LITERATURA BRASILEIRA – AULA 7 PROF.ª DR.ª MARCIA VEIGA BUCHEB Aula 7 O REALISMO: ARTE E REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE Mulheres peneirando trigo -Gustave Courbet • Realismo: • a expressão, o mais possível fiel, de cenas do cotidiano busca um recorte objetivo, sem o envolvimento emocional daquele que as recria. • movimento amplo, que engloba e define uma maneira peculiar de ver o mundo e representá-lo, principalmente com objetividade e fidelidade à descrição dos detalhes. • “Os modelos do passado(...) são preteridos em favor dos fatos e das pessoas da vida contemporânea investigados em cada uma de suas particularidades. A minuciosidade da descrição torna mais lento o ritmo narrativo...” (Luciana StegagnoPicchio) Contexto intelectual: • Charles Darwin publica, em 1859, sua obra A origem das espécies • O Capital – conjunto de obras do intelectual alemão Karl Marx– foi publicado em 1867 • Augusto Comte: Discurso sobre o espírito positivo, publicada em 1848. • Hippolyte Taine:método determinístico defendia que três leis orientavam a produção estética: a herança, o ambiente e o momento. A Abolição conquistada em 1888, mediante à assinatura da Lei Áurea, e a Proclamação da República, em 1889, alteraram a estrutura política e econômica brasileira de forma bastante radical, e não de forma pacífica. As revoltas subsequentes, principalmente originadas pelo desacordo com os ideais republicanos, foram silenciadas com crueldade e violência na República Velha, tais como a Revolta da Armada e a Revolução Federalista, em 1893. • No campo das ideias, é importante registrar o nascimento da “Escola do Recife”, grupo formado por intelectuais oriundos da Escola de Direito, formado por Tobias Barreto, Graça Aranha e Sílvio Romero , personagens que marcaram profundamente a história brasileira. • A arte, nesse momento, receberá uma missão: a de ser um instrumento de mudança social. Assim, ao artista não se permitia expor o seu envolvimento com a realidade; o seu papel é meramente de observador atento e crítico. • A crítica à degradação da sociedade constitui tema do Romance de Tese. Trata-se do romance cujo objetivo é o de defender a tese de que as relações sociais não evoluíram como a ciência. • No Brasil, o marco inicial do movimento se registra com a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, em 1881, de Machado de Assis; mesmo ano da publicação de O mulato, de Aluísio Azevedo. As tendências: • Sob a nomenclatura convivem três tendências: o Realismo, propriamente dito; o Naturalismo; o Parnasianismo. • “ O Realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das ‘leis naturais’ que a ciência da época julgava ter codificado; ou se dirá parnasiano, na poesia, à medida que se esgotar no lavor do verso tecnicamente perfeito.” (BOSI, A. 2003.p. 168) Diferenças entre Realismo e Naturalismo • O cenário preferido dos realistas é a vida das cidades, da classe média, dos pequenos proprietários, e suas veleidades. Já os naturalistas, focalizam as classes mais baixas, os escravos, os trabalhadores braçais e imigrantes. Um bilhete Antes mesmo que acabasse o baile, Maria Adelaide dizia à mãe que não queria ficar um minuto mais que fosse. — Que é isso? disse-lhe a mãe. Deu uma hora agora mesmo. — Não quero saber. Vamo-nos embora. — Ora, meu Deus! — Vamos, vamos. Não havia que dizer, a mãe era governada pela filha, e perderia o lugar no céu, se tanto fosse preciso, para não desgostá-la. Note-se que não cedia pouco desta vez; cedia a ceia, que era excelente, e a boa viúva professava esta filosofia: — que as ceias excelentes são preferíveis às boas, as boas às más e as más às que não têm existência. Sacrificava a melhor parte do baile; mas, enfim, contanto que a filha não padecesse. Padecer, padecia. No carro, logo que as duas entraram, Maria Adelaide começou a ralhar com tudo, com o carro, com a capa, com o calor, com o pó, com a mãe e consigo mesma. A mãe entendeu logo: era algum desgosto que o Chico Alves lhe dera. Realmente, lembrou-se que o Chico Alves, indo despedir-se delas, nem alcançou que Maria Adelaide olhasse para ele. A moça deu-lhe os dedos, a pontinha apenas, e falou-lhe de costas; naturalmente estavam brigados. A viagem foi atribulada. Nunca o mau humor da moça foi tamanho nem tão explosivo. A mãe pagou pelo namorado, mas como era prudente e estava com fome, preferiu não dizer nada. Em casa, continuou o mau humor. A pobre criada da moça padeceu como nunca. Maria Adelaide entrou para os seus aposentos, furiosa, despiu-se às tontas, dizendo coisas duras, rasgando uma das mangas do vestido, atirando as flores ao chão, raivosa e indignada sem causa aparente. No fim, disse à criada que se fosse embora, e ficando só rebentaram-lhe as lágrimas. Assim mesmo sozinha, ia falando, mordendo os lábios, dando punhadas no joelhos. Depois arrancou da cadeira, foi à secretária e escreveu este bilhete: Nunca pensei que o senhor fosse tão pérfido. Nunca imaginei que pudesse proceder como fez no baile; creia que não manifestei o meu desgosto, por dois motivos: — o primeiro, porque ainda tive força de me dominar; segundo, porque depois do que o senhor me fez, nada pode haver mais entre nós. Case-se com a viúva, se quer. Mande as minhas cartas e adeus. Esta determinação é irrevogável. Qualquer tentativa de reconciliação obrigar-me-á ao que não quero. Tinha dado expansão à cólera, deitou-se para dormir. O sono não veio logo; a raiva agitou a pobre moça, e só quando começou a madrugada foi que ela pôde dormir um pouco. No dia seguinte, o Chico Alves recebia este bilhete: Desculpa algumas palavras que te disse ontem no baile. Estava muito zangada. Vem hoje tomar chá, e eu te explico tudo. Machado de Assis “A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas. O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se;já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.” O cortiço. Aluísio Azevedo