Contabilidade
O Sistema de Normalização Contabilística
32
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
1. A Proposta do Sistema de Normalização
Contabilística
1.1. Introdução
O Conselho Geral da Comissão de
Normalização Contabilística (CNC), na
sua reunião de 3 de Julho de 2007, procedeu à aprovação da proposta do Sistema
de Normalização Contabilística (SNC) a
submeter à apreciação Governamental. No
Relatório do Orçamento de Estado para
2008, o Governo reconhece que a transição para o Sistema de Normalização constituirá um processo complexo e exigente,
que implicará um esforço de adaptação
das empresas e profissionais, motivado
pelas alterações profundas que impõe na
organização interna e nos procedimentos,
devendo por isso ser preparada com a
necessária antecedência.
Assim, de modo a proporcionar a oportunidade de uma ampla divulgação e de
participação de todos os interessados, o
Governo colocou o projecto do SNC em
consulta pública, de forma a recolher
sugestões e outros contributos para o respectivo aperfeiçoamento.
O presente artigo visa apresentar a visão
do autor sobre esta matéria, sendo o seu
único e exclusivo objectivo contribuir para
o processo de discussão pública proposto.
Contabilidade
1.2. A Génese da Proposta Apresentada
Como é reconhecido pelo Conselho Geral
da CNC, o modelo proposto teve como
ponto de partida o processo de aproximação verificada entre a União Europeia
e o International Accounting Standards
Board (IASB) que levou à aprovação da
aplicação das Normas Internacionais de
Contabilidade no seio da União Europeia,
nos termos do Regulamento (CE) n.º
1606/2002, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 19 de Julho.
Como consequência da norma comunitária anteriormente referida, em 15 de
Janeiro de 2003, a CNC publicou o documento “Projecto de Linhas de Orientação
para um Novo Modelo de Normalização
Contabilística”. O projecto em questão
apontava para dois níveis dirigidos a
dois grupos diferenciados de entidades
económicas, embora submetidos à mesma
estrutura conceptual e ao mesmo código
de contas.
O primeiro nível incluiria, obrigatoriamente, as contas individuais e consolidadas das entidades com valores mobiliários
admitidos à negociação num mercado
regulamentado de um Estado Membro e,
facultativamente para quaisquer outras
entidades, desde que as suas demonstrações financeiras fossem objecto de certificação legal de contas.
33
Contabilidade
O projecto apontava, conforme anteriormente referido,
para uma estrutura conceptual comum aos dois níveis,
seguindo a mesma a actual Estrutura Conceptual
para a Apresentação e Preparação de Demonstrações
Financeiras do IASB.
Seguindo esta linha de raciocínio, verificamos que o
projecto em discussão não se afasta significativamente
das linhas de orientação propostas, exceptuando a
existência de um referencial de normas específicas para
as entidades de pequena dimensão.
No ponto seguinte procuramos analisar em maior
detalhe os aspectos da Estrutura Conceptual proposta
pelo SNC.
2. A Estrutura Conceptual do SNC
A estrutura conceptual visa estabelecer os conceitos
que estão subjacentes à preparação e apresentação
das demonstrações financeiras para utentes externos,
visando a mesma:
a. Ajudar os preparadores das demonstrações financeiras na aplicação das Normas Contabilísticas e
de Relato Financeiro (NCRF) e no tratamento de
tópicos que ainda tenham de constituir assunto de
uma dessas Normas;
b. Ajudar a formar opinião sobre a aderência das
demonstrações financeiras às NCRF;
c. Ajudar os utentes na interpretação de informação
contida nas demonstrações financeiras preparadas;
e
d. Proporcionar aos que estejam interessados no trabalho da CNC informação acerca da sua abordagem à formulação das NCRF.
Adicionalmente, a própria Estrutura Conceptual define que a mesma não consiste numa Norma e, como
tal, não define normas para qualquer mensuração particular ou tema de divulgação. Deste modo, reconhece
que em alguns casos pode haver um conflito entre a
Estrutura Conceptual e uma qualquer NCRF. Nos
casos em que haja um conflito, os requisitos da NCRF
prevalecem em relação à Estrutura Conceptual.
A Estrutura Conceptual estabelece os conceitos subjacentes à preparação e apresentação das demonstrações financeiras para os utentes externos, tendo por
âmbito:
a. A definição do objectivo das demonstrações financeiras;
34
b. A definição das características qualitativas que
determinam a utilidade da informação contida nas
demonstrações financeiras;
c. A definição, reconhecimento e mensuração dos
elementos que integram as demonstrações financeiras;
d. Os conceitos de capital e de manutenção do capital.
Analisemos, então, de forma sucinta e breve, cada um
dos aspectos anteriores.
2.1.1. Os Utentes e a Informação Financeira
A questão de base consiste em identificar quais os
utilizadores da informação financeira, ou seja, quais os
utentes e as suas necessidades de informação, na medida em que elaboramos demonstrações financeiras para
suprir essas mesmas necessidades de informação.
A Estrutura Conceptual refere que, nos utentes das
demonstrações financeiras, incluem-se investidores
actuais e potenciais, empregados, mutuantes, fornecedores e outros credores comerciais, clientes, Governo
e os seus departamentos e o público. Eles utilizam as
demonstrações financeiras a fim de satisfazerem algumas das suas diferentes necessidades de informação.
De uma forma genérica, podemos sintetizar as necessidades dos utentes das demonstrações financeiras do
seguinte modo, atendendo ao documento em análise:
a. Investidores – preocupados com o risco inerente
do negócio e com a remuneração dos capitais
investidos;
b. Mutuantes – interessados na avaliação do risco de
incumprimento dos valores mutuados;
c. Fornecedores e outros credores comerciais – interessados em avaliar o risco de realização dos créditos concedidos e do grau de realização dos mesmos,
assim como a sua recuperação no tempo;
d. Colaboradores e clientes – interessados em avaliar
a continuidade das operações da entidade;
e. Governo e seus departamentos – interessados em
obter informação relevante do ponto de vista estatístico, de modo a avaliar a afectação de recursos
da economia, regulação das políticas tributárias,
entre outras matérias;
f. Público – interessado ou não, em obter informação
específica sobre a entidade.
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
Adicionalmente, a Estrutura Conceptual reconhece
que o Órgão de Gestão duma entidade tem a responsabilidade primária pela preparação e apresentação
das suas demonstrações financeiras, recorrendo a
outras informações, que não as previstas na Estrutura
Conceptual, para tomar decisões de gestão.
Deste modo, torna-se claro que o SNC preconiza, com
o objectivo das demonstrações financeiras, prestar
informações relevantes às entidades anteriormente
referidas, não se encontrando nos utilizadores referidos
e identificados a Administração Fiscal, na medida em
que a mesma exige regras próprias. Assim, as entidades devem adoptar as Normas Contabilísticas e de
Relato Financeiro propostas, decorrentes da Estrutura
Conceptual em análise, procedendo posteriormente à
necessária reconciliação dos princípios contabilísticos
com as normas fiscais em vigor.
Identificados os utilizadores, a Estrutura Conceptual
procede à definição dos objectivos das demonstrações
financeiras.
2.1.2. Os Objectivos das Demonstrações Financeiras
Ainda tendo por base a Estrutura Conceptual, constatamos que o objectivo das demonstrações financeiras
Contabilidade
consiste em proporcionar informação acerca da posição
financeira, do desempenho e das alterações na posição
financeira de uma entidade, que seja útil a um vasto
leque de utentes na tomada de decisões económicas.
Refere a Estrutura Conceptual que os utentes das
demonstrações financeiras que desejam avaliar o
zelo ou a responsabilidade do Órgão de Gestão pelos
recursos que lhe foram confiados, fazem-no a fim de
que possam tomar decisões económicas; estas decisões
podem incluir, por exemplo, deter ou vender o seu
investimento na entidade ou reconduzir ou substituir
o Órgão de Gestão.
Consequentemente, o objectivo das demonstrações
financeiras é o de proporcionar informação sobre:
a. A posição financeira;
b. O desempenho;
c. As alterações na posição financeira.
2.1.3. Pressupostos Subjacentes
Na sequência da Directriz Contabilística nº 18, podemos afirmar que a CNC privilegiou uma perspectiva
conceptual de substância económica para o relato
financeiro, claramente evidenciado nos pressupostos
35
Contabilidade
de base, os quais alicerçam o edifício proposto pelo
novo SNC.
Os dois pressupostos de base do SNC consistem no que
até aqui foram considerados princípios contabilísticos
ao nível do Plano Oficial de Contabilidade (POC):
a. Regime do acréscimo: a fim de satisfazerem os
seus objectivos, as demonstrações financeiras são
preparadas de acordo com o regime contabilístico
do acréscimo. Através deste regime, os efeitos
das transacções e de outros acontecimentos são
reconhecidos quando eles ocorram (e não quando
caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos
ou pagos), sendo registados contabilisticamente e
relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações
financeiras preparadas de acordo com o regime do
acréscimo informam os utentes, não somente das
transacções passadas envolvendo o pagamento e o
recebimento de caixa, mas também das obrigações
de pagamento futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo,
proporciona-se informação acerca das transacções
passadas e outros acontecimentos que sejam úteis
aos utentes na tomada de decisões económicas;
36
b. Pressuposto da continuidade: as demonstrações
financeiras são normalmente preparadas no pressuposto que uma entidade é uma entidade em continuidade e de que continuará a operar no futuro
previsível. Daqui que seja assumido que a entidade
não tem nem intenção, nem a necessidade de liquidar ou de reduzir drasticamente o nível das suas
operações; se existir tal intenção ou necessidade, as
demonstrações financeiras podem ter que ser preparadas segundo um regime diferente e, se assim
for, o regime usado deve ser divulgado.
Na opinião do autor, o facto de estarmos perante pressupostos e não princípios consiste numa alteração significativa. Enquanto que anteriormente falávamos em
princípios, os quais poderiam ser derrogados em situações específicas, actualmente estamos a falar de pressupostos de base, os quais não poderão ser derrogados,
sendo necessário os responsáveis pela elaboração das
demonstrações financeiras verificarem a existência de
situações que permitam validar e verificar os pressupostos em questão, assim como, será responsabilidade
das entidades responsáveis por expressar uma opinião
sobre as referidas demonstrações financeiras, proceder
à verificação de tais pressupostos.
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
2.1.4. Características Qualitativas
Em termos genéricos, podemos afirmar que as características qualitativas são os atributos que tornam a
informação apresentada nas demonstrações financeiras
útil aos utentes. As quatro principais características
qualitativas são a compreensibilidade, a relevância, a
fiabilidade e a comparabilidade.
Alguns destes conceitos encontram-se já tratados no
POC.
2.1.5. Imagem Verdadeira e Apropriada
De acordo com a Estrutura Conceptual, a imagem
verdadeira e apropriada não pode ser vista como um
conceito absoluto, mas sim como algo que tendencialmente se atingirá através duma boa, sensata e ponderada aplicação das características qualitativas e das
normas contabilísticas.
As demonstrações financeiras são frequentemente
descritas como mostrando uma imagem verdadeira e
apropriada de, ou como que apresentando apropriadamente, a posição financeira, o desempenho e as alterações na posição financeira de uma entidade. Se bem
que a Estrutura Conceptual não trate directamente
tais conceitos, a aplicação das principais características
qualitativas e das normas contabilísticas apropriadas
resulta, normalmente, em demonstrações financeiras
que transmitem o que é geralmente entendido como
uma imagem verdadeira e apropriada de, ou como que
apresentando razoavelmente, tal informação.
2.1.6. Elementos das Demonstrações Financeiras
A Estrutura Conceptual define que as demonstrações
financeiras retratam os efeitos financeiros das transacções e de outros acontecimentos ao agrupá-los em
grandes classes de acordo com as suas características
económicas, sendo essas classes constituídas pelos elementos das demonstrações financeiras.
Os elementos directamente relacionados com a mensuração da posição financeira no Balanço são os activos, os passivos e os capitais próprios. Os elementos
directamente relacionados com a mensuração do
desempenho, na Demonstração de Resultados, são os
rendimentos e os gastos.
A definição de activos, passivos e capitais próprios,
bem como de rendimentos e gastos apela à realidade
económica subjacente. Vejamos então cada um dos
conceitos em questão:
Contabilidade
a. Activo é um recurso controlado pela entidade
como resultado de acontecimentos passados e do
qual se espera que fluam para a entidade benefícios
económicos futuros;
b. Passivo é uma obrigação presente da entidade,
proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo
de recursos da entidade, incorporando benefícios
económicos;
c. Capital próprio é o interesse residual nos activos
da entidade, depois de deduzir todos os seus passivos.
Refira-se que as definições de activo e passivo identificam as suas características essenciais, mas não tentam
especificar os critérios que necessitam de ser satisfeitos
antes de serem reconhecidos no Balanço, bem como
ao facto de ao avaliar se um item satisfaz a definição
de activo, passivo ou capital próprio, ser preciso dar
atenção à sua subjacente realidade económica e não
meramente à sua forma legal.
Quanto aos conceitos relevantes ao nível do desempenho, temos que:
a. Rendimentos são aumentos nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma
de influxos ou aumentos de activos ou diminuições
de passivos que resultem em aumentos no capital
próprio, que não sejam os relacionados com as
contribuições dos participantes no capital próprio;
b. Gastos são diminuições nos benefícios económicos
durante o período contabilístico na forma de exfluxos ou deperecimentos de activos ou na incorrência
de passivos que resultem em diminuições do capital próprio, que não sejam as relacionadas com
distribuições aos participantes no capital próprio.
De forma idêntica ao anteriormente referido relativamente aos conceitos de activos, passivos e capitais próprios, as definições de rendimentos e de
gastos identificam as suas características essenciais
mas não tentam especificar os critérios que necessitarão de ser satisfeitos antes de serem reconhecidos na
Demonstração de Resultados.
Assim, a Estrutura Conceptual contempla regras específicas quanto ao reconhecimento e mensuração dos
elementos das demonstrações financeiras.
37
Contabilidade
2.1.7. Reconhecimento dos Elementos das Demonstrações
Financeiras
O reconhecimento consiste no processo de incorporar
no Balanço e na Demonstração de Resultados um item
que satisfaça a definição de um elemento e satisfaça os
critérios de reconhecimento estabelecidos na Estrutura
Conceptual. Tal envolve a descrição do item por palavras e por uma quantia monetária, e a inclusão dessa
quantia nos totais do Balanço ou da Demonstração
de Resultados. Os itens que satisfaçam os critérios de
reconhecimento devem ser reconhecidos no Balanço ou
na Demonstração de Resultados. A falha do reconhecimento de tais itens não é rectificada pela divulgação
das políticas contabilísticas usadas, nem por notas ou
material explicativo.
Um item que satisfaça a definição de uma classe deve
ser reconhecido se:
a. For provável que qualquer benefício económico
futuro associado com o item flua para, ou da entidade; e
b. O item tiver um custo ou um valor que possa ser
mensurado com fiabilidade.
38
A aplicação do exposto no parágrafo a), acima, levanta
a questão da probabilidade de benefícios económicos
futuros, desenvolvendo a Estrutura Conceptual este
conceito do seguinte modo.
O conceito de probabilidade é usado nos critérios de
reconhecimento para referir o grau de incerteza em que
os benefícios económicos futuros associados ao item
fluirão para, ou de, a entidade. O conceito está em
harmonia com a incerteza que caracteriza o ambiente
em que uma entidade opera. As avaliações do grau
de incerteza ligadas ao fluxo de benefícios económicos
futuros são feitas com base nas provas disponíveis,
aquando da preparação das demonstrações financeiras.
Por exemplo, quando for provável que uma dívida a
receber devida por uma entidade venha a ser paga, é
justificável então, na ausência de provas em contrário,
reconhecer a dívida a receber como um activo. Para
uma grande população de dívidas a receber, porém, é
considerado provável algum grau de não-pagamento;
daqui que seja reconhecido um gasto que represente a
redução esperada de benefícios económicos.
O segundo critério de reconhecimento é o relativo à
fiabilidade. Não basta que algo seja provável e que
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
tenha valor a aumentar ou a diminuir, tem de ter
um valor sujeito a um apertado critério de fiabilidade
de mensuração. Assim, de acordo com a Estrutura
Conceptual, o segundo critério para o reconhecimento
de um item é que este possua um custo ou um valor
que possa ser mensurado com fiabilidade. Em muitos
casos, o custo ou o valor precisam de ser estimados; o
uso de estimativas razoáveis é uma parte essencial da
preparação das demonstrações financeiras e não destrói a sua fiabilidade. Quando, porém, uma estimativa
razoável não possa ser feita, o item não é reconhecido no Balanço ou na Demonstração de Resultados.
Eventualmente, relativamente aos itens que falhem
os critérios relativos ao reconhecimento, poder-se-á
colocar a questão quanto à obrigatoriedade da sua
divulgação, nomeadamente, caso estejamos a falar de
passivos contingentes.
Tendo em consideração os princípios gerais anteriormente referidos, a Estrutura Conceptual define, adicionalmente, os critérios específicos relativos a cada um
dos elementos das demonstrações financeiras.
2.1.8. Mensuração dos Elementos das Demonstrações
Financeiras
A mensuração consiste no processo de determinar
as quantias monetárias pelas quais os elementos
Contabilidade
das demonstrações financeiras devam ser reconhecidos e inscritos no Balanço e na Demonstração de
Resultados. Isto envolve a selecção da base particular
de mensuração.
A Estrutura Conceptual refere que são utilizadas diferentes bases de mensuração em graus diferentes e em
variadas combinações nas demonstrações financeiras,
incluindo as seguintes:
a. Custo histórico. Os activos são registados pela
quantia de caixa, ou equivalentes de caixa paga
ou pelo justo valor da retribuição dada para os
adquirir no momento de aquisição. Os passivos são
registados pela quantia dos proventos recebidos em
troca da obrigação, ou em algumas circunstâncias
(por exemplo, impostos sobre o rendimento), pelas
quantias de caixa, ou de equivalentes de caixa, que
se espera que venham a ser pagas para satisfazer o
passivo no decurso normal dos negócios.
b. Custo corrente. Os activos são registados pela
quantia de caixa ou de equivalentes de caixa que
teria de ser paga se o mesmo ou um activo equivalente fosse correntemente adquirido. Os passivos
são registados pela quantia não descontada de
caixa, ou de equivalentes de caixa, que seria necessária para liquidar correntemente a obrigação.
39
Contabilidade
c. Valor realizável (ou de liquidação). Os activos são
registados pela quantia de caixa, ou equivalentes
de caixa, que possa ser correntemente obtida ao
vender o activo numa alienação ordenada. Os
passivos são escriturados pelos seus valores de
liquidação, isto é, as quantias não descontadas de
caixa ou equivalentes de caixa que se espera que
sejam pagas para satisfazer os passivos no decurso
normal dos negócios.
d. Valor presente. Os activos são escriturados pelo
valor presente descontado dos futuros influxos
líquidos de caixa que se espera que o item gere no
decurso normal dos negócios. Os passivos são escriturados pelo valor presente descontado dos futuros
exfluxos líquidos de caixa que se espera que sejam
necessários para liquidar os passivos, no decurso
normal dos negócios.
e. Justo Valor. Quantia pela qual um activo pode
ser trocado ou um passivo liquidado, entre partes
conhecedoras e dispostas a isso, numa transacção
em que não exista relacionamento entre elas.
3. As Normas de Contabilidade e Relato Financeiro
Partindo da Estrutura Conceptual e, tendo por base
os quatro pilares do sistema de normalização adoptado, o reconhecimento, a mensuração, a apresentação
e a divulgação, o SNC integra vinte e oito Normas
Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), sendo
as duas primeiras específicas ao nível da elaboração e
apresentação das demonstrações financeiras.
Os requisitos ao nível da apresentação e divulgação são
mais exigentes do que o referencial do POC, e vão de
encontro às Normas Internacionais de Contabilidade
emanadas do IASB.
De modo a procurar dar resposta aos requisitos das
entidades de Pequena Dimensão, foi elaborado um
referencial específico para estas entidades, ou seja,
a Norma Contabilística e de Relato Financeiro para
Pequenas Entidades. Saliente-se, contudo, que a proposta em análise não define os limites que separam
as entidades denominadas de Pequena Dimensão das
restantes, nem se estaremos a falar de limites quantitativos ou qualitativos.
O SNC contempla as seguintes NCRF:
1. Estrutura e Conteúdo das Demonstrações
Financeiras;
2. Demonstrações de Fluxos de Caixa;
3. Adopção pela primeira vez das NCRF;
40
4. Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas
Contabilísticas e Erros;
5. Divulgações de Partes Relacionadas;
6. Activos Intangíveis;
7. Activos Fixos Tangíveis
8. Activos não Correntes Detidos para Venda e
Unidades Operacionais Descontinuadas;
9. Locações;
10. Custos de Empréstimos Obtidos;
11. Propriedades de Investimento;
12. Imparidade de Activos;
13. Interesses em Empreendimentos Conjuntos e
Investimentos em Associadas;
14. Concentrações de Actividades Empresariais;
15. Investimentos em Subsidiárias e Consolidação;
16. Exploração e Avaliação de Recursos Minerais;
17. Agricultura;
18. Inventários;
19. Contratos de Construção;
20. Rédito;
21. Provisões, Passivos Contingentes e Activos
Contingentes;
22. Contabilização dos Subsídios do Governo e
Divulgação de Apoios do Governo;
23. Os Efeitos de Alterações em Taxas de Câmbio;
24. Acontecimentos Após a Data do Balanço;
25. Impostos sobre o Rendimento;
26. Matérias Ambientais;
27. Instrumentos Financeiros;
28. Benefícios de Empregados.
4. O SNC Comparativamente ao Projecto do IASB
Relativo às Normas de Contabilidade e Relato Financeiro
Aplicáveis às PME’s
Comparativamente, existem algumas semelhanças
entre a proposta do SNC e o projecto do IASB relativo à elaboração de normas de contabilidade e relato
financeiro aplicáveis às PME’s.
Em Junho de 2004, o IASB emitiu um documento para
discussão pública (Discussion Paper – Preliminary
Views on Accounting Standards for Small and
Médium-sized Entities), tendo recebido cerca de 120
respostas. Com base nas respostas obtidas foi realizado
um processo de análise que deu origem, em Abril de
2005, a um questionário relativo aos aspectos do reconhecimento e mensuração, tendo sido identificada a
necessidade de proceder a simplificações nesta matéria.
Posteriormente, verificaram-se um conjunto de reuniões / discussões de modo a aprofundar os conceitos
relevantes nesta matéria.
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
Por último, em 15 de Fevereiro de 2007, foi publicado
o Exposure Draft, sendo a data limite para a apresentação de comentários o dia 30 de Novembro de 2007.
Refira-se, que o IASB entendeu desde o princípio que
os critérios a adoptar quanto à definição de PME’s
deveriam ser critérios qualitativos, caracterizando-se
os mesmos pela negativa ao conceito de entidades com
public accountability, ou seja, para efeitos da proposta
do IASB, são consideradas PME’s as entidades que
não possuam títulos cotados ou não tenham uma
relevância económica significativa num dado espaço
económico ou sector.
Embora partindo do princípio de que os utilizadores das demonstrações financeiras das PME’s têm
necessidades de informação distintas das dos utentes
das entidades que possuem public accountability (responsabilidade pública), verificamos que a estrutura
conceptual proposta é semelhante e que os princípios
relativos ao reconhecimento e mensuração não são
significativamente distintos dos aplicáveis às normas
denominadas “full”, ou seja, ao conjunto completo
das Normas Internacionais emanadas do IASB e aplicáveis no seio da União Europeia de acordo com os
Regulamentos e disposições comunitárias em vigor.
Chegamos, assim, a um ponto essencial relativo à avaliação da adequacidade da proposta do Conselho Geral
da Comissão de Normalização Contabilística relativa
ao SNC, o qual consiste em identificar as necessidades de informação dos utilizadores das demonstrações
financeiras e em que medida, se alguma, existem
necessidades específicas e distintas do utilizadores das
demonstrações financeiras das entidades que possuam
uma responsabilidade pública, daquelas que não possuem essa mesma responsabilidade. Este é um aspecto
fulcral e essencial.
Na opinião do autor, as necessidades de informação
são efectivamente distintas. Se tivermos em consideração que na maior parte dos casos não existe uma
relação directa entre os detentores do capital e os
responsáveis pela gestão das entidades com public
accontability, os utilizadores das suas demonstrações
financeiras, nomeadamente os seus accionistas, procurarão que as demonstrações financeiras apresentem a
situação patrimonial o mais próximo possível do justo
valor dos activos e passivos da respectiva entidade, de
modo a que, eventualmente, possa existir uma maior
correlação entre a evolução dos respectivos capitais
próprios e o valor das respectivas cotações, o que pode-
Contabilidade
rá justificará a adopção do justo valor como base de
mensuração. A questão fulcral é até que ponto os utilizadores das demonstrações financeiras das entidades
que não possuam uma responsabilidade pública tomam
decisões com base no mesmo referencial.
Coloca-se, assim, a questão essencial de saber se o
custo histórico não consistirá numa base adequada
para a tomada de decisões relativamente a este tipo
de entidades.
Esta questão foi colocada de forma eloquente pelo
European Financial Reporting Advisory Group
(EFRAG) na proposta de resposta que apresentou em
Julho de 2007 ao projecto do IASB para as PME’s,
na qual refere que deverá ser analisada com maior
profundidade a questão da identificação das necessidades de informação dos utilizadores e, decorrente de
tal análise, certamente serão necessárias alterações ao
nível dos princípios do reconhecimento e mensuração.
No entendimento do EFRAG, embora o IASB tenha
reconhecido que existem necessidades de informação
distintas esse aspecto não foi devidamente tomado em
consideração na definição da estrutura conceptual e,
consequentemente, nos princípios relativos ao reconhecimento e mensuração dos elementos do activo.
Adicionalmente, o EFRAG entende que a terminologia
PME para caracterizar as normas de relato propostas
pelo IASB não é a mais adequada propondo o termo
“IFRS for NPAE’s” (non publicly accountable entities),
o qual é mais consentâneo com a definição de partida
proposta pelo IASB.
Na opinião do autor, idêntica crítica é aplicável à
proposta do SNC. No documento é referido que foi
devidamente tomado em consideração o tecido empresarial em que a proposta será aplicável e são indicadas,
a título exemplificativo, as decisões que os utilizadores tomam com base na informação prestada pelas
demonstrações financeiras, nomeadamente, decisões
quanto à aquisição e alienação de partes de capital
e nomeação/demissão dos responsáveis do Órgão de
Gestão.
Vejamos então, de acordo com o site do Instituto de
Apoio às Pequenas e Médias Empresas e Investimento
(IAPMEI), como se caracteriza o tecido empresarial
em Portugal:
• “Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística
(INE), relativos a 2004, existem em Portugal 292.865
PME, classificadas de acordo com a “definição europeia”.
41
Contabilidade
• Estes dados referem-se a empresas com sede em
Portugal, constituídas sob a forma de sociedade e,
com pelo menos 1 pessoa ao serviço …;
• Segundo dados fornecidos pelo INE, relativos a 2004,
as PME realizam um volume de negócios de 163,5
mil milhões de Euros …;
• Segundo dados fornecidos pelo INE, relativos a 2004,
as PME representam 99,6% do tecido empresarial,
geram 75,1% do emprego e realizam 56,8% do volume de negócios nacional…;
• Segundo dados fornecidos pelo INE, relativos a
2004, a dimensão média das empresas portuguesas
é muito reduzida – 9,4 trabalhadores e 978,9 mil
euros de volume de negócios por empresa, valores
que descem para 7,1 trabalhadores e para 558,1 mil
euros de volume de negócios por empresa, no caso
das PME …;
• Segundo dados fornecidos pelo INE, relativos a
2004, micro e pequenas empresas representam a
esmagadora maioria do tecido empresarial nacional
(97,3%). A importância deste conjunto de empresas
manifesta-se, naturalmente, em termos de emprego,
e também, ainda que de forma mais ténue, em termos de volume de negócios, já que micro e pequenas
42
empresas geram 55,1% do emprego e realizam 35,5%
do volume de negócios nacional…;
• Segundo dados fornecidos pelo INE, relativos a 2004,
as PME apresentam uma posição claramente dominante em todos os grandes sectores de actividade.
Turismo, construção, comércio, indústria extractiva
e serviços destacam-se neste domínio, sendo os sectores onde as PME representam mais de 99,5% do
tecido empresarial. Apesar de ligeiramente menos
expressiva, a importância das PME é também muito
elevada na indústria transformadora (99,1%) e energia (94,4%). Quer em termos de emprego, quer de
volume de negócios o papel das PME revela-se especialmente importante no comércio (82,2% e 61,2%,
respectivamente), na construção (88,9% e 68,9%,
respectivamente) e no turismo (83,8% e 81,6%, respectivamente).”
Embora se reportem a 2004, os dados acima apresentados traduzem a realidade do tecido empresarial
nacional, colocando-se assim a questão se para estas
entidades, em particular, as decisões quanto à aquisição e alienação de partes de capital, nomeação/demissão dos responsáveis do Órgão de Gestão, conforme
referido na Estrutura Conceptual da proposta do SNC,
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
bem como outras, nomeadamente dos financiadores,
necessitam de uma base de mensuração distinta do
custo histórico corrigido:
• Das amortizações e depreciações;
• Dos ajustamentos necessários para repor os inventários e as contas a receber ao seu valor realizável
líquido;
• De eventuais ajustamentos decorrentes da imparidade dos activos.
Refira-se, que embora nos indicadores acima referidos não se encontrem dados relativos ao número de
entidades em que existe uma relação directa entre os
detentores do capital e os responsáveis da gestão é
reconhecido que numa grande parte das entidades em
questão essa é a realidade, o que significa que as decisões dos investidores certamente não tomadas tendo
por base o mesmo tipo de informação dos utentes de
sociedades com títulos cotados.
Para reforçar o anteriormente referido vejamos os
dados do INE (relativos ao exercício de 2004, último
disponível no site daquela entidade) sobre a distribuição do número de empresas de acordo com o volume
de emprego:
Escalão de pessoal ao serviço
Total292672
Menos de 20 pessoas ao serviço 20 - 99 pessoas ao serviço 100 ou mais pessoas ao serviço Contabilidade
N.º
100,0%
272102
17840
2730 93,0%
6,1%
0,9%
Fonte: INE
Ou seja, apenas 0,9% das empresas possuem mais de
100 trabalhadores, o que significa que será, regra geral,
dentro deste escalão que teremos as entidades que
deverão/terão de optar pelo primeiro nível. Ficando
a dúvida se as NCRF serão aplicáveis e efectivamente
adequadas para as restantes entidades.
Face ao anteriormente exposto estranha-se que na
proposta do SNC não se encontre desde logo definido:
• Quais os critérios que deverão ser adoptados para
uma entidade adoptar às normas de primeiro nível
ou em alternativa as normas de segundo nível;
• Quais os critérios face aos quais as entidades poderão
ser consideradas “Entidades de Pequena Dimensão” e
como tal adoptarem as Normas Contabilísticas e de
Relato Financeiro para as Pequenas Entidades.
43
Contabilidade
Na opinião do autor, dificilmente os utentes das
demonstrações financeiras necessitarão de incorporar
no seu processo de decisão conceitos como o do justo
valor e certamente, restringindo o mesmo às situações
em que exista um mercado activo.
5. Questões em Aberto
Assim, colocam-se as seguintes questões:
• Quais os limites e/ou critérios que as entidades
devem obedecer para optarem por um determinado
nível de relato?
• Quais são, objectivamente, as necessidades dos utentes das demonstrações financeiras? Justificando-se
que seja realizado trabalho nesta matéria, procurando indagar junto das associações empresariais, entidades representativas dos diferentes financiadores e
o meio académico, quais as necessidades de informação e se as mesmas são distintas das dos utentes das
demonstrações financeiras com uma responsabilidade
pública;
• Sendo as necessidades distintas, não se justifica um
referencial e, consequentemente, uma estrutura conceptual distinta?
• Necessitamos do conceito do justo valor para mensurar os elementos das demonstrações financeiras, ou
devemos limitarmo-nos às situações em que exista
um mercado activo?
• Em conformidade com tudo o anteriormente referido, necessitamos das NCRF previstas, ou eventualmente deveríamos abandonar:
• As normas específicas relativas à agricultura e
exploração e avaliação de recursos minerais? No
primeiro caso, porque na maioria dos casos não
estaremos perante mercados activos e no segundo porque, eventualmente, não precisamos de
uma norma específica e podemos enquadrar nos
elementos da estrutura conceptual;
• A norma relativa a matérias ambientais? Em
virtude de os conceitos essenciais encontraremse tratados ao nível das Provisões, Passivos
Contingentes e Activos Contingentes?
e eventualmente refazer as seguintes:
• Activos não Correntes Detidos para Venda e
Unidades Operacionais Descontinuadas – restringindo a mensuração ao custo de aquisição
ajustado de eventuais perdas de imparidade. O
justo valor apenas deverá ser adoptado em situações de mercados activos, o que é duvidoso que
venha a ocorrer na maior parte das situações;
• Propriedades de investimento – a utilização do
justo valor deverá ser restringida à existência de
um mercado activo;
44
• Provisões, Passivos Contingentes e Activos
Contingentes – a constituição de provisões
aquando da existência de uma obrigação construtiva poderá ser motivo de discussão, embora
se reconheça que, caso exista uma responsabilidade contingente, a obrigação existe e caso
a mesma seja passível de quantificação, então
deverá ser reconhecida;
• Instrumentos Financeiros – eventualmente
será mais adequado remeter para as Normas
Internacionais de Contabilidade para regular
sobre esta matéria.
Assim, à estrutura que integra dois níveis propostos,
a qual parte de uma Estrutura Conceptual comum,
formula-se a seguinte proposta alternativa:
• Dois níveis distintos, com necessidades de informação diferentes e, consequentemente, estruturas conceptuais diferenciadas;
• Um nível adequado às entidades com responsabilidade pública, que deverá consistir na adopção das
Normas Internacionais de Contabilidade;
• Um segundo nível, das entidades que não possuam
responsabilidade pública, tendo a estrutura conceptual em consideração o tecido empresarial e as necessidades reais de informação dos respectivos utentes,
restringindo o justo valor como base de mensuração
às situações em que existe um mercado activo. Este
segundo referencial, deverá consistir num referencial
distinto, na medida em que as necessidades são distintas, pelo que não faz sentido ter um referencial
comum para satisfazer necessidades de informação
distintas;
• Eventualmente, no caso das micro-empresas, as
quais não elaboram demonstrações financeiras para
satisfazer necessidades de utentes externos, efectuar
os registos contabilísticos tendo apenas em consideração os critérios fiscalmente aceites. Caso tal aconteça, então não deveremos falar em demonstrações
financeiras destinadas ao público em geral, mas sim
em registos contabilísticos orientados para satisfazer
os critérios e necessidades da Administração Fiscal.
Para além das questões anteriormente referidas colocam-se outras, também relevantes para as quais, até ao
presente momento não são conhecidas respostas:
• Embora seja consensual que as demonstrações financeiras não têm por objectivo suprir as necessidades
de informação da Administração Fiscal a realidade
é que as mesmas servem de base ao apuramento do
resultado, sendo necessário posteriormente proceder
ao seu ajustamento com base nos critérios fiscais.
Até à presente data não é conhecido do público qual
António Gonçalves
Revisor Oficial de Contas
•
•
•
•
a abordagem que a Administração Fiscal irá ter
relativamente à proposta do SNC e como irá tratar
as diferentes bases de mensuração e as implicações
decorrentes da aplicação do pressuposto da continuidade ao nível do reconhecimento de perdas de
imparidade ou opção por outros modelos de mensuração caso não esteja garantida a continuidade das
operações da sociedade;
A adopção de outras bases de mensuração distintas
do custo histórico, nomeadamente aquando do reconhecimento subsequente de activos e passivos, coloca
a questão de, eventualmente, o resultado incorporar
ganhos não realizados, ou seja mais-valias potenciais.
Assim, coloca-se a questão de sabermos como irão
ser tratados os ganhos potenciais ao nível da distribuição de resultados e tratamento fiscal. Iremos ter
que reconhecer a parcela do lucro não realizado e a
mesma ser incluída nos capitais próprios como uma
reserva não passível de distribuição, excepto quando
se tornar efectivamente realizada, ou essa componente é imediatamente distribuível, independentemente
da sua dimensão e materialidade;
Qual o tratamento fiscal desta componente do
lucro;
Qual o papel do auditor/revisor na avaliação do referencial adoptado pela entidade (normas de primeiro
nível, normas de segundo nível ou normas aplicáveis
a entidades de pequena dimensão). Compete-lhe
avaliar se o referencial adoptado é o adequado e com
base em que critérios? Ou, alternativamente, apenas
lhe compete verificar que foram realizadas as divulgações adequadas sobre este tema;
Qual o papel do auditor quando a empresa faz
opções relevantes ao nível das bases de mensuração
previstas nas NCRF? Compete-lhe avaliar a adequacidade da opção e com base em que critérios ou apenas deverá verificar se foram realizadas as adequadas
divulgações?
Por último, as NCRF possuem, num conjunto significativo de situações, a possibilidade das entidades
optarem por diversas bases de mensuração, podendo
Contabilidade
algumas dessas opções aproximar-se da aplicação das
Normas Internacionais de Contabilidade com os inconvenientes daí decorrentes, nomeadamente:
• Dificultar uma das características qualitativas das
demonstrações financeiras que consiste na sua comparabilidade, na medida em que entidades do mesmo
sector, com a mesma dimensão poderão apresentar
estruturas financeiras distintas em virtude de terem
optado por bases de mensuração diferentes;
• Permitir às empresas que utilizem as NCRF optar,
de acordo com as suas preferências e objectivos,
pelas bases de mensuração que eventualmente lhes
sejam mais favoráveis, sem que tenham a obrigação de optar pelas Normas Internacionais de
Contabilidade, na sua globalidade, podendo escolher
apenas os aspectos que lhes sejam positivos e evitando os que lhe sejam desfavoráveis. Adicionalmente,
fica a dúvida quanto ao papel do auditor/revisor no
que respeita aos critérios que deve tomar em consideração na análise destas opções, se alguns.
O autor tem consciência que os aspectos abordados
são polémicos e traduzem apenas a sua opinião pessoal, contudo, face à intenção de promover a discussão
pública da proposta do SNC, todos os contributos
merecem ser analisados e questionados de modo a
garantir a melhoria do projecto actual.
Por último, é convicção do autor que a proposta elaborada pelo EFRAG denominada “International Financial
Reporting Standard for Small and MediumsSized
Entities” parte da realidade do tecido empresarial da
União Europeia, do qual nos afastamos de forma desfavorável, e é adequada às necessidades de informação
dos utilizadores das demonstrações financeiras das
entidades que não possuem responsabilidade pública,
devendo a mesma ser tomada em consideração na discussão da proposta de SNC e, eventualmente, ser um
referencial alternativo que apresenta vantagens significativas face à proposta do IASB e ao SNC proposto,
pela sua maior simplicidade e maior adequacidade às
necessidades dos utentes.
Bibliografia
Comissão de Normalização Contabilística, 2007, Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro.
Comissão de Normalização Contabilística, 2007, Estrutura Conceptual.
Comissão de Normalização Contabilística, 2003, Projecto de Linhas de Orientação para um Novo Modelo de Normalização
Contabilística.
Comissão de Normalização Contabilística, 2005, Directriz Contabilística nº 18: Objectivos das demonstrações financeiras e princípios contabilísticos geralmente aceites.
International Accounting Standards Board, 2007, Discussion Paper – Preliminary Views on Accounting Standards for Small and
Medium-sized Entities.
45
Contabilidade
A emissão de demonstrações financeiras
intercalares e o reconhecimento e reversão
de perdas por imparidade
46
Pedro Carvalho
Economista
TOC
1 INTRODUÇÃO
O relato financeiro intercalar (RFI), a que
estão obrigadas as sociedades emitentes de
acções admitidas à negociação bem como
aquelas que optem pela sua apresentação,
deve cumprir determinadas regras.
Por outro lado, as regras de reconhecimento de perdas de imparidade e sua reversão
de determinados activos, entram em contradição com a forma como as demonstrações financeiras intercalares (DFI) são
reguladas. Trata-se de contradições entre
normas de relato financeiro (International
Accounting Standards (IAS) 34, IAS 36
e IAS 39) de que resultou a interpretação International Financial Reporting
Interpretation Committee (IFRIC) 10.
É uma discussão com grande interesse
prático pois pode afectar o resultado das
entidades de forma significativa.
2 NORMAS APLICÁVEIS
2.1 Demonstrações Financeiras Intercalares
As entidades às quais é exigida ou optam
pela publicação de informação financeira
intercalar ficam sujeitas às disposições
da IAS 34. Esta norma refere que, em
termos de reconhecimento e mensuração,
as políticas contabilísticas aplicadas nas
DFI deverão ser as adoptadas para as
demonstrações financeiras anuais (DFA).
Não obstante, é referido na norma que a
frequência do relato não deve afectar a
mensuração dos resultados anuais, isto é,
as DFA não devem ser influenciadas pelas
DFI (IAS 34.28), isto porque um período
intercalar faz parte do período financeiro
completo (IAS 34.4 e 34.29). Para que isto
aconteça as mensurações devem ser feitas
numa base desde o início do ano até
Contabilidade
à data. Os princípios de reconhecimento e
mensuração são os mesmos dos estabelecidos na estrutura conceptual, ou seja, são
os mesmos dos utilizados na preparação
das DFA.
Ao decidir como reconhecer, mensurar ou
classificar um item para finalidades de
relato financeiro intercalar, a materialidade deve ser avaliada em relação aos dados
desse período. Note-se que, no RFI, o uso
de estimativas (IAS 8) reveste-se de elevada importância, dado que a informação
a ser divulgada deve ser fiável. Toda a
informação financeira material que seja
relevante para a compreensão da posição
financeira ou do desempenho da empresa
deve ser apropriadamente divulgada (IAS
34.23 e 34.41). Os princípios a serem
seguidos num período intercalar devem
ser os mesmos para o período anual. Se
um determinado item é reconhecido num
período intercalar anterior e a estimativa
é alterada num período subsequente esta
deve ser ajustada através do acréscimo
de uma quantia adicional de perdas ou
por reversão da quantia previamente
reconhecida, tal como definido na IAS
34.30 (Delloite, 2007).
2.2 Imparidade de Activos
De acordo com a estrutura conceptual do
IASB um activo é “um recurso controlado
pela entidade, como resultado de acontecimentos passados, dos quais se espera
que fluam para a entidade benefícios económicos futuros”. Quando o activo deixa
de proporcionar benefícios económicos
futuros, ainda que parcialmente, passa a
estar em imparidade (Rodrigues, 2005).
Desta forma, a imparidade não é mais
que a diferença negativa entre o valor
47
Contabilidade
recuperável e o valor escriturado, isto é, quando o
valor recuperável é inferior ao valor escriturado na
contabilidade da entidade (IAS 36.8). A IAS 36 visa
estabelecer os procedimentos para que os activos não
estejam escriturados por um valor superior ao seu
valor recuperável.
E quando é que deve ser determinado o valor recuperável de cada activo? A imparidade deve ser avaliada em
cada data de relato (IAS 36.9). Não obstante, e independentemente de existir ou não qualquer indicador de
imparidade devem ser testados anualmente, sempre na
mesma data, os activos intangíveis com uma vida útil
indefinida ou um activo intangível ainda não disponível para uso e o goodwill adquirido. A data poderá ser
uma dentro do período anual e poderá ser diferente no
caso de activos diferentes (IAS 36.10). Por outro lado,
a IAS 36.90 refere também que “uma unidade geradora
de caixa (UGC) à qual tenha sido imputado goodwill
deve ser testada quanto a imparidade anualmente, e
sempre que exista uma indicação de que essa unidade
possa estar com imparidade, comparando a quantia
escriturada da unidade, incluindo o goodwill, com a
quantia recuperável da unidade” (cfr. IFRS 3.55). Para
aferir da possibilidade de um activo estar em imparidade a entidade deverá ter em consideração fontes de
informação externas e internas.
Em cada data de relato, cada entidade deve avaliar se
existe alguma indicação que uma perda de imparidade
reconhecida em períodos anteriores possa já não existir ou tenha diminuído. Caso exista alguma indicação
desse facto, deverá estimar a quantia recuperável desse
activo (IAS 36.110). Se se verificar que a perda de
imparidade anteriormente reconhecida já não exista
ou seja menor, essa reversão deve ser reconhecida nos
resultados (IAS 36.119). Note-se que isto não acontece
para o goodwill, tal como definido na IAS 36.124. Na
realidade, estas reversões de perdas de imparidade são
proibidas dado que são considerados como goodwill
gerado internamente e, de acordo com a IAS 38, não
devem ser reconhecidos como um activo.
À semelhança do goodwill, existem outros casos de
proibição no reconhecimento da reversão de perdas
de imparidade. São eles os activos financeiros escriturados pelo custo (IAS 39.66) e os investimentos em
instrumentos de capital próprio classificados como
disponíveis para venda (IAS 39.69). O princípio geral
consiste no reconhecimento das reversões das perdas
de imparidade, com as excepções acima mencionadas.
48
2.3 Conflitos entre Normas
A IAS 34 estabelece que “uma empresa deve aplicar
as mesmas políticas contabilísticas nas suas DFI que
as que sejam aplicadas nas suas DFA, (...). Porém, a
frequência do relato de uma empresa não deve afectar
a mensuração dos seus resultados anuais. Para conseguir esse objectivo, as mensurações para finalidades de
relato intercalar devem ser feitas na base desde o início
do ano até à data” (IAS 34.28).
Por outro lado, a IAS 36 refere que “uma perda por
imparidade reconhecida para o goodwill não deve ser
revertida num período posterior” (IAS 36.124). Também
a IAS 39 refere que “se existir prova objectiva de que
uma perda por imparidade foi incorrida num instrumento de capital próprio não cotado que não seja escriturado pelo justo valor (...). Tais perdas por imparidade não
devem ser revertidas” (IAS 39.66), e também que “as
perdas por imparidade reconhecidas nos resultados para
um investimento num instrumento de capital próprio
classificado como disponível para venda não devem ser
revertidas por via dos resultados” (IAS 39.69).
Pela análise destas três normas, verifica-se que existem
conflitos entre elas. Se, por um lado, a IAS 34 refere
que o relato intercalar não deve afectar o relato financeiro anual visto o período intercalar ser uma parte
do período anual, por outro as IAS 36 e 39 obrigam
a que, para determinados activos - goodwill, activos
financeiros escriturados pelo custo e investimentos
em instrumentos de capital próprio classificados como
disponível para venda - as perdas de imparidade não
possam ser revertidas. De acordo com a IAS 36.9, as
entidades devem avaliar em cada data de relato se há
qualquer indicação de que um activo possa estar com
imparidade. Desta forma, se uma perda de imparidade
for reconhecida num período intercalar e no final desse
ano financeiro as circunstâncias que permitiram essa
perda se reverteram, a frequência do relato vai, efectivamente, afectar os resultados anuais. Isto porque,
caso a entidade não preparasse DFI, aquela perda não
seria reconhecida mas, dado existir relato intercalar,
tais perdas tiveram de ser reconhecidas e não poderão
ser revertidas (Delloitte, 2006).
A principal questão reside no facto de uma entidade
que seja obrigada ou tenha optado pelo RFI, poder
apresentar resultados diferentes daqueles que apresentaria se o relato financeiro fosse anual. Por outras
palavras, a questão está em saber se as perdas de
imparidade reconhecidas num período intercalar anterior deveriam ou não ser revertidas.
Pedro Carvalho
3 IFRIC 10
Para esclarecer estes conflitos, o IFRIC emitiu a IFRIC
Draft Interpretation D18 (IFRIC 2006). Por sua vez este
draft veio a dar origem ao IFRIC 10 – Relato Financeiro
Intercalar e Imparidade em Julho de 2006, adoptado pelo
Regulamento (CE) nº 610/2007 de 1 de Junho (Comissão
Europeia, 2007). O IFRIC chegou ao consenso que “Uma
entidade não deve reverter uma perda de imparidade
reconhecida num anterior período intercalar a respeito
do goodwill ou de um instrumento de capital próprio ou
num activo escriturado pelo custo” (IFRIC 10.8). Por
outro lado, entendeu que este consenso não se pode aplicar a quaisquer outros possíveis conflitos entre a IAS 34
e outras normas, dado não terem sido efectuados estudos
suplementares.
Realizaram-se, no seio do IFRIC, vários encontros para
discussão e preparação do draft da interpretação, ao qual
se seguiu uma consulta pública aos diversos stakeholders.
Contabilidade
Este foi um assunto que se revelou muito polémico e de
difícil consenso. Durante o período de consulta pública
ao draft emitido pelo IFRIC foram dadas mais de meia
centena de respostas à proposta de interpretação (disponíveis em http://www.iasb.org), das quais cerca de metade
concordou com a posição adoptada, isto é, concordou com
a proibição da reversão das perdas de imparidade reconhecidas em períodos intercalares anteriores. Quanto às
posições discordantes as razões invocadas foram diversas.
4 CONTROVÉRSIAS
4.1 Abordagem Global
Ainda antes do período de discussão pública da IFRIC
10, três pontos de vista alternativos foram apresentados (Delloite, 2006):
A imparidade é testada em cada data de relato e,
dado que as DFI não podem influenciar as DFA (IAS
49
Contabilidade
34.28), as reversões são aceites num período intercalar
subsequente.
A imparidade é testada em cada data de relato e é
proibido o reconhecimento das reversões de imparidade para os activos em questão (IAS 36.124, 39.66
e 39.69).
Cada perda de imparidade deve ser reconhecida quando ocorre, fazendo com que o RFI não tenha qualquer
influência no relato anual.
De acordo com o draft emitido e a própria IFRIC 10, as
orientações do IFRIC tenderam no sentido em que as IAS
36 e 39 se sobrepunham à IAS 34 e que não era requerido
que a imparidade fosse testada numa base diária (Delloitte,
2006).
O European Financial Reporting Advisory Group
(EFRAG) considera existirem inconsistências entre a
IFRIC 10 e a IAS 34, que poderiam ter sido evitadas
caso as normas tivessem sido alteradas. Na realidade,
uma interpretação não pode corrigir uma norma, deve
apenas interpretá-la (EFRAG, 2006 e FEE, 2006).
Não obstante, considera que no curto prazo esta foi
a melhor opção dado que seria morosa a alteração
da norma. Caso não existisse uma definição rápida
da orientação a seguir, esta poderia originar efeitos
perversos, visto que cada entidade teria o seu próprio
entendimento acerca do conflito entre as normas, o
que iria comprometer, em termos gerais, a comparabilidade das demonstrações financeiras. No longo prazo
a melhor solução passará sempre por corrigir a norma,
facto que até à data ainda não aconteceu.
A discussão conduziu à existência de dois pontos
de vista gerais (EFRAG 2006): um considerou que
a IAS 34 deveria prevalecer sobre as IAS 36 e 39 e,
como resultado, as perdas por imparidade em questão
deveriam ser reversíveis (ponto de vista 1) e outro
defendeu que as normas estavam em conflito existindo
necessidade de interpretação/correcção (ponto de vista
2). A decisão por uma ou por outra alternativa tem
implicações práticas significativas, dado que poderá
afectar fortemente os resultados das empresas e, consequentemente, os mercados financeiros.
4.2 Ponto de Vista 1
Nesta óptica, a existência da interpretação vem alterar
o descrito nas normas, logo não é uma interpretação,
mas sim uma alteração à IAS 34, pois levanta as restrições existentes nesta norma. Segundo este ponto
de vista é a IFRIC 10 que introduz uma contradição
nas normas (EFRAG, 2006). Os defensores desta
50
hipótese referem que a literatura existente aponta
para uma prevalência da IAS 34 sobre a IAS 36 e IAS
39 (EFRAG 2006). Desta forma os resultados anuais
nunca seriam afectados pela frequência do relato.
Um dos argumentos usados como base para a não
concordância da proibição da reversão das perdas de
imparidade, cuja consequência nos leva a diferenças nos
resultados anuais dependendo da frequência de relato,
passa pela reduzida comparabilidade das demonstrações financeiras (IASB, 2006). A título exemplificativo, vamos admitir que uma entidade reconhece uma
perda de imparidade de um activo financeiro escriturado pelo custo num período intercalar (30/06/2008).
Aquando do teste de imparidade no final do período
intercalar seguinte (31/12/2008) essa perda já não
existe. Neste caso é proibido a esta entidade reverter
essa perda enquanto que, se o período de relato fosse
apenas anual, a perda de imparidade nunca seria reconhecida. Significa isto que uma mesma entidade (ou
duas entidades economicamente similares) dependendo
da frequência de relato apresentaria resultados diferentes, originando problemas de comparabilidade entre as
demonstrações financeiras.
A IAS 34.28 requer que as entidades apliquem as
mesmas políticas contabilísticas nas DFI que utilizam
nas DFA (abordagem discreta). Por outro lado, esta
norma requer também que a frequência do relato não
afecte os resultados (abordagem integral). Revela‑se
impossível manter as duas abordagens, visto que
aplicando as mesmas políticas contabilísticas o relato intercalar afecta os resultados anuais. O IFRIC,
apesar de não ser explícito nesta matéria, opta pela
abordagem discreta visto dar-lhe maior ênfase, preterindo o cumprimento da norma no que concerne ao
facto da frequência do relato não afectar os resultados
(parágrafo BC9 das BCs da IFRIC 10). De facto, as
IAS 34.28 e 34.29 referem que, apesar das políticas
contabilísticas deverem ser as mesmas, o resultado
anual não deve ser afectado pelo relato intercalar, ou
seja, apesar de parecer que cada relato intercalar deve
ser tratado como um período de relato independente,
ele deve ser tratado como fazendo parte de um ano
financeiro maior. Este facto indica que a abordagem
integral deveria prevalecer e as reversões das perdas
de imparidade para estes activos serem aceites (AIC,
2006). Por este motivo, aquelas demonstrações são
feitas na base desde o início do ano até à data. Este é
um dos princípios fundamentais desta norma que, com
a proibição do reconhecimento da reversão das perdas
de imparidade, deixa de ser satisfeito.
Pedro Carvalho
Por outro lado, dado o objectivo de obtenção de DFI
de elevada qualidade e de modo a que o resultado
anual não seja afectado por aquelas demonstrações,
as reversões das perdas de imparidade deveriam ser
possíveis em períodos intercalares subsequentes, sobretudo no caso de inversão dos indicadores de mercado
(CNC - CNC, 2006), até porque a preparação das
DFI exigem geralmente um maior uso de estimativas
do que as DFA (IAS 34.23 e 34.41). Assim, tornando
o reconhecimento da imparidade irreversível num
período intercalar, estamos na realidade a contrariar
estas normas, visto que a perda de imparidade que é
reconhecida nas DFA é, de facto, a estimativa do período intercalar. As estimativas efectuadas nos períodos
intercalares deveriam ser confirmadas e corrigidas
aquando da emissão das DFA (G100, 2006) e, por
este facto, pode ser admitido que, na realidade, nem
sequer se tratam de reversões de perdas de imparidade,
mas sim apenas remensurações da imparidade para o
período anual (AASB-UIG, 2006).
4.3 Ponto de Vista 2
Apesar da polémica gerada pela contradição, a maioria dos
membros do EFRAG admitiu existir um conflito entre as
normas. Tendo em conta as normas e a literatura existentes, a única solução para resolver este conflito, é proibir as
reversões das perdas de imparidade para aqueles activos em
períodos intercalares subsequentes (EFRAG 2006).
De acordo com a IAS 36.124 e 36.125, a reversão das
perdas de imparidade do goodwill não pode existir,
visto considerar-se que o aumento do seu valor seja,
muito provavelmente, relativo a goodwill gerado
internamente. Quanto a isto, a IAS 38.48 refere que
“o goodwill gerado internamente não deve ser reconhecido como um activo”. Isto acontece porque, de
acordo com o parágrafo BC189 das BCs da IAS 36, os
cash-flows gerados pelo goodwill adquirido e o gerado
internamente são extremamente difíceis de distinguir.
Por este motivo, o IASB concluiu que as reversões das
perdas de imparidade são proibidas.
De acordo com o parágrafo BC130 das BCs da IAS 39
e também da IAS 39.69, as perdas por imparidade dos
investimentos em instrumentos de capital próprio classificados como disponíveis para venda não devem ser
revertidas, visto ser muito difícil de distinguir a reversão da perda de imparidade de outros aumentos no
justo valor. Também os activos financeiros registados
pelo custo, como acontece com instrumentos de capital
próprio não cotados registados pelo custo (porque o
seu justo valor não pode ser fiavelmente mensurado),
as reversões das perdas de imparidade não são aceites
(IAS 39.66). Se é perfeitamente possível verificar que
Contabilidade
estes activos possam estar em imparidade por existirem indicadores que o permitem, tal não acontece no
caso de já não se encontrarem em imparidade. Por este
motivo, o consenso atingido pelo IFRIC 10 é aceite e
proposta a sua adopção (EFRAG, 2006).
Outra das razões apontadas para a concordância com
o consenso da IFRIC 10 passa pelo facto desta solução estar de acordo com a presente literatura do US
GAAP, fazendo com que aumente a convergência entre
o US GAAP e as IFRSs (IASB GAAP) (FSR, 2006).
De referir que o Memorando de Entendimento IASB/
FASB (IASB/FASB MoU) comprova estes esforços
consistentes de convergência (EFRAG, 2008).
4.4 Outras Considerações
Surgiram também outras opiniões, nomeadamente
quanto ao reconhecimento das perdas de imparidade
do goodwill e suas reversões. Como foi já referido, o
valor recuperável de um activo deve ser estimado a
cada data de relato e, para além disso, deve ser testada
anualmente a imparidade do goodwill adquirido numa
concentração de actividades empresariais (IFRS 3.55,
IAS 36.9 e 36.10). Por outro lado, considerando a IAS
36.90, a imparidade nas UGC com goodwill imputado,
deve ser testada sempre que exista uma indicação de
que essa unidade possa estar com imparidade. Isto significa que, existindo perdas de imparidade no goodwill
estas devem ser reconhecidas no momento em que se
verificam (SAICA, 2006 e CNC, 2006). A conclusão
emergente é a que, desta forma, o relato financeiro
anual não é afectado pelo RFI (SAICA, 2006 e Conseil
National de la Comptabilité, 2006). Assim, de acordo com estas opiniões o problema relativamente ao
goodwill nem sequer se coloca, não existindo, neste
caso, qualquer conflito entre as duas normas.
A tempestividade dos testes de imparidade reveste-se
de grande importância no contexto da IFRIC 10. É
necessário que seja definido quando devem ser efectuados estes testes pois se, por um lado, parece que o
goodwill deve ser sempre monitorizado (apesar de na
IFRIC 10 não existir qualquer referência a este facto),
por outro, nos activos financeiros, em que a norma
apenas refere que deve ser testado na data de balanço
(IAS 39.58), também pode ser discutida a sua monitorização (AIC, 2006).
4.5 Regras ou Princípios? O Problema Conceptual
Muitas das respostas referiram que este assunto não
deveria ser resolvido pelo IFRIC, ou seja, não deveria
ser resolvido através de uma interpretação. Deveria,
sim, ser resolvido pelo IASB com a alteração das normas (IASB, 2006). Até porque, tal como definido no
51
Contabilidade
parágrafo 36 da constituição da IASC Foundation,
o IFRIC interpreta a aplicação das IASs e IFRSs e
apresenta orientação para assuntos que não estão especificamente tratados nas IASs e IFRSs. Os conflitos
entre normas devem ser tratados através de correcções
às normas – as interpretações não têm esse objectivo
(ICAC, 2006). Dada a importância das questões em
aberto deveriam existir emendas às normas em questão
(KPMG, 2006). As soluções apresentadas passam, pela
alteração da IAS 39.58 de modo a que a imparidade
para os activos financeiros aqui tratados seja testada
sempre que os indicadores o obrigarem (Ernst & Young,
2006). Desta forma, e de acordo com o discutido anteriormente para o goodwill, não teriamos conflitos entras
as normas. Outra das soluções passa por o problema ser
de base conceptual, e que o conflito surge na IAS 34.28
quando é apontada, para o RFI, a abordagem discreta e
a abordagem integral, isto é, considerar o período intercalar como um só, aplicando as mesmas políticas contabilísticas que se adoptam no relato anual e, ao mesmo
tempo, dizer que o RFI não pode afectar os resultados
anuais. Sob este ponto de vista, a melhor solução seria
a alteração da IAS 34 (IOSCO, 2006).
Mereceu também alguma preocupação a hipótese da
interpretação emitida pelo IFRIC não ter sido baseada em princípios ou conceitos (IASB, 2006). Como se
sabe, neste momento, a tendência é para as normas de
contabilidade serem baseadas em princípios, ou seja,
52
num quadro conceptual. Só desta maneira será possível servir as necessidades das empresas e o interesse
público. Se assim for, existirá maior flexibilidade na
análise de situações novas, o que seria impossível se
as normas se baseassem em regras. Na realidade, as
regras apenas emprestam complexidade desnecessária
e encoraja a utilização da chamada “contabilidade
criativa”. Estas aparecem com o desejo de maior comparabilidade das demonstrações financeiras, mas em
contabilidade a completa comparabilidade nunca será
possível (ICAS, 2006). O ICAS definiu regra como
sendo “um meio de estabelecer um método ambíguo
de tomada de decisão” em que muitas vezes “as regras
são arbitrárias e não reflectem os princípios que lhes
servem de base” (ICAS, 2006).
Assim, muitas opiniões foram no sentido que esta
interpretação foi emitida padecendo de falta de base
conceptual. Na realidade está a impôr regras, pois o
parágrafo BC9 das BCs da IFRIC 10 refere entender
que as proibições da IAS 36 e 39 prevalecem sobre a
IAS 34 visto serem mais específicas. Pelo contrário, também se pode considerar que a IAS 34 é mais
especifica no que concerne ao relato intercalar (AIC,
2006). Ademais, a proibição da aplicação da IFRIC 10
a outras situações por não terem sido estudadas, é uma
situação pouco satisfatória sob o ponto de vista conceptual, uma vez que a interpretação deve ser baseada
em princípios (AIC, 2006 e FRSB – NZICA, 2006).
Pedro Carvalho
5 CONCLUSÕES
O reconhecimento das reversões de perdas de imparidade no goodwill, nos investimentos em instrumentos
de capital próprio classificados como disponíveis para
venda e nos activos financeiros escriturados pelo custo
reveste-se de especial importância no contexto da emissão das DFI. Verificam-se conflitos entre as normas que
regulam a imparidade de activos e o relato intercalar.
Por este motivo, não existindo um consenso quanto à
sua utilização, as diversas entidades poderiam ter a sua
própria interpretação pondo em causa a comparabilidade e a consistência das demonstrações financeiras.
A solução encontrada foi a emissão de uma interpretação, a IFRIC 10, de modo a que os procedimentos
pudessem ser normalizados. Esta é uma questão polémica e de consenso reduzido, dado que o modo como
foi tratada pode originar diferenças nos resultados das
entidades, dependendo da frequência do relato. Isto
significa que poderemos ter, também aqui, problemas
de comparabilidade entre demonstrações financeiras de
Contabilidade
entidades virtualmente iguais, em que a única diferença é a frequência de relato. No entanto, foi a melhor
solução encontrada no curto prazo.
De acordo com a maioria das opiniões, a solução
para a resolução do problema seria uma alteração
às próprias normas, de modo a desfazer os conflitos
existentes. Esta seria a solução conceptualmente mais
correcta embora mais morosa. A importância do tema
é elevada pois, como referido, o resultado das empresas
é afectado, influenciando as decisões dos investidores e,
consequentemente, dos mercados financeiros.
Este é um assunto que está longe de estar encerrado
e que certamente iremos continuar a assistir à sua
discussão.
BIBLIOGRAFIA
AASB – UIG (Australian Accounting Standards Board – Urgent Issues Group), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation
D18, Melbourne (www.iasb.org)
AIC (Accounting Interpretations Committee), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Berlim (www.iasb.org)
Comissão Europeia, 2007, Regulamento (CE) nº 610/2007 de 1 de Junho de 2007, Jornal Oficial da União Europeia de 2 de
Junho de 2007
CNC (Conseil National de la Comptabilité), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Paris (www.iasb.org)
Delloitte, 2006, IAS 34 Interim Financial Reporting: Interaction with IAS 36 and IAS 39, Londres
(www.iasplus.com/ifric/ias34interaction3639.htm)
Delloitte, 2007, Interim Financial Report – A guide to IAS 34, Londres (www.iasplus.com)
Ernst & Young, 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Londres (www.iasb.org)
EFRAG (European Financial Reporting Advisory Group). 2006, Carta dirigida à Comissão Europeia, Adoption of IFRIC 10 Interim
Financial Reporting and Impairment, Bruxelas (www.efrag.org)
EFRAG (European Financial Reporting Advisory Group), 2008, Draft comment letter dirgido ao IASB – The IASB/FASB
Memorandum of Understanding, Bruxelas (www.efrag.org)
FEE (Fédération des Experts Comptables Européens), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Bruxelas
(www.iasb.org)
FSRSB-NZICA (Financial Reporting Standards Board - New Zealand Institute of Chartered Accountants), 2006, Comentários ao
IFRIC Draft Interpretation D18, Wellington (www.iasb.org)
FSR (Foreningen af Statsautoriserede Revisorer), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Copenhaga
(www.iasb.org)
G100, 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Sidney (www.iasb.org)
IASB (International Accounting Standards Board), 2006, Analysis of comment Letters on IFRIC Draf Interpretation D18, 2006,
Londres (www.iasb.org)
ICAC (Instituto de Contabilidad y Auditoría de Cuentas), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Madrid
(www.iasb.org)
ICAS (The Institute of Chartered Accountants of Scotland), 2006, Principles Not Rules – A Question of Judgement, Edimburgo
(www.icas.org.uk)
IFRIC (International Financial Reporting Interpretation Committee), 2006, IFRIC Draft Interpretation D18, Londres
IOSCO (International Organization of Securities Commissions), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Madrid
(www.iasb.org)
KPMG, 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Londres (www.iasb.org)
Rodrigues, J., 2005, Adopção em Portugal das Normas Internacionais de Relato Financeiro, 2ª edição, Áreas Editora, Lisboa
SAICA (The South African Institute of Chartered Accountants), 2006, Comentários ao IFRIC Draft Interpretation D18, Bruma
Lake (www.iasb.org e www.saica.co.za)
53
Download

Contabilidade O Sistema de Normalização Contabilística