação das normas gerais do sistema penitenciário. 42 2.5 A Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso/FUNAP A Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso/FUNAP, tem por objetivo preparar a reinserção social do recluso, estimular a formação profissional do preso, oferecer novas perspectivas de trabalho para o preso, melhorar o rendimento do trabalho. Assim, o preso terá em seu trabalho um sentido profissional. O egresso tem dificuldades claras de inserção social, inclusive no mercado de trabalho, pelo estigma de ex-presidiário. O preconceito social o rejeita novamente, acarretando índices altos de reincidência criminal, aliado ao aumento da violência e crescimento do mundo do crime. A FUNAP busca conscientizar a sociedade para este fato e minimizar sua ocorrência. A FUNAP tem duas funções. A principal é preparar o preso para seu reingresso na sociedade ao término da pena. Essa ressocialização acontece principalmente através do trabalho, considerado como um processo, além de terapêutico, necessário para preparar o preso para a liberdade. A instituição se utiliza também da capacitação profissional, da educação e das artes. Apesar de os presos declararem uma profissão anterior à prisão, o período da pena é utilizado para qualificação ou requalificação profissional. Essa qualificação, entretanto, não é suficiente para garantir a reinserção desse profissional no mercado de trabalho, nem tampouco sua reinserção social. O primeiro, principal e mais conhecido problema que o egresso enfrenta é o preconceito existente na sociedade em recebê-lo quando sai do sistema penitenciário. O segundo problema, e não menos importante, é a incapacidade do egresso de se adequar ao mundo livre após o cumprimento 43 da pena. Isso ocorre porque o trabalho, em qualquer época, se desenvolve em três dimensões: conhecimentos, habilidades específicas e atitudes. No mundo moderno, o mercado de trabalho exige cada vez mais conhecimentos e atitudes em detrimento de habilidades específicas. Espera-se que o trabalhador moderno seja capaz de tomar atitudes e ter iniciativas, respaldado em conhecimentos para resolver problemas que antes não lhe tinham sido apresentados. Uma segunda função da FUNAP, não explícita em seu estatuto, é o amparo que oferece ao preso e à sua família. A partir da detenção, o preso e suas família passam a enfrentar toda sorte de dificuldades financeiras, uma vez que uma fonte de renda em geral a principal - dessas famílias desaparece. A FUNAP/DF tem desenvolvido ações que buscam a ressocialização dos sentenciados por meio da ações que buscam a ressocialização dos sentenciados por meio da educação, da formação profissional e do trabalho, visando a melhoria das condições de vida dos encarcerados. A FUNAP trabalha de forma integrada com quatro elementos de ressocialização: trabalho, capacitação para o trabalho, educação e artes. O principal programa da FUNAP é o trabalho, quer nas oficinas dentro da penitenciária, quer no trabalho fora da prisão. Sobre o assunto, assevera Adalberto Monteiro: Atividades produtivas são desenvolvidas nas áreas de panificação, marcenaria, alfaiataria, mecânica, serralheria, funilaria, serigrafia, setor agropecuário, piscicultura, absorvendo a mão-de-obra de 170 sentenciados do regime fechado, onde os produtos são comercializados na sua maioria por órgãos públicos. A costura de bolas, feita pelo presos do regime fechado, que não tem acesso às oficinas de trabalho, é realizada dentro do próprio pátio, proporcionando atividade produtiva e remunerada para 350 sentenciados. Realizamos também o Projeto Liberdade Legal. Hoje, possuímos 17 contratos com órgãos públicos e privados que absorvem a mão-de-obra de 12 aproximadamente 700 sentenciados dos regimes semi-aberto e aberto. 12 MONTEIRO, Adalberto. Reintegração Social do Preso-Utopia e Realidade. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/numero15/mesaredonda22.pdf. Acesso em 16 out. 2005. 44 O programa desenvolvido pela FUNAP-DF representa claramente a defesa da visão de que os presos podem ser recuperados e que podem ser reintegrados à sociedade, dependendo, para isso, de uma postura mais humanitária do sistema carcerário. 2.6 .Trabalho forçado para o preso e o alcance do trabalho prisional O trabalho penitenciário inicialmente propunha-se mais à proteção social e à vingança pública, do que a outro fim, razão pela qual eram os prisioneiros remetidos aos trabalhos mais penosos e insalubres. Com o advento do Iluminismo e o desenvolvimento industrial e sua exigência por um mercado de mão de obra livre, as penas centradas no trabalho obrigatório diminuem. Segundo Vinícius Caldeira Brant: A obrigatoriedade do trabalho para os condenados pelo sistema penal secular assentou-se muito tempo na suposição de “pena”, no sentido etimológico do termo: como castigo, o trabalho deveria ser penoso, não remunerado, monótono. Das galés às pedreiras, o trabalho não tinha utilidade para o indivíduo que o praticava, exceto a de pagar a dívida contraída com a sociedade.13 Beccaria ainda afirmava que o trabalho que transformava os condenados em “bestas de carga” era um meio de punir mais eficaz do que a própria pena de morte. 13 BRANT, Vinícius Caldeira. O trabalho encarcerado. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 107. 45 Atualmente, foram proibidos praticamente em todo o mundo, os trabalhos forçados como pena, sendo a laborterapia considerada como uma eficaz ferramenta para a reinserção social. Conforme dispõe o artigo 31 da Lei Execução Penal, o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho, na medida de suas aptidões e capacidade. Já o preso provisório, aquele ainda sem condenação definitiva (recolhido em razão de prisão em flagrante, prisão temporária, por decretação de prisão preventiva, pronúncia ou sentença condenatória recorrível), não está obrigado ao trabalho. Entretanto, as atividades laborterápicas lhes são facultadas e sua prática dará direito à remição da pena, tão logo venha a ser aplicada. Segundo Mirabete, essa obrigatoriedade decorre da falta do pressuposto de liberdade; pois, em caso contrário, poder-se-ia considerar a sua prestação como manifestação de um trabalho livre, que conduziria à sua inclusão no ordenamento jurídico trabalhista. Em se tratando de trabalho interno, a sua organização, métodos e atribuição estão submetidas às normas da Lei de Execução Penal (artigos 28 e seguintes). O trabalho realmente é um dos fatores que ajudam na ressocialização do preso, juntamente com a educação e outros. Entretanto, sobre a obrigatoriedade do trabalho, dispõe José Pastore: “Não há dúvida que trabalhar sempre é bom. No caso do trabalho prisional, porém, é preciso ter muito cuidado. Toda e qualquer atividade forçada é terminantemente proibida por convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. (...) As Convenções 29 e 105 da OIT (aprovadas pelo Brasil), por exemplo, impedem essa prática. O trabalho deve ser oferecido aos presos como alternativa de redução de pena, aprendizagem de 46 bons hábitos e geração de renda pessoal e executado na base voluntária (ILO, 14 Stopping Forced Labour, Genebra: Organização Internacional do Trabalho,2001)” Desta forma, o trabalho duro e penoso não deverá ser imposto a nenhum preso, pois essas Convenções da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas pelo Brasil, estariam sendo violadas. Os presos estão submetidos a qualquer tipo de trabalho, como trabalhos manuais sem valor real, serviços de limpeza, ajuda na cozinha, pequenos reparos e etc. Saindo da prisão não terão condições de enfrentar o mercado de trabalho, pois além do estigma de expresidiário, não haverá correspondência das atividades exercidas dentro da prisão e a necessidade real do mercado de trabalho. Concernente, Vinícius Caldeira Brant, assere que: [...] o enorme tempo despendido nessa produção (trabalhos manuais), está claro para a maior parte deles que se trata de um “trabalho de preso”, não suscetível de 15 converter-se em fonte permanente de subsistência quando estiverem em liberdade. Assim, o trabalho que visa a recuperação e ressocialização do preso não deverá ser forçado e tedioso; deverá sim é proporcionar a qualificação profissional a qual possibilite a ingresso, ou reingresso, no mercado de trabalho para o ex-presidiário. Acerca do tema, José Pastore discorre: “Além disso, os presos precisam ser ajudados por mecanismos de reintegração, através dos quais algum tipo de estímulo é oferecido às empresas que empregarem ex-presidiários. (Shawn Bushway e Peter Reuer, “Labor markets and crime risk factors”, in Lawrence W. Sherman e outros, Preventing crime, University of Maryland, 1997). Nessas condições o trabalho prisional é dignificante, acrescenta capital humano nos 16 presos, ajuda suas famílias e os prepara para uma nova vida.” 14 PASTORE, José. O alcance do trabalho prisional. Publicado em O Estado de São Paulo, em 22/05/2001. Disponível em:< http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/152.htm, Acesso em: 11 ago. 2005. 15 BRANT, Vinícius Caldeira. O trabalho encarcerado. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p.125. 47 Nos Estados Unidos, Inglaterra, França e outros países, as “prisões privadas” são presídios onde as empresas utilizam a mão-de-obra carcerária. Nessas penitenciárias, os programas usados propiciam ao preso exercer trabalhos modernos, sendo para tanto treinados e preparados para exercer modalidades de empregos desejadas pelo mercado. Assim os presos trabalham como operadores de telemarketing, executores de serviços especializados em eletrônica e telecomunicações, processam documentos para as burocracias governamentais e etc. Ainda que o impacto do trabalho do preso não seja dos mais expressivos na formação do Produto Interno Bruto, as atividades laborais produzem benefícios significantes ao preso, corrobora José Pastore: Se de um lado, o impacto econômico direto do trabalho prisional na formação do PIB é minúsculo, de outro, a aprendizagem e exercício voluntários de atividades modernas têm um importante efeito na condição psicológica dos presos. Na maioria dos casos eles se sentem menos tensionados por repassarem alguma renda aos seus familiares e menos inseguros para enfrentar um mercado de trabalho que muda dia-a-dia. Este aspecto é muito relevante. Para uma boa parcela dos presos, é desesperador ficar encarcerado, sabendo que sua família está sem renda e passando dificuldades. E que quando sair do presídio, cairá num cipoal de problemas que o leva de volta ao crime. São pessoas que se sentem como não tendo nada antes de entrar na prisão e menos ainda quando saem. O desafio para o Estado é saber o que fazer durante o período em que eles ficam presos. O investimento em profissões úteis e 17 contemporâneas é fundamental. Assim, o trabalho do preso poderá além de reduzir para o Estado os custos de sua manutenção, também ajudará na formação do preso e em sua volta a convivência em sociedade. 16 .PASTORE, José. O alcance do trabalho prisional. Publicado em O Estado de São Paulo, em 22/05/2001. Disponível em: <http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/142.htm>. Acesso em: 11 ago. 2005. 17 Idem. O alcance do trabalho prisional. Publicado em O Estado de São Paulo, em 22/05/2001. Disponível em: <http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/142.htm>. Acesso em: 11 ago. 2005. 48 Capítulo 3 TRABALHO DO ENCARCERADO E RESPONSABILIDADE SOCIAL DA EMPRESA 3.1. Importância do Trabalho na Recuperação do Preso A legislação penal além de coibir a atuação dos infratores, tem por escopo a recuperação do apenado para que este não venha cometer novo crime. Desta forma, o grande desafio atual é criar condições para que isto realmente ocorra. [...} o preso se vê como alguém que precisa provar à sociedade que “se recuperou” e ao mesmo tempo, esbarra com a evidência de que essa mesma sociedade oferece pouca ou quase nenhuma chance para que ele volte à situação anterior à sua vinda para a cadeia. [...] O fato da sociedade discriminar os que saem da prisão, segundo os presos, faz com 18 que eles facilmente retornem à chamada vida do crime. O trabalho desenvolvido no interior das prisões é visto pelos legisladores administrativos, governantes e pela população em geral, como forma de sanar os “males” daqueles que transgridem as regras legais de uma sociedade e são para aquelas instituições enviadas. Considera-se que o caminho trilhado pelo criminoso tenha sempre como précondição o complemento ócio, a desocupação, mentes da desordem, dos vícios, da transgressão e conseqüentemente do crime. O combate a esse viveiro dos desvios só poderia se fazer modelando os indivíduos condenados aos bons e saudáveis hábitos da disciplina do trabalho. Na prisão eles devem ser ressocializados e estimulados a uma vida de 18 RAMALHO, José Ricardo. Mundo do crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro: Graal, 1983, p113 e 115. 49 virtudes por meio de exercícios cotidianos nas atividades laborativas. A idéia, que se vê no trabalho do homem encarcerado, é que juntamente com outras medidas como a educação, pode vir a ser a varinha de condão que ajudará a diminuir a criminalidade e transformar o bandido num polido ou minimamente disciplinado trabalhador. A atual situação brasileira expressa sobretudo pelos altos índices de desemprego, perda de poder aquisitivo, refletindose numa pobreza absoluta, que devora cada vez mais o contingente de nossa população, contribui para o aumento da criminalidade e o trabalho é visto como uma das formas de solução. O trabalho do preso tem como uma das finalidades a laborterapia, a qual possibilita a diminuição das tensões, da ociosidade e tem reflexos positivos na disciplina e postura dentro da penitenciária. O trabalho do preso deve ser predominantemente produtivo. Roberto da Silva faz uma diferenciação entre as características do trabalho do preso adulto e do adolescente em cumprimento de medida sócio-educativa e dos presos em diferentes regimes de pena: Diferentemente do trabalho oferecido a adolescentes, que tem conotação mais formativa do que produtiva, o trabalho do preso precisa ser predominantemente produtivo. O enfoque em treinamento, capacitação e profissionalização é mais adequado para aqueles que estão em regime fechado, com mais tempo para cumprimento da pena, e para atividades de formação, reservando-se as tarefas de caráter produtivo para os regimes semi-aberto e aberto, que precisam de trabalho 19 produtivo e remunerado como primeiro passo para sua efetiva reinserção social. O cumprimento progressivo da pena permite que o trabalho do preso seja concebido como um processo O objetivo da instituição, ao desenvolver os presos, é de cumprir com sua responsabilidade em relação à vida útil deles, uma obrigação constitucional. Desenvolver 50 significa também ajudar a capacidade natural de cada um crescer, remover obstáculos para permitir que o indivíduo leve sua capacidade ao limite máximo. Desenvolver significa elevar a capacidade dos presos e promover sua auto motivação. Há três métodos diferentes de se iniciar este processo. O primeiro, é examinar os níveis de capacidade dos presos em suas posições atuais e acrescentar novas tarefas aos seus serviços, antes que se tornem rotineiras e sem desafios. O segundo é levantar o nível global de habilidade, transferindo periodicamente todo preso para uma nova posição na qual ele na tenha experiência. O terceiro método é transferir presos, que já tenham alcançado certo nível de capacidade, designando-os para novas posições em outros setores e oferecendo a eles novas oportunidades para crescer. O trabalho pode, portanto, proporcionar ao condenado, o seu desenvolvimento de responsabilidade e de dever para com a sociedade, desde que lhe permita o reingresso ao exigente mercado de trabalho da atualidade. Assim, ao retornar a sociedade, não muito provavelmente procurará novamente a criminalidade. Assevera Foucault: O trabalho penal deve ser concebido como sendo por si mesmo uma maquinaria que transforma o prisioneiro violento,agitado, irrefletido em uma peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade. A prisão não é uma oficina; ela é, ela tem que ser em si mesma uma máquina de que os detentos-operários são ao mesmo tempo as engrenagens e os produtos; ela os “ocupa” e isso continuamente, mesmo se fora com o único objetivo de preencher seus momentos. Quando o corpo se agita, quando o espírito se aplica a um objeto determinado, as idéias importunas se afastam, a calma renasce na alma. [...] O trabalho pelo qual o condenado atende a suas próprias necessidades requalifica o ladrão em operário dócil. E é nesse ponto que intervém a utilidade de uma retribuição pelo trabalho penal; ela impõe ao detento a forma “moral” do salário como condição de sua existência. [...] 19 SILVA, Roberto da. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo, Instituto Ethos, 2001, p. 51 A utilidade do trabalho penal? Não é um mucro; nem mesmo a formação de uma habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica vazia, de um esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho 20 de produção. Pelo exposto, observa-se que o trabalho, conjuntamente com a educação e outros tipos de medidas ressocializadoras, é uma forma eficaz de reinserção do preso à sociedade. Desta forma, apostar no trabalho do preso é em sua reabilitação através das atividades laborais, é de suma importância para o desenvolvimento de um sistema penitenciário justo e eficaz. 2.2 Questão penitenciária: problema de todos Em todos os sentidos, o sistema penal brasileiro é enorme. O Brasil encarcera mais pessoas do que qualquer outro país na América Latina. Vários estabelecimentos prisionais mantêm entre duas e cinco vezes mais presos do que suas capacidades comportam. As condições das penitenciárias brasileiras são péssimas.A pena mais grave é perder o bem mais valioso inerente ao ser humano- com exceção, obviamente, à vida- a liberdade de ir e vir. O Estado então, obriga-se a responsabilizar-se pela manutenção da vida do condenado. O delito e a prisão são problemas da comunidade, nascem na comunidade e nela devem encontrar fórmulas de solução positivas. É um problema de todos. Nada mais errôneo supor que o crime representa um mero enfrentamento simbólico entre o infrator e a lei. E que o delito preocupa e interessa somente à policia, ao Judiciário e a administração penitenciária. 20 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987, p.203 e 204. 52 Neste sentido, dispõe Roberto da Silva: Condenar um criminoso à prisão é o resultado do julgamento que a sociedade faz para afasta-lo do convívio social, protegendo-se contra novos crimes e dando-lhe a oportunidade de corrigir-se. Do ponto de vista moral, a prisão constitui-se num dos piores lugares em que o ser humano pode viver. No Brasil, por uma série de fatores, as prisões estão abarrotadas. A inexistência de uma legislação adequada e a lentidão dos procedimentos judiciários são as causas próximas dessa superpopulação nas prisões. Mais remotamente, porém, vemos na raiz desses males uma profunda desigualdade social e a péssima distribuição de renda, que ampliam os casos de delinqüência infanto-juvenil e alimentam a violência. O resultado é a alta taxa de criminalidade que afeta nossa qualidade de vida e até nossa auto-estima como povo. Assim, não é possível ignorar o fenômeno criminal. Nesse sentido, a questão penitenciária não pode ser vista como um problema apenas do governo. Sua dimensão e complexidade são tantas que somente uma ação integrada, que reúna esforços de toda sociedade e promova a reflexão e a discussão de seus diversos 21 aspectos, permitirá a descoberta de soluções. É nesse ponto que a atuação da empresa privada, sua responsabilidade social aparecem. A empresa deve estar inserida nos problemas sociais mais profundos da sociedade. Desde de projetos que visem educação aos analfabetos, passando pelo assistencialismo aos miseráveis e chegando na reabilitação do condenado, a empresa deve atuar objetivando a melhoria da sociedade. A prisão é um espaço onde as empresas podem exercer sua responsabilidade social de maneira decisiva para o futuro. Para tanto, é preciso entender o significado da pena e da prisão e conhecer quem são o homem e a mulher que estão cumprindo pena. Assegurar a eles condições de efetiva reabilitação implica criar alternativas para 22 que sejam reinseridos na sociedade e no mundo do trabalho. A sociedade deve conscientizar-se para que não atue de forma preconceituosa e sim acolhedora, oferecendo as oportunidades para que este não volte a reincidir, tendo 21 SILVA, Roberto da. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo: Instituto Ethos, 2001 p. 9. 22 Idem. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo: Instituto Ethos, 2001 p. 9. 53 consciência de que o preso pertence a ela e com uma política voltada à qualificação do preso, quem sairá lucrando é a sociedade. 3.3 Responsabilidade Social da Empresa Há duas décadas atrás, em 1980, no Brasil, era quase impossível imaginar que, algum dia, uma empresa pudesse ser avaliada pelo mercado, a partir de seu desempenho ético e do relacionamento que ela tem com a comunidade e demais públicos de interesse. No entanto, o país tem percebido, cada vez mais, uma força mobilizadora tomando conta da consciência dos indivíduos e sensibilizando as mais variadas instituições. Esse fenômeno, denominado Responsabilidade Social Empresarial vem sendo discutido, incessantemente, no meio empresarial e acadêmico e, despertando na sociedade, a importância da atuação socialmente responsável pelas organizações em geral. Nem é preciso ser um bom observador para verificar que as empresas socialmente responsáveis, que pensam não somente no lucro, mas, acima de tudo, no ser humano, são mais valorizadas e reconhecidas, com a preferência dos seus clientes. Essas ações estão se transformando numa poderosa vantagem competitiva no desenvolvimento dos negócios das 54 organizações, já que os consumidores valorizam a preocupação das empresas em tornar a sociedade mais equilibrada, com menos injustiças e desigualdades A prática demonstra que um programa de responsabilidade social só traz resultados positivos para a sociedade, e para a empresa, se for realizado de forma autêntica. É necessário que a empresa tenha a cultura da responsabilidade social incorporada ao seu pensamento. Desenvolver programas sociais apenas para divulgar a empresa, ou como forma compensatória, não traz resultados positivos sustentáveis ao longo do tempo. Porém, nas empresas que incorporarem os princípios e os aplicarem corretamente, podem ser sentidos resultados como valorização da imagem institucional e da marca, maior lealdade do consumidor, maior capacidade de recrutar e manter talentos, flexibilidade, capacidade de adaptação e longevidade.23 Empresas não devem satisfações apenas aos seus acionistas. Muito pelo contrário. O mercado deve agora prestar contas aos funcionários, à mídia, ao governo, ao setor nãogovernamental e ambiental e, por fim, às comunidades com que opera. Empresas só têm a ganhar na inclusão de novos parceiros sociais em seus processos decisórios. Um diálogo mais participativo não apenas representa uma mudança de comportamento da empresa, mas também significa maior legitimidade social. A Iniciativa Privada, a priori, relacionava-se com o sistema penitenciário, através de processos licitatórios, construindo ou reformando prisões, fornecimentos em geral e, sem muita freqüência, prestava-lhe serviço. Posteriormente, através de iniciativas próprias, ou por meio de convites de dirigentes penitenciários, a mão-de-obra carcerária começou a ser utilizada pela empresas. 23 Instituto Ethos. Disponível em: <http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3344&Alias=Ethos&Lang=pt-BR> Acesso em 10 outubro. 2005. 55 Entretanto, a iniciativa privada, tradicionalmente, opta pela mão-de-obra carcerária por ser esta abundante e barata e pela vontade de realizar a filantropia. Sobre o assunto, comenta Roberto da Silva: Tradicionalmente, a opção pelo emprego da mão-de-obra de presos por parte de empresas tem sido regida por duas motivações muito simplistas: a perspectiva de utilização de mão-de-obra constante e barata ou a intenção de realizar a filantropia, 24 por vezes estando presentes ambas simultaneamente. Ainda que a primeira vista o investimento em ações relativas â política criminal e penitenciária não interessem a todas as empresas, mas somente algumas que possuem relação direta com o sistema penitenciário, essa é uma visão errônea. Ao se investir em política criminal e penitenciária, a empresa contribuirá para a diminuição da criminalidade, para a devolver a credibilidade das leis, da Justiça, do Direito e suas instituições. Contribuí-se ainda para a constituição de um ambiente confiável, um aumento na produtividade do trabalho realizado pela empresa e ainda gera crescimento econômico. Esta ação traduz-se responsabilidade social em uma forma de grande importância. As razões pelas quais as empresas podem e devem investir em política criminal e penitenciária não são mais de natureza filantrópica. São, fundamentalmente, razões de sobrevivência a longo prazo. Os sonhos, projetos e ambições realizáveis por meio do trabalho e da ascensão gradativa na carreira profissional estão hoje comprometidos em função da violência e da criminalidade. Cooperar para combater esses fatores representa, pois, uma relevante contribuição social que as empresas podem promover, além de possibilitar a consolidação de um cenário mais favorável aos negócios e ao desenvolvimento econômico. O caráter decisivo do apoio empresarial está ligado não somente aos recursos financeiros que ele pode representar, mas principalmente ao fato de as empresas disporem de capacidade de gestão que possibilita elaborar e implementar soluções 25 estratégicas. 24 SILVA, Roberto da. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo: Instituto Ethos, 2001, p. 20. 25 SILVA, Roberto da. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo: Instituto Ethos, 2001, p.22. 56 A utilização do trabalho do preso é meio idôneo para as empresas praticarem o verdadeira responsabilidade social que lhes é inerente. A Iniciativa Privada deve atuar com mais afinco nesse terreno, e assim, cooperar, com a ressocialização do preso e com a diminuição da criminalidade. O setor empresarial conjuntamente com o sistema penitenciário, possui formas eficazes para que se a execução penal seja cumprida. 3.4 Ajudando a transformar o egresso em cidadão O egresso penitenciário é aquele condenado o qual cumpriu sua pena e que agora retorna a sociedade. Ele é maior indicador se o trabalho realizado dentro das penitenciárias está realmente sendo eficaz ou não, pois o esforço consiste em evitar, ou ao menos reduzir a reincidência criminal. Assim, ao sair da prisão, o preso está em situação tão crítica quanto a qual estava quando entrou. Três fatores desencadeiam a reincidência criminal, em ordem decrescente de proporção respectivamente: a) a falta de moradia, qual seja o principal motivo; b) ausência de uma atividade lícita para obter seu sustento; c) falta de apoio familiar. 57 A reincidência é o principal indicador da falência de qualquer sistema de atendimento jurídico-social, pois revela que as pessoas adentram as instituições por apresentarem certas deficiências, seja de moradia, escolaridade, qualificação profissional ou de caráter e personalidade, e, qualquer que seja o tempo que tenham passado sob os cuidados das instituições, ao saírem apresentam as mesmas deficiências que 26 originaram sua entrada no sistema. E daí que vem a constante recaída do egresso, que volta a ser encarcerado, pois o lugar o qual devia reintegrá-lo a sociedade, transformando-o em cidadão de bem, o afunda mais ainda na criminalidade, e o faz retornar a bandidagem. Para a assistência ao egresso foi desenvolvido o processo de desprisionização, o qual consiste na forma de assistência através da moradia, trabalho, regulamentação de sua personalidade jurídica e documentação civil e uma gradual adaptação à vida em liberdade. O trabalho é um dos pilares desse processo de desprisionização, uma vez que, através dele, o egresso adquire confiança para uma nova vida longe da criminalidade. 3.5 Projetos de Empresas Algumas experiências bem sucedidas demonstram que a parceria das empresas e do sistema penitenciário, depende de boa vontade de ambas as partes. A sociedade ganha com tal associação, permitindo a diminuição da reincidência, da criminalidade e melhorando a vida em sociedade. 26 SILVA, Roberto da. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo: Instituto Ethos, 2001. p.44. 58 a) Projeto Acreditar e Agir- Uberlândia (MG) Iniciado em 2001, com o objetivo de recuperar presos, os presos da Colônia Penal Jacy de Assis, começaram fabricando capas de celulares, que posteriormente foram comercializadas por diversas empresas. O projeto oferece ainda apoio às famílias dos presidiários por meio de visitas mensais. b) Ramblas Propaganda e Design em Papel- São Paulo (SP) São centenas de presos de diversos presídios que produzem cartões tridimensionais, desenvolvidos especialmente para as empresas as solicitam os serviços. Os presos recebem treinamento especial e ganham por unidade produzida. A empresa contrata ainda expresidiários. c) Projeto Reciclando Homens- Florianópolis (SC) Neste projeto, os presos trabalhadores reciclam papéis, por meio de um processo que envolve várias etapas, todas ecologicamente corretos. A empresa possui metade de suas instalações dentro de presídios. d) Programa dos Correios para Apenados- Brasília (DF) Este projeto permite que presos em regime semi-aberto executem tarefas como triagem de cartas e serviços de apoio, sendo estes capacitados quando definitivamente liberados. 59 e) Projeto Fred: Transformando Drama em Trama- Contagem (MG) Foram instaladas em algumas penitenciárias do município de Contagem oficinas nas quais de confeccionam tapeçarias típicas de Minas Gerais. As peças produzidas são de grande beleza e razoável valor econômico. f) Real Food: O preso como principal cliente- Santo André (SP) A empresa Real Food fornece alimentos prontos para as penitenciárias e ainda utiliza a mão-de-obra carcerária, propondo-se a recolocar os egressos no mercado de trabalho 60 CONCLUSÃO Atesta-se por todo o exposto, que o trabalho é um dos pilares que baseiam a ressocialização do preso. O ideal ressocializador é a prevenção especial positiva, que consiste na intervenção positiva sobre o condenado. O castigo penal deve ter um impacto real positivo sobre o condenado. Privilegia-se a execução penal, que deve habilitar o infrator para se integrar e participar da sociedade, sem traumas, limitações, ou condicionamentos especiais. Entretanto, várias mudanças devem acontecer. No contexto desta pesquisa pode-se salientar que os cursos profissionalizantes devem qualificar o preso para o mercado de trabalho formal. Diante da tentativa de ressocialização o preso fica a margem dos conceitos referentes à cidadania, uma vez que não se consegue efetuar satisfatoriamente sua reintegração à sociedade, devido a sua falta de qualificação e despreparo, bem como o estigma do qual é refém. A reintegração do preso possui deficiências as quais põem em risco uma política efetiva, e por conseguinte, plena ressocialização do preso à sociedade. A sociedade possui reservas de discriminação para com o preso. Este ao retornar ao convívio social, não é receptado devido às implicações do estigma de preso e/ou ex-presidiário na maioria dos casos, o ex-preso não é absorvido pelo mercado de trabalho. Constata-se ainda através do estudo realizado, que o desemprego e o trabalho em condições injustas, tem um estreito liame com a criminalidade. Não significa isso que a 61 população pobre cometa mais delitos, mas sim que a tolerância do aparelho policial e judiciário com essa facção da sociedade seja diferenciada. Para tanto, a conscientização de que a questão penitenciária não é apenas problema do governo, e sim de toda a sociedade é essencial. Agir como se a ressocialização do preso não atingisse cada indivíduo, estando ele ligado ou não ao detento, é alienar-se da realidade. Desta forma, a Iniciativa Privada deve agir, procurando fazer valer sua responsabilidade social, e ajudando a reintegrar o apenado, proporcionando-lhe emprego e especialização, compatíveis com o exigente mercado de trabalho existente nos dias de hoje. Atuando dessa forma, a pena aplicada, enfim, poderá cumprir com um de seus papéis, qual seja, devolver o condenado à sociedade, reabilitado, através do caráter reeducador da sanção. 62 REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2 ed. Ver. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. BOBBIO, Noberto. A era dos delitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1992. BRASIL, Constiuição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 02 set. 2005. BRASIL, Código Penal. Colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Cérpedes. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei e Execução Penal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 05 ago. 2005. BRANT, Vinícius Caldeira. O trabalho encarcerado. Rio de Janeiro: Forense, 1994. COSTA, Alexandre Marino. O trabalho prisional e a reintegração social do detento. Florianópolis: Insular, 1999. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 21 ed. Petrópolis: Vozes, 1987. 63 GOULART, José Eduardo. Princípios informadores do direito da execução penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. HERKENHOFF, João Batista. Crime: Tratamento sem prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. 2. ed. Ver. E atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. MAIA NETO, Cândido Furtado. Do trabalho. In____. Direitos Humanos do preso: Lei de Execução Penal, lei nº 7.210/84. Rio de Janeiro: Forense, 1998. MIOTO, Arminda Bergamini. Curso de direito penitenciário. São Paulo: Saraiva, 1975, 2v. MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-84. 9. ed. Ver. E atual. São Paulo: Athas, 2000. MONTEIRO, Adalberto. Reintegração Social do Preso-Utopia e Realidade. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero15/mesaredonda22.pdf>. Acesso em 16 out. 2005 PASTORE, José. O alcance do trabalho prisional. Publicado em O Estado de São Paulo,em 22/05/2001. Disponível em: <http://www.josepastore.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/142.htm>;<http://www.josepastor e.com.br/artigos/relacoestrabalhistas/152.htm>. Acesso em: 11 ago. 2005. RAMALHO, José Ricardo. Mundo Crime: a ordem pelo avesso. Rio de Janeiro: 2 ed. Graal, 1983. SILVA, Roberto da. O que as Empresas Podem Fazer pela Reabilitação do Preso. São Paulo: Instituto Ethos, 2001. 64 VIEIRA, Liliane dos Santos. Pesquisa e Monografia Jurídica na Era da Informática. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. 65 APÊNDICE A- Questionário 66 QUESTIONÁRIO Idade:___________________________________________________________________ Grau de Escolaridade:______________________________________________________ Situação Processual: ( ) reincidente ( ) primário 1) Você estava empregado quando foi preso? ( ) sim ( ) não 2) Se a sua resposta for sim, qual era o seu trabalho? ( ) Indústria ( ) Comércio ( ) Autônomo ( ) Funcionário Público ( ) Outros. Qual?_________________ 3) Se sua resposta for não, quanto tempo estava desempregado? ( ) 1 mês a 6 meses ( ) 7 meses e 1 ano ( ) mais de um ano 4) Aprendeu alguma nova profissão na prisão? Qual? 5) Sente-se satisfeito com o trabalho? 6) Por qual motivo você trabalha na prisão? ( ) remição da pena ( )remuneração recebida pelo trabalho ( )qualificação profissional ( ) Outros. Qual? __________________ 7) Acredita ser mais fácil encontrar novo trabalho após sair da prisão uma vez que já estava trabalhando enquanto preso? 8) O trabalho poderá ajudar na reabilitação para o retorno da vida em sociedade? 67 ANEXO A- Representações gráficas dos dados obtidos através da pesquisa de campo no Centro de Progressão Penitenciária/CPP 0% 5% 24% 19% 18 a 20 anos 21 a 25 anos 26 a 30 anos 35 a 40 anos 41 anos ou mais 52% Figura 1- Faixa Etária 11% 11% 26% 52% Ensino Fundamental (1ª a 8ª série incompleto) Ensino Fundamental (1ª a 8ª série completo) Ensino Médio( 1º ao 3º ano incompleto) Ensino Médio( 1º ao 3º ano completo) 68 Figura 2- Grau de escolaridade 30 Primário 20 Reincidente 10 Reincidente Primário 0 Figura 3-Situação Processual 69 25 20 15 10 5 0 Desempregado Empregado Desempregado Figura 4-Emprego fixo antes da prisão 0% 13% 10% 15% Indústria 27% Comércio Autônomo Serviços Gerais Servidor Público 35% Figura 5- Qual era o trabalho antes da prisão Outros 70 20 15 10 5 0 1 ano ou mais Figura 6- Quanto tempo desempregado 1 ano ou mais 7 meses a 1 ano 1 mês a 6 meses 71 38% SIM NÃO 62% Figura 7 - Aprendeu nova profissão na prisão 13% 0% 13% 17% Panificadora Confecção de bolas Alfaiatara Marcenaria Cozinha 57% Figura 8 - Trabalhos realizados dentro da prisão 72 13% 13% Remissão da Pena 17% Remuneração Qualificção Profissional Outros 57% Figura 9- Por qual motivo trabalha 20 15 SIM 10 NÃO 5 SIM 0 Figura 10- Acredita ser mais fácil encontrar novo trabalho ao sair da prisão se estiver trabalhando enquanto preso 5% SIM NÃO 95% 73 Figura 11- Trabalho prisional ajuda na reabilitação do preso